GEZI PARK: 10 anos dos levantes de junho na Turquia

Quando as revoltas contra aumento das tarifas do transporte pelo Brasil tomaram escala nacional em  junho de 2013, em Istambul, um levante balançaria toda a Turquia, numa região ainda abalada pelos levantes da Primavera Árabe. As duas revoltas contra o custo e qualidade de vida em economias emergentes demonstravam solidariedade mútua: bandeiras e faixas em São Paulo em apoio ao levante turco, mensagens em Istambul solidarizavam com a revolta popular brasileira.

Uma década depois, Recep Tayyip Erdogan ainda está no poder na Turquia e acaba de vencer mais uma eleição cheia de polêmicas e suspeitas de fraude. Seu projeto de poder busca restaurar uma soberania turca na região, passando por cima da natureza, dos povos, especialmente os curdos. E para isso, se apoia em movimentos nacionalistas de bases fascistas e financia de forma oculta os jihadistas do Estado Islâmico, dispostos a eliminar o povo e a cultura curda e ameaçar a revolução social em Rojava.

No Brasil, o ciclo da década se fecha com o retorno do PT ao poder com a eleição de Lula em 2022, como única aposta eleitoral para barrar uma reeleição da extrema direita com Jair Bolsonaro.

No mês em que muito se fala e analisa sobre os levantes de junho de 2013 pelo Brasil, retomamos também esse movimento rebelde que tomou a Turquia na esteira de levantes internacionais como a Primavera Árabe e o Movimento Occupy.

Como vimos em 2020 e 2021 durante a pandemia da Covid-19, torcidas organizadas brasileiras romperam com o discurso pacificado do “fique em casa” adotado pela maior parte da esquerda enquanto a extrema-direita fazia carreatas e atos públicos para divulgar suas políticas de ódio e morte. Novamente, as torcidas ganharam atenção ao enfrentar nas estradas os bloqueios de bolsonaristas insatisfeitos com a derrota nas urnas. O potencial de mobilização e combatividade das torcidas organizadas de futebol é visível em muitos momentos de agitação social como nos últimos anos no Brasil, mas também no Chile em 2019 durante o “Estallido Social” contra preço das passagens e custo de vida. Nas revoltas da praça Taksin e Gezi Parque na Turquia de 2013 também temos exemplos emblemáticos dessa convergência.

Para relembrar essas lutas e nos inspirar para as próximas, revisitamos esse artigo lançado em 2014 na publicação Balaklava que analisa o levante turco e seus paralelos com a revolta no Brasil de 2013.

11 de junho de 2013, Praça Taksim.

“Por aqui para chegar à Comuna de Taksim”

Ao fim de maio de 2013, uma semana antes das Jornadas de Junho no Brasil, iniciou-se uma série de conflitos na Turquia que resultaram no maior levante popular da história do país. Só a época e a relevância histórica e política já são suficientes para induzir alguns paralelos entre os dois episódios, mesmo com tantas diferenças de contexto e proporções. Os confrontos na Turquia foram muito mais radicais e marcados por uma violência ainda maior em números. A população se ergueu contra um projeto de renovação urbana que contava com a demolição de um parque no centro de Istambul e o movimento se transformou rapidamente num levante contrário ao autoritarismo do presidente Erdogan. Tudo começou no Parque Gezi, vizinho à Praça Taksim, e logo se espalhou pela cidade e por todo o país.

Diferentemente dos poderosos protestos que vimos recentemente na Grécia em 2008, Espanha em 2011 ou nos Estados Unidos em 2012, o levante turco não foi gerado por uma crise de austeridade, com cortes de recursos sociais para salvar bancos e corporações como medida para estabilizar uma economia em constante crise. O levante turco foi, assim como no Brasil, um levante resultante do desenvolvimento e do crescimento econômico de um país emergente, porém muito particular. O primeiro-ministro Erdogan é conhecido por convergir um islamismo reacionário com um neoliberalismo desenvolvimentista bastante agressivo. Ao mesmo tempo que resgata tradições conservadoras, impõe um desenvolvimentismo econômico e infraestrutural. Privatizando e vendendo o que resta de recursos públicos enquanto o desemprego continua em alta, se empenhando em grandes empreendimentos, como uma ponte ligando dois continentes, a demolição e o replanejamento de várias partes das cidades para empreiteiras lucrarem com a construção civil e para que novos negócios se estabelecerem no local. Na capital Istambul um audacioso projeto de renovação e gentrificação previa desmatar parte do Parque Gezi e remodelar a Praça Taksin para abrigar shopping centers e ser uma “zona de pedestres”, dentre outros projetos para os ricos. No entanto, Erdogan parecia ignorar a relevância histórica e política do local para a população.

A Praça Taksin é um tradicional ponto de encontro de mobilizações sociais, protestos de Primeiro de Maio, e carrega um peso histórico de ter sido palco de diversas lutas sociais e massacres. Lá estudantes foram enforcados em 1977 como inimigos do Estado durante o regime militar por protestarem em um Primeiro de Maio. Em outras manifestações ao longo do mesmo ano, 34 pessoas foram baleadas e mortas por paramilitares. Exatos 30 anos depois, em 2007, a esquerda organizou um grande protesto em memória dos mortos de 1977, mas o governo tentou impedir o protesto e radicais resistiram com pedras e molotovs. Nos dois anos seguintes, mais protestos, confrontos e resistência do povo contra a polícia marcaram os dias dos trabalhadores e trabalhadoras.

