“O governo quer roubar anos de nossas vidas”: notícias e aprendizados da mobilização popular contra a reforma da aposentadoria que incendeia a França

Diante da intensificação da mobilização popular, o Estado francês assume a repressão como única resposta. Após um pequeno texto de contextualização, que resume a situação atual, reproduzimos abaixo alguns depoimentos de grevistas de diferentes setores, na ocasião de uma ação conjunta contra as “requisições” de trabalhadores, na central de incineração de lixo TIRU Ivry.

Bloqueio na refinaria de petróleo de Donges (Loire-Atlantique)

A mobilização popular na França contra a reforma da aposentadoria, que começou no último mês de janeiro, se intensificou fortemente nas duas últimas semanas, desde que o governo fez uso de um artigo controverso da constituição (o chamado “artigo 49.3”) para aprovar a lei sem passar pelo voto do Congresso. O uso deste artigo pelo Macron pela décima segunda vez desde que ele foi reeleito ano passado, no dia 16 de março, pode ser visto como mais uma medida autoritária de um governo enfraquecido. Um governo e um presidente que, desde o movimento das/dos coletes amarelos, atraiu uma ira popular ao assumir cinicamente o apelido de “presidente dos ricos” que a rua lhe atribuiu desde 2018. 

As desigualdades entre os mais ricos e os mais pobres na sociedade francesa se aprofundaram drasticamente nos últimos anos. A taxa de precariedade do trabalho e de pobreza aumentou constantemente nas últimas décadas. Segundo estudos recentes, enquanto o número de bilionários triplicou desde 2010, milhares de franceses possuem menos de 5 euros por dia para viver. Por outro lado, o aumento do custo de vida atinge atualmente recordes. Enquanto isso, o “presidente dos ricos” suprimiu em 2018 o imposto de taxação das grandes fortunas, que existia desde os anos 1980. 

A atual reforma da previdência representa mais um passo rumo ao modelo social ultra-competitivo neoliberal defendido pelos macronistas. Uma reforma que exige do conjunto da população que ela trabalhe por mais dois anos de suas vidas (mudando a idade da aposentadoria de 62 para 64 anos), supostamente para compensar o déficit dos cofres públicos, sem considerar as desigualdades de condições entre as diferentes profissões e as desigualdades de gênero perante o trabalho (a aposentadoria feminina é historicamente inferior). Sem exigir uma contribuição maior dos mais ricos ou das grandes empresas. Sem considerar que pobres e ricos não são iguais perante a aposentadoria, enquanto os primeiros dependem absolutamente da previdência pública, os segundos possuem poupança, investem em patrimônio imobiliário ou fundos de pensão privados.

Segundo declarações do sindicato francês CGT, baseadas no instituto público de estatística INSEE, 25% dos trabalhadores mais pobres na França morrem antes de atingir a idade atual da aposentadoria (62 anos), contra apenas 6% dos mais ricos. Como dizem os manifestantes: “são anos das nossas vidas que o governo quer nos roubar”, enquanto uma ampla maioria da população continua se declarando a favor da mobilização e de sua intensificação. 

Na sequência do “49.3”, dia 16 de março, as ruas do país inteiro foram tomadas por multidões, com manifestações e revoltas populares quase que diariamente desde então. 

A dinâmica de greve também se intensificou, especialmente em alguns setores estratégicos, entre os quais os setores de produção de energia (refinarias de petróleo e centrais nucleares), a coleta de lixo ou ainda os principais portos do país. A força das greves também se explica por uma união pouco comum entre os diferentes sindicatos: a CGT, sendo o sindicato majoritário (com bases dispostas a travar o conflito social, apesar de líderes reformistas), os independentes (tais como o Sud-Solidaires) e os mais reformistas (CFDT, CFT, dentre outros que raramente se engajam por tanto tempo em greves reconduzíveis). 

Esta aliança e determinação dos sindicatos se explica pela postura do governo desde o início do movimento, que se recusou drasticamente a abrir uma mesa de negociação. Nos piquetes de greves, manifestações e ações, esses diferentes sindicatos têm se juntado a outros grupos: trabalhadores e trabalhadoras precarizadas, desempregados e desempregadas, estudantes, coletes amarelos, grupos anarquistas, feministas e autônomos. Essa diversidade de protagonistas implica uma diversidade de modalidades de ações. Em paralelo das greves, também houve em todo o país ações de bloqueio de rodovias, abertura de pedágios, ações de sabotagem etc. 

