BLACK BLOCS E LIBERTAÇÃO ANIMAL – 10 anos de uma das ações radicais mais emblemáticas de 2013

Exatamente 10 anos atrás, em outubro de 2013, um protesto contra o uso de animais em testes realizados em um laboratório no interior do estado de São Paulo se transformou em uma das mais emblemáticas ações diretas daquele ano que mudou o cenário político e os movimentos sociais no Brasil. O evento por si só já chama a atenção pelo tamanho, pela eficiência das diferentes ações e pelo sucesso alcançado, ainda mais no contexto brasileiro, pouco familiarizado com ações radicais pela libertação animal aliada a uma perspectiva anticapitalista.

Acreditamos ser importante revisitar tais acontecimentos para aprender com suas limitações e desenvolver seus acertos no que diz respeito a diversidade de táticas, coordenação de diferentes movimentos, radicalidade e contundência da ação que pode inspirar outros grupos e novas campanhas. Para isso, revisitamos essa breve análise e entrevistas feitas logo nas semanas seguintes com duas participantes das linhas de frente dessas ações.

A ação em São Roque: bons exemplos mas não um modelo pronto

Após dias acorrentadas nos portões do Instituto Royal, na cidade de São Roque, denunciando o uso e o assassinato de animais com técnicas como a vivissecção (cortar animais ainda vivos e sem anestesia para experimentações), ativistas atraíram a atenção da mídia e de outras organizações para a causa. E na madrugada do dia 18 daquele mês a manifestação se tornou uma ação de resgate dos animais que libertou quase 200 cães da raça beagle e dezenas de ratos. Toda a ação foi fotografa e filmadas pelas participantes.

Do lado de fora do laboratório, a estrada foi tomada por barricadas logo pela manhã. Uma viatura da polícia militar e um carro da imprensa foram queimados por manifestantes. Algumas pessoas menos acostumadas com a dinâmica de resistência em protestos de rua ainda tentaram formar uma barreira para proteger os carros de emissoras de TV da destruição, mas não adiantou. Do lado de dentro, jaulas foram esvaziadas, computadores, documentos e materiais de pesquisa foram destruídos. Paredes pixadas por símbolos da Frente de Libertação Animal (ALF) e ruas tomadas por Black Blocs que montaram barricadas para impedir que a tropa de choque chegasse ao laboratório e prendesse manifestantes.

Carro de emissora de TV depredada e viatura da Polícia Militar incendiada na estrada em frente ao laboratório.

Para muitas pessoas ali, era como se enfim chegasse o dia que toda uma geração de movimentos pela libertação animal, anticapitalistas e anarquistas sonharam e trabalharam para ver. Era o momento em que táticas radicais se encontram, convergem permitindo que movimentos distintos, com táticas distintas, operassem em conjunto para uma ação efetiva. Foi possível atingir tanto seu objetivo imediato (resgatar os animais e impor consequências ao laboratório pelo uso e tortura dos mesmos), quanto objetivos de médio e longo prazo (o fechar o laboratório e a educar a opinão pública sobre o tema). A ação chamou a atenção do público geral e tomou as notícias em todo o país, provocando uma mudança inédita no imaginário das pessoas sobre o que é possível fazer em uma ação direta pelos animais e educando as pessoas sobre o quão perverso e inútil são os testes em animais e o uso dos animais para qualquer fim. Tudo isso devido a uma janela de possibilidades aberta nas ruas em junho de 2013 nos grandes levantes contra o aumento das passagens no transporte público.

A invasão do Instituto Royal é um exemplo emblemático mas que também desperta curiosidade e demanda reflexão. Como nas ruas tomadas na luta contra o aumento em todo o país em junho daquele ano, a batalha em São Roque contou com a presença de uma grande diversidade de pessoas. Diferentes idades, posições políticas, classes sociais e também diferentes táticas e modos de luta e organização: ativistas que defendem o “bem estar animal” (ou que focam sua ação apenas em cães e gatos) estavam lado a lado com grupos veganos anticapitalistas. Personalidades da TV ou manifestantes de classe média que defendem a causa animal protegidas atrás de barricadas feitas por Black Blocs anarquistas. Um mosaico de inúmeras formas e contextos de luta se aliaram com um objetivo comum. A articulação prévia de longos dias foi organizada por um número reduzido de pessoas e catalisou a luta que surgiu de forma espontânea para centenas de pessoas que aderiram ao movimento imediatamente após um chamado aberto para a ação direta. Uma estratégia improvisada e repentina se tornou a principal arma contra uma polícia despreparada e incapaz de prever os movimentos de pessoas determinadas a agir.

Animais foram resgatados, o laboratório declarou falência e o impacto nas leis e na opinião pública foi maior do que todo o ativismo estritamente legalista ou outros protestos simbólicos contra a empresa durante os cinco anos anteriores: até o início de 2014, novas leis que regulam e restringem o uso de animais em testes foram aprovadas, incluindo a proibição desse tipo de teste para cosméticos em todo o país. O que nos prova que mesmo quando as pessoas querem apenas reformas, novas leis ou o fim de uma instituição opressiva, é melhor demonstrar força popular para realizar essas mudanças por nossas própria ações do que pedir pacificamente e esperar a boa vontade de poderosos. Se nos mostrarmos irredutíveis e com disposição para ação, as autoridades vão correr para nos atender antes que consigamos algo por nossa conta. Nesse momento é que os movimentos devem buscar ainda mais força para dobrar as autoridades.

Manifestantes rompendo as barreiras policiais e ativistas resgatando cães dentro das dependências do Instituto Royal.

A invasão ao Instituto Royal serve com um exemplo de sucesso obtido quando a organização de longo prazo encontra a imprevisibilidade de ações imediatas, inovadoras e capazes de mudar de táticas para encontrar uma brecha no sistema, antes que a repressão policial seja capaz de reagir à altura. Questionando o discurso tradicional das lutas sociais legalistas, vimos que a diversidade de táticas e de formas de organização, quando aliadas, podem ser a chave para vitórias que tornam possível o que era até mesmo impensável.

Ainda assim, o episódio é um bom exemplo e não um modelo ou receita a serem seguidos metodicamente. Mais do que buscar repetir suas táticas e etapas de ação, é preciso entender e assimilar as posturas que permitiram o sucesso da ação. Mesmo conflituosa e divergente para muitas pessoas que participaram, a ação mostra que uma diversidade de táticas e frentes de luta diferentes pode ser muito mais eficientes, tanto a curto quanto a longo prazo. Diferentes níveis de luta, como ação direta e confronto com forças de repressão, mídia independente e autônoma, comissões legais e porta-vozes, ajudam a distribuir a legitimidade dos movimentos e torna difícil a tentativa do Estado de isolar e silenciar “minorias infiltradas” ou “grupos radicais” do resto da luta. Essa harmonia e cumplicidade entre formas diferentes de ação se mostrou muito efetiva para libertar os animais, impor danos ao laboratório e não dividir o movimento entre “legítimos” e “ilegítimos”, “legais” ou “ilegais”, impedindo que as autoridade encontrassem divisões fáceis entre participantes que permitisse isolar e prender quem realizou ações ilegais de invasão, dado a propriedade.

O sucesso imediato e a continuidade do debate sobre o uso de animais como objetos e sua condição de propriedade em um sistema capitalista conseguem ir para além do reformismo bem-estarista (que visa apenas regular o uso de animais) e desafia o moralismo burguês dos movimentos abolicionistas (que lutam para que nenhum animal seja considerado propriedade) que se baseiam, muitas vezes, em princípios pacifistas como valores absolutos.

Black Blocs formando um cordão de proteção para bloquear o avanço da polícia em direção ao laboratório.

É necessário sempre repensar táticas, ser capaz de inovar e sempre fazer uma autocrítica. Não há problema na radicalização das ações antiautoritárias e de libertação. O problema não é atacar ferozmente o sistema, mas sim não continuar atacando. Somente a radicalização aliada ao debate sobre uma diversidade de táticas e discursos pode impedir que a legitimidade das lutas seja determinada pela mídia, pelo Estado ou por ativistas privilegiados – empresários, apresentadoras de TV e políticos – que buscam sequestrar lutas sociais organizadas por pessoas anônimas ou invisibilizadas como forma de acumular ainda mais poder e privilégios.

Para compreender um pouco mais de como foi a luta por trás das barricadas e por baixo das máscaras, publicamos aqui dois relatos escritos por pessoas que estiveram na invasão do laboratório. Elas contam como foram esses momentos de luta e descrevem sua importância para ações futuras. É preciso mais debates e, principalmente, mais ações que desafiam as leis e as “receitas de bolo” revolucionárias.

Por uma luta de libertação animal e humana total, radical e anticapitalista!

Primeiro Relato:

Em meio ao instável cenário político que veio após os protestos de junho de 2013, ativistas pelos direitos animais começaram uma campanha para fechar o Instituto Royal, um laboratório localizado no interior do estado de São Paulo conhecido pelos testes em animais e pelas práticas de vivissecção.

Após alguns dias atraindo atenção para o assunto e para esse estabelecimento em particular, a noite que mudaria como a mídia, a população e até legisladores encaram a vivissecção estava por vir. E sua história seria escrita através da ação direta. Naquela noite, em especial, as pessoas se reuniam em frente ao portão do laboratório atraídas pelas notícias que circulavam nas mídias sociais. No momento que cheguei àquela área rural cortada por estradas de terra e algumas poucas casas, a polícia estava guardando os portões e podíamos ver funcionários e seguranças privados andando dentro do prédio. Caminhões entravam e saíam, aparentemente, levando documentos e animais por medo de uma invasão. Mas essa não era uma ação da Frente de Libertação Animal (ALF). Pessoas de todos os tipos estavam presentes. Algumas só se importavam com os beagles, outras com apenas cães e gatos em geral, outras eram ativistas dos direitos animais. Black Blocs também estavam lá e até apresentadoras de TV que apoiam causas animais chegaram pois a mídia começou a divulgar que uma invasão estaria para acontecer. O que fez com que a mídia burguesa aparecesse e também mais pessoas em geral.

A polícia logo ficou em menor número e claramente incapaz de lidar com o fenômeno que tomava forma ali. É importante lembrar que São Roque fica a uma hora de qualquer cidade maior. Em poucas horas éramos muitas à postos naquela estrada sem saída cercada de mato. A estrada termina em um portão com uma largura que cabe 15 pessoas enfileiradas. De repente não parecia mais ser uma barreira e a polícia já demonstrava não estar preparada para a situação. O que pode dizer que eles poderiam reagir de forma desproporcional, mas como não se tratava do batalhão de choque, era mais provável que iriam apenas recuar. Especialmente devido à diversidade da multidão composta por senhoras de cinquenta ou sessenta anos junto a estudantes e pessoas vestidas como um Black Bloc.

Por volta da meia noite os carros do laboratório não conseguiam mais sair pelo portão e os latidos dos cães nos lembrava que as pessoas do lado de fora não eram as únicas apreensivas. Redes sociais funcionavam fortalecendo centenas de nós que estavam ali. Às duas da manhã, no dia 18 de outubro, ficou óbvio que haveria uma invasão. Bastou alguém tomar a iniciativa de começar a bater no cadeado do portão com uma pedra para que todo mundo ver que estava na hora. O portão já estava sendo derrubado enquanto gente cortava as cercas e a multidão pressionava em todas as possíveis entradas.

Entramos! Uma pequena estrada leva ao prédio principal, com mais portas a serem quebradas e arrombadas. A polícia só conseguia olhar e a mídia estava lá dentro também com as câmeras ligadas. A maioria das pessoas usava máscaras como em um resgate aberto. Algumas de nós, que temiam o que podia acontecer depois, tínhamos o cuidado de cobrir nossos rostos.

Um por um, quase 200 beagles foram transportados no colo subindo o morro até onde, há poucos minutos, havia um portão onde outras ativistas esperavam com seus carros – praticamente todo mundo chegou lá de carro porque não havia outro meio de transporte para o local a essa hora da noite. Quem libertava os cães de suas jaulas não sabia para onde eles estavam sendo levados. O que importava era que estavam sendo libertos da exploração. Isso foi útil quando ativistas que estavam lá dentro sob o foco das câmeras começaram a ser identificados e sofrer acusações por roubar “propriedade privada”. Como argumentamos, as chamadas “propriedades” nunca foram tomadas como posse daquelas pessoas que os tiraram de lá.

