Contra a Criminalização da Revolta! Fim do processo contra Caio e Fábio!

2013: 10 anos depois, a revolta pode ir a julgamento novamente

A justiça do estado do Rio de Janeiro definiu a data do júri popular dos ativistas Fábio Raposo Barbosa e Caio Silva de Souza, acusados pela morte do cinegrafista Santiago Andrade em fevereiro de 2014. A sessão plenária do 3º Tribunal do Júri está prevista para as 12h, do dia 12 de dezembro de 2023. Fábio e Caio respondem por homicídio doloso qualificado e explosão. Há quase dez anos, Santiago foi atingido por um rojão na cabeça enquanto registrava confrontos entre manifestantes e policiais sem qualquer tipo de equipamento de proteção, para a TV Bandeirantes, no Centro do Rio, perto da Central do Brasil. Apesar do que o Estado, através do punitivismo populista penal e a mídia, através do linchamento discursivo, tentam emplacar, Caio e Fábio não poderiam ser responsabilizados pela morte de Santiago Andrade. A explosão de um artefato como aquele não tem previsibilidade e, portanto, qualquer noção de intenção teria que ser descartada. Se fizéssemos dez reconstituições do incidente, obteríamos dez resultados diferentes. Além disso, não existe nenhuma prova conclusiva de que o morteiro que acertou o jornalista tenha sido disparado pelos manifestantes, já que existem relatos de testemunhas, de que naquele dia, a própria polícia estava com morteiros.

A criminalização de Caio e Fábio se confunde com a própria criminalização da revolta popular, e foi a maneira que o Estado encontrou para tirar as pessoas das ruas no Rio de Janeiro. Lembrando que até aquele momento na cidade as manifestações atraíam grandes massas e contavam com grande apoio popular. Somente através da fabricação de uma acusação de assassinato, diante de um terrível e evitável acidente sofrido pelo jornalista Santiago foi possível emplacar um discurso para fazer as pessoas temerem sua própria capacidade de insurreição. Importante ressaltar que a rede Bandeirantes enviou Santiago para uma zona de conflito sem nenhum material de proteção.

Diante disso, o julgamento segue confirmado sem que a rede bandeirantes tenha liberado as imagens completas que estavam na câmera do jornalista quando foi atingido. A emissora foi intimada a entregar essas imagens, mas entregou apenas uma parte claramente editada. Não podemos então deixar de perguntar: o que há para se esconder nesses arquivos? Por que querem que os manifestantes sejam julgados sem que essas imagens apareçam? Nossa luta neste momento é para que o julgamento seja adiado e não ocorra dia 12 de dezembro sem que a defesa tenha acesso às imagens completas, garantindo assim o amplo direito de defesa de Caio e Fábio. Mas é também pela sua absolvição e pela extinção de todos os processos fabricados, envolvendo manifestantes e lutadores das jornadas de 2013.

Sabemos que os verdadeiros assassinos seguem matando diariamente e de muitos modos na nossa sociedade. Sabemos que o caso em questão é apenas mais um para barrar a autodefesa popular e criar uma situação de pânico diante da exploração da morte e do sofrimento pela mídia, que sabemos ser sempre convenientemente seletiva, para que a revolta seja tirada de cena. Fazer isso é instrumentalizar a morte e a dor das pessoas para um fim político e de controle social. Não há qualquer respeito genuíno com o sofrimento das pessoas quando se usa vidas dessa forma. O que é, aliás, o modo geral de proceder do capitalismo: a instrumentalização dos afetos.

O caso lembra o que ocorreu na Grécia, em 2010, quando um incêndio em um banco durante um protesto levou três pessoas a óbito, e isso foi amplamente usado para jogar a opinião pública contra os protestos, esvaziar as ruas, e gerar um pânico na população, como se se rebelar pudesse gerar mais mortes do que as próprias políticas de austeridade que se pretendia barrar. Sabemos, entretanto, que isso não é verdade, que os bancos ceifam direta e indiretamente muito mais vidas do que qualquer incêndio. Que se as mortes convenientes, quando não são diretamente fabricadas, são pelo menos facilitadas e exploradas para abafar as revoltas. As inúmeras mortes diárias contra as quais nos revoltamos seguem numerosas e constantes, sendo naturalizadas e tomadas como inevitáveis.

A morte de Santiago não foi a única morte em contexto de manifestações, tivemos manifestantes jogados de uma ponte pela polícia; tivemos professoras asfixiadas com gás; e não é como se não morressem tantas pessoas diariamente pela violência policial; pela precarização da vida; pelos motivos que justamente levaram a população às ruas para protestar. Mas as mortes invisíveis, de tantas pessoas matáveis, foram contrapostas pela morte de um “cidadão de bem”, o acidente conveniente foi então usado como instrumento e moeda de troca para que a revolta se tornasse condenável. Mas quem usa pessoas como moeda, que nos usa como um meio para aumentar suas riquezas e poderes, não se importa de fato com a vida. Por isso defender Caio e Fábio é defender a possibilidade da revolta, é defender o direito a uma outra forma de vida diante do capitalismo que cada vez mais nos tira as mínimas condições de sobrevivência. Somos todys nós que não nos conformamos com essa vida sem o mínimo, que não nos calamos diante das opressões, e que lutamos por uma outra sociedade livre e igualitária, que também estamos indo a júri sem direito de defesa.

FIM DO PROCESSO PARA CAIO E FÁBIO!

NÃO PODE HAVER JÚRI SEM ACESSO ÀS IMAGENS!

VIVA A ANARQUIA!

Camarada Serge: notícias da revolta popular na França

As ruas da França estão em chamas desde que protestos e greves que começaram em janeiro se transformaram em um verdadeiro levante contra reforma da previdência social que visa aumentar a idade mínima de aposentadoria. A polícia comandada pelo governo de Emmanuel Macron tenta reprimir o movimento que já se tornou uma das maiores onda de protestos da atualidade e novos focos surgem em centenas de cidades.

No sábado, dia 25 de março, no oeste da França, um protesto de 30 mil manifestantes contra a construção de um reservatório de água em Sainte-Soline e seus dramáticos impactos sociais e ambientais culminou em mais repressão e violência policial. Um camarada conhecido com Serge foi atingido na cabeça por explosivos da polícia e teve atendimento negado pelos capangas de Emmanuel Macron. Abaixo, disponibilizamos a tradução de alguns comunicados e chamados de seus amigos e parentes.

Camarada internado e com risco de morte após a manifestação em Sainte-Soline

Nosso camarada S. foi atingido na cabeça por uma granada explosiva durante a manifestação contra reservatórios de água neste sábado, 26 de março, em Sainte Soline.

Apesar de seu estado grave, a prefeitura impediu conscientemente, em um primeiro momento, que os serviços de emergência interviessem e apenas depois de algum tempo o transportaram para uma unidade de atendimento apropriada. Ele está atualmente em terapia intensiva neurocirúrgica. Seu prognóstico vital ainda está comprometido.

A onda de violência sofrida pelos manifestantes deixou centenas de feridos, com vários atentados graves à integridade física, conforme anunciado pelos diversos relatórios de informação disponíveis. Os 30.000 manifestantes tinham o objetivo de bloquear o local da megabacia [grandes reservatórios de água destinados à agroindústria] de Sainte-Soline, um projeto de apropriação privada de água por uma minoria em benefício de um modelo capitalista que não tem mais nada a oferecer além de morte. A violência do braço armado do estado democrático é a expressão mais clara disso.

Logo em seguida do movimento contra a reforma da previdência, a polícia mutila e tenta assassinar para impedir a sublevação, para defender a burguesia e seu mundo. Nada impedirá nossa determinação em acabar com o reinado deles.

Na terça-feira, 28 de março, e nos dias seguintes, vamos fortalecer as greves e bloqueios, sair às ruas, por S. e todos os feridos e presos de nossos movimentos.

Vida longa à revolução.

Camaradas de S.

PS: Se você tiver alguma informação sobre as circunstâncias dos ferimentos infligidos a S., entre em contato conosco: s.informations@proton.me

Gostaríamos que este comunicado fosse distribuído o mais amplamente possível.

Traduzido do Francês

Polícia sob ataque dos manifestantes em Sainte-Soline, 25 de março de 2023.

Comunicado dos Pais de Serge (S.) em 29 de março de 2023

Esta é a tradução de uma declaração dos pais de um ativista que permanece em coma cinco dias após a violência policial em Sainte-Soline.

Após o ferimento causado por uma granada GM2L, durante a manifestação de 25 de março de 2023 organizada em Sainte-Soline contra os projetos de bacias de irrigação, nosso filho Serge está atualmente em um hospital lutando por sua vida.

Apresentamos queixa por tentativa de homicídio e obstrução voluntária à chegada dos serviços de emergência e por violação de segredo profissional no âmbito de inquérito policial e apropriação indébita de informação constante do arquivo para tal.

Na sequência dos vários artigos publicados na imprensa, muitos dos quais imprecisos ou enganosos, gostaríamos de dar a conhecer que:

  • Sim, Serge está na lista “S” (lista de observação da “Segurança do Estado”) – como milhares de ativistas na França de hoje.

  • Sim, Serge teve problemas legais – como a maioria das pessoas que lutam contra a ordem estabelecida.

  • Sim, Serge participou de muitas manifestações anticapitalistas – como milhões de jovens em todo o mundo que acham que uma boa revolução não seria demais e como milhões de trabalhadores que lutam atualmente contra a reforma previdenciária na França.

Acreditamos que esses não são atos criminosos que manchariam nosso filho, mas, ao contrário, esses atos são creditados a ele.

Os pais de Serge
29 de março de 2023

Vídeo sobre a Batalha das Mega Bacias em Sainte Soline: legendas em português disponíveis.

 


Uma atualização sobre Serge

Apresentamos uma segunda declaração escrita pelos companheiros e próximos de Serge, divulgada na quarta-feira, 29 de março.

Enquanto nosso camarada Serge continua lutando pela vida que o Estado tentou tirar dele, estamos testemunhando uma nova onda de violência contra ele. A mídia está tentando retratá-lo como um homem que deveria ser fuzilado. Hoje, ele ainda está em coma, em estado crítico. Enviamos nossa solidariedade a Mickaël e a todos que sentiram a força bruta da violência policial cair sobre eles.

A mídia burguesa continua repetindo incessantemente palavras cuidadosamente escolhidas pelo Estado para construir, do nada, o inimigo que quer combater. Sua fachada falsa vai desmoronar diante das muitas narrativas que corrigiram e reescreveram o curso dos acontecimentos. A polícia usou granadas com o objetivo específico de causar danos físicos e mentais aos manifestantes; eles são responsáveis ​​por impedir que os socorristas evacuem os feridos, mesmo que isso signifique deixar nossos camaradas morrerem.

Os serviços de inteligência têm distribuído livremente as informações que coletaram sobre Serge para redações em todo o país. O objetivo deles é nos obrigar a nos definirmos nas palavras usadas pela polícia. Aqui, não vamos nos envolver com as versões deliberadamente abreviadas da identidade de Serge que a polícia tem circulado. Não acreditamos que qualquer verdade sobre ele possa ser encontrada nos arcanos da propaganda estatal e da mídia. Como revolucionário, Serge tem participado com todas as suas forças e por muitos anos em muitas lutas de classes contra a nossa exploração, sempre com vistas à ampliação e fortalecimento da vida e vitória do proletariado.

E, de fato, não podemos nos deixar esmagar.

Apelamos a todos aqueles que o conhecem para dizer aos outros ao seu redor quem ele é. Lembre-se: Serge, em luta, recusa a estratégia do estado de separar bons e maus manifestantes. Com ele e para ele, defendemos esta linha.

Na terça-feira, 28 de março, pessoas de todos os lugares se comprometeram a mostrar sua solidariedade ao movimento contra a reforma previdenciária na França. Também recebemos muitas mensagens de camaradas internacionais. Nós os agradecemos calorosamente e os encorajamos a continuar e apoiar o movimento. Mais ações já estão planejadas e encorajamos as pessoas a se juntarem e multiplicarem sem restrições, na França e no resto do mundo.

Queremos que este comunicado seja compartilhado o mais amplamente possível.

PS: Há muitos rumores sobre a condição médica de Serge. Não os compartilhe. Nós manteremos você atualizado.

Para entrar em contato conosco:

s.informations@proton.me

Camaradas de S.

A REVOLTA POPULAR NO PERU – Anarquistas Discutem a Revolta Contra a Violência Policial e o Estado de Emergência

Em dezembro de 2022, uma onda de protestos populares liderados por camponeses e os movimentos indígenas varreram o Peru depois que o ex-presidente Pedro Castillo sofreu impeachment após uma tentativa fracassada de dissolver o legislativo e sua vice-presidente, a conservadora Dina Boluarte, assumiu o governo. Em 14 de dezembro, o ministro da Defesa, Alberto Otárola, decretou estado de emergência, suspendendo a liberdade de reunião, a liberdade de ir e vir, a inviolabilidade do lar e outros direitos. No entanto, os protestos só aumentaram de intensidade. Em 18 de janeiro, movimentos populares do sul do Peru marcharam até a capital em uma mobilização conhecida como “Tomada de Lima”. Estudantes e sindicatos os receberam, juntando-se aos protestos para exigir novas eleições para a presidência e o legislativo. Em resposta, a polícia matou mais de 60 pessoas e feriu milhares. Para uma visão direta desses acontecimentos, conversamos com anarquistas peruanos, na esperança de obter uma perspectiva sobre os aspectos desse movimento que ultrapassam a política de estado.


O Peru tem uma longa história de golpes de estado no poder e violência estatal e paramilitar no campo. Após uma crise envolvendo a falta da última página de um contrato entre o governo peruano e a Companhia Internacional de Petróleo, o general Juan Velasco Alvarado derrubou o presidente eleito Fernando Belaúnde Terry em 1968. A partir da década de 1980, o grupo armado maoísta Sendero Luminoso conduziu uma guerra de guerrilha no campo que ceifou dezenas de milhares de vidas. O presidente Alberto Fujimori dissolveu o Congresso em 1992 para obter o poder absoluto, que manteve por meio de uma vasta rede de atividades secretas coordenadas pelo chefe do serviço de inteligência do Peru, Vladimiro Montesinos – até ser derrubado em 2000 após uma eleição fraudulenta. Em novembro de 2020, protestos generalizados forçaram o presidente interino Manuel Merino a renunciar após apenas cinco dias no cargo.

Mais recentemente, o vizinho Equador viu revoltas em 2019 e 2022, nas quais grupos de base ligados à Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE) desempenharam um papel central na resistência às medidas de austeridade impostas pelo Estado. Algo semelhante ocorre hoje no Peru, onde um movimento composto principalmente por camponeses e indígenas interrompeu o funcionamento do capitalismo extrativista, afirmando seus próprios interesses e estruturas organizacionais fora do quadro do poder estatal.

À medida que uma nova série de tentativas de golpe ocorre nas Américas, do 6 de janeiro de 2021 nos Estados Unidos ao 8 de janeiro de 2023 no Brasil, é importante aprender como os movimentos populares podem manter a resistência diante da repressão policial – especialmente movimentos envolvendo os explorados e excluídos.

Conversamos com participantes do Periodico Libertária, publicação anarquista que surgiu como parte da resistência ao regime peruano. Seu objetivo, como eles dizem, é “a libertação total dos Andes e de todo o território dominado pelo estado assassino chamado ‘Peru’”.

Capa da primeira edição do Periodico Libertária, com o slogan “Espalhamos a anarquia quando podem”. O balão diz “Um misantropo que também é filantropo, é um pouco difícil de entender” e a legenda diz “Oxímoro: Protesto dos trabalhadores do IPC em Lima, 29 de junho de 1956”.

Em outros países, são muito escassas as informações que recebemos sobre a revolta que ocorre neste momento nas ruas peruanas. A mídia noticia de forma superficial que há manifestações e greves, com repressão policial que já matou dezenas de pessoas e feriu milhares. Ainda assim, pouco se discute sobre o contexto e quando se fala, mantém-se o binário: apoio a Pedro Castillo, presidente que tentou dissolver o Congresso e aplicar um golpe, ou a destituição de Dina Boluarte, sua vice que assumiu o cargo depois do Impeachment do presidente, e também a demanda popular pela realização de uma nova eleição. Mas sabemos que as revoltas estão sempre para além dessas simplificações e, por isso, é preciso entender o contexto e as lutas recentes nos territórios onde as insurreições acontecem. Sendo assim, gostaríamos que você escrevesse uma história de uma perspectiva anarquista sobre o que está acontecendo lá no momento e quais são as possíveis conexões com outras insurreições que ocorreram na chamada América Latina?

Normalmente, os meios de comunicação de massa cobrem os protestos no exterior como algo isolado e localizado, mesmo que o que está acontecendo esteja a apenas alguns quilômetros de distância. Nos meios de “comunicação” existe o receio de expor problemas estruturais e analisá-los em profundidade. Sabe-se que no Peru vivemos um processo antiautoritário que poderia ocorrer em qualquer país latino-americano, especialmente considerando a coincidência e a origem dos problemas – racismo estrutural, pobreza extrema, corrupção institucionalizada e uma violenta democracia neoliberal.

Nesse caso, a repressão do atual governo tem sido caracterizada pelo racismo desenfreado. Houve massacres em cidades dos Andes e do Altiplano [as montanhas e planaltos do Peru]. Obviamente, a desprezível imprensa amarela não tem apresentado uma representação fiel da realidade. Enquanto a militarização continua em várias cidades – como Ica, no litoral, e Puno, no altiplano – o último assassinado em Lima (28/01/23) foi descrito pela mídia como mero delinquente quando sua morte foi transmitida no um canal a cabo no país. Há um constante confronto assimétrico entre as armas do Estado e as lutas dos povos em busca da liberdade.

No que diz respeito às conexões com outros eventos, sem esquecer os problemas específicos deste território e o caráter camponês da revolta peruana, as referências mais próximas são as experiências antiautoritárias de outubro de 2019 da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE). A diferença está na ausência de grandes organizações indígenas, já que a Confederación Campesina del Perú (a Confederação Campesina do Peru fundada em 1947) sofreu o violento assédio do Sendero Luminoso (grupo marxista) e também a perseguição do ditador Alberto Fujimori, resultando em sua atual desintegração. Para compensar esta ausência existem as organizações camponesas de base , tanto provinciais como distritais.

Isso também explica o fracasso da esquerda política em direcionar os protestos para seus interesses. Vimos confrontos abertos com parlamentares nas ruas e até ações diretas contra suas propriedades.

Confrontos em Lima.

Você pode falar sobre a participação dos camponeses e indígenas nas manifestações?

Deve-se afirmar abertamente que os grupos camponeses estão à frente dos levantes neste território. Existem diferentes grupos étnicos no Peru que resistiram à maquinaria colonial (em todas as suas formas) e mantêm uma longa tradição antiautoritária. Nessas circunstâncias, diferentes etnias ou nações se uniram para enfrentar diretamente a açougueiro Dina Boluarte.

Embora alguns dos partidos políticos tenham contribuído para organizar os protestos por meio de suas bases, eles estão tentando se posicionar como vanguarda; isso não é mais sustentável, pois as pessoas não aceitam mais os apelos à não violência vindos desses partidos. É por isso que as pessoas queimaram prédios estatais, incluindo delegacias de polícia.

Por outro lado, essas ações também nascem de uma justa sede de vingança contra a capital Lima, porque dirige toda a maquinaria legal colonialista que, através do extrativismo e outras atividades econômicas, esmaga as populações das províncias, usando a violência do estado e força privada para expulsá-los, prendê-los e até matá-los sempre que se opõem a um projeto – ou simplesmente quando exigem o cumprimento dos termos com os quais concordaram como condições para aceitar um projeto estatal ou privado.

A isto se somam as lembranças do comportamento de muitas pessoas de Lima que alugavam quartos, apartamentos ou casas a gente do interior e que não queriam abater o aluguel (ou baixar o valor ou adiá-lo) durante a primeira fase da pandemia, e ainda começou a expulsá-los de suas casas, causando um êxodo de pessoas dos Andes e da selva de volta aos seus lugares de origem por causa da quarentena. Da mesma forma, algumas pessoas foram expulsas de suas casas “por medo de contágio”, porque a imprensa (irresponsavelmente como sempre) espalhou o medo sobre o COVID-19. Além disso, como eles viajavam em grandes grupos a pé porque o transporte era proibido por medo de contágio – e eles nem podiam usar o próprio transporte – a polícia começou a reprimi-los em todos os postos de controle da estrada. E também, os habitantes de algumas localidades, temendo a exposição ao vírus, também participaram dessa repressão e do fechamento das estradas de seus territórios.

É perigoso generalizar esse ódio a todos que moram em Lima, algo que pouco se tem falado nas redes sociais, talvez porque muitas pessoas já tenham família, amigos ou moradia nas províncias para onde possam ir se essa situação tornar-se mais aguda e as províncias tomam a decisão de bloquear o envio de alimentos para Lima. Lima quase não produz alimentos in natura, apenas alimentos processados ​​– mas sem matéria-prima importada de fora, nem isso seria possível.

É por isso que, há alguns dias, circulou um vídeo da caminhada de Ancón ao centro de Lima (que dizem ser 20 quilômetros) em que uma senhora do Sul agradeceu aos lxs desactivadorxs [os “desativadores”, os grupos que se organizam para neutralizar as armas químicas da polícia] pelo esforço e disseram (embora eu acredite que de brincadeira) que terão um espaço na Grande República do Sul. Parece que essa ideia de dividir o Peru em duas repúblicas, que surgiu durante as eleições presidenciais (primeiro entre a direita, quando viram que grande parte do Sul votaria em Pedro Castillo, e depois nos meios de esquerda, que acredita isso é do interesse de seu governo), ganhou força como resultado dos assassinatos de cidadãos. Isso pode ser aproveitado pelos esquerdistas que – com Evo Morales à frente e o apoio da China por meio de sua Cúpula da CELAC [Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos] – aspiram a governar os novos pactos comerciais extrativistas com a China, especialmente do lítio presente na cidade de Puno, no sul do Peru e na fronteira com a Bolívia. Até os Estados Unidos pretendem obter o controle dessa área, por isso apoia o modelo de exportação mineral para aquela região – não só com a presença de seu embaixador, mas também apoiando o governo do Peru e suas forças armadas e policiais, militarmente e taticamente. É por isso que eles enviaram forças militarizadas para Puno.

Diante de várias propostas de “independência” ou de saída para esta crise, é preciso analisar cada uma delas, pois atrás de cada uma há aspirantes a opressores querendo puxar os cordelinhos em benefício próprio. Os irmãos e irmãs no Chile já estão nos alertando sobre os perigos ou a ilusão de uma Assembléia Constituinte, até mesmo do próprio processo. [Para mais contexto, veja nossa cobertura de como o movimento no Chile se perdeu na tentativa de introduzir uma nova constituição por meios institucionais.] A esquerda, com seus partidos políticos e parlamentares, está tentando se fazer passar por aliada desses protestos em um esforço que só pode ser descrito como oportunismo político; em alguns lugares, os manifestantes os expulsaram ou vaiaram. A esquerda tenta fingir que se importa com seus irmãos e irmãs nas províncias, mas eles apenas os veem e os tratam como possíveis votos a seu favor.

Para concluir, foram os camponeses que colocaram seus corpos em risco nesses protestos – que, com suas huaracas feitas à mão, trocaram projéteis com a tombería [tropa de choque], repelindo as covardes forças repressivas do sangrento regime de Dina Boluarte. Eles sabem que é uma questão de vitória ou morte; a democracia nunca resolveu nada para eles, ao contrário daqueles que se venderam a um partido. Essas marchas trouxeram à tona o racismo velado no Peru.

Também nos preocupamos com os recursos para o autocuidado e as possibilidades de voltarem para casa quando tudo passar. Já existe um precedente infeliz desde 2000, quando o povo indígena Shipibo-Konibo foi abandonado e marginalizado após os protestos maciços da “Marcha de los 4 Suyos” contra o ditador Fujimori. [A “Marcha dos Quatro Quartos” em julho de 2000 foi uma mobilização de massas organizada por esquerdistas, partidos social-democratas e movimentos sociais contra as eleições fraudulentas e a posse de Fujimori]. Com a queda do ditador e o parlamento cheio de políticos contrários ao antigo regime, toda a esquerda, centro e liberais se esqueceram dessas pessoas, que ainda sofrem com a pobreza extrema.

A mídia corporativa sempre vê os eventos da perspectiva da polícia.

Vimos imagens de terrorismo de Estado no Peru, incluindo assassinatos, tortura e prisão em massa, bem como outras formas de agressão da polícia peruana. Sabemos que estes não são eventos isolados – a repressão é algo comum em todos os estados, especialmente quando uma mobilização ataca a ordem e a paz dos ricos. Como está estruturada a polícia peruana? Qual é a história da repressão policial contra os protestos no Peru?

A moderna polícia peruana foi fundada em 1988, a partir da unificação de três agências estatais anteriores. Sabemos que a formação de policiais é um fenômeno transnacional, ou seja, no desenvolvimento da instituição do policiamento, houve vários modelos que serviram de ideal para outros países (em um momento, foi o modelo francês, em outro, o modelo espanhol e, atualmente é uma mistura de várias instituições repressivas em todo o planeta).

No início, a polícia peruana só dispunha de bastões, apitos e coisas do gênero para estabelecer a ordem municipal; então seu armamento aumentou: pistolas, rifles, pinochios (conhecidos no Chile como guanacos, são carros blindados usados ​​para atacar manifestações), caminhões, motocicletas, gás lacrimogêneo, spray de pimenta, drones e computadores.

Eles sempre estiveram do lado do poder. Eles fizeram greve apenas uma vez, durante a ditadura de Velasco Alvarado, que os reprimiu com força militar, deixando um número desconhecido de mortos.

Nos anos 1980 e 1990, as autoridades deram à polícia imunidade legal e moral para assassinar a fim de eliminar o Sendero Luminoso (partido maoísta). Foi então que cometeram as piores injustiças: assassinar, torturar, estuprar, desaparecer, extorquir em todas as cidades e vilas do Peru.

Em 2000 [quando o presidente Alberto Fujimori fugiu para o Japão, substituído por Alejandro Toledo], eles tiveram que se adaptar à ideologia do novo presidente; porém, carregavam no DNA o autoritarismo e o racismo, junto com o montesinism. [Vladimiro Lenin Ilich Montesinos Torres, ex-oficial de inteligência do exército e espião dos EUA, foi conselheiro do ditador Fujimori e serviu como chefe do serviço de inteligência do Peru sob seu comando.]

A história recente da polícia é um exemplo claro da impunidade do setor político Fujimontesinista, que nunca foi expulso do aparato institucional do Estado, apenas acomodado nele. Hoje, as práticas repressivas vêm dos ex-quadros de Vladimiro Montesinos e também de seus aprendizes.

Polícia se mobiliza para atacar manifestantes no Peru.

Como o chamado Brasil, Argentina, Chile e muitos outros lugares, a região peruana viveu uma ditadura civil-militar. É um território com uma longa história de golpes, como o do presidente peruano Alberto Fujimori em 1992. Fale da resistência e da memória combativa contra os legados da ditadura e a continuidade da repressão e do extermínio na democracia.

É verdade que nesta região houve seguidas interrupções da democracia representativa (o que, obviamente, como anarquistas, não queremos de qualquer maneira) e, consequentemente, houve vários períodos de resistência ao autoritarismo e às ditaduras. No entanto, e um tanto contraditoriamente, também houve ditadores apreciados pelos setores populares – por exemplo, o militar nacionalista Juan Velasco Alvarado, que é celebrado por um setor da esquerda conservadora ou kitsch.

Outro ponto a destacar é que o antifascismo dos anos 1930 e 1940 e suas experiências de resistência foram esquecidos no Peru – goste ou não, quem participou do confronto foram anarquistas, comunistas, apristas [membros a APRA, Aliança Popular Revolucionária Americana, um partido socialista fundado em 1924] e progressistas.

A memória antiautoritária das esquerdas dos anos 1970 e 1980 se perdeu com as perseguições sofridas pelo ditador Fujimori e pelos genocidas do Sendero Luminoso – comunistas dogmáticos que assassinaram camponeses, líderes esquerdistas e qualquer outro que se opusesse a eles. Tudo isso contribuiu para uma despolitização nos anos 1990 e para a aceitação da narrativa neoliberal delirante sobre o “empreendedorismo” em 2000, que grande parte da população dessa região ainda hoje aceita.

Apesar de tudo isso, no dia 5 de abril, aniversário do golpe do genocida Fujimori, marcham contra tudo o que representa a atual ditadura: o neofujimorismo, o neoliberalismo, a corrupção em massa, o narcotráfico e o genocídio. É preciso reconhecer que os partidos de esquerda procuram monopolizar o “anti-fujimorismo” para ganhos políticos e que, seguindo as vicissitudes da política peruana, alguns “anti-fujimoristas” revelaram sua verdadeira face a ponto de ingressar nas fileiras do pos-fascistas (por exemplo, o autor conservador Mario Vargas Llosa, [ex-ministro do Interior] Fernando Rospigliosi e [presidente em exercício] Dina Boluarte, entre outros).

Em todo caso, é o antifujimorismo que entregou o trono da presidência ao atual governo. E embora alguns se orgulhem disso (por ter impedido que Keiko Fujimori, filha mais velha do ex-presidente peruano Alberto Fujimori, chegasse ao poder), é preciso dizer claramente que isso só contribuiu para consertar um abominável sistema político que foi brutalmente nos explorando – sob o qual há massacres contínuos nos Andes, graças a políticos, bandidos e empresários.

Agora, vemos ressurgir essa memória combativa; muitas pessoas pararam de se censurar e estão falando sobre o que sofreram por resistir à ditadura de Fujimori. Ao mesmo tempo, o ataque da extrema-direita tem indignado as pessoas pela forma como usam a acusação de “terrorismo” contra quem se opõe a eles e aos seus ídolos. O famoso “terruqueo” é um conceito que nasceu na década de 1980: é o adjetivo usado para definir quem pode ser morto impunemente. Se você é um terruco(suposto terrorista), pode queimar na fogueira ou ser executado – como fizeram sistematicamente os militares em Ayacucho nas décadas de 1980 e 1990.

Por isso, hoje, o mais próximo da memória combativa é o esforço para desarmar os partidários do ditador genocida Fujimori de sua arma semântica: o “terruqueo”. E é assim que as pessoas estão procedendo nas regiões do sul (lugar onde tanto os militares quanto o Sendero Luminoso massacraram os camponeses). Sem falar em confrontá-los implacavelmente nas ruas até que o fascismo seja destruído!

Os restos de um edifício histórico que pegou fogo perto da Plaza San Martin em Lima durante as manifestações de janeiro de 2023. Segundo o filho do proprietário, o incêndio foi causado por bombas de gás lacrimogêneo lançadas pela polícia para dispersar manifestantes.

Há debates sobre legítima defesa nas ruas? Existe alguma discussão por parte dos movimentos e coletivos sobre a abolição da polícia?

Nesta região, ouvimos vários discursos diferentes sobre a polícia. O primeiro é o desrespeito da polícia pelos assassinatos de manifestantes, o que é compatível com o repugnante “princípio da proporcionalidade” (teoria imbecil que tem origem no pacifismo do século passado e justifica guerras, massacres, etc., com base em igualar o uso de armas). A maioria das pessoas que promovem essa ideia são cidadãos e esquerdistas moderados (obviamente não vão atacar a instituição pela qual querem disciplinar quando estiverem no poder). O segundo é o discurso da extrema-direita que dá desculpas ao gatilho (apoiando tomberìa e militares em matar sem repercussão legal ou moral) e até mesmo paramilitarismo fascista.

Dentro da esquerda radical, não há quase nada sobre abolir a polícia, embora as pessoas odeiem a instituição por sua corrupção, sua inutilidade em responder a feminicídios, crimes antissociais e outras questões e, finalmente, pelo papel que a polícia desempenha na proteção do empresariado extrativista.

Como anarquistas, acreditamos que é urgente pedir a destruição dessa instituição assassina. Há alguns dias, no blog, um camarada compartilhou alguns artigos não anarquistas discutindo a origem da polícia, a fim de imprimi-los e compartilhá-los na linha de frente.

Ele nos convidou a compartilhar o seguinte fragmento:

“Desde a formação das primeiras cidades, quem as governou teve necessariamente de criar forças repressivas para resguardar os seus domínios dos ataques externos daqueles que procuravam reclamar o que estes governantes lhes arrebataram nas zonas rurais onde viviam, e contra os ataques internos dos aqueles que estavam insatisfeitos com esses governos, reinos ou impérios. Toda a história da civilização e de suas cidades e outros domínios sempre foi dividida entre governantes e governados. A questão é que a direita ama a polícia porque, para ela, os policiais se comportam como servidores que garantem a segurança de seus domínios e privilégios. Por outro lado, o problema é que seu suposto adversário, a esquerda, não busca a abolição da polícia porque isso enfraqueceria seu controle quando chegar ao poder. A abolição da polícia é um passo necessário para uma vida em plena liberdade, encontrar outras formas de convivência equilibrada e respeito é mais um passo necessário para não depender para sempre da existência da polícia. De fato, as comunidades indígenas viveram outrora sem a instituição da polícia ou sua lógica. Hoje, em várias dessas comunidades, essas lógicas e práticas estão sendo impostas como parte do processo civilizatório do sistema e dificultam nosso caminho.

Contracapa da primeira edição do Periodico Libertária. “Mais de 300 assassinados sob a democracia (2003-2020), graças a políticos e policiais. Fogo eterno para os assassinos tomberìa [polícia] e seus símbolos!”

Por fim, estamos interessados ​​nas diferentes expressões do anarquismo na região conhecida como América do Sul. Por favor, fale sobre os envolvidos nas lutas anárquicas na região peruana.

O anarquismo é muito humilde nesta região. Existem diferentes organizações e indivíduos com diferentes abordagens: anarco-sindicalismo, insurgentes, plataformistas e anarquistas sem adjetivos. Não há “black bloc” como observado em outras regiões, ou talvez haja, mas apenas muito pequeno. Tampouco existem “grandes organizações” – admitamos isso como uma forma de autocrítica – mas existem indivíduos que resistem nas diversas províncias do Peru.

A repressão em Lima que o açougueiro Manuel Merino supervisionou em 2020, que representou para muitos jovens anarquistas seu primeiro encontro com a verdadeira face do estado assassino, destacou a urgência de autocuidado e autodefesa agudos, bem como um retorno à realidade (o resultado da situação foi um governo de transição, o enfraquecimento dos protestos e injustiça permanente para os caídos).

Atualmente, com um levante em curso, os anarquistas que não vivem na capital (especialmente no sul do Peru) experimentaram suas consideráveis ​​limitações para enfrentar as forças repressivas e as armas letais da ditadura cívico-militar de Dina Boluarte.

Apesar disso, não desanimamos. A tarefa dos anarquistas hoje, desde nossa humilde posição, é acompanhar os camponeses em todas as ações diretas. Como nossas famílias camponesas , vamos junto com elas em qualquer posição possível, seja resistindo na linha de frente, desativando gás lacrimogêneo, dando assistência médica, coletando doações para nossas irmãs, divulgando medidas de autocuidado, debatendo todas as questões políticas e sociais de nossa região e, finalmente, conhecer sua experiência de resistência. Sem intermediários, políticos de esquerda e influenciadores legalistas, marchamos juntos para a destruição da ditadura cívico-militar e não descansaremos enquanto não vermos a justiça que nos foi roubada séculos atrás.

Manifestação em Puno.

O 8 de Janeiro no Brasil – A Escalada Fascista do Capitólio ao Planalto

Em 8 de janeiro de 2023, manifestantes apoiadores do ex-presidente derrotado Jair Bolsonaro invadiram prédios do governo em Brasília, numa imitação grotesca do fiasco que os eleitores de Donald Trump fizeram na capital dos EUA, Washington, no 6 de janeiro de 2021 . A seguir, analisamos partes um pouco da trajetória que levou a esses eventos e discutem o que antifascistas enfrentam por lá como consequência desses protestos.

Estas ações da extrema-direita brasileira coloca questões que anarquistas e outros antifascistas devem enfrentar em todo o mundo.

Quem está conduzindo os esforços da extrema-direita para escalar o conflito civil e transformar as instituições estatais em um campo de batalha? Embora muitos nos Estados Unidos tenham sugerido o envolvimento de Steve Bannon, o Brasil e a América Latina em geral têm uma longa história de golpes liderados por militares locais e forças de direita e apoiados por centristas e conservadores dentro do governo dos Estados Unidos. Ao contrário de Trump, o próprio Bolsonaro esteve ausente do Brasil durante o assalto aos prédios, tendo fugido antes do fim de seu mandato presidencial. Provavelmente é um erro reduzir esses eventos às maquinações de alguns autocratas.

Quem quer que esteja por trás da incursão, por que o desastre de 6 de janeiro de 2021 foi considerado bem-sucedido o suficiente para valer a pena ser repetido? O objetivo dos participantes era tomar o poder, exercer pressão sobre o novo governo ou provocá-lo a uma reação exagerada, legitimar táticas extralegais como um passo para a construção de um movimento fascista? Ou não há objetivo racional aqui, apenas os efeitos colaterais das estratégias de campanha dos demagogos de extrema-direita, a crescente polarização de uma sociedade fragmentada e a atração irresistível dessas táticas meméticas?

Como as populações marginalizadas que são alvo dos movimentos fascistas podem se mobilizar para se defender sem legitimar as mesmas instituições de Estado que tanto fascistas quanto centristas empregam contra elas? Como os anarquistas e outros que investem em mudanças sociais profundas podem impedir que os “rebeldes” de extrema-direita monopolizem a maneira como o público em geral vê as táticas que nós também precisaremos usar, embora em busca da libertação?

Esperamos que a seguinte contribuição ajude nossos camaradas a refletir sobre essas questões.


As Eleições Não Param o Fascismo

Desde a derrota de Jair Bolsonaro para o cargo de presidente do Brasil e a vitória de Luís Inácio Lula da Silva por uma margem de menos de 2% em 30 de outubro de 2022, as mobilizações da extrema-direita foram escalando em proporção e em violência nas ruas. Logo após o anúncio da vitória petista, manifestantes se mantiveram acampados diante de quartéis do Exército, fechando parte de vias, contestando o resultado das eleições e clamando por intervenção militar. Muitos desses acampamentos, que contavam com banheiros químicos, barracas e cozinha, eram financiados por empresários e políticos alinhados ao bolsonarismo e à extrema-direita que, posteriormente, tiveram contas bloqueadas e mandados de busca e apreensão ordenadas pelo Superior Tribunal Federal em novembro.

Como já tratamos, muitos caminhoneiros organizados por grupos patronais realizaram bloqueios em centenas de estradas pelo país, com a total conivência da Polícia Rodoviária Federal. Quando os bloqueios foram desmobilizados, movimentações urbanas passaram a prevalecer, com acampamentos diante de quartéis. Os acampamentos que começaram um caráter mais diverso, contando com idosos e crianças, passou para um perfil predominantemente masculino, marchando pela noite e dispostos a agir de forma mais contundente. Ações como linchamentos de pessoas que tentavam atravessar bloqueios, sequestros e até casos tortura de qualquer um que discordasse de suas táticas ou visões se tornaram comuns.

Uma ocupação pró-Bolsonaro. Os interesses de classe dos participantes são bem claros.

Na noite de 12 de dezembro, durante a diplomação do presidente Lula e seu vice Alckimin, a base de rua radicalizada do bolsonarismo avançou mais um passo: grupos que estavam acampados em Brasília, atacaram uma Delegacia e a sede da Polícia Federal, cinco ônibus e três carros foram incendiados como resposta à prisão de um homem indígena, também pastor evangélico e bolsonarista. Serere Xavante foi acusado de organizar atos golpistas, praticar ameaças e promover ataques ao Estado Democrático de Direito, teve a prisão decretada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. Ainda assim, evidências já apontaram a imensa permissividade das autoridades policiais com a ação criminosa de bolsonaristas.

A mídia e diversos juristas acreditaram que bastaria chamar o que está acontecendo de terrorismo e tratar com prisões e penas duras seus participantes para barrá-los. Tal iniciativa é parte do processo pacificador que professa a fé nas leis e nas instituições que nada fizeram até agora para interromper de fato tais ações, deixando as ruas livres para o fascismo. O STF tentou responder mais uma vez com a prisão de dezenas de envolvidos nos atos e no financiamento dos acampamentos. A esquerda, como de costume, voltou a apostar que as instituições e a repressão policial e jurídica bastariam para fazer os protestos recuar.

A imagem de ônibus em chamas, antes o símbolo da luta contra a repressão do estado e a exploração capitalista, vista nos atos contra aumento da tarifa em 2013, contra a Copa da FIFA em 2014 ou tão comum contra ações da polícia nas periferias, agora está prestes a se tornar o retrato do “terrorismo de direita”. O papel de “defensor da lei e da ordem” passa então a ser adotado pela esquerda legalista e institucional que sob a tutela de um novo governo petista.

Como Trump em janeiro de 2021, Bolsonaro não suportou uma derrota em sua reeleição, porém, não estava no país no dia dos protestos e abandonou seus apoiadores para lutarem sozinhos por seu sonho golpista. Partiu no dia 30 de dezembro, com comitiva e familiares, o avião presidencial parte (com tudo pago com dinheiro público) para sua última viagem em direção a Orlando nos EUA. No Brasil, o General Mourão, vice-presidente, passa a ser o presidente em exercício. Esse fez um pronunciamento enaltecendo a alternância de poder, relativizando o papel central das Forças Armadas em duvidar das eleições e nas tensões institucionais provocados. Ambos são vistos por parte da extrema-direita como traidores, o que apenas deixou os bolsonaristas sem Bolsonaro ainda mais enraivecidos e dispostos a radicalizar ainda mais.

Na véspera do Natal de 2022, um episódio quase acelerou a escalada de violência fascista: um motorista de um caminhão de combustível encontrou um artefato explosivo no veículo e alertou a polícia – vale ressaltar que não houve investigação que levasse à ameaça de bomba, se não fosse o motorista, os policiais nunca encontrariam nada. O autor da tentativa de atentado, George Washington de Sousa, de 54 anos, foi preso e confessou ter a intenção de explodir o veículo perto do aeroporto de Brasília antes da posse de Lula, forçando então o ainda presidente Bolsonaro a instaurar um estado de sítio. No apartamento do autor ainda foram encontradas uma coleção de armas pesadas que o homem alegou ter adquirido ao longo de anos, motivado pelos discursos de Bolsonaro, além de mais explosivos oriundos de garimpos para outros atentados. Tudo isso chamou atenção das autoridades policiais e jurídicas, além da equipe de Lula para como os acampamentos bolsonaristas estavam servindo para o recrutamento e radicalização da extrema-direita.

No dia 01 de janeiro de 2023, Lula foi empossado sob forte esquema de segurança e se tornou o único presidente eleito três vezes pelo voto democrático no Brasil – e Bolsonaro o primeiro presidente a não conseguir se reeleger, também o primeiro na era democrática a se recusar a passar a faixa presidencial em cerimônia de posse. As imagens de representantes dos povos indígenas, trabalhadores, negros, deficientes e excluídos passando a faixa para Lula percorreram o mundo com otimismo, como se paliativos para uma sociedade capitalista em franco declínio e desagregação social não fossem apenas uma breve melhora superficial antes do colapso.

Mas a sensação de calmaria e otimismo após a “vitória do fascismo nas urnas” não duraria nem mesmo uma semana.

8 de janeiro de 2023, em Brasília.

O Motim dos Escoltados

Os protestos e acampamentos da extrema-direita diminuiram em número, mas continuaram por mais de dois meses. Nos primeiros dias do ano, um ato foi chamado para o domingo, dia 08 de janeiro. Cerca de 100 ônibus levaram 4 mil pessoas que estavam nas portas dos quartéis em diversas cidades do país seguiram em ônibus fretados para a capital Brasília, somando forças para um grande ato de repúdio à posse de Lula como presidente. Eles argumentam que, além das eleições terem sido fraudadas, Lula seria o chefe de uma quadrilha de criminosos que quer roubar o Brasil para “financiar o comunismo”.

Com a chegada dos ônibus à capital, os fascistas com a camisa da seleção e bandeiras do Brasil seguiram em marcha tranquilamente no início da tarde, sem nenhum tipo de interferência ou incômodo policial em um local que comumente é fortemente policiado e de difícil acesso , rumo aos prédios do Congresso Nacional, STF e Palácio do Planalto (sedes dos três poderes federais, legislativo, judiciário e executivo do Brasil). Lá destruíram janelas, equipamentos e mobiliário, danificando ou roubando objetos históricos e raríssimas obras de arte de Portinari, Di Cavalcanti, Brecheret e outros avaliados em milhões de dólares. Roubaram documentos e armas dentro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), no térreo do Palácio do Planalto, sede do poder executivo, o que levanta a hipótese de terem acesso previamente a informações sobre a localização desses objetos.

Como nos eventos do Capitólio em 6 de Janeiro de 2020 nos EUA, os manifestantes filmaram tudo o que faziam eles mesmos, mostrando o rosto e postando ao vivo nas redes sociais sem nenhum tipo de preocupação com a possível atribuição de crime posteriormente. Ironicamente, conseguiram atacar os prédios e humilhar as autoridades dos 3 Poderes da República, poderes esses em que muitos confiaram que livrariam a sociedade do fascismo após as eleições deu um governo de esquerda e progressista.

A invasão contou com a total conivência e colaboração da Polícia Militar do Distrito Federal, comandada pelo governador Ibaneis Rocha (antigo aliado de Bolsonaro), não havendo qualquer oposição ou repressão policial por pelo menos 3 horas. Policiais facilitaram a entrada dos invasores, e somente às 18h a polícia decidiu tomar alguma iniciativa e cercar os prédios. Diversos vídeos mostram policiais tirando selfies e rindo enquanto manifestantes invadiam o Congresso e outros flagram policiais sendo elogiados e confraternizando com os “manifestantes” dentro dos prédios invadidos.

8 de janeiro, 2023, Brasília.

Somente após as 20h é que as polícias incluindo a Força Nacional, tão eficiente em atacar professores, estudantes ou povos indígenas protestando no mesmo local, conseguiu “conter” pacificamente o protesto e prender entre cerca de 200 pessoas. Nos vídeos podemos ver a polícia retirando os bolsonaristas pacificamente, sem feridos ou mortos, sendo a policia brasileira a mais letal do mundo.

A reação institucional aos fascistas só começou, de fato, quando o presidente eleito Lula, que estava em uma cidade no interior de São Paulo, fez um pronunciamento condenando os atos e emitindo um decreto de Intervenção Federal na Segurança Pública do Distrito Federal, nomeando o Secretário de Segurança Pública do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli, como interventor até o dia 31 de janeiro de 2023. Na prática, isso significa tirar as polícias do governo do estado do caso (Polícia Militar e Polícia Civil) e entregar o caso para as polícias do governo federal (Força Nacional de Segurança e Polícia Federal). Pela noite, o Ministro da Justiça e Segurança Pública, fez um pronunciamento dizendo que investigações foram abertas, os financiadores dos ônibus foram identificados e que cerca de 200 pessoas haviam sido detidas.

O Ministro da Justiça Flávio Dino, ex-juiz e ex-governador do estado do Maranhão, também se pronunciou, fazendo uma fala comedida onde tentou resguardar a institucionalidade, tratando os atos e as pessoas envolvidas como radicais isolados que seriam tratados como criminosos, esvaziando o conteúdo político do evento (embora o tenha chamado de tentativa de golpe de Estado). O ministro da Suprema Corte, Alexandre de Moraes, muito atuante durante toda gestão de Bolsonaro como uma espécie de “guardião da ordem institucional democrática”, também se pronunciou de forma dura e determinou o afastamento do governador do DF, conhecido quadro político do bolsonarismo.

No dia seguinte aos eventos, o quadro era de certa perplexidade da imprensa e das autoridades, apesar de tais ações estarem há meses anunciadas nas redes bolsonaristas, que estão apostando que a situação será pacificada pela atuação das instituições e pela persecução criminal aos golpistas envolvidos na ação, o que nós duvidamos.

Uma Manifestação Local de Uma Onda Fascista Global

Há muitas semelhanças com o aconteceu nos Estados Unidos em 6 de janeiro de 2021, a chamada “Invasão do Capitólio”, porém, também há diferenças significativas, começando pela liderança política dos fascistas.