Com a greve nas refinarias, postos de gasolina em todas as regiões já tiveram que fechar por falta de estoque, enquanto a produção nacional de energia baixou fortemente. Em 17 de março, o sindicato CGT Energie afirmava ter atingido um recorde na baixa de produção (17.000 a 20.000 MW a menos para todo o país). No mesmo setor da energia, os grevistas também aplicam suas próprias modalidades de ação desde o início do movimento: cortes de energia seletivos (visando casas de parlamentares aliados ao governo), redução das faturas para as padarias e pequenos comércios, ou ainda o restabelecimento gratuito da energia às famílias que não conseguem pagar as contas. 

As greves no setor da coleta de lixo e limpeza urbana também surtiram efeitos fortes. Em algumas cidades, como em Paris, o acúmulo de lixos nas ruas chegou a atingir um ponto crítico (com cerca de 10.000 toneladas acumuladas apenas nas ruas da capital).  Nessa cidade, a mobilização histórica dos garis e dos trabalhadores dos centros de tratamento e incineração de lixo serviu como ponta de lança para a radicalização da greve, desde o início de março. 

A mobilização de estudantes e secundaristas também se intensificou, com bloqueios e ocupações das principais universidades do país e de centenas de colégios (especialmente nos dias de manifestação nacional). Em algumas universidades, estudantes entraram em confronto com grupos de extrema direita que intervieram para furar os bloqueios e atacar os grevistas.

A greve teve também forte adesão no setor do transporte (trem, transporte urbano e setor aéreo). Nos últimos dias, a companhia aérea low-cost RyanAir se revoltou de ter sido obrigada a cancelar 240 voos por causa da greve dos controladores aéreos franceses, e das perdas financeiras correspondentes. 

Perante a intensificação das greves e as consequências para a economia, o Estado intensificou a sua resposta repressiva: através da repressão policial, visando de modo indiscriminado todas e todos os manifestantes e grevistas, e através das chamadas “requisições”. 

Em termos de repressão, a violência policial se intensificou drasticamente, acompanhado com o uso de decretos e medidas de exceção. Para impedir os chamados “protestos selvagens” e noturnos que aconteceram diariamente em muitas cidades (espalhando barricadas, fogos e visando símbolos do poder), o governo decretou a proibição de agrupamentos em determinados locais da cidade, adotando a estratégia de cerco e prisões em massas e arbitrárias de manifestantes (apenas em 5 dias em Paris, entre os dias 16 e 20 de março, cerca de 800 pessoas foram presas). O número de manifestantes feridos dificilmente pode ser calculado. Os bombeiros de Paris disseram ter intervindo em 59 casos de emergência para socorrer civis em protestos, número inferior à realidade, se considerarmos a quantidade de feridos atendidos pelas equipes de pronto socorro auto-organizadas pelos manifestantes, as chamadas “street medic”. 

Bloqueio no porto do Havre. (Crédito : Julien Muguet, Le Monde)

Apenas na manifestação nacional do dia 23 de março, dois manifestantes foram mutilados por armas da polícia: um sindicalista do transporte, em Paris, perdeu o seu olho devido a um tiro de bala de borracha. Em Rouen, uma professora perdeu o polegar em razão da explosão de uma granada “não letal” atirada pela polícia. Cabe aqui lembrar que, desde os protestos contra a reforma trabalhista de 2016, e sobretudo a partir do movimento Coletes Amarelos, os casos de mutilações por conta da repressão policial em manifestações têm sido cada vez mais comuns. De certo modo, o Estado francês optou por enviar um recado claro às ruas, perante a intensificação das insurgências populares: na atual República francesa, manifestar e/ou resistir à ação policial significa doravante correr o risco de perder um olho, uma mão ou um nariz. 

A escalada impressionante na intensidade da repressão policial se manifestou nos últimos dias não apenas nas ruas, mas também no campo, como vimos com os acontecimentos de Sainte-Soline. Em paralelo do movimento contra a reforma da aposentadoria, uma mobilização ocorreu no dia 25 de março perto dessa pequena cidade da região Poitou-Charentes, contra um projeto de mega-bacias de retenção de água doce, que beneficia o agronegócio em detrimento dos pequenos agricultores e da biodiversidade da região. Marcada já há alguns meses, a mobilização – que tinha sido proibida pela polícia –  beneficiou do fervor social atual e reuniu cerca de 30.000 manifestantes que tentaram chegar até o canteiro de obras das mega-bacias. Membros do movimento camponês, ativistas e zadistas de todo o país se reuníram em Sainte-Soline. Mais de 3.000 policiais os receberam no local, usando de armamento de guerra para impedir a manifestação. Mais de 5.000 granadas “de efeito moral” foram atiradas. Os manifestantes resistiram durante horas, conseguiram furar o cerco policial e por pouco quase atingiram o canteiro de obra. Veículos policiais foram incendiados. Cerca de 200 manifestantes foram então fortemente feridos, incluindo dois que estão em coma, entre a vida e a morte, até os dias de hoje. 

