Lançamento: Revista Tormenta #3 – 2023: “Quem Tem Medo de Junho de 2013?”

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Nossa revista Tormenta retorna para uma terceira edição especial em 2023, com destaque para os 10 anos dos levantes de 2013 pelo Brasil, incluindo os artigos “Por que 2013 agora?” e o “Junho (rastejante) em Belo Horizonte” e uma reedição do nosso artigo sobre os também 10 anos da revolta pelo Parque Gezi e Praça Taksin na Turquia. Além disso, análises sobre o fascismo e as eleições brasileiras de 2022, relatos e entrevistas dos levantes no Peru, na França e dos bloqueios de estradas em São Paulo na luta indígena contra o PL 490.

Baixe o PDF, difunda, imprima, debata na sua comunidade, seus coletivos, movimentos e cumplicidades.

Conteúdo:
  • Por que 2013 agora?
  • Esquerda eleitoral, ações diretas fascistas e resistência antifascista as eleições brasileiras de 2022
  • Isto não é uma insurreição popular
  • A revolta popular no Peru: anarquistas discutem o levante contra a violência policial e o estado de emergência
  • “O governo quer roubar anos de nossas vidas”: as lutas contra a reforma da previdência na França
  • Gezi Park: 10 anos dos levantes na Turquia
  • O junho (rastejante) em Belo Horizonte
  • Das barricadas: relato dos bloqueios contra a PL 490

APRESENTAÇÃO

Neste mês, completam-se 10 anos dos levantes de junho de 2013 no Brasil. Uma onda que começou em Porto Alegre no início do ano com protestos contra o aumento do preço das passagens de ônibus e metrô, se espalhou pelo país em uma revolta popular em escala nacional após os atos em São Paulo contra o aumento da passagem. Uma década depois, as lutas radicais contra os custos e miséria da vida no capitalismo é apresentada pelos partidos de esquerda, a mídia e supostos intelectuais como “a origem da nova extrema-direita” que chegou ao poder em 2018 com Jair Bolsonaro. É lamentável que etejamos aqui hoje tentando contar a história como ela foi, disputando o discurso com negacionismo puro, em vez de estarmos celebrando os protestos com mais atos radicalizados, como fazem no Chile as multidões indo para as ruas todo Primeiro de Maio, todo Día del Joven Combatiente ou todo aniversário do golpe de 1973, mantendo a memória de luta com mais luta.

O Partido dos Trabalhadores nos presenteia com mais uma inovação: pela primeira vez, a esquerda institucional não tenta cooptar e reivindicar uma revolta popular, mas sim associar o protesto de rua e a mobilização autônoma ao fascismo, numa tentativa desonesta de culpar o oprimido pela reação dos opressores. A finalidade dessa tese é simplesmente favorecer uma cultura política que condena a auto-organização e a rebelião, justificando a repressão e a criminalização dos que não se submetem aos ritos democráticos e jurídicos, especialmente movimentos autônomos e anticapitalistas de base.

Uma década depois de lançarmos os primeiros textos desse coletivo editorial, aqui estamos mais uma vez para refletir sobre junho de 2013. Naqueles dias ainda enfumaçados, começamos a escrever e difundir uma análise anárquica e insurrecional diretamente das barricadas, compartilhando e trocando experiências e reflexões com outros indivíduos e grupos organizados em movimentos de luta contra a tarifa, ocupações, coletivos editoriais, tentando entender o solo instável em que pisávamos e nos preparar para os anos turbulentos que viriam. Sabíamos muito bem que era preciso lutar com a mesma – ou maior – força contra o capitalismo quando ele é gerido por um partido de esquerda. Pois as políticas e leis repressivas que eles nos fazem aceitar enquanto estão no poder como algo normal do exercício de gestão, servem apenas para serem aplicadas com ainda maior peso e violência quando a direita volta ao poder.