Então, no dia 28 de maio de 2013, ativistas já se amarravam em árvores para impedir que fossem derrubadas e no dia 31 o levante explodiu, ecoando por todo o planeta. A primeira coisa a chamar atenção da imprensa por aqui foi que a polícia turca utilizava bombas e munições fabricadas no Brasil para reprimir a população numa série de operações que, ao fim do levante, resultaram em pelo menos 6 mil pessoas feridas – sendo 10 cegas – e mais de 10 mortes. Mesmo assim, muito foi noticiado sobre as experiências de vida comunal, resistência e autogestão que tomaram lugar na ocupação dessa área central de Istambul por 10 dias de intensa resistência.

Um dos projeteis de gás lacrimogêneo brasileiros utilizados pela polícia turca.

Entre o primeiro e o dia 10 de junho, todas as ruas e avenidas que levavam à Praça Taksim foram tomadas por barricadas para se defender da polícia. Em grandes avenidas era possível ver até 12 barricadas, muitas com mais de três metros de altura, usando materiais de construção, lixo, ônibus e veículos da mídia corporativa. Como em muitas outros levantes populares, as barricadas baniram a presença do Estado da área e abriram espaço para que novas e inimagináveis relações sociais pudessem surgir e tomar forma. Placas no caminho indicavam “Por aqui para chegar à Comuna de Taksim”.

A região era tradicionalmente muito frequentada por pessoas de todas as idades, mas conhecida por ser uma zona boêmia. Chamou atenção o fato da violência urbana ter caído significativamente com a tomada da praça pelas pessoas e a expulsão da polícia de toda a região. Sem o Estado, a população experimentava a solidariedade, cooperação e luta contra a repressão, deixando relações nocivas e competitivas de lado. Mulheres, que compunham ao menos metade (se não a maioria) das pessoas presentes, ressaltaram a queda de violência sexista, abusos e assédios. Muito disso devido a sua participação, juntamente pessoas LGBTQIA+ e tantas outras, inclusive intervindo sobre gritos de guerra e pichações sexistas e homofóbicas.

Um curioso caso envolveu as torcidas organizadas de futebol, grupos feministas e o movimento LGBTQIA+, que se destacaram pela presença política e combatividade nas ruas. As torcidas dos maiores times de Istambul, historicamente arqui rivais, se uniram na luta pela resistência pela Praça Taksim, sendo responsáveis por muito da energia nos confrontos contra a polícia. No entanto, foram também responsáveis por muitos gritos e grafites com mensagens sexistas e homofóbicas que conhecemos bem no Brasil. Feministas e queers combateram isso de uma forma transformadora para as pessoas ali, gritando de volta respostas antipatriarcais e pichando sobre os grafites com xingamentos machistas.

Como resultado das intervenções e debates antissexistas, algumas torcidas marcharam até a frente de um escritório de uma das maiores organizações LGBTQIA+ que, assim como muitos movimentos e organizações de esquerda, ficava em um prédio próximo ao Parque Gezi. Ao chegarem, disseram que reavaliaram suas posturas e as mensagens sexistas e homofóbicas que vinham passando, tendo absorvido isso da sociedade e reproduzindo-as sem questionar seu conteúdo. Disseram que iriam tomar posturas diferentes contra isso e, para selar seu pedido de desculpas, deram de presente à organização um escudo da tropa de choque da polícia.

Esse episódio resume muito bem o contexto de convergência entre tantas pessoas, grupos, organizações e comunidades de diferentes trajetórias que nunca se imaginaram lado a lado numa barricada e que se uniam ali, fazendo de suas causas uma luta comum. Para defender esse espaço, era preciso estarem em contato e em constante questionamento e revisão de suas próprias atitudes. Até mesmo conflitos étnicos foram deixados de lado quando as pessoas se uniram contra o partido e Erdogan e sua polícia. Nos prédios ao redor da praça tomada era possível ver bandeiras da Turquia juntas de bandeiras do PKK, o Partido dos Trabalhadores Curdos, envolvida na luta revolucionária em Rojava, fronteira entre a Síria e Turquia. Alguns disseram ser esse o verdadeiro processo de paz entre povos turcos e o povo Curdo, que por século resiste ao racismo, à  xenofobia e têm sua cultura criminalizada e perseguida em todos os países da região.

O clima marcante dentro da comuna de Taksim era o bom humor, o otimismo e a positividade. Até mesmo as barricadas eram pichadas com frases engraçadas e piadas com figuras políticas ou até teóricos anarquistas. Manifestantes estavam sempre criando sátiras e memes a serem compartilhados na internet. O bom humor ajudava a manter a união e aliviar a tensão e afastar o medo da violência policial.

O espírito anticapitalista e antiautoritário era visível na cooperação envolvida em cada construção. Materiais corriam de mão em mão, por jovens, mulheres, homens, idosas. Muitas barricadas foram construídas assim. Ao seu lado, havia sempre uma tenda com água, pedras e até abrigo para vigilantes descansarem.

Um dos cordões em que pessoas passavam pedras para construção de barricadas.

Cooperações inusitadas apareciam, unindo pessoas de classes e papéis muito diferentes. Camelôs e ambulantes que trabalhavam na região passaram a adaptar seus negócios e muitos passaram a vender máscaras de gás. Em um momento, comerciantes e estabelecimentos não simpáticos à ocupação tinham de cooperar ou sofrer as consequências. O dono de uma loja de kebab, postou no Facebook sua indignação com os “cães que tomaram conta da região”. Minutos após seu post a loja foi reduzida a destroços. Até mesmo a Starbucks acabou dizendo à imprensa que apoiava a resistência e alegou que sempre iria dar suporte ao movimento. Logo depois foi atacada por não cumprir o que foi dito.

Curiosamente, muito apoio foi de fato dado por membros da burguesia, principalmente em infraestrutura. Empresários forneceram materiais para enfermarias improvisadas, uma empresa de telefonia levou veículos que funcionavam como antenas para receber e transmitir o sinal necessário para comunicação via e-mail, tweets e mensagens de celular. Em suas vans era possível ver escrito “estamos aqui para contribuir para sua comunicação” – talvez uma forma de evitar que fossem incendiadas. O motivo por trás desse apoio, no entanto, é compreensível se considerarmos que muitos liberais e progressistas nas elites viam no tradicionalismo islâmico de Erdogan uma ameaça a suas liberdades modernas. E viram no levante de Gezi uma oportunidade. Esse fato revelou uma certa falha das mobilizações em Gezi quanto a firmar uma força anticapitalista, mesmo com muitos grupos anticapitalistas envolvidos.

Sem líderes

O movimento na Turquia também foi um movimento sem lideranças personalizadas, sem movimentos sociais e organizações partidárias tradicionais à frente. Os poderosos se viam frustrados em não conseguir encontrar líderes ou representantes com quem negociar e sabotar o movimento. Essa ausência de lideranças desenvolveu uma estrutura de decisão coletiva que foi talvez sua principal força. Os objetivos extrapolaram a preservação do parque e denunciaram uma crise de representação. A organização da comuna era totalmente autônoma. Pequenos grupos de afinidade armaram as primeiras tendas para se fixar e logo depois a região foi tomada por tendas e barracas de quase todos os grupos de esquerda, sociais e ativistas da cidade. Tudo funcionava com base no apoio mútuo e pessoas que nunca imaginaram um mundo sem polícia se surpreendiam com o clima harmonioso nesse território livre das garras do Estado. Assim como em muitos acampamentos do movimento Occupy, lojas grátis, bibliotecas, espaços para oficinas, enfermarias, várias cozinhas, espaços multimídia para produzir e transmitir conteúdo e muito eventos culturas preenchiam e enriqueciam o espaço.

As assembleias gerais eram descentralizadas e funcionavam como uma continuação das reuniões e demandas dos grupos de afinidades menores. No palco central havia um microfone aberto onde as pessoas podiam subir para falar do que quisessem. O caráter de ocupar uma parte da cidade e torná-la aberta a quem quer que seja para se juntar e construir em conjunto novas relações com as pessoas e o espaço foi fundamental para dissociar a ação política e o “protagonismo” de uma identidade engessada, como “trabalhadores” ou “estudantes” – categorias e identidades simplesmente inacessíveis para crescente parcela da população no capitalismo – e abrir espaço para ação e a livre associação rebelde independentes do seu papel na máquina.

Como sempre, o partido do governo tentava fragmentar a união da comuna espalhando mensagens distorcidas para criar uma divisão entre os chamados “provocadores” (isto é, aqueles que revidam quando a polícia ataca) ou os grupos “marginais” (esquerdistas e radicais). O já conhecido esforço para criar uma minoria deslegitimada a ser reprimida, para então, suprimir todo o movimento. No entanto foi difícil para Erdogan manter seu esforço de polarizar a sociedade e voltar a opinião pública contra a resistência do Parque Gezi. Toda vizinhança dos bairros centrais viam pessoalmente a truculenta e desproporcional ação da polícia ao mesmo tempo que a internet era inundada de imagens e relatos da repressão que manchava a imagem do governo de Erdogan.

A falta de aceitação do movimento em apontar representantes e porta-vozes para a armadilha disfarçada de negociação com o governo foi seguida por uma ofensiva ainda mais violenta do Estado para retomar o Parque. Depois de quase tomar a praça num violento ataque no dia 11 de junho, o Estado atacou a praça novamente quando ninguém esperava. Durante um festival que contava com a presença de muitas crianças e idosos a polícia entrou destruindo tudo e atacando a todos. A cidade explodiu em raiva mais uma vez, vizinhos se juntaram à resistência e abrigavam pessoas em suas casa, xingando os policias das janelas dos prédios.

Um movimento tão novo e com pouca experiência em atuação nas ruas, repleto de jovens que se mobilizavam pela primeira vez teve dificuldades de lidar com suas multidões sob os ataques da polícia. Cada noite era uma grande tensão, pessoas usavam capacetes, máscaras, e escreviam o tipo sanguíneo na roupa. Sua determinação era incrível. Mas o mais importante é que toda uma geração pode se encontrar e começar a sonhar juntas o que podem alcançar juntas.

Veículos da mídia encontraram novos usos durante a ocupação da Praça Taksin.