Um grupo de advogados voluntários se formou para defender quem era identificado e uma rede clandestina de veterinárias se dispuseram a remover chips que poderiam identificar animais adotados. Curiosamente, um deputado que atua na área de bem estar animal também estava presente durante o resgate, atraído pela presença da mídia e pela multidão de ativistas. Ele adotou dois beagles que passaram a morar em sua casa e poucos dias depois a mídia estava lá para filmar os cães e contar sua história. Em seu benefício, a lei brasileira diz que um membro do congresso não pode ser acusado desse tpo de crime enquanto exerce seu mandato. Para pessoas menos privilegiadas, podíamos apenas ter a companhia de alguns beagles que sofreram abusos, com sinais de mutilação e traumas psicológicos que às vezes são difíceis de notar.

A invasão foi realmente uma cena caótica, sem planejamento prévio, nenhuma direção e, provavelmente, não é um modelo a ser repetido. Sua espontaneidade foi a mágica que fez com que tudo fosse possível. Sua diversidade foi um fator que fez os números de participantes possíveis e a repressão impossível. A compaixão de todo mundo presente foi a força que ampliou seu significado para além dos indivíduos salvos.

Poucas semanas depois, após extensiva e persistente cobertura da mídia sobre o assunto, leis começaram a ser propostas na cidade, no estado e no país. A prefeitura mandou trancar o laboratório e manifestantes mantiveram a pressão até que o Instituto Royal anunciou seu fechamento no dia seis de novembro. Ainda assim, eles recusavam a liberar os animais que ainda estavam lá durante o primeiro resgate. Então uma nova e legítima ação da ALF realizada no dia 13 de novembro por uma pequena célula resgatou os 300 ratos que ainda estavam lá e nenhum animal esteve presente para testemunhar os últimos momentos do Instituto Royal.

Interior do laboratório atacado durante a madrugada.

Tendo em vista as elevadas e irreparáveis perdas e os danos sofridos em decorrência da invasão realizada no último dia 18 – com a perda de quase todo o plantel de animais e de aproximadamente uma década de pesquisas -, bem como a persistente instabilidade e a crise de segurança que colocam em risco permanente a integridade física e moral de seus colaboradores, os associados concluíram que está irremediavelmente comprometida a atuação do Instituto Royal para dar continuidade à realização pesquisa científica e testes mediante utilização de animais. Por este motivo, o Instituto decidiu encerrar suas atividades na unidade de São Roque”

Declaração do Instituto Royal em 06/11/2013 sobre seu fechamento.

Vídeo da segunda invasão ao Instituto Royal para resgatar ratos que ainda estavam presos.

Segundo Relato:

Nós fomos de carro de São Paulo a São Roque em três pessoas no segundo dia de manifestação. Ativistas que retiraram os cães ficaram a noite toda lá e, no dia seguinte, iriam retirar os roedores que restaram. Eu cheguei em São Paulo pela manhã e nós chegamos no instituto no começo da tarde, a Rodovia Raposo Tavares já estava interditada pela Polícia Militar muito antes. Chegando lá havia muito tumulto e uma divisão bem clara: de um lado, ativistas pacifistas pelos cães com faixas e dizeres cristãos, se recusando a cobrir o rosto e mantendo distância do conflito com a Tropa de Choque. Do outro, pessoas de máscaras e bandanas iam de encontro a linha policial. A polícia parecia estar evitando o conflito e focando na porta do instituto, que já estava fortemente protegida pela PM para evitar a segunda entrada dos militantes. Uma viatura foi incendiada e logo após outro carro de uma emissora de TV também estava em chamas. A polícia interviu muito após isso para tentar dispersar a manifestação e me juntei a um grupo que se formou para tentar entrar no instituto através da mata em volta. Pulamos uma cerca e tentamos dar a volta para entrar pela parte de trás onde não havia policia, mas havia helicópteros sobrevoando o local e nos escondemos em uma casa abandonada. De lá chegamos perto dos limites do instituto para encontrar com uma segurança privada, sem identificação e portando de armas de fogo.

A PM percebeu a tentativa de entrar por trás e começou a perseguir alguns manifestantes dentro da mata. O grupo inicial havia se dividido em vários por não concordar em como entrar no instituto. Havia ainda ativistas que se recusam a cobrir o rosto por insistir em que resgatar animais não consistia em crime. E foi esse o sentimento que persistiu do começo ao fim.

Considerando que as pessoas que organizaram a manifestação inicial são pacifistas e cristãs, houve muita desorganização por conta desse racha ideológico. As pessoas pacifistas colocaram muito em risco a identidade e segurança de quem se dispôs a entrar no instituto e enfrentar a polícia.

Por fim, encurralados, saímos da mata muito longe do instituto e fomos cercadas por bombas de gás. A manifestação foi se dispersando no fim da tarde e só nos restou o plano de voltar em outra ocasião.

Havia pessoas de várias partes do país. Todas as placas, cercas, carros e estruturas no perímetro do instituto foram destruídas. Em comparação a junho de 2013, houve muito mais organização, disposição em se arriscar e união. Todos presentes nas ações radicais sabiam claramente qual era o objeto e que tal objeto era extremamente legítimo. Motivadas de maneira quase emotiva, as pessoas viram claramente que aquilo era apenas o começo e que a PM não era capaz de frustrar nossas tentativas, tamanha a presença e vontade de muitas pessoas dispostas a libertar aqueles animais por quaisquer meios necessários. Esse evento inspirou o resgate das chinchilas em Itapecirica e outras ações. E independente de rachas ideológicos, foi possível conciliar a disposição dos Black Blocs em se arriscar com a força legalista para fechar o instituto Royal permanentemente e proteger as pessoas que tiveram suas identidades expostas.

Um acontecimento sem precedentes no Brasil e uma semente que, acredito eu, ainda vá germinar em forma de um Frente pela Libertação Animal concreta.


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A REVOLTA POPULAR NO PERU – Anarquistas Discutem a Revolta Contra a Violência Policial e o Estado de Emergência

Em dezembro de 2022, uma onda de protestos populares liderados por camponeses e os movimentos indígenas varreram o Peru depois que o ex-presidente Pedro Castillo sofreu impeachment após uma tentativa fracassada de dissolver o legislativo e sua vice-presidente, a conservadora Dina Boluarte, assumiu o governo. Em 14 de dezembro, o ministro da Defesa, Alberto Otárola, decretou estado de emergência, suspendendo a liberdade de reunião, a liberdade de ir e vir, a inviolabilidade do lar e outros direitos. No entanto, os protestos só aumentaram de intensidade. Em 18 de janeiro, movimentos populares do sul do Peru marcharam até a capital em uma mobilização conhecida como “Tomada de Lima”. Estudantes e sindicatos os receberam, juntando-se aos protestos para exigir novas eleições para a presidência e o legislativo. Em resposta, a polícia matou mais de 60 pessoas e feriu milhares. Para uma visão direta desses acontecimentos, conversamos com anarquistas peruanos, na esperança de obter uma perspectiva sobre os aspectos desse movimento que ultrapassam a política de estado.


O Peru tem uma longa história de golpes de estado no poder e violência estatal e paramilitar no campo. Após uma crise envolvendo a falta da última página de um contrato entre o governo peruano e a Companhia Internacional de Petróleo, o general Juan Velasco Alvarado derrubou o presidente eleito Fernando Belaúnde Terry em 1968. A partir da década de 1980, o grupo armado maoísta Sendero Luminoso conduziu uma guerra de guerrilha no campo que ceifou dezenas de milhares de vidas. O presidente Alberto Fujimori dissolveu o Congresso em 1992 para obter o poder absoluto, que manteve por meio de uma vasta rede de atividades secretas coordenadas pelo chefe do serviço de inteligência do Peru, Vladimiro Montesinos – até ser derrubado em 2000 após uma eleição fraudulenta. Em novembro de 2020, protestos generalizados forçaram o presidente interino Manuel Merino a renunciar após apenas cinco dias no cargo.

Mais recentemente, o vizinho Equador viu revoltas em 2019 e 2022, nas quais grupos de base ligados à Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE) desempenharam um papel central na resistência às medidas de austeridade impostas pelo Estado. Algo semelhante ocorre hoje no Peru, onde um movimento composto principalmente por camponeses e indígenas interrompeu o funcionamento do capitalismo extrativista, afirmando seus próprios interesses e estruturas organizacionais fora do quadro do poder estatal.

À medida que uma nova série de tentativas de golpe ocorre nas Américas, do 6 de janeiro de 2021 nos Estados Unidos ao 8 de janeiro de 2023 no Brasil, é importante aprender como os movimentos populares podem manter a resistência diante da repressão policial – especialmente movimentos envolvendo os explorados e excluídos.

Conversamos com participantes do Periodico Libertária, publicação anarquista que surgiu como parte da resistência ao regime peruano. Seu objetivo, como eles dizem, é “a libertação total dos Andes e de todo o território dominado pelo estado assassino chamado ‘Peru’”.

Capa da primeira edição do Periodico Libertária, com o slogan “Espalhamos a anarquia quando podem”. O balão diz “Um misantropo que também é filantropo, é um pouco difícil de entender” e a legenda diz “Oxímoro: Protesto dos trabalhadores do IPC em Lima, 29 de junho de 1956”.

Em outros países, são muito escassas as informações que recebemos sobre a revolta que ocorre neste momento nas ruas peruanas. A mídia noticia de forma superficial que há manifestações e greves, com repressão policial que já matou dezenas de pessoas e feriu milhares. Ainda assim, pouco se discute sobre o contexto e quando se fala, mantém-se o binário: apoio a Pedro Castillo, presidente que tentou dissolver o Congresso e aplicar um golpe, ou a destituição de Dina Boluarte, sua vice que assumiu o cargo depois do Impeachment do presidente, e também a demanda popular pela realização de uma nova eleição. Mas sabemos que as revoltas estão sempre para além dessas simplificações e, por isso, é preciso entender o contexto e as lutas recentes nos territórios onde as insurreições acontecem. Sendo assim, gostaríamos que você escrevesse uma história de uma perspectiva anarquista sobre o que está acontecendo lá no momento e quais são as possíveis conexões com outras insurreições que ocorreram na chamada América Latina?

Normalmente, os meios de comunicação de massa cobrem os protestos no exterior como algo isolado e localizado, mesmo que o que está acontecendo esteja a apenas alguns quilômetros de distância. Nos meios de “comunicação” existe o receio de expor problemas estruturais e analisá-los em profundidade. Sabe-se que no Peru vivemos um processo antiautoritário que poderia ocorrer em qualquer país latino-americano, especialmente considerando a coincidência e a origem dos problemas – racismo estrutural, pobreza extrema, corrupção institucionalizada e uma violenta democracia neoliberal.

Nesse caso, a repressão do atual governo tem sido caracterizada pelo racismo desenfreado. Houve massacres em cidades dos Andes e do Altiplano [as montanhas e planaltos do Peru]. Obviamente, a desprezível imprensa amarela não tem apresentado uma representação fiel da realidade. Enquanto a militarização continua em várias cidades – como Ica, no litoral, e Puno, no altiplano – o último assassinado em Lima (28/01/23) foi descrito pela mídia como mero delinquente quando sua morte foi transmitida no um canal a cabo no país. Há um constante confronto assimétrico entre as armas do Estado e as lutas dos povos em busca da liberdade.

No que diz respeito às conexões com outros eventos, sem esquecer os problemas específicos deste território e o caráter camponês da revolta peruana, as referências mais próximas são as experiências antiautoritárias de outubro de 2019 da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE). A diferença está na ausência de grandes organizações indígenas, já que a Confederación Campesina del Perú (a Confederação Campesina do Peru fundada em 1947) sofreu o violento assédio do Sendero Luminoso (grupo marxista) e também a perseguição do ditador Alberto Fujimori, resultando em sua atual desintegração. Para compensar esta ausência existem as organizações camponesas de base , tanto provinciais como distritais.

Isso também explica o fracasso da esquerda política em direcionar os protestos para seus interesses. Vimos confrontos abertos com parlamentares nas ruas e até ações diretas contra suas propriedades.

Confrontos em Lima.

Você pode falar sobre a participação dos camponeses e indígenas nas manifestações?