Estivemos nas ruas lutando e registrando nossas experiências, seja nas lutas contra o aumento da tarifa em 2013, contra os megaeventos como a Copa e as Olimpíadas em 2014, saímos em apoio às ocupações de escolas em 2015, que começaram em reação às reformas neoliberais do então governador tucano Geraldo Alckimin e reprimidas pelo jurista linha-dura Alexandre de Moraes. O primeiro, recém-filiado ao Partido Socialista Brasileiro é transformado em vice-presidente na atual gestão petista e o outro, é nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal. proclamado “herói da democracia” e seu maior defensor. Estivemos também nas lutas contra a austeridade aprofundada pela gestão Temer, nas lutas por moradia e pela terra, por demarcações, contra a eleição de Bolsonaro e, novamente contra a esquerda acovardada, quebrando o pacto do “fique em casa” junto às torcidas e coletivos antifas enquanto fascistas organizavam carreatas e motociatas na pandemia mais letal do século.

Não imaginamos o quão turbulento seria aquele período logo depois percebermos que não saberíamos o que fazer com nossa primeira grande vitória em escala nacional naquele junho de 2013. Dez anos se passaram, e aquele mês vitorioso foi ofuscado por uma década de derrotas. Agora, os que venceram querem enterrar e caluniar nossas lutas, nossas histórias – e nossos mortos.

A ideia de que as jornadas de junho foram a “antessala do golpe” ou o que abriu as portas para a vitória de Bolsonaro não se sustenta nos dados da realidade. O ano de 2013 foi o ano com o maior número de greves desde os anos 1980. Mais de 2 mil greves mobilizaram cerca de 2 milhões de trabalhadoras e trabalhadores, segundo o DIEESE. Logo após junho, mais de 30 Câmaras Municipais foram ocupadas, como em Belo Horizonte [veja o aritgo Junho (rastejante) em Belo Horizonte], ainda no desdobramento das lutas contra o aumento da tarifa dos transportes públicos. A esquerda e os movimentos permanceram ativos e presentes nas ruas. O antipetismo, que não começou em 2013, não se traduziu nas urnas e não foi capaz de nem mesmo barrar uma nova vitória de Dilma nas urnas. Reeleita em 2014, a petista enfrentou os primeiros grandes atos contestando o resultado das urnas eletrônicas organizados pelo opositor Aécio Neves, do PSDB. Ainda assim, foi por vontade própria que Dilma escolheu abandonar a irreal promessa de dar uma “guinada à esquerda” e aplicar políticas de austeridade e cortes sociais mais alinhadas com a do candidato derrotado da direita.

Quem trouxe as serpentes para dentro de casa foram os próprios governos petistas. Além da vice-presidência ser sempre de um membro do PMDB (José de Alencar e Michel Temer), o PT nomeou quadros do PMDB, do PP e políticos fisiológicos centrão para sua base governista e para altos cargos em estatais como a Petrobras. Quando os protestos massivos abalam o sistema e a opinião pública, a direita vem sequestrar pautas e emplacar o chavão de que a “revolta é contra a corrupção”, Dilma topa comprar essa pauta como estratégia de marketing para se blindar perante a opinião pública. Porém, esquece que governantes que não blindam enquanto classe, corporativista e corrupta por definição, são traidores para aqueles que sabem jogar o jogo. Dilma acreditou que poderia se beneficiar dos resultados da operação Lava Jato como se fosse possível alegar que todos são corruptos, menos o seu governo. Quando o lavajatismo avança e empresários e políticos são presos, diretores são demitidos das Estatais, sem a proteção costumeira, essa mesma classe política decide inverter a chave, e se aliam pra dizer que “todos são limpos, menos o PT” e quebrar o pacto até então bem-sucedido.Mas como PT e autocrítica são palavras rivais, é muito mais fácil criticar quem luta para mudar a realidade de fora do sistema político, do que fazer a crítica de suas próprias práticas, ou as dos grupos reacionários – as verdadeiras serpentes – com os quais se aliaram e pelos quais foram mordidos. O movimentos sociais que se recusam a ser governados, esses sim devem ser esmagados, presos, expurgados e apagados dos livros.