Novas relações

Em cada horta ou tenda médica; cada debate sobre sexismo e homofobia; ou na construção de cada palco ou barricada as pessoas estavam vivendo relações totalmente diferente das do cotidiano comum em qualquer cidade moderna. E essas relações emergiam em cada ação como uma forma de resistência a um poder hegemônico econômico e político. Esse é o espírito fundamental da comuna como máquina de guerra. Fazer de cada gesto uma forma de cuidar de si e das outras pessoas frente a um poder que tenta eliminar qualquer sombra de desobediência. Não buscar na estrutura uma forma de se incluir, mas sim uma forma de destruir toda a estrutura. Isso é uma batalha que tem como palco cada indivíduo e seus semelhantes. Escalando até o conflito político ou físico entre as comunas e os agentes do Império pelos territórios que queremos proteger.

Tão inesperado quanto, o levante no Brasil também foi marcado por violência policial e o uso indiscriminado dessas armas ditas “não-letais” que matam e mutilam. Demonstrações de solidariedade e apoio entre os povos de ambos os países circulavam pela internet. É difícil pontuar exatamente como e em que medida um levante influenciou o outro, mas podemos traçar alguns paralelos mais óbvios, inclusive com movimentos anteriores.

A resistência no Parque Gezi e na Praça Taksim empregaram amplamente formas de organização e estruturas semelhantes ao do movimento Occupy nos EUA e de ocupações de praças na Europa, ou Ocupa Sampa de 2012. As formas de divulgação e organização política são frequentemente comparadas às da primavera árabe de 2011. A inegável influência imediata do levante turco sobre as lutas de junho no Brasil foram visíveis tanto com manifestantes compartilhando maneiras de neutralizar bombas de gás made in Brazil quanto nas frases e gritos de guerra adaptados que lá diziam não se tratar de “apenas por algumas árvores” mas sim uma revolta contra um governo autoritário e o próprio sistema democrático, aqui transformado na balela do “não são só 20 centavos”. O problema está na forma como isso foi importado para o Brasil, atendendo à pautas direitistas e da embriagada classe média branca. Isso levou às mobilizações o risco de perder totalmente o foco da luta contra o aumento da passagem para pautas genéricas anticorrupção, contra o PT e outras tradicionais causas inofensivas e úteis para a elite.

Na Turquia a ampliação do discurso que motivava os confrontos ampliava a luta contra um governo autoritário, contra a democracia representativa, contra as forças policiais em si, contra o projeto urbanístico e juntava as pessoas para ações em favor de ocupar a cidade e torná-la um espaço gerido pelo e para o povo; enquanto isso, no Brasil, radicais, anarquistas e autonomistas não conseguiram ampliar a crítica ou difundir de forma mais ampla uma radicalidade além do discurso do “acesso à cidade” e correram o risco de ver a luta se tornar um caldeirão de causas inviáveis a curto prazo para a classe média brincar de ativismo no Instagram e a direita espreitasse o momento para inserir suas pautas. A radicalidade ficou por conta da ação meio desorientada de Black Blocs, durante e depois de junho. Enquanto o MPL lutou para manter a pauta da luta contra o aumento diante das explosão de temas genéricos e sem avanços possíveis no curto prazo. O que estrategicamente foi interessante para barrar imediatamente o aumento, beneficiando os bolsos de todos nós e abrir espaços para as multidões mostrarem que podem atingir seus objetivos se aceitarem assumir alguns riscos.

Da Turquia ao Brasil, da Grécia ao Chile, de Chiapas a Rojava, o trabalho, a moradia, o espetáculo e a miséria de nossas vidas serão as mesmas sob o Capitalismo. Cabe a todas as pessoas que querem organizar a revolta que destrua essa forma de vida intercambiar as lições de luta e os riscos que envolvem tomar as ruas quando novos atores chegam todos ao mesmo tempo disputando pautas e a dianteira dos chamados. Do contrário, corremos riscos semelhantes aos de camaradas anarquistas na Ucrânia que viram as ruas sendo tomadas por grupos conservadores e fascistas, enfrentando o Estado e seu aparato com as mesmas ferramentas que grupos libertários e radicais empregam em suas lutas, visando objetivos que desde o início já eram muito duvidosos. Ou, como vimos após os atos da extrema-direita de 2015 no Brasil, ferramentas desenvolvidas para lutas radicais podem facilmente ser apropriadas por reacionários.

Chamados serão feitos. Cabe principalmente a quem responder fazê-lo com o poder e as intenções necessárias para ampliar a revolta para caber nela tudo o realmente importa.


Mais sobre o tema:

Lançamento: Revista Tormenta #3 – 2023: “Quem Tem Medo de Junho de 2013?”

[Baixar PDF Tormenta 2023]
Nossa revista Tormenta retorna para uma terceira edição especial em 2023, com destaque para os 10 anos dos levantes de 2013 pelo Brasil, incluindo os artigos “Por que 2013 agora?” e o “Junho (rastejante) em Belo Horizonte” e uma reedição do nosso artigo sobre os também 10 anos da revolta pelo Parque Gezi e Praça Taksin na Turquia. Além disso, análises sobre o fascismo e as eleições brasileiras de 2022, relatos e entrevistas dos levantes no Peru, na França e dos bloqueios de estradas em São Paulo na luta indígena contra o PL 490.

Baixe o PDF, difunda, imprima, debata na sua comunidade, seus coletivos, movimentos e cumplicidades.