Deve-se afirmar abertamente que os grupos camponeses estão à frente dos levantes neste território. Existem diferentes grupos étnicos no Peru que resistiram à maquinaria colonial (em todas as suas formas) e mantêm uma longa tradição antiautoritária. Nessas circunstâncias, diferentes etnias ou nações se uniram para enfrentar diretamente a açougueiro Dina Boluarte.

Embora alguns dos partidos políticos tenham contribuído para organizar os protestos por meio de suas bases, eles estão tentando se posicionar como vanguarda; isso não é mais sustentável, pois as pessoas não aceitam mais os apelos à não violência vindos desses partidos. É por isso que as pessoas queimaram prédios estatais, incluindo delegacias de polícia.

Por outro lado, essas ações também nascem de uma justa sede de vingança contra a capital Lima, porque dirige toda a maquinaria legal colonialista que, através do extrativismo e outras atividades econômicas, esmaga as populações das províncias, usando a violência do estado e força privada para expulsá-los, prendê-los e até matá-los sempre que se opõem a um projeto – ou simplesmente quando exigem o cumprimento dos termos com os quais concordaram como condições para aceitar um projeto estatal ou privado.

A isto se somam as lembranças do comportamento de muitas pessoas de Lima que alugavam quartos, apartamentos ou casas a gente do interior e que não queriam abater o aluguel (ou baixar o valor ou adiá-lo) durante a primeira fase da pandemia, e ainda começou a expulsá-los de suas casas, causando um êxodo de pessoas dos Andes e da selva de volta aos seus lugares de origem por causa da quarentena. Da mesma forma, algumas pessoas foram expulsas de suas casas “por medo de contágio”, porque a imprensa (irresponsavelmente como sempre) espalhou o medo sobre o COVID-19. Além disso, como eles viajavam em grandes grupos a pé porque o transporte era proibido por medo de contágio – e eles nem podiam usar o próprio transporte – a polícia começou a reprimi-los em todos os postos de controle da estrada. E também, os habitantes de algumas localidades, temendo a exposição ao vírus, também participaram dessa repressão e do fechamento das estradas de seus territórios.

É perigoso generalizar esse ódio a todos que moram em Lima, algo que pouco se tem falado nas redes sociais, talvez porque muitas pessoas já tenham família, amigos ou moradia nas províncias para onde possam ir se essa situação tornar-se mais aguda e as províncias tomam a decisão de bloquear o envio de alimentos para Lima. Lima quase não produz alimentos in natura, apenas alimentos processados ​​– mas sem matéria-prima importada de fora, nem isso seria possível.

É por isso que, há alguns dias, circulou um vídeo da caminhada de Ancón ao centro de Lima (que dizem ser 20 quilômetros) em que uma senhora do Sul agradeceu aos lxs desactivadorxs [os “desativadores”, os grupos que se organizam para neutralizar as armas químicas da polícia] pelo esforço e disseram (embora eu acredite que de brincadeira) que terão um espaço na Grande República do Sul. Parece que essa ideia de dividir o Peru em duas repúblicas, que surgiu durante as eleições presidenciais (primeiro entre a direita, quando viram que grande parte do Sul votaria em Pedro Castillo, e depois nos meios de esquerda, que acredita isso é do interesse de seu governo), ganhou força como resultado dos assassinatos de cidadãos. Isso pode ser aproveitado pelos esquerdistas que – com Evo Morales à frente e o apoio da China por meio de sua Cúpula da CELAC [Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos] – aspiram a governar os novos pactos comerciais extrativistas com a China, especialmente do lítio presente na cidade de Puno, no sul do Peru e na fronteira com a Bolívia. Até os Estados Unidos pretendem obter o controle dessa área, por isso apoia o modelo de exportação mineral para aquela região – não só com a presença de seu embaixador, mas também apoiando o governo do Peru e suas forças armadas e policiais, militarmente e taticamente. É por isso que eles enviaram forças militarizadas para Puno.

Diante de várias propostas de “independência” ou de saída para esta crise, é preciso analisar cada uma delas, pois atrás de cada uma há aspirantes a opressores querendo puxar os cordelinhos em benefício próprio. Os irmãos e irmãs no Chile já estão nos alertando sobre os perigos ou a ilusão de uma Assembléia Constituinte, até mesmo do próprio processo. [Para mais contexto, veja nossa cobertura de como o movimento no Chile se perdeu na tentativa de introduzir uma nova constituição por meios institucionais.] A esquerda, com seus partidos políticos e parlamentares, está tentando se fazer passar por aliada desses protestos em um esforço que só pode ser descrito como oportunismo político; em alguns lugares, os manifestantes os expulsaram ou vaiaram. A esquerda tenta fingir que se importa com seus irmãos e irmãs nas províncias, mas eles apenas os veem e os tratam como possíveis votos a seu favor.

Para concluir, foram os camponeses que colocaram seus corpos em risco nesses protestos – que, com suas huaracas feitas à mão, trocaram projéteis com a tombería [tropa de choque], repelindo as covardes forças repressivas do sangrento regime de Dina Boluarte. Eles sabem que é uma questão de vitória ou morte; a democracia nunca resolveu nada para eles, ao contrário daqueles que se venderam a um partido. Essas marchas trouxeram à tona o racismo velado no Peru.

Também nos preocupamos com os recursos para o autocuidado e as possibilidades de voltarem para casa quando tudo passar. Já existe um precedente infeliz desde 2000, quando o povo indígena Shipibo-Konibo foi abandonado e marginalizado após os protestos maciços da “Marcha de los 4 Suyos” contra o ditador Fujimori. [A “Marcha dos Quatro Quartos” em julho de 2000 foi uma mobilização de massas organizada por esquerdistas, partidos social-democratas e movimentos sociais contra as eleições fraudulentas e a posse de Fujimori]. Com a queda do ditador e o parlamento cheio de políticos contrários ao antigo regime, toda a esquerda, centro e liberais se esqueceram dessas pessoas, que ainda sofrem com a pobreza extrema.

A mídia corporativa sempre vê os eventos da perspectiva da polícia.

Vimos imagens de terrorismo de Estado no Peru, incluindo assassinatos, tortura e prisão em massa, bem como outras formas de agressão da polícia peruana. Sabemos que estes não são eventos isolados – a repressão é algo comum em todos os estados, especialmente quando uma mobilização ataca a ordem e a paz dos ricos. Como está estruturada a polícia peruana? Qual é a história da repressão policial contra os protestos no Peru?

A moderna polícia peruana foi fundada em 1988, a partir da unificação de três agências estatais anteriores. Sabemos que a formação de policiais é um fenômeno transnacional, ou seja, no desenvolvimento da instituição do policiamento, houve vários modelos que serviram de ideal para outros países (em um momento, foi o modelo francês, em outro, o modelo espanhol e, atualmente é uma mistura de várias instituições repressivas em todo o planeta).

No início, a polícia peruana só dispunha de bastões, apitos e coisas do gênero para estabelecer a ordem municipal; então seu armamento aumentou: pistolas, rifles, pinochios (conhecidos no Chile como guanacos, são carros blindados usados ​​para atacar manifestações), caminhões, motocicletas, gás lacrimogêneo, spray de pimenta, drones e computadores.

Eles sempre estiveram do lado do poder. Eles fizeram greve apenas uma vez, durante a ditadura de Velasco Alvarado, que os reprimiu com força militar, deixando um número desconhecido de mortos.

Nos anos 1980 e 1990, as autoridades deram à polícia imunidade legal e moral para assassinar a fim de eliminar o Sendero Luminoso (partido maoísta). Foi então que cometeram as piores injustiças: assassinar, torturar, estuprar, desaparecer, extorquir em todas as cidades e vilas do Peru.

Em 2000 [quando o presidente Alberto Fujimori fugiu para o Japão, substituído por Alejandro Toledo], eles tiveram que se adaptar à ideologia do novo presidente; porém, carregavam no DNA o autoritarismo e o racismo, junto com o montesinism. [Vladimiro Lenin Ilich Montesinos Torres, ex-oficial de inteligência do exército e espião dos EUA, foi conselheiro do ditador Fujimori e serviu como chefe do serviço de inteligência do Peru sob seu comando.]

A história recente da polícia é um exemplo claro da impunidade do setor político Fujimontesinista, que nunca foi expulso do aparato institucional do Estado, apenas acomodado nele. Hoje, as práticas repressivas vêm dos ex-quadros de Vladimiro Montesinos e também de seus aprendizes.

Polícia se mobiliza para atacar manifestantes no Peru.

Como o chamado Brasil, Argentina, Chile e muitos outros lugares, a região peruana viveu uma ditadura civil-militar. É um território com uma longa história de golpes, como o do presidente peruano Alberto Fujimori em 1992. Fale da resistência e da memória combativa contra os legados da ditadura e a continuidade da repressão e do extermínio na democracia.

É verdade que nesta região houve seguidas interrupções da democracia representativa (o que, obviamente, como anarquistas, não queremos de qualquer maneira) e, consequentemente, houve vários períodos de resistência ao autoritarismo e às ditaduras. No entanto, e um tanto contraditoriamente, também houve ditadores apreciados pelos setores populares – por exemplo, o militar nacionalista Juan Velasco Alvarado, que é celebrado por um setor da esquerda conservadora ou kitsch.

Outro ponto a destacar é que o antifascismo dos anos 1930 e 1940 e suas experiências de resistência foram esquecidos no Peru – goste ou não, quem participou do confronto foram anarquistas, comunistas, apristas [membros a APRA, Aliança Popular Revolucionária Americana, um partido socialista fundado em 1924] e progressistas.

A memória antiautoritária das esquerdas dos anos 1970 e 1980 se perdeu com as perseguições sofridas pelo ditador Fujimori e pelos genocidas do Sendero Luminoso – comunistas dogmáticos que assassinaram camponeses, líderes esquerdistas e qualquer outro que se opusesse a eles. Tudo isso contribuiu para uma despolitização nos anos 1990 e para a aceitação da narrativa neoliberal delirante sobre o “empreendedorismo” em 2000, que grande parte da população dessa região ainda hoje aceita.

Apesar de tudo isso, no dia 5 de abril, aniversário do golpe do genocida Fujimori, marcham contra tudo o que representa a atual ditadura: o neofujimorismo, o neoliberalismo, a corrupção em massa, o narcotráfico e o genocídio. É preciso reconhecer que os partidos de esquerda procuram monopolizar o “anti-fujimorismo” para ganhos políticos e que, seguindo as vicissitudes da política peruana, alguns “anti-fujimoristas” revelaram sua verdadeira face a ponto de ingressar nas fileiras do pos-fascistas (por exemplo, o autor conservador Mario Vargas Llosa, [ex-ministro do Interior] Fernando Rospigliosi e [presidente em exercício] Dina Boluarte, entre outros).

Em todo caso, é o antifujimorismo que entregou o trono da presidência ao atual governo. E embora alguns se orgulhem disso (por ter impedido que Keiko Fujimori, filha mais velha do ex-presidente peruano Alberto Fujimori, chegasse ao poder), é preciso dizer claramente que isso só contribuiu para consertar um abominável sistema político que foi brutalmente nos explorando – sob o qual há massacres contínuos nos Andes, graças a políticos, bandidos e empresários.

Agora, vemos ressurgir essa memória combativa; muitas pessoas pararam de se censurar e estão falando sobre o que sofreram por resistir à ditadura de Fujimori. Ao mesmo tempo, o ataque da extrema-direita tem indignado as pessoas pela forma como usam a acusação de “terrorismo” contra quem se opõe a eles e aos seus ídolos. O famoso “terruqueo” é um conceito que nasceu na década de 1980: é o adjetivo usado para definir quem pode ser morto impunemente. Se você é um terruco(suposto terrorista), pode queimar na fogueira ou ser executado – como fizeram sistematicamente os militares em Ayacucho nas décadas de 1980 e 1990.

Por isso, hoje, o mais próximo da memória combativa é o esforço para desarmar os partidários do ditador genocida Fujimori de sua arma semântica: o “terruqueo”. E é assim que as pessoas estão procedendo nas regiões do sul (lugar onde tanto os militares quanto o Sendero Luminoso massacraram os camponeses). Sem falar em confrontá-los implacavelmente nas ruas até que o fascismo seja destruído!

Os restos de um edifício histórico que pegou fogo perto da Plaza San Martin em Lima durante as manifestações de janeiro de 2023. Segundo o filho do proprietário, o incêndio foi causado por bombas de gás lacrimogêneo lançadas pela polícia para dispersar manifestantes.

Há debates sobre legítima defesa nas ruas? Existe alguma discussão por parte dos movimentos e coletivos sobre a abolição da polícia?

Nesta região, ouvimos vários discursos diferentes sobre a polícia. O primeiro é o desrespeito da polícia pelos assassinatos de manifestantes, o que é compatível com o repugnante “princípio da proporcionalidade” (teoria imbecil que tem origem no pacifismo do século passado e justifica guerras, massacres, etc., com base em igualar o uso de armas). A maioria das pessoas que promovem essa ideia são cidadãos e esquerdistas moderados (obviamente não vão atacar a instituição pela qual querem disciplinar quando estiverem no poder). O segundo é o discurso da extrema-direita que dá desculpas ao gatilho (apoiando tomberìa e militares em matar sem repercussão legal ou moral) e até mesmo paramilitarismo fascista.

Dentro da esquerda radical, não há quase nada sobre abolir a polícia, embora as pessoas odeiem a instituição por sua corrupção, sua inutilidade em responder a feminicídios, crimes antissociais e outras questões e, finalmente, pelo papel que a polícia desempenha na proteção do empresariado extrativista.

Como anarquistas, acreditamos que é urgente pedir a destruição dessa instituição assassina. Há alguns dias, no blog, um camarada compartilhou alguns artigos não anarquistas discutindo a origem da polícia, a fim de imprimi-los e compartilhá-los na linha de frente.

Ele nos convidou a compartilhar o seguinte fragmento:

“Desde a formação das primeiras cidades, quem as governou teve necessariamente de criar forças repressivas para resguardar os seus domínios dos ataques externos daqueles que procuravam reclamar o que estes governantes lhes arrebataram nas zonas rurais onde viviam, e contra os ataques internos dos aqueles que estavam insatisfeitos com esses governos, reinos ou impérios. Toda a história da civilização e de suas cidades e outros domínios sempre foi dividida entre governantes e governados. A questão é que a direita ama a polícia porque, para ela, os policiais se comportam como servidores que garantem a segurança de seus domínios e privilégios. Por outro lado, o problema é que seu suposto adversário, a esquerda, não busca a abolição da polícia porque isso enfraqueceria seu controle quando chegar ao poder. A abolição da polícia é um passo necessário para uma vida em plena liberdade, encontrar outras formas de convivência equilibrada e respeito é mais um passo necessário para não depender para sempre da existência da polícia. De fato, as comunidades indígenas viveram outrora sem a instituição da polícia ou sua lógica. Hoje, em várias dessas comunidades, essas lógicas e práticas estão sendo impostas como parte do processo civilizatório do sistema e dificultam nosso caminho.

Contracapa da primeira edição do Periodico Libertária. “Mais de 300 assassinados sob a democracia (2003-2020), graças a políticos e policiais. Fogo eterno para os assassinos tomberìa [polícia] e seus símbolos!”

Por fim, estamos interessados ​​nas diferentes expressões do anarquismo na região conhecida como América do Sul. Por favor, fale sobre os envolvidos nas lutas anárquicas na região peruana.

O anarquismo é muito humilde nesta região. Existem diferentes organizações e indivíduos com diferentes abordagens: anarco-sindicalismo, insurgentes, plataformistas e anarquistas sem adjetivos. Não há “black bloc” como observado em outras regiões, ou talvez haja, mas apenas muito pequeno. Tampouco existem “grandes organizações” – admitamos isso como uma forma de autocrítica – mas existem indivíduos que resistem nas diversas províncias do Peru.

A repressão em Lima que o açougueiro Manuel Merino supervisionou em 2020, que representou para muitos jovens anarquistas seu primeiro encontro com a verdadeira face do estado assassino, destacou a urgência de autocuidado e autodefesa agudos, bem como um retorno à realidade (o resultado da situação foi um governo de transição, o enfraquecimento dos protestos e injustiça permanente para os caídos).

Atualmente, com um levante em curso, os anarquistas que não vivem na capital (especialmente no sul do Peru) experimentaram suas consideráveis ​​limitações para enfrentar as forças repressivas e as armas letais da ditadura cívico-militar de Dina Boluarte.

Apesar disso, não desanimamos. A tarefa dos anarquistas hoje, desde nossa humilde posição, é acompanhar os camponeses em todas as ações diretas. Como nossas famílias camponesas , vamos junto com elas em qualquer posição possível, seja resistindo na linha de frente, desativando gás lacrimogêneo, dando assistência médica, coletando doações para nossas irmãs, divulgando medidas de autocuidado, debatendo todas as questões políticas e sociais de nossa região e, finalmente, conhecer sua experiência de resistência. Sem intermediários, políticos de esquerda e influenciadores legalistas, marchamos juntos para a destruição da ditadura cívico-militar e não descansaremos enquanto não vermos a justiça que nos foi roubada séculos atrás.

Manifestação em Puno.

ENTREVISTA: Anarquistas Iraniano falam sobre os protestos em resposta ao assassinato pela polícia de Mahsa Amini

INTRODUÇÃO

A 13 de setembro de 2022, Mahsa Amini, de 22 anos, foi presa por uma “patrulha de orientação” iraniana (também conhecida como “polícia da moralidade”). Mahsa foi presa em Teerão por não respeitar as leis relacionadas ao vestuário. Três dias depois, em 16 de setembro, a polícia informou a família de Mahsa de que ela “teve uma paragem cardíaca” e tinha entrado em coma dois dias antes de morrer.

Relatos de testemunhas oculares, incluindo o do seu próprio irmão, mostram de forma clara que ela foi brutalmente espancada durante a prisão. Exames médicos divulgados indicam que ela sofreu uma hemorragia cerebral e um acidente vascular cerebral  – lesões causadas por uma pancada que levaram à sua morte.

Manifestantes em Istambul, Turquia, seguram uma imagem de Mahsa Amini.

Desde que esta informação se tornou pública, protestos em massa eclodiram em todo o Irã para denunciar o assassinato de Mahsa pela polícia.

Para entender melhor essa situação em rápida mudança, realizamos uma breve entrevista com a Federação Anarquista ERA, uma organização com seções no Irã e no Afeganistão.

Esta entrevista foi realizada entre os dias 20/09/22 e 23/09/22.

ENTREVISTA

Black Rose / Rosa Negra (BRRN): Em primeiro lugar, poderiam apresentar-nos a Federação Anarquista ERA?

FAE: A Federação Anarquista ERA é uma federação anarquista regional ativa no chamado Irã, Afeganistão e mais além.

A nossa federação é baseada no Anarquismo de Síntese, aceitando todas as tendências anarquistas, exceto as tendências nacionalistas, religiosas, capitalistas e pacifistas. Os nossos muitos anos de experiência organizativa em ambientes extremamente opressivos como o Irã nos levaram a desenvolver e a utilizar táticas e filosofias organizativas insurrecionais.

Somos uma organização ateísta, vemos a religião como uma estrutura hierárquica que é mais antiga e duradoura do que quase todos os outros sistemas autoritários e muito semelhante ao capitalismo e outras estruturas sociais autoritárias que escravizam hoje a humanidade. A guerra de classes, do nosso ponto de vista, inclui a guerra contra o clero que nos rouba a liberdade e a autonomia, definindo o que é sagrado ou tabu, e impondo-os através da coerção e da violência.

BRRN: Quem foi Mahsa Amini? Quando, porque e como ela foi morta?

FAE: Mahsa Amini, a quem a sua família chama Zhina, era uma jovem curda comum de 22 anos, natural da cidade de Saghez (Saqez) no Curdistão.

Ela estava viajando com sua família para Teerã para visitar famíliares. Em 13 de setembro, enquanto estava com o seu irmão, Kiaresh Amini, a polícia da moralidade ou a chamada “Patrulha de Orientação” prendeu Mahsa por usar “hijab impróprio”. O irmão dela tentou resistir à prisão, mas a polícia usou gás lacrimogêneo e também espancou Kiaresh.

Muitas outras mulheres presas testemunharam o que aconteceu na van da polícia. No caminho para a delegacia, houve uma discussão entre as mulheres detidas e os policias. Mahsa Amini foi uma das que protestaram contra a prisão. Ela disse que não era de Teerã e que deveria ser libertada.

A polícia usou de violência física para calar todas as detidas. Mahsa também foi espancada. De acordo com testemunhas oculares, a policia atingiu a cabeça de Mahsa fazendo com que batesse com força na parte lateral da van em que seguiam.

Ela ainda estava consciente quando chegou à Agência de Segurança Moral, mas as outras mulheres detidas notaram que ela não estava bem. A polícia mostrou-se completamente indiferente e acuso dela ter protestado durante a viagem. As mulheres continuaram protestando para ajudar Mahsa a obter os cuidados médicos que ela precisava. Os protestos foram recebidos com violência por parte da polícia. Mahsa Amini foi novamente espancada pela polícia e perdeu a consciência.

A polícia tentou reanimá-la bombeando ar com massagens no peito e levantando e massageando suas pernas. Após essas tentativas frustradas, a polícia agrediu as outras mulheres confiscando todos os celulares e câmaras que pudessem ter gravado o incidente.

Depois de muita demora e de encontarem as chaves perdidas da ambulância, Mahsa foi levada para o Hospital Kasra.

A clínica que recebeu Mahsa Amini disse num post no Instagram que Mahsa estava com morte cerebral quando foi internada. Este post do Instagram foi posteriormente apagado.

Em 14 de setembro, uma conta no Twitter de um amigo que trabalhava no Hospital Kasra relatou que a polícia ameaçou os médicos, enfermeiros e funcionários para não tirarem fotos ou fazerem vídeos e para mentirem aos pais de Mahsa sobre a causa da morte. O hospital, intimidado, obedeceu à polícia. Disseram aos pais que ela tinha sofrido um “acidente” e a mantiveram em suporte de vida durante dois dias. Mahsa foi declarada morta em 16 de setembro. Exames médicos, divulgados por hacktivistas, revelam fraturas ósseas, hemorragia e edema cerebral.

BRRN: A identidade de Mahsa como curda desempenhou algum papel na sua prisão e na sua morte?

FAE: Sem dúvida, ser curdo em Teerã teve um papel importante na eventual morte de Mahsa. Mas, esta é uma realidade que todas as mulheres no Irã experimentam. Não precisamos ir muito longe para encontrar imagens de vídeos da polícia da moralidade espancando e forçando mulheres a entrarem em vans, atirando mulheres para fora de um carro em movimento e assediando mulheres de hijab devido ao seu “hijab impróprio”. Esses vídeos mostram apenas uma pequena parte do inferno que as mulheres passam no Irã.

O fato de Mahsa estar com o irmão no dia da sua prisão não foi um acaso. Na sociedade patriarcal do Irã, as mulheres devem ser acompanhadas por um familiar do sexo masculino, seja pai, marido, irmão ou primo, para afastar a policia da moralidade e desencorajar indivíduos desagradáveis em público. Casais jovens não devem ser vistos muito próximos um do outro em público ou correm o risco de serem espancados e presos pela polícia da moralidade. Os familiares devem ter documentos como prova caso sejam questionados pela polícia. Prender mulheres por causa de batons e unhas era uma realidade que muitos de nós, mais velhos, nos lembramos vividamente no Irã.

A ameaça de ataques com ácido por “mau hijab” é outro pesadelo que as mulheres enfrentam no Irã.

O patriarcado e a autocracia religiosa afetam todas as mulheres.

BRRN: Como é que o povo iraniano soube da morte de Mahsa? Qual foi a resposta popular inicial?

FAE: Como dissemos anteriormente, havia muitas testemunhas oculares. Nenhuma ameaça poderia ter impedido que a história da morte de Mahsa fosse conhecida.

Vale a pena mencionar que o médico que atendeu Mahsa e o fotojornalista que documentou o estado de Mahsa e da sua família em perigo foram presos, e seus paradeiros são desconhecidos.

A resposta inicial foi de indignação. As pessoas já compartilhavam a história de Mahsa desde o dia 14 de setembro. A indignação ainda não era suficientemente forte para provocar protestos e revoltas. As pessoas ainda pensavam que Mahsa estava em coma e havia esperança de sua recuperação. Então, ela foi declarada morta em 16 de setembro.

Primeiro, houve pequenos protestos no Hospital Kasra, que foram dispersados pela polícia. As faíscas da atual revolta foram acesas em Saghez, cidade natal de Mahsa.

Uma motocicleta da polícia é queimada em uma manifestação em Teerã.

BRRN: Qual a dimensão dos protestos atuais? Em que áreas do país se concentraram as manifestações?

FAE: A situação é muito dinâmica e está mudando excepcionalmente rápido. No momento em que escrevo estas linhas, as chamas da revolta incendiaram 29 das 31 províncias do Irã. Uma das características dessa revolta é que ela se espalhou rapidamente para as principais cidades do Irã, como Teerã, Tabriz, Isfahan, Ahvaz, Rasht e outras.

Qom e Mashhad, as fortalezas ideológicas do regime, juntaram-se à revolta. A ilha de Kish, o centro capitalista e comercial do regime, também se revoltou. Esta é a revolta mais diversificada que testemunhamos nos últimos anos.

Em 23 de setembro, os sindicalistas planejam uma greve geral em favor dos protestos.

O regime planejou uma manifestação do Exército para o mesmo dia. Muita coisa está acontecendo.

BRRN: Como o estado iraniano respondeu a estas manifestações?

FAE: A resposta inicial do regime foi menos brutal do que já experimentámos antes. Uma razão é que eles foram apanhados de surpresa. Não esperavam uma resposta tão forte. A razão mais importante é que Ibrahim Raisi está na ONU. A ausência de altos funcionários, a história divulgada de Mahsa e os protestos, e a pressão exercida sobre o governo sob o olhar atento da comunidade internacional pararam o massacre por enquanto.

Mas não nos enganemos. A polícia matou e feriu muitas pessoas desde o primeiro dia dos protestos. Alguns deles eram crianças de 10 anos e adolescentes de 15 anos. No entanto, antes tivemos  o mês de novembro de 2019, quando o regime massacrou milhares de pessoas em 3 dias.

Em todas as revoltas anteriores, a polícia não foi diretamente o alvo da raiva popular. Mas isso não aconteceu dessa vez. Desta vez, eles são os bandidos e as pessoas querem o seu sangue. Isso esgota-os física e mentalmente, o que consideramos uma boa notícia.

Neste momento, Saghez e Sanandaj estão passando por uma repressão implacável. O regime trouxe tanques e veículos militares pesados para reprimir a revolta. Há muitos relatos de munição real disparadas contra os manifestantes.

Os protestos continuam. Muitos carros da polícia foram vandalizados. As delegacias de polícia foram atacadas e incendiadas. Só precisamos nos armar saqueando o arsenal deles. Então, entraremos numa fase completamente diferente da revolta.

Uma barricada construída em uma manifestação em Teerã em 21/09/22.

BRRN: É correto considerar estes protestos como feministas?

FAE: Sim, absolutamente. Como em todas as outras revoltas, houve desenvolvimentos e movimentações subterrâneas..

Pode-se dizer que a recente campanha de repressão ao Hijab e o aumento da brutalidade da polícia da moralidade começaram em resposta à auto-organização espontânea, autónoma e feminista das mulheres iranianas. No início deste ano, as mulheres no Irã começaram a colocar na lista negra e a boicotar pessoas e empresas, como cafés, que aplicam estritamente o Hijab. O movimento era descentralizado e sem liderança e tinha como objetivo criar espaços seguros para mulheres e membros da comunidade LGBTQ.

Essa opressão brutal culminou neste momento em que as mulheres estão na vanguarda em todos os lugares, queimando os seus lenços e enfrentando a polícia, já sem Hijab. O principal slogan do levante também é “Mulher, Vida, Liberdade”, um slogan de Rojava, uma sociedade cujas reivindicações são baseadas na ideologia anarquista, feminista e laica.

BRRN: Que elementos políticos (organizações, partidos, grupos) estão presentes nas manifestações, se existirem?

FAE: Muitas organizações, partidos e grupos tentam se apropriar ou influenciar os protestos em seu benefício a cada levante.

A maioria deles deparou-se com um problema insolúvel durante esta revolta.

Primeiro, os monarquistas. Reza Pahlavi, o filho caloteiro do ex-xá do Irã, um indivíduo sustentado por dinheiro roubado e redes de mídia fora do Irã, pediu um dia nacional de luto em meio à indignação pública e aos protestos iniciais, em vez de usar seus recursos para ajudar o revolta. As pessoas finalmente viram o charlatão que ele é. A frase “Morte aos opressores, seja o Xá ou o Líder”, foi ouvida em todo o Irã.

Em seguida,  MEK ou Mujahedin Kalq. O MEK tem um problema ideológico com esta revolta. É uma seita cujos membros femininos são forçados a usar lenços vermelhos. A sua origem está numa combinação das ideologias marxistas e islâmicas, dominada pelos marxistas-leninistas antes de 1979, e hoje são uma seita ao serviço de estados capitalistas e imperialistas. No entanto, as mulheres no Irã estão queimando os seus lenços e o Alcorão. Eles não têm voz neste clima político.

Depois, há partidos comunistas que desprezam Rojava e sempre falam mal dela. A sua análise de classe, desmascarada e enferrujada, não os ajuda a ganhar corações aqui.

Apesar de todos os discursos e propaganda na defesa do secularismo e do feminismo, não tinham sequer um slogan voltado para a libertação das mulheres. A sua ideologia impedia-os de gritarem  “Mulheres, Vida, Liberdade”. Eles não tinham nada a dizer, por isso calaram-se. Graças a isso, a sua presença é muito mais fraca nos protestos atuais.

O movimento anarquista está crescendo no Irã. Esse revolta, sem liderança, feminista, antiautoritária e entoando slogans de Rojava, fez com que anarquistas, filiados e não afiliados na federação, tivessem uma forte presença nesse levante. Infelizmente, muitos foram presos e feridos também.

Estamos trabalhando para perceber o potencial anticapitalista desse movimento. Porque a República Islâmica é um culto e uma religião de morte, sendo o patriarcado, o racismo e o capitalismo os seus pilares ideológicos. Para vivermos, precisamos ser livres; e isso não pode ser feito sem que a libertação das mulheres esteja na vanguarda.

Manifestação de estudantes universitário em Teerã em 19/09/22.

BRRN: Em solidariedade. Obrigado pelo seu tempo.

FAE: Solidariedade.

Obs: Esta é uma tradução de uma entrevista publicada no site blackrosefed.org efetuada pelo Portal Anarquista e revisada pela Facção Fictícia

​O Estado da Praga – Entrevista com coletivo Chuang


闯 Chuang é um coletivo comunista situado dentro e fora da China, que publica uma revista e um blog. Desde o início da pandemia seus textos, artigos e entrevistas se tornaram conhecidos por revelar uma abordagem crítica sobre as origens do vírus e sua relação com o desenvolvimento do repressivo capitalismo de estado chinês e os argumentos preconceituosos do ocidente para desviar o foco da responsabilidade que o agronegócio tem para o surgimento e difusão de epidemias.

Traduzimos e lançamos, em 2020, um de seus artigos sobre os levantes em Hong Kong contra a lei de extradição e seus paralelos e influência sobre as ondas de protesto no Chile e nos Estados Unidos nas táticas usadas por manifestantes e a relação entre “violência” e “não-violência”.

Abaixo uma entrevista concedida à revista Brooklyn Rail em setembdo de 2021 para anunciar o lançamento em inglês do seu livro Contágio Social – coronavírus, China, capitalismo tardio e o ‘mundo natural’, lançado no Brasil como livro digital gratuito pela editora Veneta. Recomendamos como uma importante leitura para início de mais um ano onde enfrentaremos mais uma vez o vírus da pandemia e do oportunismo autoritário estatal e capitalista.


​O Estado da Praga – Entrevista com coletivo Chuang

Chuang é um coletivo comunista internacional que publica entrevistas, traduções e artigos autorais sobre a ascensão da China através das pilhas de destroços da história e das lutas daqueles que foram arrastados por baixo deles. Ao longo de anos de pesquisas locais, o coletivo desenvolveu uma análise comunista incisiva enfatizando as dimensões globais da experiência chinesa, iluminada pelos debates do século 20 e reforçada pela atenção contínua às mudanças de condições da luta proletária na China e além. Em suas atentas intervenções teóricas e nas janelas para vida cotidiana visíveis em seu blog, o coletivo sempre enfatizou as lições práticas para as muitas batalhas travadas pelos proletários em todo o mundo hoje e no futuro próximo.

Aminda Smith e Fabio Lanza  entrevistaram Chuang para a revista Brooklyn Rail em setembro de 2021 sobre seu primeiro livro,Social Contagion and Other Material on Microbiological Class War in China “. Smith é historiadora da China moderna, codiretora do PRC History Group e professora associada da Michigan State University. Lanza é professor de história moderna da China na Universidade do Arizona.

O livro inclui uma versão atualizada de seu influente artigo Contágio Social” (publicado originalmente em fevereiro de 2020), uma tradução de um relatório chinês sobre as condições dos trabalhadores e as lutas de trabalhadores e trabalhadoras durante e após o pico da pandemia doméstica COVID-19, uma entrevista com dois ativistas sobre suas experiências em Wuhan durante os primeiros meses do surto e um longo artigo sobre como a classe dominante tentou usar esta catástrofe como uma oportunidade para reestruturar e expandir o estado para os interesses da acumulação capitalista de longo prazo. No geral, o livro oferece uma perspectiva nova e surpreendente sobre a relação entre o capitalismo, a pandemia, o projeto de construção do Estado na China e a agência das pessoas comuns.



Aminda Smith e Fabio Lanza (RAIL): A visão geral sobre a resposta da China à pandemia, promovida pela mídia ocidental e pelo Partido Comunista Chinês (PCCh), é que ela teve sucesso devido à enorme capacidade do Estado, sua natureza autoritário ou até mesmo totalitária, sua penetração profunda em todos os aspectos da vida social, todas as características que tornavam aquele modelo de resposta inaplicável e/ou desagradável nos Estados Unidos ou na Europa. No livro, vocês argumentam, de forma bastante convincente, que a pandemia revelou, em vez disso, a fraqueza do estado, e que o estado era finalmente capaz de lidar com a crise, reconhecendo essa fraqueza e delegando autoridade aos governos locais e grupos de voluntários. Esta é uma tese fascinante, então você pode explicar como a resposta do estado à pandemia foi estruturada, o que falhou e o que funcionou no final das contas?

Chuang: Esta é definitivamente uma visão abrangente, tanto na China quanto no exterior. Parte da razão pela qual foi tão eficaz em obscurecer o que realmente aconteceu durante a pandemia é que essa imagem do estado onisciente já estava disseminada de antemão. Talvez possamos apelidá-lo de algo como o “mito da onipotência totalitária”. Mas é importante lembrar que esse mito não é cultivado apenas pelos órgãos oficiais do partido-estado na China para proteger seus interesses. Na verdade, é ainda mais avidamente propagandeado na mídia ocidental, por exemplo, através do tipo de clickbait sinofuturista que relata constantemente como todos na China têm uma “pontuação de crédito social” que determina suas escolhas de vida, como a tecnologia de reconhecimento facial em todas as áreas a cidade automaticamente multará você por infrações menores, ou como o governo está planejando estabelecer centenas de milhares de seus próprios cidadãos em países longínquos da África. Nenhuma dessas coisas é verdade, mas um ambiente de bombardeio constante com esse tipo de conteúdo naturalmente cultiva uma imagem mítica do estado todo-poderoso.

