Esta é segunda edição da Revista Tormenta, que compila alguns dos principais artigos de análise, entrevistas e traduções que fizemos sobre as lutas sociais radicais no Brasil e outros países em 2021. Escrevemos ainda sob os efeitos da maior pandemia do século agravada por um dos governos mais desastrosos que já dominaram este território. Gostaríamos de estar aqui comentando os avanços das lutas antifascistas em 2021, mas os eventos nos limitam buscar ânimo e recuperar o fôlego depois que o potencial das mobilizações de rua se chocaram com os medos e de desejos legalistas de partidos e movimentos alinhados com a lei burguesa. Esses sim lutaram como nunca para pacificar as ruas. Entre sonhos de trazer uma imagem do passado de governos petistas e a falta de senso crítico, preferiram se juntar à direita e negociar a paz com a polícia. Vimos os atos antibolsonaristas serem rifados pelas frentes amplas de partidos e centrais sindicais. A criminalização, a agressão física e até a fabricação de “infiltrados” serviu para isolar qualquer forma de ação combativa, linhas de frente e blocos autônomos capazes de defender manifestantes e atacar as estruturas de poder capitalista e estatal.
Enquanto no oeste da Europa, ou países como Índia, Tunísia e Grécia, a ciência e o combate à pandemia são usados como pretexto para a repressão policial, por aqui a mentalidade obscurantista do governo faz uso de discursos anticientíficos (ou de uma metódica ciência eugenista) para deixar morrer centenas de milhares de pessoas de uma infecção evitável – que em seu segundo ano, não conta sequer com dados sobre infecções e hospitalizações transparentes. Como previmos, o governo de Jair Bolsonaro e seus militares segue inabalado apesar da CPI da Covid enumerar seus inúmeros crimes contra a vida e a deliberada propagação do vírus. Ainda que os governos de extrema-direita estejam perdendo tração e sendo derrotados nas urnas nos últimos dois anos, não podemos ter a esperança de que eleições eliminem o bolsonarismo e o fascismo da política, da polícia ou das ruas. Construir a luta radical, de base, direta e autônoma será necessário para provar mais uma vez que a institucionalidade e a democracia representativa nunca foram atalhos para uma transformação social real.
Esperar que um novo governo PT reproduza, no atual contexto de resseção e retração dos investimentos externos, a política econômica que aliviou a miséria de milhões no início dos anos 2000 é tão absurdo quanto esquecer o aumento de 620% do encarceramento, as UPPs, os desalojos de milhares de pessoas para obras da Copa e Olimpíadas, lei antiterrorismo, o uso do exército como polícia e toda a estrutura repressiva que o atual governo herdou – se alguém se espanta com o a atuação do General Heleno, atual ministro-chefe do GSI, deve lembrar dos massacres que ele comandou no Haiti em nome do governo Lula. A volta do PT ao governo pode afrouxar a corda nos nossos pescoços, mas a forca estará sempre montada para ser usada, especialmente quando a extrema-direita tomar o poder novamente.
Após o fracasso de Trump em se reeleger, da vitória de Boric no Chile e as pesquisas eleitorais apontarem Lula como favorito em 2022, é possível que vejamos os limites dos governos de aspiração fascista e estilo populista. O extremismo dos que se dizem “sem viés ideológico” carrega tanta ideologia que os torna capazes até de ignorar dados científicos primários – em vez de utilizá-los em prol da gestão neoliberal e se apresentarem como heróis com a solução para a pandemia. As mortes e prejuízos econômicos e diplomáticos dessa equação podem não ser capazes de manter o poder em suas mãos por muito tempo. No entanto, apesar da perícia petista em gestão, conhecemos bem os limites dos governos progressistas que falharam em sanar os efeitos catastróficos do neoliberalismo nas Américas nas últimas décadas. Enquanto buscam respeitar as leis e a etiqueta dos ritos democráticos, não conseguem competir com as paixões mobilizadas pela direita que declara abertamente seu ódio às minorias, afirma que opositores são inimigos e devem ser eliminados, que seus apoiadores devem se armar e que somente uma “guerra civil resolverá os problemas do país”.
O moralismo de esquerda ainda não é páreo para a radicalidade do pânico moral fascista. Muito menos para eliminar sozinho a estrutura mafiosa dos militares se mantiveram no poder ao fim da ditadura e construíram uma base miliciana, com grupos de extermínio e toda sorte de crime organizado que hoje celebra e se beneficia do governo Bolsonaro. Sabemos, também, que apesar das forças de centro-esquerda se colocarem como oposição ao bolsonarismo, sua possível volta ao governo servirá mais uma vez como recomposição das forças com a manutenção do pacto de pacificação e amansamento das possibilidades de insurreição. O plano deles é que “tudo mude” para que permaneça exatamente igual.
Podemos esperar um dos mais conflituosos anos eleitorais. A promessa de violência nas ruas para contestar qualquer resultado negativo nas urnas já está feita. E a demonstração de que há números e disposição para ocupar as ruas foi feita no último 7 de setembro. Subestimar o potencial de seus militantes mais fanáticos é ignorar a influência que a invasão do Capitólio em janeiro de 2021 pode ter sobre o bolsonarismo por aqui.
A eleição vai colocar como nunca esse embate à prova, às custas da pacificação de qualquer oposição radical nas ruas contra esse governo. Além de espalhar mais uma vez uma outra campanha para mostrar que existe ação política além do voto, devemos combater tanto a ordem que a esquerda neoliberal quer impor quanto o caos dentro da ordem que esse governo fascista quer fazer crescer. Não importa quem for eleito, seremos ingovernáveis!!
VÍDEO: FIM DE ANO / FIM DO MUNDO
Para enterrar esse ano e abrir um novo ciclo de lutas, aqui uma mensagem de ano novo do coletivo Antimídia, com quem tivemos a honra de colaborar em diversos vídeos em 2021: