“Chama a Polícia!” – Sobre a criminalização da ação direta e a legitimação das instituições.

A ocorrência de atos golpistas desde as eleições, com barricadas, bloqueios, muitas vezes descambando para a violência, levou muita gente e organizações de esquerda a pedir pela ação da polícia e da Justiça. Para muitas pessoas, Alexandre de Moraes virou um símbolo da resistência ao fascismo bolsonarista. Mas será que não ficou claro ainda que a polícia que prontamente dispersa e reprime manifestações de esquerda, vai relutar e procrastinar na hora de combater fascistas? Que um judiciário que agiu rapidamente para prender Lula, mesmo sem provas concretas, de forma a impedir que concorresse nas eleições de 2018 é o mesmo que permite que Jair Bolsonaro continue impune até hoje, apesar de todos crimes que claramente cometeu? Ainda não percebemos que legitimar e fortalecer essas instituições é um erro, pois elas sempre baterão mais forte em nós?

Para abordar essas questões, ajudamos (modestamente) o coletivo Antimidia a produzir um vídeo sobre polícia e a criminalização dos recentes protestos golpistas e passividade da esquerda hegemônica.

Historicamente, movimentos sociais de esquerda radical sempre criticaram as instituições que sustentam o regime que explora e oprime os povos deste território. Surgiram movimentos pedindo desmilitarização e mesmo o fim de polícias, denunciando que tribunais e prisões foram criados e sempre serviram aos interesses da elite política e financeira.

Mas durante o governo Jair Bolsonaro esse debate foi deixado um pouco de lago. Com as sucessivas ameaças fascistas às chamadas “instituições democráticas”, golpismo e autoritarismo, boa parte da esquerda parou de criticar as instituições repressivas do Estado e passou a defendê-las com unhas e dentes.

Se por um lado, a aliança de Lula com seus antigos opositores, levou a esquerda institucional e toda a política partidária ainda mais ao centro e à direita, do outro,  ativistas, movimentos sociais e mídias de esquerda reproduzem e fortalecem um discurso reacionário que reforça a legitimidade do Estado.

Quem até então pedia por repressão e respeito às leis eram as forças reacionárias e elites, que se beneficiam da ordem atual das coisas.
É preciso deixar claro que o aquilo que combatemos é o projeto fascista, que busca a manutenção e avanço de um projeto conservador e autoritário, que extermina e explora os povos deste território para o benefício de uma elite branca, rica e patriarcal.

Alguém nos chamou?

Barricadas, bloqueios, destruição de propriedade privada e confronto com a  polícia não são um problema em si. São táticas valiosas, historicamente usadas por movimentos sociais para resistir aos avanços do capital e do Estado e para lutar por uma vida digna. Não podemos negar que a forma como os fascistas utilizam essas táticas é diferente. Afinal, são fascistas. Não se importam com a vida humana e não hesitam em bloquear ambulâncias e pessoas que buscam atendimento médico ou outros serviços essenciais. E, ao contrário dos movimentos sociais, que buscam atacar estruturas de opressão, os apoiadores de Bolsonaro atacam violentamente qualquer pessoa que não demonstre apoio explícito a seu projeto autoritário e conservador. Chegando ao ponto de torturar, linchar e, em casos extremos, matar pessoas que discordam de sua visão política.

Dar carta branca para a polícia reprimir bloqueios, barricadas e outras formas de ação direta, mesmo que barre os movimentos fascistas é reforçar e legitimar instrumentos que baterão ainda mais forte sobre nós. Por mais duras que sejam as leis, a polícia e os tribunais sempre hesitarão e serão mais comedidas na hora de reprimir e punir fascistas do que ao reprimir as pessoas pobres, pretas, indígenas, periféricas, dissidentes de gênero. Basta olhar para exemplos de como a polícia reluta e têm dificuldade para remover os bloqueios, levando semanas para cumprir ordens judiciais. Em como o judiciário, mesmo quando tenta impor limites a Bolsonaro, ainda não agiu em relação aos diversos crimes cometidos por ele.

É bom lembrar que Alexandre de Moraes, hoje ministro do STF, símbolo das instituições democráticas frente ao fascismo de Bolsonaro, foi secretário de segurança pública durante o governo de Geraldo Alckmin no estado de São Paulo, e sua gestão foi marcada por brutal repressão a movimentos sociais e protestos em 2013 e 2014. Ele nunca esteve do nosso lado.

Quem são esses seus amigos?

Pior que uma ilusão, é uma armadilha entregarmos nossa segurança e nosso futuro a instituições que foram criadas para nos controlar e reprimir, enquanto protegem aqueles que nos massacram. A polícia pode até desfazer momentaneamente os bloqueios, punir alguns dos empresários que financiam a tentativa de golpe de Estado. Mas ela nunca vai acabar com o movimento fascista, pois já deixou bem claro que é parte dele. É óbvio que não devemos ficar imóveis, assistindo o fascismo ocupar as ruas e ameaçar nossa existência. Precisamos criar e fortalecer nossas próprias organizações para garantir nossa segurança. Pois ninguém fará isso por nós.

O bolsonarismo deu vida nova à violência de extrema-direita contra pessoas e serviços essenciais, algo que não víamos de forma organizada desde o período da Ditadura Militar. Nos últimos cinco anos a esquerda tem deixado para as instituições resolverem o problema, mas ele só se tornou mais violento e radical. Entregar nosso poder de ação nas mãos de políticos profissionais e tribunais é recuar. É permitir que a direita avance nas ruas e nas instituições. É urgente reocupar as ruas. Defender nossos territórios. E colocar as forças reacionárias na defensiva.

Nossa única opção.