Jair Bolsonaro sempre se posicionou como apoiador de Donald Trump, alinhando-se com movimentos globais de extrema direita, como os da Polônia e da Hungria. A família Bolsonaro tem conexões com Steve Bannon, que orientou filhos de Jair Bolsonaro durante a campanha presidencial de 2018 e em 2022 alegou que a eleição de Jair Bolsonaro era a segunda mais importante para o seu movimento. Após a derrota, Bannon e Trump, aconselharam Bolsonaro a contestar o resultado das eleições. Ainda assim, não é possível afirmar que haja interferência direta de Bannon ou da extrema-direita internacional.

A motivação para as duas invasões de prédios do governo também é semelhante no conteúdo da suposta conspiração: apoiadores de Bolsonaro alegam que as eleições foram fraudadas em favor de uma elite globalista simpática ao comunismo e à China, com o objetivo de desestabilizar governos nacionalistas para disseminam o que chamam de “ideologia de gênero”, incentivam o uso de drogas e promovem os interesses de cartéis criminosos internacionais. Seguindo o exemplo da alt-right em outras partes do mundo, eles se declaram liberais em seu programa econômico e conservadores em seu programa cultural. Assim, eles afirmam defender a família cristã tradicional como meio de espalhar a supremacia branca, o ódio às pessoas LGBTQI+ e a ansiedade sobre uma suposta ameaça comunista.

A forma de ação também guarda semelhança coma invasão do Capitólio nos EUA, uma turba fascista que não reconhecem a legitimidade das instituições e do processo eleitoral que derrotou o candidato deles, reivindicam ser representantes do povo e invadiram as sedes físicas dos poderes constituídos para depredar, gerar caos e enfrentamento com a esperança de suspender o resultado das eleições. Usam slogans associados ao que se chama de populismo de direita, dizendo que as instituições estão sendo manipuladas por uma elite globalista contra os interesses do povo que, no caso, são eles.

Tanto em 6 de janeiro de 2021 quanto em 8 de janeiro de 2023, uma turba fascista que se dizia a verdadeira representante do povo e se recusava a reconhecer a legitimidade do processo eleitoral que derrotou seu candidato invadiu a sede física dos poderes constituídos para gerar o caos na esperanças de suspender o resultado das eleições.

Após décadas de gestão democrática, durante as quais praticamente todos os partidos a aceitaram como a única forma possível de fazer política na era da globalização capitalista, a extrema direita recolocou a política no campo da disputa e do confronto. Está cada vez mais claro que o consenso construído no pós-Segunda Guerra Mundial em torno da fórmula capitalismo + democracia liberal + direitos humanos, que ignorava as contradições e desigualdades inerentes ao sistema capitalista e estatal, foi rompido. Significativamente, é a direita que aposta nessa ruptura, endossando explicitamente a insurgência e guerra civil, enquanto a maior parte da esquerda ainda se apega às instituições democráticas e à gestão de uma paz cada vez mais precária.

Os acontecimentos no Brasil diferem dos ocorridos nos Estados Unidos na medida em que os bolsonaristas se concentravam em algo mais antigo que o culto a Trump, algo que é próprio da história política brasileira: a nostalgia da ditadura que se instalou por um golpe civil-militar com a ajuda dos Estados Unidos em 1964 e fidelidade a todos os aspectos da ditadura que persistem na sociedade brasileira.

Na formulação do psicanalista Aziz Ab’Sáber: “O que resta da ditadura no Brasil? Tudo, menos a ditadura.”

Bolsonaristas golpistas aproveitando a conivência da polícia para posarem como rebeldes.

Além disso, diferente do que se passou nos EUA após a eleição de Biden, as Forças Armadas Brasileiras, composta por oficiais formados em escolas militares permeadas pelo discurso anticomunista do contexto de Guerra Fria e pelo revisionismo histórico que chama o golpe civil-militar de “revolução de 64”, são parte fundamental dos movimentos golpistas. O bolsonarismo (podendo ser chamado assim o atual neofascismo brasileiro e as movimentações de extrema direita no país) social e eleitoral é composto por inúmeros oficiais da reserva do exército, marinha e aeronáutica, além disso, os oficiais da ativa mal disfarçam seu apoio aos manifestantes e fazem, desde 2014, declarações públicas de sua oposição aos partidos e candidatos de esquerda. A prova mais evidente do apoio das Forças Armadas aos movimentos golpistas é a tolerância aos acampamentos nas portas dos quartéis de todo país, algo que não seria admitido se o teor das manifestações fosse outro.

A coalizão liderada pela esquerda institucional que ganhou as eleições em outubro, como temos repetido, acreditou novamente na institucionalidade e em um acordo nomeou para o Ministério da Defesa, José Múcio, um político de direita amigo dos militares cujo partido PTB tem como lema: “Deus, Família, Pátria e Liberdade” . O resultado foi que o próprio presidente Lula em sua declaração sobre os atos admitiu que o Ministro da Defesa não agiu como deveria para desocupar a porta dos quartéis.

Anarquistas e outros antifascistas marcham em 9 de janeiro de 2023 em várias cidades contra a ameaça do fascismo no Brasil.

O que se passa hoje no Brasil é uma manifestação inequívoca e radical da força que a extrema-direita tem ganhado no mundo nos últimos anos, impulsionada por um fascismo social difuso que sempre existiu na sociedade brasileira mas que a democracia instalada com a Constituição de 1988 não soube ou não quis combater, a começar pela participação dos militares no próprio processo de retomada retomada democrática nos anos 1980 e o seu “papel constitucional” como supostos garantidores dos poderes do Estado.

A maior vergonha para a esquerda como um todo – e especialmente para aqueles que se consideram radicais – é que o governo de Jair Bolsonaro e suas milícias reorganizaram toda a estrutura do Estado, desmantelando a saúde pública, a educação e as proteções ambientais enquanto miravam negros e indígenas pessoas, mulheres e pessoas LGBTQI+, tudo em meio a uma pandemia global que matou no Brasil mais pessoas do que a média per capita mundial. No entanto, fomos incapazes de responder a esses eventos – nem com uma greve geral, nem fechando cidades e rodovias, nem invadindo o palácio do presidente.

Agora, todas essas ações, que deveríamos ter tomado para nos defender contra a extrema direita, estarão associadas à extrema direita. Isso contribui para um discurso que pode nos paralisar, impossibilitando a alavancagem necessária contra os fascistas fora e dentro das instituições estatais, sem falar nos outros partidos que também usarão as instituições do governo para continuar impondo os piores efeitos do capitalismo sobre nós.

Nosso desafio agora é continuar fomentando a revolta e, principalmente, não sabotar o caminho da insurreição quando o aparato do estado está na mão da centro-esquerda e as ruas estão nas mãos dos fascistas e forças de segurança. Para isso, será , será preciso saber provocar a desordem sem ceder as chantagens dos mantenedores da ordem, com seu eterno moralismo defensor da propriedade privada ou estatal.

Ato em Belo Horizonte, 9 de janeiro de 2023 contra a ameaça fascista no Brasil.

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