Esse mito disfarça duas coisas. Em primeiro lugar, ele obscurece a fraqueza persistente do estado e a realidade de que, apesar de seu horizonte cintilante, a China ainda é, em muitos aspectos, um país relativamente pobre, especialmente em termos per capita. Se você comparar medidas realmente básicas – como a receita tributária total que vai para o governo central na China e a receita tributária total que vai para o governo federal dos Estados Unidos – isso fica claro instantaneamente. E, em termos per capita, a diferença é obviamente muito ampliada. Em outro exemplo relevante, o gasto público per capita da China com saúde é baixo, mesmo em comparação com outros países em um nível semelhante de desenvolvimento econômico, embora esteja aumentando. Isso também significa que a administração do Estado foi fundamentalmente moldada pela necessidade de “governar à distância”, definida por altos graus de autonomia local, balcanização nas estruturas de comando e vigilância e uma latitude substancial para a corrupção. Isso tem historicamente dado aos governos locais muito mais liberdade e independência na China do que em outros lugares, e todas essas características têm sido realmente importantes para o desenvolvimento de uma classe capitalista doméstica. A corrupção, por exemplo, não é necessariamente “ineficiente” – é uma parte muito normal do desenvolvimento capitalista porque é como os capitalistas nascem quando o mercado se abre pela primeira vez e as regras de engajamento não são bem definidas. É somente depois que o acúmulo atinge um certo limite que todos esses recursos se tornam um obstáculo.

Em segundo lugar, também torna difícil entender adequadamente que a classe dominante na China está engajada em um projeto de construção do Estado bastante extenso, que está sendo construído há décadas, mas realmente começou a acelerar sob Xi Jinping. Essas duas coisas estão conectadas, obviamente, uma vez que a necessidade de construção do estado pressupõe algum tipo de fraqueza. A acumulação avançou o suficiente para que a corrupção, as cadeias de comando deficientes e a falta de canais confiáveis de informação começassem a se tornar mais um obstáculo do que um benefício. O rápido aumento da dívida do governo local, associado a projetos de infraestrutura de estímulo na década de 2010, foi um sinal claro desse problema. A campanha anticorrupção teve como objetivo abordar a questão nos níveis mais altos, eliminando magnatas do interior que potencialmente representavam uma ameaça ao governo central, e também organizar cadeias de comando e canais de informação de cima para baixo.

Ao lado disso, havia coisas muito mais mundanas, como reformas na metodologia usada pelo National Bureau of Statistics e tentativas de integrar melhor todos os tipos de registros públicos. Da mesma forma, várias campanhas de repressão contra feministas, centros de trabalhadores e grupos de estudantes maoistas também mostraram que houve tentativas semelhantes de integração dentro de uma infraestrutura de policiamento mais ampla. As pessoas muitas vezes não percebem que a China era um lugar onde, por décadas, era bastante fácil evitar um processo por vários crimes simplesmente mudando-se para outra cidade – pelo menos até que você chamasse a atenção do estado central – e onde havia uma quantidade assustadora de margem de manobra para as autoridades locais determinarem as punições, o que também significava que era fácil escapar de problemas se você tivesse contatos na delegacia local. Muitas vezes, ainda é fato que a polícia local não terá acesso a bancos de dados nacionais simples e padronizados, portanto, nem sempre é possível suspender sua carteira de motorista, processar suas impressões digitais ou usar seu DNA, mesmo que registre essas informações localmente. Isso está começando a mudar rapidamente, mas é um grande contraste com o que estamos acostumados em muitos outros países e com o mito da onipotência totalitária, que, é claro, pressupõe que esses sistemas são mais integrados e penetrantes na China do que em qualquer outro lugar.

Então, como isso se relaciona com a pandemia? Bem, o exemplo óbvio é que essa delegação local de autoridade foi desastrosa. Apesar de todos os mitos de como essa contenção foi eficaz, é meio risível quando você pensa sobre isso. Afinal, um surto com uma origem geográfica clara e rapidamente identificada acabou se tornando uma epidemia nacional e depois uma pandemia global. Como isso pôde acontecer, quando os médicos identificaram desde muito cedo que alguma nova doença respiratória mortal estava se espalhando na cidade? E quando isso estava claramente relacionado a um coronavírus? Em grande parte, é porque as autoridades locais se apressaram em suprimir informações sobre o surto quando ele estava saindo dos hospitais, incluindo esconder informações do estado central, sem tomar medidas para restringir viagens, fechar negócios ou encorajar o uso de máscaras quando essas coisas teriam sido a mais útil a se fazer. O livro inclui uma longa entrevista com amigos em Wuhan, que oferecem uma linha do tempo detalhada dos eventos e explicam quais informações estavam sendo fornecidas no local. Eles apontam o estranho fato, por exemplo, de que seus amigos em Xangai sabiam mais sobre o surto, em uma data anterior, do que muitas pessoas que moravam na própria Wuhan. Outra coisa que é perceptível nesta narrativa em primeira mão é como houve essa mudança muito repentina na política, efetivamente durante a noite, onde parece que alguma autoridade superior deve ter finalmente intervindo para implementar o bloqueio de forma decisiva. Isso geralmente é um sinal de que o governo central se envolveu, colocando as autoridades locais sob seu comando direto.

Portanto, de muitas maneiras, temos que entender o surto como um grande fracasso inicial – sinalizado pelo fato de que se tornou uma pandemia que está conosco até hoje – e que só prevaleceu internamente pelo esforço coordenado de centenas de milhares de pessoas comuns, muitas vezes trabalhando voluntariamente ao lado das autoridades locais. Não é exagero dizer que a epidemia nunca teria sido contida se não fosse pelo esforço desses voluntários. Ao mesmo tempo, foi completamente fortuito que o surto tenha ocorrido em grande parte em uma única cidade e, o que é mais, na véspera do Festival da Primavera, quando todos já estavam estocados na expectativa de que os negócios fossem encerrados. Isso minimizou o impacto imediato do bloqueio e permitiu que o estado central concentrasse a vasta maioria de seus recursos em Wuhan (e, em menor grau, em Pequim – onde o governo central está realmente localizado). Ao mesmo tempo, o governo central, por meio do CDC (Centro Chinês para Controle e Prevenção de Doenças), entendeu a importância de abrir o fluxo de informações, convidar investigadores médicos internacionais, compartilhar pesquisas sobre o novo vírus imediatamente e criar rapidamente padrões de prevenção facilmente delegáveis que erraram em o lado da segurança. Da mesma forma, eles intervieram para garantir que os sistemas de alimentação e energia estivessem sendo mantidos. Este é o nível em que você pode identificar um certo sucesso. Durante todo o processo, o governo reconheceu sua própria incapacidade e, com muita eficácia e rapidez, delegou imensas quantidades de autoridade administrativa de fato ao nível mais baixo de governança, que incluía toda uma gama de órgãos administrativos impulsionados em todos os pontos pelos esforços de voluntários.

Rail: Durante a era Mao (você usa o termo “regime desenvolvimentista”), o estado fez um esforço para atingir a sociedade, até o nível de bairro, por meio de formas organizacionais híbridas, como os comitês de residentes. Eles ainda estão em operação, então qual foi seu papel durante a pandemia? Suas capacidades organizacionais foram reduzidas durante o período de reforma?

Chuang: No que chamamos de regime desenvolvimentista socialista (da década de 1950 até a retomada da transição capitalista na década de 1970), houve uma tentativa capenga de estender o Estado até os níveis mais locais da sociedade e uma certa expectativa de que, ao fazer assim, o próprio estado deixaria de ser uma presença distante e estranha na vida das pessoas e, em vez disso, se tornaria uma instituição verdadeiramente universal. Foi assim que o processo foi expresso em teoria. Na realidade, o que aconteceu foi uma extensão hesitante e geograficamente desigual da autoridade central, seguida por uma fragmentação dessa autoridade em muitos locais autárquicos de tomada de decisão. Os principais símbolos dessa experiência não eram propriamente os comitês de moradores, mas sim os vínculos com o partido e o aparato de planejamento que se formava nas empresas e nos coletivos rurais.No caso rural, algumas dessas ligações foram preservadas nas reformas iniciadas na década de 1980 e formalizadas no status legal de “autonomia da aldeia”, centralizado no comitê de moradores como a unidade fundamental da administração rural.

Os comitês de moradores foram criados inicialmente nas áreas urbanas durante o regime de desenvolvimento, mas não eram os principais órgãos da administração local. Em vez disso, a governança cotidiana era em grande parte transferida para as várias empresas da cidade, em grande parte autárquicas. Se você fosse um residente urbano naqueles anos, a grande maioria de seus bens de consumo básicos – moradia, roupas, comida e até entretenimento – era fornecida gratuitamente por meio de seu danwei , ou unidade de trabalho, vinculado a um determinado empreendimento. Comitês de residentes foram criados para administrar a (inicialmente) pequena parcela da população urbana que não tinha um danwei. Perto do final do regime de desenvolvimento, no entanto, muitas cidades (especialmente no sul) começaram a ver um crescimento em sua população de trabalhadores migrantes rurais. Tecnicamente, como esses trabalhadores não tinham um danwei urbano , eles estavam sob a autoridade administrativa do comitê de residentes para qualquer distrito em que vivessem e/ou trabalhassem. No início, eram principalmente trabalhadores sazonais. Mas, com o tempo, eles se tornaram uma característica cada vez mais permanente da cidade. À medida que o regime desenvolvimentista começou a entrar em colapso e a transição capitalista foi retomada[1], muitas cidades experimentaram um rápido crescimento, mesmo enquanto a velha empresa e o sistema de bem-estar das unidades de trabalho estavam sendo desmantelados. O resultado final foi que a maioria das pessoas que viviam nas cidades não tinha vínculos com nenhuma empresa local e, portanto, estava sob a autoridade do comitê de residentes.

Portanto, o comitê de residentes era uma instituição inteiramente marginal que, acidentalmente, sobreviveu ao desmantelamento do regime desenvolvimentista e passou a ocupar uma função completamente diferente da pretendida originalmente. Inicialmente, porém, o estado realmente não tinha recursos para construir adequadamente sua infraestrutura governamental local. Ao longo das décadas de 1980 e 1990, tanto nas áreas rurais quanto nas urbanas, houve uma série de mudanças legais concedendo “autonomia” aos órgãos administrativos locais e designando o comitê de residentes da “comunidade / bairro” (社区) como a unidade fundamental da cidade administração, semelhante aos comitês de aldeia no campo, onde essas reformas foram acompanhadas pela implementação de eleições locais. Mas tudo isso foi feito em um contexto de reversão geral da autoridade do Estado. Realmente, só nos últimos anos é que as atenções se voltaram para a construção do estado em nível local. A pandemia foi um grande ímpeto nesse sentido, pois dividiu claramente as áreas onde os comitês de residentes funcionavam das áreas onde não funcionavam. Em muitos lugares, os comitês permaneceram efetivamente vazios por anos. Em outros, eles funcionaram como pouco mais do que um site para as formas mais medianas de corrupção local e nunca ofereceram nenhum serviço público real. Agora, está pelo menos claro que haverá uma tentativa combinada de construir esses órgãos, colocá-los sob cadeias de comando mais claras, vinculá-los mais estreitamente às delegacias locais de polícia, etc.

Rail: Você descreve, em detalhes, um processo de mobilização em massa em resposta à pandemia, com grupos de voluntários prestando todos os tipos de serviços, tanto para conter a propagação quanto para ajudar as pessoas a sobreviverem à pandemia, mas deixa claro que essa mobilização não era necessariamente contra o estado, nem representava uma ameaça à legitimidade do PCCh, apesar do tratamento inadequado da crise. Além disso, parece que, em alguns casos, esses esforços de ajuda mútua reforçaram as divisões sociais pré-existentes, em vez de fornecer uma chance para alianças trans-sociais. Porque?

Chuang: Às vezes, os voluntários operavam com total independência do governo. Mas houve muito poucos casos em que entenderam que sua atividade estava em total oposição a ela e, meses depois, quando o estado interveio para pedir-lhes que interrompessem suas atividades, todos o fizeram. Isso não quer dizer que o processo não foi confuso ou mesmo antagônico às vezes. Em muitas áreas, especialmente no campo, houve uma mobilização local bastante agressiva voltada para excluir basicamente quaisquer forasteiros. Isso foi visível nas redes sociais chinesas, que mostravam aldeões de meia-idade guardando barricadas com armas arcaicas (uma ilustração dessa cena serve de capa do livro) ou voluntários patrulhando bairros com drones e gritando com qualquer um que fosse encontrado do lado de fora. Essas imagens eram populares e, na maioria das vezes, alegres, mas em seus extremos a mesma atitude costumava ser perigosa, xenófoba e violenta. Em um caso, um motociclista foi decapitado porque um vilarejo havia colocado um arame em sua entrada para evitar que estranhos tivessem acesso. E quando a província de Hubei (onde Wuhan está localizada) foi reaberta, houve um confronto amplamente relatado na fronteira com Jiangxi, envolvendo policiais de ambos os lados lutando entre si, porque o lado de Jiangxi achou que era muito perigoso permitir a entrada de pessoas de Hubei.