Conteúdo:
  • Por que 2013 agora?
  • Esquerda eleitoral, ações diretas fascistas e resistência antifascista as eleições brasileiras de 2022
  • Isto não é uma insurreição popular
  • A revolta popular no Peru: anarquistas discutem o levante contra a violência policial e o estado de emergência
  • “O governo quer roubar anos de nossas vidas”: as lutas contra a reforma da previdência na França
  • Gezi Park: 10 anos dos levantes na Turquia
  • O junho (rastejante) em Belo Horizonte
  • Das barricadas: relato dos bloqueios contra a PL 490

APRESENTAÇÃO

Neste mês, completam-se 10 anos dos levantes de junho de 2013 no Brasil. Uma onda que começou em Porto Alegre no início do ano com protestos contra o aumento do preço das passagens de ônibus e metrô, se espalhou pelo país em uma revolta popular em escala nacional após os atos em São Paulo contra o aumento da passagem. Uma década depois, as lutas radicais contra os custos e miséria da vida no capitalismo é apresentada pelos partidos de esquerda, a mídia e supostos intelectuais como “a origem da nova extrema-direita” que chegou ao poder em 2018 com Jair Bolsonaro. É lamentável que etejamos aqui hoje tentando contar a história como ela foi, disputando o discurso com negacionismo puro, em vez de estarmos celebrando os protestos com mais atos radicalizados, como fazem no Chile as multidões indo para as ruas todo Primeiro de Maio, todo Día del Joven Combatiente ou todo aniversário do golpe de 1973, mantendo a memória de luta com mais luta.

O Partido dos Trabalhadores nos presenteia com mais uma inovação: pela primeira vez, a esquerda institucional não tenta cooptar e reivindicar uma revolta popular, mas sim associar o protesto de rua e a mobilização autônoma ao fascismo, numa tentativa desonesta de culpar o oprimido pela reação dos opressores. A finalidade dessa tese é simplesmente favorecer uma cultura política que condena a auto-organização e a rebelião, justificando a repressão e a criminalização dos que não se submetem aos ritos democráticos e jurídicos, especialmente movimentos autônomos e anticapitalistas de base.

Uma década depois de lançarmos os primeiros textos desse coletivo editorial, aqui estamos mais uma vez para refletir sobre junho de 2013. Naqueles dias ainda enfumaçados, começamos a escrever e difundir uma análise anárquica e insurrecional diretamente das barricadas, compartilhando e trocando experiências e reflexões com outros indivíduos e grupos organizados em movimentos de luta contra a tarifa, ocupações, coletivos editoriais, tentando entender o solo instável em que pisávamos e nos preparar para os anos turbulentos que viriam. Sabíamos muito bem que era preciso lutar com a mesma – ou maior – força contra o capitalismo quando ele é gerido por um partido de esquerda. Pois as políticas e leis repressivas que eles nos fazem aceitar enquanto estão no poder como algo normal do exercício de gestão, servem apenas para serem aplicadas com ainda maior peso e violência quando a direita volta ao poder.

Estivemos nas ruas lutando e registrando nossas experiências, seja nas lutas contra o aumento da tarifa em 2013, contra os megaeventos como a Copa e as Olimpíadas em 2014, saímos em apoio às ocupações de escolas em 2015, que começaram em reação às reformas neoliberais do então governador tucano Geraldo Alckimin e reprimidas pelo jurista linha-dura Alexandre de Moraes. O primeiro, recém-filiado ao Partido Socialista Brasileiro é transformado em vice-presidente na atual gestão petista e o outro, é nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal. proclamado “herói da democracia” e seu maior defensor. Estivemos também nas lutas contra a austeridade aprofundada pela gestão Temer, nas lutas por moradia e pela terra, por demarcações, contra a eleição de Bolsonaro e, novamente contra a esquerda acovardada, quebrando o pacto do “fique em casa” junto às torcidas e coletivos antifas enquanto fascistas organizavam carreatas e motociatas na pandemia mais letal do século.

Não imaginamos o quão turbulento seria aquele período logo depois percebermos que não saberíamos o que fazer com nossa primeira grande vitória em escala nacional naquele junho de 2013. Dez anos se passaram, e aquele mês vitorioso foi ofuscado por uma década de derrotas. Agora, os que venceram querem enterrar e caluniar nossas lutas, nossas histórias – e nossos mortos.

A ideia de que as jornadas de junho foram a “antessala do golpe” ou o que abriu as portas para a vitória de Bolsonaro não se sustenta nos dados da realidade. O ano de 2013 foi o ano com o maior número de greves desde os anos 1980. Mais de 2 mil greves mobilizaram cerca de 2 milhões de trabalhadoras e trabalhadores, segundo o DIEESE. Logo após junho, mais de 30 Câmaras Municipais foram ocupadas, como em Belo Horizonte [veja o aritgo Junho (rastejante) em Belo Horizonte], ainda no desdobramento das lutas contra o aumento da tarifa dos transportes públicos. A esquerda e os movimentos permanceram ativos e presentes nas ruas. O antipetismo, que não começou em 2013, não se traduziu nas urnas e não foi capaz de nem mesmo barrar uma nova vitória de Dilma nas urnas. Reeleita em 2014, a petista enfrentou os primeiros grandes atos contestando o resultado das urnas eletrônicas organizados pelo opositor Aécio Neves, do PSDB. Ainda assim, foi por vontade própria que Dilma escolheu abandonar a irreal promessa de dar uma “guinada à esquerda” e aplicar políticas de austeridade e cortes sociais mais alinhadas com a do candidato derrotado da direita.

