NÃO EXISTE OPOSIÇÃO INSTITUCIONAL AO FASCISMO: Análises sobre a escalada da violência da extrema-direita no Brasil

Na noite de 12 de dezembro, a violência da base bolsonarista de rua avançou mais um passo em sua radicalização. Uma Delegacia e a sede da Polícia Federal foram atacadas, cinco ônibus e três carros foram incendiados em Brasília como resposta à prisão de um indígena pastor evangélico e bolsonarista acusado de organizar os atos golpistas, praticar ameaças e promover ataques ao Estado Democrático de Direito. O homem que se intitula “líder indígena” mesmo sem o reconhecimento dos povos da sua etnia, teve a prisão decretada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes.
Quando esses grupos neofascistas começam a adotar táticas de luta radicalizada sem qualquer oposição das polícias, é preciso refletir sobre o futuro dos conflitos políticos por vir. E repensar – mais uma vez – o papel da esquerda radical diante dos avanços do fascismo de rua.

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No início, a maioria dos atos dos autoproclamados “cidadãos de bem” contestando o resultado das eleições para presidente foram diurnos e compostos por homens, mulheres, idosos e, muitas vezes, crianças para dar um ar de “família” e justificar a falta de ação violenta da polícia que ataca protestos e bloqueios de movimentos de esquerda com ou sem crianças. Já nessa época, alertamos sobre o risco de atribuir falsa legitimidade a certas ações ao tratar como “insurreição popular” os atos bolsonaristas por intervenção militar e anulação das eleições patrocinados por empresários do agronegócio e das indústrias.

Agora, quando ações violentas como linchamentos e até sequestros e torturas se tornam parte do seu repertório de ação, um novo perfil majoritariamente masculino, radicalizado, noturno e disposto ao confronto aberto está se consolidando, segue sem oposição dos movimentos de esquerda e com o apoio quase integral das forças de segurança. É preciso compreender que o fascismo sem oposição nas ruas crescerá como um motim cada vez mais violento.

A esquerda petista, a mídia e alguns juristas acreditam que basta chamar o que está acontecendo de terrorismo e tratar com prisões e penas duras seus participantes. Tal iniciativa é parte do processo pacificador que professa a fé nas leis e nas instituições que nada fizeram até agora para barrar de fato tais ações e deixaram as ruas livres para o fascismo. Como resultado, a imagem de ônibus em chamas, antes o símbolo da luta contra a repressão do estado e a exploração capitalista, vista nos atos contra aumento da tarifa, contra a Copa da FIFA ou contra ações da polícia nas periferias, agora está prestes a se tornar o retrato do “terrorismo de direita”. E o papel de “defensor da lei e da ordem” passa a ser adotado pela esquerda legalista e institucional que em breve estará sob a tutela de um novo governo petista.

De fato, os confrontos do dia 12 mostram que essa direita está disposta a “não deixar ninguém” pra trás e lutar pela libertação de um dos seus integrantes. A Secretaria de Segurança do DF (governo alinhado ao Bolsonaro) alegou não ter efetuado nenhuma prisão para assim “reduzir danos e evitar uma escalada ainda maior nos ânimos”, atestando a eficiência da organização do protesto radicalizado. Dá a impressão até de que seu sucesso confirmaria a tese insurrecional de que “a força de uma insurreição é social, não militar“. Mas é bom lembrar que a motivação e os interesses dessa base radicalizada do bolsonarismo não são populares, isto é, originada dos debaixo: são os mesmos do presidente derrotado, sua família e sua rede de políticos eleitos para cargos no legislativo; além, é claro, do “partido militar” informal responsável pela eleição do representante do seu projeto de poder em 2018.

Uma imagem do futuro?

Assim sendo, não causa surpresa o fato das polícias militares e federais não efetuarem nenhuma prisão na noite de ataques pela libertação do pastor indígena bolsonarista. O que permite ao filho do milionário praticar feminicídio, dirigir bêbado e matar, ou ao aliado de político encomendar a morte de inimigos e seguir a vida sem importurnação é a mesma lógica que permite grupos fascistas cometerem atos de violência contra pessoas ou de destruição da propriedade sem a menor consequência: a justiça é burguesa e a polícia é sua empregada. Ambos têm lado, partido e ideologia. O fascismo está inscrito na forma-Estado, por isso nenhum governo suprime totalmente o fascismo, pois, quando necessário, recorre a ele para garantir seus privilégios e de sua classe dirigente.

Qualquer um de nós de grupos pobres, pretos, periféricos ou mulheres que praticarem tais atos colocarão suas vidas em risco. Pois serão imediatamente alvo de violência letal e prisões arbitrárias, provas plantadas e inquéritos forjados, como Rafael Braga ou os 23 do Rio de Janeiro, presos nos protestos de 2013/14. Naquela época, após uma década de gestão petista, os protestos de 2013 apresentaram os black blocs e táticas populares combativas contra a repressão policial e intelectuais de esquerda não pouparam críticas desonestas. Marilena Chauí, por exemplo, em fala para cadetes da PM do Rio, disse que anarquistas e adeptos da tácita black bloc “agiam com inspiração fascista”.

Dessa vez, o futuro governo de Lula e Alckmin, herdeiro das leis antiterrorismo de Dilma para criminalizar movimentos sociais, já se inicia com promessa de tolerância zero para protestos de rua – o que sempre vai bater mais forte nos movimentos populares e anistiar os fascistas aliados da polícia e do empresariado. O novo pacto de classes será ainda mais à direita do que aquele firmado há exatos 20 anos. Quando Flávio Dino, futuro ministro da Justiça de Lula, afirma que protestos com vandalismo serão tratados com rigor e como sinônimo de terrorismo, e um ex-ministro petista, Gilberto Carvalho, aponta que os ataques bolsonaristas são “o retorno dos black blocs”, podemos ter certeza de que qualquer ruptura nesse novo consenso petista será esmagado pela polícia e pela lei. Mas, por agora é conveniente deixar os fascistas na rua e retroalimentar a posição santificada da esquerda institucional, da fé nas estruturas de poder e gestão.

Mesmo que o STF detone uma diligencia policial para prender uma centena de apoiadores de protestos golpistas, isso não passa do que parece: um espetáculo na ordem. Passada a turbulência da transição, a pacificação já estará consolidada. Ele junta o aparato jurídico e policial à chantagem do “antes era pior” e o fascismo pode voltar para produzir sua fórmula mágica da paz com algumas migalhas de políticas públicas para os miseráveis.

O avanço eleitoral e como força social mobilizada da extrema-direita no Brasil, que sob o nome bolsonarismo e sob a liderança de militares congrega desde profissionais da violência (policiais e similares legais e ilegais) até amplos setores das classes médias e altas, coloca de maneira inequívoca quais os termos da atual falência funcional das democracias atuais: ou uma insurreição abole as regras do jogo para a construção de algo novo ou morreremos de inanição sob o julgo do aparato securitário do Estado e com medo perene de que a violência fascista irá nos atingir.


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