Se direita se reorganizou após os levantes de 2013, cooptando e emulando formas autônomas de organização, estéticas e linguagens, não vemos aí nenhuma novidade, do ponto de vista histórico, uma vez que tanto a Primavera dos Povos de 1848, a Comuna de Paris em 1871, a tentativa de Revolução Alemã em 1919, ou mesmo as lutas campesinas nos anos 1960 no Brasil foram seguidas de reações e golpes da classe dominante e conservadora. O fascismo se alimenta da energia de revoluções fracassadas, mas nem por isso o antídoto seria não lutar – pelo contrário, seria lutar mais e melhor! Cabe a nós, radicais, nos reagruparmos para contra-atacar.

Mesmo acumulando tração e conquistando vitórias na última década, a extrema direita brasileira se mostra tão incompetente quanto a estadunidense em governar, e sua “anti-gestão” ainda parece incapaz de entregar a estabilidade que o Capital tanto precisa. Lula retorna prometendo reverter o estrago feito pelo bolsonarismo e entregar a pacificação tão necessária para os negócios. Em menos de seis meses, a nova gestão teve que se aliar e ceder espaços aos mesmos parlamentares de aluguel do centrão e da base bolsonarista. As derrotas no Parlamento para aplicar o Marco Temporal, e que tiram poder do recém-criado Ministério dos Povos Indígenas já indicam que a classe política não vai ajudar Lula a cumprir suas promessas de inclusão feitas às minorias representadas pelos indivíduos que subiram com ele a rampa do palácio no ritual de posse. Ou seja, a nova frente ampla petista já demonstra mais uma vez a antiga tese de que qualquer aliança da esquerda com a direita tente sempre para o conservadorismo.

O primeiro dia de governo é celebrado com um pretensioso “Festival do Futuro”, ironicamente organizado para celebrar uma esquerda que só é capaz de prometer um passado, como um filme de ação em que o protagonista tenta reinterpretar, já na terceira idade, seu sucesso da juventude – sem dublês! O fracasso em amenizar os efeitos da vida no capitalismo agonizante é inveitavel para qualquer governo e apenas uma questão de tempo para Lula – e fascistas estarão mais preparados e armados que da última vez.

Portanto, não há como celebrar como vitória o retorno do partido que nos enfiou goela abaixo aumento vertiginoso do encarceramento, os megaeventos e seus desalojos, Belo Monte e a destruição do meio ambiente e dos povos originários, que enviou as tropas da Força de Segurança Nacional atirar e nos prender, que sancionou uma Lei Antiterrorismo contra os movimentos sociais, e agora nos faz engolir uma aliança com Alckmin, Lira e os demais. Uma vitória por menos de 2% nas urnas é muito mais uma sorte, uma frágil condição favorável, do que uma tranquilidade. O bolsonarismo colocou em movimento paixões fascistas capazes de mobilizar o ódio e a reação nas ruas, nas escolas, nas estradas, no campo, nas instituições e em todo espaço de convívio. E somente o enfrentamento feito por fora da via institucional poderá fazer frente e barrar esse avanço.

Será preciso lutar como em 2013 de novo e de novo, quantas vezes for necessário. Não ajustaremos o nosso tom. Agora, quando o pacto de classes petista se refaz de maneira ainda mais reacionário do que da primeira vez, como uma pausa para respirar enquanto a burguesia, os militares, as milícias e as tradicionais castas políticas não retomam o controle total da máquina, e o maior partido de esquerda do país quer usar o fantasma fascismo para chantagear movimentos sociais e o protesto de rua, reafirmamos nossa postura sem acordo e sem recuo na guerra contra gestores da vida e da morte, sejam da esquerda ou da direita.

Elejam quem quiser. Somos ingovernáveis!

Facção Fictícia,
Outono de 2023.


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