Quem trouxe as serpentes para dentro de casa foram os próprios governos petistas. Além da vice-presidência ser sempre de um membro do PMDB (José de Alencar e Michel Temer), o PT nomeou quadros do PMDB, do PP e políticos fisiológicos centrão para sua base governista e para altos cargos em estatais como a Petrobras. Quando os protestos massivos abalam o sistema e a opinião pública, a direita vem sequestrar pautas e emplacar o chavão de que a “revolta é contra a corrupção”, Dilma topa comprar essa pauta como estratégia de marketing para se blindar perante a opinião pública. Porém, esquece que governantes que não blindam enquanto classe, corporativista e corrupta por definição, são traidores para aqueles que sabem jogar o jogo. Dilma acreditou que poderia se beneficiar dos resultados da operação Lava Jato como se fosse possível alegar que todos são corruptos, menos o seu governo. Quando o lavajatismo avança e empresários e políticos são presos, diretores são demitidos das Estatais, sem a proteção costumeira, essa mesma classe política decide inverter a chave, e se aliam pra dizer que “todos são limpos, menos o PT” e quebrar o pacto até então bem-sucedido.Mas como PT e autocrítica são palavras rivais, é muito mais fácil criticar quem luta para mudar a realidade de fora do sistema político, do que fazer a crítica de suas próprias práticas, ou as dos grupos reacionários – as verdadeiras serpentes – com os quais se aliaram e pelos quais foram mordidos. O movimentos sociais que se recusam a ser governados, esses sim devem ser esmagados, presos, expurgados e apagados dos livros.

Se direita se reorganizou após os levantes de 2013, cooptando e emulando formas autônomas de organização, estéticas e linguagens, não vemos aí nenhuma novidade, do ponto de vista histórico, uma vez que tanto a Primavera dos Povos de 1848, a Comuna de Paris em 1871, a tentativa de Revolução Alemã em 1919, ou mesmo as lutas campesinas nos anos 1960 no Brasil foram seguidas de reações e golpes da classe dominante e conservadora. O fascismo se alimenta da energia de revoluções fracassadas, mas nem por isso o antídoto seria não lutar – pelo contrário, seria lutar mais e melhor! Cabe a nós, radicais, nos reagruparmos para contra-atacar.

Mesmo acumulando tração e conquistando vitórias na última década, a extrema direita brasileira se mostra tão incompetente quanto a estadunidense em governar, e sua “anti-gestão” ainda parece incapaz de entregar a estabilidade que o Capital tanto precisa. Lula retorna prometendo reverter o estrago feito pelo bolsonarismo e entregar a pacificação tão necessária para os negócios. Em menos de seis meses, a nova gestão teve que se aliar e ceder espaços aos mesmos parlamentares de aluguel do centrão e da base bolsonarista. As derrotas no Parlamento para aplicar o Marco Temporal, e que tiram poder do recém-criado Ministério dos Povos Indígenas já indicam que a classe política não vai ajudar Lula a cumprir suas promessas de inclusão feitas às minorias representadas pelos indivíduos que subiram com ele a rampa do palácio no ritual de posse. Ou seja, a nova frente ampla petista já demonstra mais uma vez a antiga tese de que qualquer aliança da esquerda com a direita tente sempre para o conservadorismo.

O primeiro dia de governo é celebrado com um pretensioso “Festival do Futuro”, ironicamente organizado para celebrar uma esquerda que só é capaz de prometer um passado, como um filme de ação em que o protagonista tenta reinterpretar, já na terceira idade, seu sucesso da juventude – sem dublês! O fracasso em amenizar os efeitos da vida no capitalismo agonizante é inveitavel para qualquer governo e apenas uma questão de tempo para Lula – e fascistas estarão mais preparados e armados que da última vez.

Portanto, não há como celebrar como vitória o retorno do partido que nos enfiou goela abaixo aumento vertiginoso do encarceramento, os megaeventos e seus desalojos, Belo Monte e a destruição do meio ambiente e dos povos originários, que enviou as tropas da Força de Segurança Nacional atirar e nos prender, que sancionou uma Lei Antiterrorismo contra os movimentos sociais, e agora nos faz engolir uma aliança com Alckmin, Lira e os demais. Uma vitória por menos de 2% nas urnas é muito mais uma sorte, uma frágil condição favorável, do que uma tranquilidade. O bolsonarismo colocou em movimento paixões fascistas capazes de mobilizar o ódio e a reação nas ruas, nas escolas, nas estradas, no campo, nas instituições e em todo espaço de convívio. E somente o enfrentamento feito por fora da via institucional poderá fazer frente e barrar esse avanço.

Será preciso lutar como em 2013 de novo e de novo, quantas vezes for necessário. Não ajustaremos o nosso tom. Agora, quando o pacto de classes petista se refaz de maneira ainda mais reacionário do que da primeira vez, como uma pausa para respirar enquanto a burguesia, os militares, as milícias e as tradicionais castas políticas não retomam o controle total da máquina, e o maior partido de esquerda do país quer usar o fantasma fascismo para chantagear movimentos sociais e o protesto de rua, reafirmamos nossa postura sem acordo e sem recuo na guerra contra gestores da vida e da morte, sejam da esquerda ou da direita.