“Tutorial de Barricada para bloqueios resistentes!”

Enquanto o aparato de guerra “não letal” está sendo usado para reprimir as manifestações, a principal resposta dada para o Estado para conter as greves foram as chamadas “requisições” (medidas judiciais que obrigam trabalhadores a interromper a greve para retomar a produção supostamente por razão de emergência). As “requisições” serviram nos últimos dias para reprimir as greves e bloqueios de produção, obrigando pela força os trabalhadores a retomar a produção. Na maioria dos casos, o governo assina um decreto estipulando o caráter de emergência da requisição, envia a força policial para desfazer os piquetes de greve e coloca se necessário trabalhadores não grevistas (por vezes convocados de outras regiões) para fazer o trabalho. Em resposta às requisições, uma grande quantidade de grevistas de outros setores, estudantes e grupos autônomos têm se organizado diariamente para reforçar os piquetes desde cedo, pela manhã. Essa coordenação tem sido facilitada pela “Rede Pela Greve Geral”, rede inter-profissional e independente de organização mútua que se formou durante o movimento. Nos piquetes, o que se discute, é que tudo isso já não é mais apenas sobre essa reforma da aposentadoria, mas sobre as nossas possibilidades de organização, solidariedade e enfrentamento perante o mundo que essa reforma e esse governo representa.

Diariamente, grupos se espalham nos quatro cantos de suas cidades para apoiar os bloqueios. Nas refinarias do Havre (Normandie) e de Fos-Sur-Mer (perto de Marseille), e em muitos outros locais, enquanto um importante aparato policial cercavam os grevistas, centenas de apoiadores se juntaram aos piquetes, resistindo à ofensiva policial para impedir as requisições. Se a refinaria do Havre conseguiu manter e reconduzir a greve, a produção em Fos-Sur-Mer foi retomada após um longo confronto. 

Chegamos ao ponto em que a economia do país ainda está girando pela única força dos cassetetes e das bombas de efeito moral. Sem o empenho da polícia e do exército, em todo o país, para tentar quebrar as greves, para forçar minimamente a produtividade a continuar, para manter uma certa dose de petróleo a correr nos oleodutos, tudo já entraria em colapso. Uma guerra está em curso para manter, a qualquer custo, a economia de pé. 

Na Central de Incineração de triagem de lixo TIRU Ivry (perto de Paris), a requisição também foi decretada. Perante a quantidade e a determinação das manifestantes que se juntaram ao piquete, a polícia foi obrigada a desistir de intervir, o que permitiu a recondução do bloqueio e da greve, até os dias de hoje. Desde o início de março, as gigantescas chaminés do TIRU pararam de soltar as colunas de fumaça que integram habitualmente a paisagem nessa parte da cidade colada ao anel periférico, ao leste de Paris.

No dia em que a requisição foi impedida, no contexto acalorado que segue a intensa repressão em Sainte-Soline, grevistas de diversos setores vieram declarar a sua determinação a continuar a luta, e compartilhar as suas perspectivas sobre os próximos passos da mobilização. 

Foi uma ótima oportunidade para coletar algumas palavras e perspectivas sobre os próximos passos da luta com grevistas de diferentes setores, que reproduzimos a seguir : 

M., trabalhador da coleta de lixo 

Temos cada vez mais companheiros, no setor da coleta de lixo, que se juntam à greve seguindo a mesma estratégia que estabelecemos aqui: entrar juntos em greve, garis com trabalhadores dos centros de triagem e incineração. Pois um setor não pode funcionar sem o outro. Agora é isto que estamos vendo em muitas cidades, além de Paris: em Fos-Sur-Mer, Marseille, Perpignan, Montpellier…

Começamos a greve aqui no início de março, inicialmente os piquetes estavam tranquilos pois a prefeita de Paris não exigiu requisição nem mandou polícia. Mas quando os lixos começaram a se amontoar nas ruas, o Estado ficou desesperado e começou a tentar de tudo para quebrar a greve : enviar empresas de coleta privadas para catar o lixo, requisições, polícias e repressão nos piquetes…