É difícil enfatizar o quanto a atitude pública básica na China difere da de muitos países ocidentais. Nem foi esse o caso em que todos confiaram no governo e se ofereceram para ajudar por causa de alguma fé na autoridade. Na verdade, exatamente o oposto era verdadeiro: muitas pessoas se sentiram motivadas a se voluntariar precisamente porque não tinham confiança de que o estado seria capaz de conter o vírus com eficácia. Eles viram a incapacidade e a corrupção dos funcionários locais em primeira mão durante toda a sua vida e, portanto, não tinham confiança de que essas pessoas seriam capazes de fazer o trabalho. Se havia uma diferença fundamental, não seria encontrada em alguma obediência imaginária ao estado. Em vez disso, parece que o principal contraste entre o sentimento público na China e em outros lugares era que havia uma falta generalizada de fé no estado, uma intuição de que o problema não seria resolvido automaticamente pelas autoridades competentes e que todos tinham para se unir para se mobilizar contra o vírus. Em lugares como os EUA, a falha na capacidade estatal teve um caráter quase exatamente oposto, sem ninguém realmente preparado para reconhecer e lidar com a realidade da competência em declínio, especialmente quando se tratava do declínio dos serviços públicos. Então você teve uma atitude muito diferente nos Estados Unidos, com alguns criticando a resposta de seu estado particular em pequenos protestos anti-máscara, outros apoiando medidas estaduais ou esperando por uma resposta maior, mas fazendo isso de casa.

Rail: E quanto aos trabalhadores? A pandemia abriu novas possibilidades para a mobilização dos trabalhadores contra o capital ou outras vias restritas de organização e ação?

Chuang: Apesar da recuperação (relativa) da economia doméstica durante o segundo semestre de 2020 e neste ano, houve muito menos ações dos trabalhadores do que nos anos anteriores. Isso é mostrado nas poucas estatísticas disponíveis de organizações como o China Labour Bulletin (CLB), que registrou um pouco mais da metade do número de incidentes em 2020 em relação ao ano anterior, e esses números parecem estar de acordo com o que nós e nossos amigos temos visto no chão. Os setores de manufatura e mineração lideraram o declínio aqui, continuando um declínio já plurianual em incidentes em massa desde seu pico no início de 2010. A maioria dos outros setores o seguiram. A queda nos protestos manufatureiros também pode ter sido relacionada à explosão da produção até o final do ano, onde a China, cujas fábricas permaneceram abertas enquanto tantas foram fechadas ao redor do mundo,experimentou aumento dos salários e escassez de mão de obra enquanto as empresas lutavam para atender à demanda de exportação[2]. As disputas trabalhistas em manufatura e serviços começaram a aumentar em meados de 2020 – conforme documentado no artigo traduzido escrito por alguns amigos nossos, que serve como capítulo dois do livro – mas é discutível até que ponto o número de disputas reflete o número de ações trabalhistas. Embora as estatísticas ainda não estejam disponíveis para todo o ano de 2020, parece que as disputas trabalhistas, como uma medida geral de conflito, estavam pelo menos no mesmo nível do ano anterior. Por exemplo, em Pequim, os tribunais de arbitragem trabalhista receberam mais de 94.000 casos nos 10 meses entre janeiro e outubro[3]. Isso corresponde essencialmente aos 93.000 casos coletados nos nove meses entre janeiro e setembro de 2019, o que já foi um aumento de 37,4% em relação ao ano anterior[4].

Houve, no entanto, um aumento curioso no número de trabalhadores da construção civil protestando contra os atrasos salariais em 2020, conforme registrado pelo CLB – o maior já registrado pela organização desde o início do projeto de mapeamento em 2011. E talvez ainda mais estranho, nos primeiros meses de 2021, houve uma ausência do aumento maciço de protestos dos trabalhadores da construção civil que normalmente é visto antes do Ano Novo Chinês, quando os trabalhadores bloqueiam estradas, realizam marchas ou até mesmo ameaçam suicídio para receber o pagamento de fim de ano para que não viagem de volta para casa com as mãos vazias. Isso pode ser devido, pelo menos em parte, às restrições de viagem pela COVID-19 impostas aos trabalhadores durante o feriado de Ano Novo. Algumas estimativas mostraram que o número de viajantes em 2021 caiu em até 60% em comparação com 2019, atingindo o menor número de viagens registradas em 20 anos[5]. Em contraste, as ações dos trabalhadores no setor de logística, especialmente entre os passageiros que fazem entregas, são uma área em que a organização dos trabalhadores se expandiu durante a pandemia. As ações no setor de logística como um todo representaram 20% de todas as ações dos trabalhadores em 2020, o nível mais alto em vários anos. Este setor provavelmente produzirá altos níveis de agitação nos próximos anos, à medida que o comércio eletrônico continua a se expandir. Essencialmente, todas as ações trabalhistas de alto nível que ocorreram no ano passado (2020) envolveram motoristas de entrega. Na época, traduzimos um artigo viral[6] sobre a situação dos entregadores de alimentos que já circulavam na China, gerando discussão pública em todo o país e até gerando algumas declarações obrigatórias por parte dos dois gigantes do setor, Ele.me e Meituan. Essas declarações foram acompanhadas por mudanças bastante mornas, no entanto, com as empresas fazendo apenas pequenos ajustes para permitir que os passageiros tenham mais tempo para fazer seus pedidos, mas fazendo pouco para resolver os problemas subjacentes por trás das queixas dos trabalhadores.

Então, no final de fevereiro de 2021, o mais proeminente organizador popular de entregadores de entregas da China, Chen Guojiang – conhecido simplesmente como “Mengzhu” ou “líder de grupo” (盟主) por amigos e ativistas – foi detido pelas autoridades, provavelmente com a intenção de manter o A mídia social franca ficou quieta durante o congresso nacional do partido no início de março. Desde então, Chen foi acusado de “criar brigas e provocar problemas” (寻衅 滋事), a acusação mais comum usada para prender todos os tipos de agitadores em todo o país durante anos.[7] Alguns amigos falaram com Mengzhu antes de ele ser detido, sabendo como ele se organizou. Com base em Pequim, ele mantinha uma vasta rede de milhares de transportadores, principalmente no norte do país. Ele desenvolveu a rede em parte por causa de sua forte presença na mídia social, transmitindo ao vivo a vida dos entregadores. Ele também aconselhou outros pilotos, organizou refeições em grupo e até alugou um pequeno apartamento com cama em Pequim, onde pilotos novos na cidade podiam se hospedar gratuitamente por uma ou duas noites enquanto procuravam seu próprio lugar. Aqueles que o conheciam também descreveram como Mengzhu havia transformado sua plataforma em uma espécie de pequeno negócio para si mesmo, ganhando pequenas taxas aqui e ali, incluindo a coleta de bônus por recomendar pilotos para a plataforma, ou dos eventos que ele organizou para os pilotos .Durante seu tempo na plataforma, Mengzhu também ajudou a organizar várias greves de pilotos e foi supostamente bem-sucedido em atender às demandas dos trabalhadores. Ele e outros organizadores da greve também foram presos pela polícia em algum momento de 2019. Em suas discussões com amigos, ele observou enfaticamente que seu estilo de organização não podia ser imitado e atribuiu seu apelo generalizado à sua obsessão pessoal com networking, ajudar os outros e realizar streaming para seu público. No momento em que este artigo foi escrito, Chen continuava detido e ainda aguardava julgamento.[8] Amigos de Mengzhu tentaram arrecadar dinheiro para pagar honorários advocatícios no WeChat, mas o link para a página de arrecadação de fundos foi bloqueado pelos censores.

Mengzhu oferece um quadro interessante da realidade complexa e muitas vezes contraditória da organização dos trabalhadores na China, que raramente corresponde à miragem do “movimento trabalhista” promovido por muitos ativistas. Neste caso, a fama nas mídias sociais e até mesmo uma espécie de ethos empreendedor de pequena-empresa parecem ter sido parte integrante do crescimento da rede de Mengzhu. Argumentamos que essas complexidades inesperadas são essenciais para a compreensão da organização do trabalhador a longo prazo. Tanto no primeiro quanto no segundo número de nossa revista, procuramos enfatizar uma visão mais ampla da organização que extrapolou os limites do “movimento operário”, que atua como pano de fundo teórico para tantas análises do conflito de classes na China.[9] No futuro, será ainda mais essencial abandonar as presunções herdadas sobre como deve ser um “movimento operário” ou mesmo um “movimento social” mais geral, se esperamos compreender o caráter real da guerra de classes. Por exemplo, junto com o recente aumento nas ações das fábricas, podemos notar a força social potencial da franja em expansão de trabalhadores desempregados e subempregados, que estão crescendo em número em todo o país. Na extremidade inferior, isso é sugerido pela organização entre os entregadores de delivery e pelas demolições em curso que visam a chamada “população de baixa renda” (低端 人口).[10] Mas também é visível entre aqueles que ocupam posições sociais marginalmente mais elevados, como no discurso sobre a “involução” (内 卷) e no regime de trabalho “996”[11] entre os trabalhadores de colarinho branco, ou ainda mesmo no número crescente de protestos de proprietários de imóveis.[12]

Ainda não está claro como essas tendências afetarão as tensões sociais. Mas a desaceleração em curso no crescimento econômico parece indicar que todas essas tendências irão piorar com mais estagnação. A extensão do desemprego na China no último ano da pandemia ainda é pouco conhecida, mas a situação não deve melhorar significativamente. Durante o congresso do partido em março de 2021, o premiê Li Keqiang citou a criação de empregos como a “principal prioridade” do governo central, parecendo indicar que o emprego ainda não se recuperou verdadeiramente do declínio. Isso é ainda mais confirmado pela realidade de que foi a renovação do boom imobiliário – e não um renascimento industrial – que primeiro tirou a economia nacional de sua depressão após o lockdown. Enquanto isso, temos que ter em mente como os problemas econômicos afetaram os setores do colarinho-branco mais ricos ou mesmo pequenos burgueses, setores da sociedade que estão, sem dúvida, sentindo a pressão da perda de empregos e cortes de salários ou a dizimação de seus negócios, tudo em cima do já pesado fardo de dívidas que carregavam antes da pandemia. Embora essas tensões sociais possam não parecer tão inerentemente esquerdistas quanto as lutas trabalhistas, elas provavelmente continuarão a causar ondas e, infelizmente, a atrair mais a atenção e a ação da elite política. Como observamos em nosso último número da revista, a agitação social dos proprietários parece ter superado o número dos protestos trabalhistas no final dos anos 2010. Agora, no mundo pandêmico e pós-pandêmico, a política de classe provavelmente assumirá outras formas inesperadas com base nessas tensões sociais subjacentes. É essa realidade – e não uma analogia histórica de má qualidade – que deve servir de ponto de partida para qualquer pessoa que tente especular sobre o futuro do conflito de classes na China.

Rail: No final do livro, você fazem um argumento bastante interessante, e pode-se dizer especulativo, sobre o futuro do Estado chinês, uma vez que a pandemia deixou clara a necessidade de reconstruí-lo. Você argumenta que, embora continue em sua função primária a serviço do capitalismo, o estado está sendo reestruturado em algo diferente dos estados ocidentais ou de seus precedentes imperialistas e socialistas, enquanto recicla elementos de todos esses modelos. Para quais novas necessidades específicas e novos desafios este novo estado está sendo reestruturado e em que princípios ideológicos ele se baseia?