Elejam quem quiser. Somos ingovernáveis!

Facção Fictícia,
Outono de 2023.


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TORMENTA #2, – 2021

TORMENTA #1, – 2020

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QUEM TEM MEDO DE JUNHO 2013? – ciclo de eventos e debates

A maior revolta popular do país vista a partir de sua radicalidade e potência de transformação hoje Junho de 2013 no Brasil foi um acontecimento intempestivo.

Nos dias de revolta que varreram o Brasil naquele junho, governos e suas polícias, jornalistas e seus ventríloquos universitários, partidos de esquerda e de direita com seus respectivos representantes, assim como as organizações de direitos humanos e seus ativistas, se apressaram em isolar os vândalos dos manifestantes pacíficos. O objetivo político era associá-los à anarquia entendida como desordem para entregar militantes e manifestantes para a violência brutal das Tropas de Choque e enfiá-los em bancos de delegacias e/ou tribunais. Hoje, alguns destes agentes políticos lamentam que a extrema-direita tomou as ruas e repetem, como autômatos, que a democracia está em crise e ameaçada pelo fascismo. Muitos colocam a culpa dessa situação ou o início dela, nas revoltas de junho de 2013. Querem criminalizar as revoltas e silenciar a potência de transformação que ela traz. Como é comum na história política moderna, apontam para a anarquia como um monstro político a ser dominado ou eliminado.

Esse ciclo de eventos, com palestras, conversas e debates, visam falar de um outro junho de 2013. Trata-se de uma série não unificada, mas articulada, que ocorrerá durante o mês de junho de 2023 sobre a atualidade das insurreições de junho de 2013 nas cidades de Porto Alegre, Rio de Janeiro, Osasco, São Paulo e Belo Horizonte. Cada coletivo local fará as conversas e exibição de vídeos à sua maneira, mas que evitando o tom de efeméride para focar na singularidade e atualidade do acontecimento junho de 2013, destacando a revolta e suas conexões com outras mobilizações que estavam a acontecendo no planeta, os movimentos envolvidos e sua afirmação de autonomia e diferença com os movimentos sociais até aquele momento. Estamos interessados nos efeitos das insurreições de junho de 2013 ainda presentes hoje, tanto em termos de luta e características dos movimentos, quanto em termos de reação da ordem, com mudanças nas formas de repressão e controle e articulações da elite política para capturar insatisfações em processos institucionais, eleitorais e partidários.

Trata-se não de uma leitura final e totalizante do acontecimento, mas uma leitura libertária que busca mover a revolta no presente, soprando a brasa ainda acesa da labareda que varreu o Brasil há 10 anos.

DATAS: 
  • Porto Alegre: 19 de maio, no ESPAÇO.
  • Rio de Janeiro: dias 1, 6, 12 e 20 de junho, na Aldeia Maracanã, UERJ, ADEP & Cinelândia
  • Osasco: 14 a 16 de junho  na UNIFESP – Campus Osasco
  • São Paulo:  17 de junho na Praça do Ciclista (na concentração da Marcha da Maconha).
  • Belo Horizonte: 24 de junho na Kasa Invisível.

ORGANIZE TAMBÉM EM SUA CIDADE:

Muitos materiais foram produzidos por quem esteve nas ruas do lado dos debaixo e podem servir de introdução para debates e estudos. Abaixo, reunimos alguns desses materiais para exibição de vídeos e circulação de textos:
“Por que 2013 agora?”, vídeo por  Sonho, com colaboração dos coletivos Antimídia e Facção Fictícia.


Mais sobre o tema:

Camarada Serge: notícias da revolta popular na França

As ruas da França estão em chamas desde que protestos e greves que começaram em janeiro se transformaram em um verdadeiro levante contra reforma da previdência social que visa aumentar a idade mínima de aposentadoria. A polícia comandada pelo governo de Emmanuel Macron tenta reprimir o movimento que já se tornou uma das maiores onda de protestos da atualidade e novos focos surgem em centenas de cidades.

No sábado, dia 25 de março, no oeste da França, um protesto de 30 mil manifestantes contra a construção de um reservatório de água em Sainte-Soline e seus dramáticos impactos sociais e ambientais culminou em mais repressão e violência policial. Um camarada conhecido com Serge foi atingido na cabeça por explosivos da polícia e teve atendimento negado pelos capangas de Emmanuel Macron. Abaixo, disponibilizamos a tradução de alguns comunicados e chamados de seus amigos e parentes.

Camarada internado e com risco de morte após a manifestação em Sainte-Soline

Nosso camarada S. foi atingido na cabeça por uma granada explosiva durante a manifestação contra reservatórios de água neste sábado, 26 de março, em Sainte Soline.

Apesar de seu estado grave, a prefeitura impediu conscientemente, em um primeiro momento, que os serviços de emergência interviessem e apenas depois de algum tempo o transportaram para uma unidade de atendimento apropriada. Ele está atualmente em terapia intensiva neurocirúrgica. Seu prognóstico vital ainda está comprometido.