A questão do privado é complicada, porque hoje já temos quase metade dos distritos de Paris onde a coleta de lixo é privatizada. Foi uma medida iniciada pelo Chirac (antigo prefeito de Paris e antigo presidente da França), nos anos 1990, justamente para evitar as greves. Em resposta, a Rede Pela Greve Geral se mobilizou para bloquear também garagens de empresas privadas. De todo jeito, com os Centros de Incineração bloqueados, eles não têm onde enfiar o lixo. Dizem que eles estão colocando o que conseguem catar em aterros, por aí na periferia, ou em outros Centros de triagem muito longe daqui. 

Com a pressão no setor privado, algumas dessas empresas começaram a ter greves também. Em algumas empresas, como na Pizzorno, a direção logo ofereceu aumento aos trabalhadores para a greve não se alastrar. Acabamos de ter a confirmação inclusive que cinco centros privados de depósito de lixo se juntaram à greve hoje. 

Então vemos que essa questão do lixo só cresce. 

Mas a questão da requisição é outro problema. Por isso é muito importante termos muita gente aqui todos os dias para impedir que ela aconteça. Mas ela nem sempre surte efeito. Aqui perto, em uma garagem onde houve requisição, os colegas estão saindo com os caminhões mas estão catando o mínimo. Ninguém pode obrigar eles a encher o caminhão. Assim a greve continua tendo impacto. 

Precisamos agora colocar mais e mais pessoas nas ruas. Continuar a se organizar, a Rede Pela Greve Geral tem feito esse papel. Mas temos que multiplicar as trocas entre nós, conversar e se coordenar para fazer cair o governo. 

O., trabalhador do centro de Incineração do TIRU Ivry em greve. 

Aqui é o TIRU, a usina de incineração de Ivry. Existe aqui na região de Paris três principais locais onde o conjunto do lixo da capital é incinerado : a usina de Ivry, a de Issy-Les-Moulineaux, e a de Saint-Ouen. É aqui que todos os caminhões de lixo vem depositar as suas cargas diariamente, para elas serem queimadas. Os três incineradores entraram em greve esse mês contra a reforma da aposentadoria, a começar aqui pelo nosso, em Ivry.  Estamos em greve aqui desde o dia 6 de março, exatamente. O que aconteceu é que o governo decretou requisição de funcionários para quebrar a nossa greve.  Acontece dessa forma: um oficial de polícia vem no local, ele apresenta ao trabalhador uma ordem de requisição. O trabalhador em tese é obrigado a assinar e voltar ao trabalho, senão ele sofrerá processo na justiça em seguida. Enquanto isso, a polícia vem e desmonta o piquete de greve à força.

Por isso organizamos hoje um ato aqui, recebendo apoio de companheiras e companheiros de vários setores, para resistir perante a tentativa de requisição, e para defender nosso direito à greve. Estamos prontos para ir até o fim para combater essa reforma. Pelo menos até a reforma cair. 

Essa reforma pra mim é o seguinte: eles querem aumentar as contribuições dos trabalhadores para a previdência, e com isso querem que os trabalhadores trabalhem mais tempo, para se aposentar somente com 64 anos. Acontece que isso não toma em conta a dureza dos trabalhos manuais mais pesados. Trabalhar em uma usina de incineração, como aqui, é muito sofrido. As condições físicas são muito duras. Por isso temos um estatuto especial que nos permite nos aposentar antes. Agora eles querem nos roubar anos de aposentadoria, destruindo os estatutos especiais que existem para determinadas profissões. 

Os garis começaram a greve quase que junto conosco. Então nós seguimos o movimento dos garis para termos mais força juntos, e tentar criar uma sinergia das lutas. Nossos amigos garis também fazem um trabalho muito pesado e desvalorizado. Esses trabalhos se parecem afinal. Depois de um certo tempo de trabalho, suas costas são totalmente destruídas. Trabalhar até 64 anos nessas profissões é fisicamente impossível. Essa reforma então toca em cheio todas as profissões mais duras, mas de modo geral ela está atingindo o conjunto da população. Nosso objetivo é federar essa massa de trabalhadores, criar essa coesão para fazer a reforma cair. 