Chuang: Basicamente, a ideia central aqui é dupla: primeiro, estamos argumentando que a China ainda está em processo de construção de um estado propriamente capitalista. Não há nada realmente novo nisso, é claro, e os imperativos centrais do estado capitalista são mais ou menos universais, o que significa que muitos aspectos desse processo são muito semelhantes aos projetos de construção do estado que acompanharam o desenvolvimento capitalista em outros lugares. Mas, em segundo lugar, também é errado supor que isso significa que o estado que está sendo construído na China hoje será necessariamente semelhante a qualquer um dos estados capitalistas anteriores que surgiram em lugares como os Estados Unidos, a Europa ou nas colônias em seus detalhes. Esses imperativos capitalistas universais são requisitos básicos, mas a existência de funções universais não nos dá muitos discernimento sobre as estruturas institucionais exatas que são adaptadas para servi-las. Na verdade, esperaríamos que ocorresse o oposto: à medida que mudam as condições de acumulação de capital global, esse projeto de construção do Estado torna-se cada vez mais parte integrante de todo o processo de desenvolvimento. Não é coincidência que cada onda de industrialização de “desenvolvimento tardio” tenha visto o estado desempenhando papéis cada vez mais centrais em todo o processo. As pessoas frequentemente esquecem que uma das previsões mais consistentes de Marx sobre como o capitalismo se desenvolveria era que a escala social de produção aumentaria junto com a centralização industrial e que o sistema de crédito desempenharia um papel integral na gestão da acumulação em tal escala. Então, é realmente tão inesperado testemunhar o surgimento de um estado supervisionando enormes conglomerados industriais, ao lado de tentativas de disciplinar e direcionar suas atividades por meio da supervisão institucional e do fornecimento de crédito por meio de grandes bancos estaduais (não vale pena notar que principalmente por meio de injeções fiscais)?

Em um nível mais filosófico, há outra dimensão para este segundo argumento. Porque não se trata apenas do fato de que estados mais expansivos agora são necessários para garantir as condições básicas de acumulação. Também aborda a questão de como esse processo é percebido por aqueles que nele estão envolvidos e que tipo de forma ideológica ele assume. Em parte, esta peça foi escrita como uma réplica a toda a moda da filosofia ocidental que tenta teorizar “o estado” como tal puramente por referência à experiência europeia e à linhagem civilizacional que remonta a Roma – como se a jurisprudência romana abrisse esta janela secreta para o funcionamento interno do estado hoje. Estamos dizendo: não, você não pode simplesmente pegar algo que Foucault ou Agamben ou mesmo Mbembe escreveu sobre a Europa moderna, a Roma antiga ou o mundo colonial,e aplicá-lo no atacado à China, como se a lógica da política fosse um transplante inteiramente estrangeiro, introduzido na transição para o capitalismo. Na verdade, queremos apontar que há uma arrogância enlouquecedora de filósofos que escrevem críticas de “império” e “civilização” que nada sabem sobre a história de todos os maiores impérios de vida mais longa em toda a Ásia (para não mencionar na África ou na Américas).

Neste caso, a realidade é ainda mais contundente, porque a China tem sua própria tradição filosófica vibrante e de longa data que sempre se preocupou (na verdade, este é sem dúvida sua preocupação central) com questões de governança e política. Mais importante ainda, esta tradição filosófica está sendo ativamente revivida hoje, fundida com tendências conservadoras do pensamento ocidental e seletivamente implantada por aqueles que estão no poder para justificar ideologicamente, conceituar e até mesmo guiar o progresso material do projeto de construção do estado no terreno. É muito importante compreender esta dimensão do processo, mesmo que também tenhamos que ter em mente que a expressão filosófica do projeto de construção do Estado vai ser diferente da realidade no terreno. Não é realmente o caso que esta filosofia atua como um “manual” para aqueles que estão no poder, ou mesmo que forneça uma imagem precisa de como o poder do Estado funciona na realidade. Na verdade, muitas vezes faz o oposto, idealizando o estado e afirmando uma missão quase cosmológica para o PCCh,encarregado de liderar o rejuvenescimento espiritual da suposta nação chinesa. Mas essa é uma característica importante de como esse processo está sendo expresso por meio da reflexão sobre si mesmo. Por todas essas razões, pegamos emprestado um pouco da linguagem exagerada desses filósofos e demos a este capítulo um título irônico: “A praga ilumina a grande unidade de todos sob o céu”. Claro, essa unidade é uma piada.

Nada disso significa que o projeto de construção do Estado simplesmente avançará sem ser contestado. Como acontece com qualquer elemento do capitalismo, podemos ter certeza de que o conflito de classes nunca é eliminado definitivamente. Mas pode não ter a forma que esperávamos. Podemos de fato ver mais atos de desespero e desespero, conforme os conflitos sociais explodem de maneiras imprevisíveis, especialmente para as camadas mais baixas da sociedade chinesa, como o recente bombardeio de um prédio do governo em Guangzhou por causa de uma disputa de terra, ou o recente suicídio de um motorista de caminhão por uma multa de 2.000 yuans (cerca de US$ 300).[13] As queixas de maior valor das camadas superiores, como fraude de investimento ou conflitos de desenvolvimento imobiliário, provavelmente continuarão a crescer em número e receberão mais cobertura na mídia nacional e estrangeira – esses indivíduos também tendem a ter maior acesso ao sistema jurídico e uma melhor chance de reconhecimento formal a esse respeito. Isso pode não refletir o real “equilíbrio de forças” em relação à luta de classes na China, mas podemos esperar que, pelo menos na superfície, haverá um crescente “emburguesamento” das lutas sociais, por falta de uma palavra melhor, mesmo assim. Processo é pontuado por explosões violentas dos mais pobres do país. Desnecessário dizer que as demandas dos ricos (como a manutenção do vacilante mercado imobiliário) serão uma das principais prioridades do Estado. O mesmo não acontece com os caminhoneiros ou a “população de baixa renda” que vê suas casas demolidas.

Devemos também estar atentos aos caminhos de como as formas celulares e o estilo de mobilização pelo estado podem se desenvolver no futuro. Como observamos no capítulo final do livro, embora o estado formal se mostrasse relativamente fraco, as estruturas de poder de pequena escala foram moldadas em uma velocidade incrível. Comitês de residentes locais, seguranças e outros voluntários – com ligações a partidos e organizações governamentais – tornaram-se as principais faces do poder estatal quando se tratava de regulamentar o movimento de cidadãos entre bairros, ou mesmo dentro e fora de suas casas. Esses desenvolvimentos também não passaram despercebidos pelo capital. No ano passado, o chefe da Câmara de Comércio Europeia, Jorge Wuttke, não se queixou do desenvolvimento de alguma burocracia abrangente, centralizada e autoritária que atrapalha os negócios, muito pelo contrário:“A colcha de retalhos de regras conflitantes que emergiu da luta contra o COVID-19 produziu centenas de feudos, tornando quase impossível transportar mercadorias ou pessoas pela China.” Como principal representante do capital estrangeiro, Wuttke pediu ao governo que padronizasse medidas “em jurisdições maiores” para “colocar a economia real de pé”.[14] Esse poder em retalhos permanece até hoje, embora de uma forma mais latente. Apesar da pandemia ter passado e esses sistemas tenham relaxado um pouco, a realidade é que eles não desapareceram. As redes recém-desenvolvidas que ligam os órgãos formais do poder estatal a corpos informais de voluntários, empresas de gestão imobiliária, segurança, etc. simplesmente afundaram logo abaixo da superfície, chamando a atenção e reafirmando sua presença sempre que ocorrem surtos locais. No entanto, isso não é importante apenas para o gerenciamento da pandemia. A parte mais especulativa do capítulo argumenta que redes igualmente locais e o que chamamos de “para-formais” podem surgir em face de choques nativos ou exógenos, como uma corrida aos bancos, ou durante a mobilização nacionalista que acompanharia qualquer conflito militar .


Para mais textos do coletivo Chuang em português:

Notas:
  1. Conforme examinado em nosso artigo “ Red Dust” , isso na verdade começou sob Mao, não Deng Xiaoping, e é uma das muitas razões pelas quais argumentamos que periodizar a história chinesa de acordo com a sequência de “grandes líderes” é enganoso. Intencionalmente, nunca chamamos o regime de desenvolvimento de “era Mao”, por exemplo, nem a transição para o capitalismo de “era Deng”, porque a história não pode ser reduzida a ações, caprichos ou teorias políticas de estadistas.
  2. Gabriel Crossley e Stella Qiu, “China’s stunning export comeback has factories scrambling for workers”, Reuters, 20 de dezembro de 2020. https://www.reuters.com/article/us-china-economy-manufacturing-idUSKBN28V0AL .
  3. 疫情期间务工者遇到劳动争议该咋办? “What should workers with a labor grievance do during the pandemic?” 公民日报 People’s Daily, 27 de novembro de 2020. www.xinhuanet.com/fortune/2020-11/27/c_… .
  4. 北京发布2019年劳动人事争议仲裁十大典型案例 “Beijing Announces Top Ten Labor Arbitration cases from 2019” 新华网 Xinhua. www.xinhuanet.com/2019-11/05/c_11251960..
  5. SCMP Reporter, “China’s annual Lunar New Year migration, usually the biggest of its kind, looks very different in 2021″, South China Morning Post, 7 de fevereiro de 2021. www.scmp.com/magazines/post-magazine/lo…..
  6. Chuang and Friends (Trans), “Delivery Workers, Trapped in the System”, Chuang Blog , 12 de novembro de 2020. https://chuangcn.org/2020/11/delivery-renwu-translation/ .
  7. Sobre Mengzhu e sua prisão, veja Emily Feng, “He Tried To Organize Workers In China’s Gig Economy. Now He Faces 5 Years In Jail”, NPR, 13 de abril de 2021, www.npr.org/2021/04/13/984994360/he-tri… ; Matt Dagher-Margosian, “Free Mengzhu! An interview with Free Chen Guojiang 关注盟主”, Asia Art Tours, https://asiaarttours.com/free-mengzhu-an-interview-with-free-chen-guojiang-关注盟主/. Sobre casos semelhantes no passado, veja nosso artigo “Picking Quarrels” da segunda edição de nossa revista: https://chuangcn.org/journal/two/picking-quarrels/ .
  8. Os últimos relatórios dos direitos trabalhistas que monitoram o China Labour Bulletin no início de junho afirmam que ele ainda está detido. Consulte “Food delivery worker burns uniform in symbolic protest”, China Labour Bulletin, 8 de junho de 2021. clb.org.hk/content/food-delivery-worker… .
  9.  Consulte “No Way Forward, No Way Back” e “Gleaning the Welfare Fields” na edição 1 e “Picking Quarrels” na edição 2, ambos disponíveis aqui: https://chuangcn.org/journal .
  10. Sobre o discurso da “população de baixa renda” e sua popularização após a demolição de residências de baixo custo em Pequim em 2017, consulte: “Adding Insult to Injury: Beijing’s Evictions and the Discourse of Low-End Population”. https://chuangcn.org/2018/01/low-end-population/ .
  11. Para uma discussão de ambos, consulte: “Involution: Wildcat on China’s 2020”. https://chuangcn.org/2021/05/involution-wildcat-on-chinas-2020/ .
  12. Para uma análise das tendências de longo prazo, veja nossa análise em “Picking Quarrels,” citado acima. Exemplos de protestos de proprietários de casas podem ser encontrados diariamente online, para aqueles que procuram. Incidentes maiores às vezes são abordados em detalhes em publicações críticas para a China, como a Radio Free Asia, talvez uma vez por mês ou mais. Por exemplo, os residentes de um bairro em Chongqing entraram em confronto com mais de uma centena de policiais do choque em maio por causa de um conflito de longa data com autoridades que queriam estabelecer um escritório do governo local em sua comunidade residencial. Veja: “重庆 保 利 香雪 小区 爆发 大规模 抗暴 事件 业主 赶走 数百 名 黑衣 人” www.rfa.org/mandarin/yataibaodao/renqua…. A campanha de demolição do governo de Pequim no complexo de Xiangtang, nos subúrbios ao norte da cidade, foi relatada por vários veículos de língua inglesa. Por exemplo, consulte: “Residents Protest As China Demolishes Some Of Beijing’s Wealthy Suburbs”. www.npr.org/2021/01/26/960855956/reside….
  13. Veja nosso relatório recente sobre esses eventos: “Bombing the Headquarters: Desperate Measures in a Time of Involution”, Chuang Blog , 23 de maio de 2021. https://chuangcn.org/2021/05/bombing-headquarters/ .
  14. Veja “COVID-19 Severely Impacting Business: trade associations call for proportionate measures to get real economy back on track”, um comunicado de imprensa conjunto da Câmara de Comércio Alemã na China e da Câmara de Comércio da União Europeia em Câmara, 27 de fevereiro de 2020. china.ahk.de/news/news-details/covid-19….