A onda de violência sofrida pelos manifestantes deixou centenas de feridos, com vários atentados graves à integridade física, conforme anunciado pelos diversos relatórios de informação disponíveis. Os 30.000 manifestantes tinham o objetivo de bloquear o local da megabacia [grandes reservatórios de água destinados à agroindústria] de Sainte-Soline, um projeto de apropriação privada de água por uma minoria em benefício de um modelo capitalista que não tem mais nada a oferecer além de morte. A violência do braço armado do estado democrático é a expressão mais clara disso.

Logo em seguida do movimento contra a reforma da previdência, a polícia mutila e tenta assassinar para impedir a sublevação, para defender a burguesia e seu mundo. Nada impedirá nossa determinação em acabar com o reinado deles.

Na terça-feira, 28 de março, e nos dias seguintes, vamos fortalecer as greves e bloqueios, sair às ruas, por S. e todos os feridos e presos de nossos movimentos.

Vida longa à revolução.

Camaradas de S.

PS: Se você tiver alguma informação sobre as circunstâncias dos ferimentos infligidos a S., entre em contato conosco: s.informations@proton.me

Gostaríamos que este comunicado fosse distribuído o mais amplamente possível.

Traduzido do Francês

Polícia sob ataque dos manifestantes em Sainte-Soline, 25 de março de 2023.

Comunicado dos Pais de Serge (S.) em 29 de março de 2023

Esta é a tradução de uma declaração dos pais de um ativista que permanece em coma cinco dias após a violência policial em Sainte-Soline.

Após o ferimento causado por uma granada GM2L, durante a manifestação de 25 de março de 2023 organizada em Sainte-Soline contra os projetos de bacias de irrigação, nosso filho Serge está atualmente em um hospital lutando por sua vida.

Apresentamos queixa por tentativa de homicídio e obstrução voluntária à chegada dos serviços de emergência e por violação de segredo profissional no âmbito de inquérito policial e apropriação indébita de informação constante do arquivo para tal.

Na sequência dos vários artigos publicados na imprensa, muitos dos quais imprecisos ou enganosos, gostaríamos de dar a conhecer que:

  • Sim, Serge está na lista “S” (lista de observação da “Segurança do Estado”) – como milhares de ativistas na França de hoje.

  • Sim, Serge teve problemas legais – como a maioria das pessoas que lutam contra a ordem estabelecida.

  • Sim, Serge participou de muitas manifestações anticapitalistas – como milhões de jovens em todo o mundo que acham que uma boa revolução não seria demais e como milhões de trabalhadores que lutam atualmente contra a reforma previdenciária na França.

Acreditamos que esses não são atos criminosos que manchariam nosso filho, mas, ao contrário, esses atos são creditados a ele.

Os pais de Serge
29 de março de 2023

Vídeo sobre a Batalha das Mega Bacias em Sainte Soline: legendas em português disponíveis.

 


Uma atualização sobre Serge

Apresentamos uma segunda declaração escrita pelos companheiros e próximos de Serge, divulgada na quarta-feira, 29 de março.

Enquanto nosso camarada Serge continua lutando pela vida que o Estado tentou tirar dele, estamos testemunhando uma nova onda de violência contra ele. A mídia está tentando retratá-lo como um homem que deveria ser fuzilado. Hoje, ele ainda está em coma, em estado crítico. Enviamos nossa solidariedade a Mickaël e a todos que sentiram a força bruta da violência policial cair sobre eles.

A mídia burguesa continua repetindo incessantemente palavras cuidadosamente escolhidas pelo Estado para construir, do nada, o inimigo que quer combater. Sua fachada falsa vai desmoronar diante das muitas narrativas que corrigiram e reescreveram o curso dos acontecimentos. A polícia usou granadas com o objetivo específico de causar danos físicos e mentais aos manifestantes; eles são responsáveis ​​por impedir que os socorristas evacuem os feridos, mesmo que isso signifique deixar nossos camaradas morrerem.

Os serviços de inteligência têm distribuído livremente as informações que coletaram sobre Serge para redações em todo o país. O objetivo deles é nos obrigar a nos definirmos nas palavras usadas pela polícia. Aqui, não vamos nos envolver com as versões deliberadamente abreviadas da identidade de Serge que a polícia tem circulado. Não acreditamos que qualquer verdade sobre ele possa ser encontrada nos arcanos da propaganda estatal e da mídia. Como revolucionário, Serge tem participado com todas as suas forças e por muitos anos em muitas lutas de classes contra a nossa exploração, sempre com vistas à ampliação e fortalecimento da vida e vitória do proletariado.

E, de fato, não podemos nos deixar esmagar.

Apelamos a todos aqueles que o conhecem para dizer aos outros ao seu redor quem ele é. Lembre-se: Serge, em luta, recusa a estratégia do estado de separar bons e maus manifestantes. Com ele e para ele, defendemos esta linha.

Na terça-feira, 28 de março, pessoas de todos os lugares se comprometeram a mostrar sua solidariedade ao movimento contra a reforma previdenciária na França. Também recebemos muitas mensagens de camaradas internacionais. Nós os agradecemos calorosamente e os encorajamos a continuar e apoiar o movimento. Mais ações já estão planejadas e encorajamos as pessoas a se juntarem e multiplicarem sem restrições, na França e no resto do mundo.

Queremos que este comunicado seja compartilhado o mais amplamente possível.

PS: Há muitos rumores sobre a condição médica de Serge. Não os compartilhe. Nós manteremos você atualizado.

Para entrar em contato conosco:

s.informations@proton.me

Camaradas de S.