Temos que entender que a mobilização não se fará apenas pelos sindicatos. É preciso que todo mundo seja consciente da injustiça dessa reforma e se junte. Eu penso que hoje, todo mundo está afetado, seja os garis, os trabalhadores da saúde, da educação. Vemos que o governo está aos poucos destruindo o serviço público, é um projeto de privatização de todas as atividades da sociedade. Se amanhã esse serviço público desaparecer. Amanhã, alguns terão as condições financeiras para acessar a saúde e educação. E os outros estarão diante da catástrofe social. 

É por isto que reconduziremos essa greve ao máximo. E é por causa dessa nossa determinação que eles fazem de tudo para quebrar a nossa greve. Pela requisição, mas também pela violência policial, intimidando e agredindo os manifestantes durante os atos. Podemos ver nos últimos dias que o governo assume uma resposta unicamente repressiva. 

Mas hoje estamos unidos e numerosos aqui para continuar e para defender a nossa greve. E vai continuar. 

Mobilização na frente do TIRU Ivry (Credito : Révolution permanente)

S., trabalhadora da empresa de transportes urbanos, RATP  

Sou trabalhadora logística no metrô. E estou em greve. No nosso setor, a greve é massiva nos dias de mobilizações nacionais (uma dia por semana), mas temos pouco adesão à greve reconduzível (greve clássica, reconduzida à cada assembleia do movimento). Por isso, estou indo todos os dias de manhã apoiar as companheiras e companheiros nos piquetes e bloqueios mais estratégicos. Aqui no TIRU, mas também em muitos outros locais : tem garagens de caminhões de coleta de lixo, em Romainville, Aubervilliers, e outros, onde todo dia de manhã tem gente se juntando para apoiar o bloqueio. A luta é assim, uma vez que você coloca um pé dentro, você não consegue ir mais para trás. Ainda mais quando você vê a violência do governo e da polícia contra quem está mobilizado. Esses dias um companheiro nosso, da RATP, recebeu golpes de cacetete na cabeça no piquete, teve de ir ao hospital, recebeu 30 pontos. É por ele e para todas e todos que vamos continuar. Não desistiremos. 

 B., professor de colégio em greve 

Sou professor do colégio vizinho. Lá somos uma maioria de grevistas. Como quase todos os dias, venho aqui prestar apoio aos grevistas do TIRU. E devo dizer que hoje estou muito emocionado de estar aqui, e ver tanta gente contra a requisição de trabalhadores. Tem 12 anos que estou engajado no sindicato, o primeiro piquete de greve em que participei foi aqui no TIRU Ivry em 2011, contra a reforma anterior (nota: em 2010-2011 houve um ciclo de greves e protestos contra a reforma da previdência do governo Sarkozy, que aumentou a idade legal de aposentadoria de 60 para 62 anos). Tinha muito menos gente, mas já eram as e os trabalhadores do TIRU que estavam na primeira linha da greve. 

E hoje vemos muita gente aqui. Constatamos uma conjuntura peculiar: uma mobilização muito forte com uma convergência de todos os sindicatos CGT, Sud, FSU, FO… Deixamos as nossas brigas de lado para lutar juntos. E isso é muito bonito, temos uma verdadeira dinâmica. 

A greve reconduzível, no setor da educação, devo dizer que ela não é maioritária. Mas ela está ganhando força. A nossa determinação cresce. Meu sentimento é que do lado do governo, sentimos que eles estão balançando. Eles estão a dois dedos de ceder. E vamos ganhar porque estamos certos. É a história do povo. A história dos 90% que não querem essa reforma. Eles pisam em cima do povo, em cima dos parlamentares, isso aí acabou. Amanhã teremos uma mobilização nacional, e depois de amanhã vamos reconduzir a greve, até a queda da reforma, e além disso. Porque não estamos aqui mais somente contra a reforma, estamos lutando para uma outra sociedade. 

I., estudante, membra do coletivo Poing Levé

Eu me chamo I., sou do coletivo estudantil marxista revolucionário Poing levé (Punho erguido) Devo dizer que se a juventude entrou massivamente no movimento, foi graças ao estopim das greves iniciada pelos trabalhadores. Para nós, jovens, o “49.3” foi a gota d’água, um sinal de desprezo a mais deste governo que nos desrespeita há anos, depois de anos de pandemia, anos de precaridade, nas universidades, nos colégios. Anos de repressão também, depois de tantas manifestações e mobilizações  nas  quais nossos companheiros e companheiras são presas, espancados, mutiladas. Esses dias, o nosso camarada Léo foi preso, ficou na delegacia por mais de 55 horas, justamente porque participava de uma manifestação que acabaria aqui para vir apoiar os grevistas no TIRU Ivry. E, claro, o sinal de repressão mais grave que vimos nos últimos dias foi o massacre de Sainte-Solline, onde houve mais de 200 feridos. Temos um companheiro entre a vida e a morte. Há feridos grave, uma pessoa que perdeu o olho. E claro que é uma repressão que mostra o quanto o governo tem medo da juventude, o quanto ele tem medo da gente entrar de fato na batalha atual, ao lado dos trabalhadores. Acho que hoje foi um grande sinal de solidariedade, como outro dia, na refinaria da Normandie, onde mais de 150 jovens, trabalhadores, artistas, foram apoiar as.os grevistas contra a requisição. E é tipicamente este tipo de solidariedade que queremos mostrar reforçar com o Poing Levé, mas também com a Rede Pela Greve Geral. Porque eles têm medo da gente se organizar, e é isso que estamos fazendo. E já não é mais apenas contra essa reforma, e para repensarmos as nossas condições de trabalho e de vida como um todo nessa sociedade. 

Os estudantes agora estão entrando com força no movimento. Tivemos mais de 1000 estudantes em assembleia geral esses dias em Paris, Montpellier, Toulouse. A juventude está se auto-organizando. 

Todo mundo tem que apoiar os piquetes, e apoiar as caixas de doação para a greve. 

Estaremos aqui juntos até o fim. 

F., motorista de trem suburbano (RER) em greve

 

Sou motorista do RER A (linha de trem suburbano). Vim aqui para prestar todo o meu apoio aos trabalhadores do TIRU e aos garis, e a todos que colocaram uma zona nessa gigante nessa cidade repleta de lixos. Toda essa mobilização nos deu força para lutar. Graças a isso, fomos na frente da sede de Renaissance (partido do Macron) e despejamos montanhas de lixos na frente.

Na RATP (empresa pública de transporte urbano), estamos em greve reconduzível. Mas não são a maioria dos trabalhadores, muitos só entram em greve pontualmente. É importante lembrar que em 2019, estávamos na primeira linha da greve contra a reforma anterior do Macron. Ele tentou fazer passar um projeto de aposentadoria por pontos. Ele tentou nos vender como um avanço social uma reforma que era pior ainda que a atual : uma reforma  por pontos com regime de capitalização, nas quais iriamos entregar o dinheiro da nossa aposentadoria para fundos de pensão privados tipo BlackRock, Natixis etc (nota: esse tipo de aposentadoria foi experimentado inicialmente pelo Pinochet, no Chile, atualmente em vigor nos Estados Unidos, e adotado pelo governo Bolsonaro em 2019 no Brasil). Isso é o que eles queriam, era o projeto deles, e fizemos cair esse projeto em 2019, graças a força do movimento grevista. E agora ele volta com uma outra reforma. 

Esse governo que está aí, que está sempre comentando o que acontece no Irã, no Egito, na Tunísia, dando lição sobre a democracia, e o que eles fazem? Eles desviam a democracia, eles usam manobras para não seguir a voz do povo. E eles nos chamam de que? De milícia? De multidão? A multidão não está nem aí e ela vai esfregar esse projeto de reforma na cara deles. 

Hoje, é preciso que toda essa mobilização, toda essa bagunça se generaliza e se amplifica. E para isso, a Intersindical deve endurecer a sua linha. Os grandes sindicatos estão sendo muito tímidos, eu não consigo entender. Não é normal, que depois de um “49.3” eles não chamaram claramente todo mundo à tomar a praça da Concorde. Nessa noite, tinha muita gente na Praça, mas podíamos ser muito mais. E a polícia não teria nos tirado. O que é que as direções sindicais querem? A vitória ou a derrota? Tenho impressão que alguns estão hesitando, com medo, mas é o governo que deve estar com medo. Sim, a unidade sindical é bonita. Temos muitos logos aí nas faixas. Mas não são logos que vão nos fazer ganhar. Todos os sindicatos têm que assumir as suas responsabilidades para endurecer a luta. 

Estamos perto da vitória, com determinação. Mas precisamos de um plano estratégico e uma vontade em comum de ganhar. Todos os governos que foram derrotados, foram quando a juventude e os trabalhadores estavam juntos nas ruas. Precisamos também da juventude. Uma vez que estamos juntos, o governo não terá mais saída. Força para nós, força para os trabalhadores, e que a greve se generalize e se amplifique.


Para Saber Mais:

Camarada Serge: notícias da revolta popular na França

France in Flames – Coletivo CrimethInc.