Lançamento: Revista Tormenta – 2020

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Neste ano, transformamos nossa modesta retrospectiva anual em uma publicação reunindo os principais conteúdos que publicamos em nosso blog em 2020.

A Revista Tormenta estará disponível para download em PDF livremente e vendida a preços módicos nos melhores infoshops e distribuidoras subversivas ao sul do equador.

Neste ano conturbado colaboramos, também, com algumas publicações para pensar e agir em nosso mundo. Dentre eles, o livro “Antifa: Modo de Usar”, que conta com artigos, entrevistas e traduções que fizemos e publicamos no site e estão inclusos nessa edição de lançamento.

Conteúdo:
  • 2020: um Ano que dispensa apresentação
  • A Revolta é a Vida, a Resignação é a Morte
  • Pandemia e Agronegócio: Entrevista com Rob Wallace
  • ANTIFA: Contra o Que e ao Lado de Quem Lutar – Entrevista com Mark Bray
  • 6 Críticas à Criminalização e ao Mito do “Manifestante Infiltrado”
  • O Fogo que Arde Desde a Cordilheira
  • Cartas de Presos Anarquistas em Solidariedade a Mónica Caballero e Francisco Solar
  • Lula só Fez Autocrítica Onde Estava Certo
  • ROJAVA: Entrevista com Tekoşîna Anarşîst
  • Brasil: Epicentro do Vírus do Populismo?
  • Leituras e Indicações

Abaixo, a apresentação da Revista Tormenta.

2020: um Ano que dispensa apresentação

Escrevemos estas linhas e organizamos esta compilação com alguns dos principais artigos que lançamos em 2020 enquanto janelas e gôndolas destruídas ainda são trocadas em várias unidades do Carrefour pelo Brasil. A revolta que emergiu por conta do assassinato racista de João Alberto em Porto Alegre na véspera do dia da Consciência Negra mostrou que existe uma insurreição latente de forças dispostas a contra-atacar os ricos e suas polícias racistas. Num episódio de retaliação e resposta imediata que nos obriga a lembrar da rebelião após morte de George Floyd nos EUA, corpos revoltados, sobretudo de pessoas pretas e periféricas, demonstraram que é possível se rebelar mesmo na época mais pacificadora das lutas: as eleições.

Entre o primeiro e o segundo turno da eleição para prefeitos, as cidades com os protestos mais combativos foram justamente as que enfrentam “dilemas” maiores nas urnas: Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro. As disputas eleitorais entre partidos de direita e de esquerda institucional – ou entre direita e mais direita no caso do Rio – não dão conta de responder a desejos tão profundos como ver lojas de uma empresa multimilionária em chamas, saqueadas com seus produtos e riquezas distribuídas livremente. O mais próximo que chegam é da discussão de políticas menos racistas dentro do capitalismo (que por essência, é racista, colonizador e promotor de extermínios). Costumamos repetir um enunciado bastante explícito: “ninguém é radical em ano par”. Revoltas, como as de 2013, podem ser rapidamente canalizadas e transformadas em capital político para quem quer “levar as demandas das ruas” para dentro dos palácios em ano de eleição, como em 2014. Se em 2018 foi a direita que deu ao seu mais escandaloso representante o cargo de presidente, é porque souberam canalizar desejos e as ferramentas que os produzem e controlam nas ruas e no mundo virtual. Dilma Roussef, a presidente que não sabia o que era meme enquanto era transformada em um, foi derrubada e perdeu lugar, por fim, para um presidente que faz seus próprios memes e atualiza as formas de governo com base no ressentimento e no orgulho ferido da figura do macho branco, adulto e heterossexual, que se sente ameaçado com a proliferação de práticas e corpos que escapem ao modelo de sua própria identidade dominante. Nesse caso, Narciso não apenas acha feio o que não é espelho. Ele manda matar. Seja pela miséria, seja pela torturas dentro e fora das cadeias, seja pela arma de um policial ou espancado até a morte no estacionamento de um supermercado.

Dentro deste cenário apocalíptico por si só, vimos chegar uma pandemia global inédita na modernidade. Governos viram nisso uma oportunidade de avançar medidas de isolamento e pacificação. Democratas esclarecidos, “progressistas” de toda a ordem, lançam mão dos aparatos jurídicos, policiais e militares para fortalecer os controles sobre as condutas, produzindo pilhas de corpos e um sufocamento ainda maior contra aqueles que se mantém vivos. E engana-se quem pensa que isso é a exceção, que é um desvio. O nome disso é justamente Estado Democrático de Direitos. Em simultâneo, bufões autoritários como Bolsonaro e o derrotado Trump se contentam em ver os efeitos da pandemia assumindo um contorno eugenista e genocida. Enquanto isso, aplaudem e estimulam o agronegócio e a expansão desenvolvimentista e colonial que incendeia a Amazônia e o Pantanal, nos alertando que é dessa destruição dos biomas que virão as próximas pandemias.

Em momentos de crises sobrepostas é que vemos quem são os inimigos da ordem, que são seus defensores e quem são seus falsos críticos – os quais vão se apropriar da rebelião para implementar reparos aos sistema e perpetuá-lo. Em meio a todas essas forma de pacificação, eleitoral e biológica, nos vimos em diversos dilemas que nos faziam pensar sobre quando é “a hora certa” de ir para as ruas e partir para ação, seja de solidariedade com os nossos ou em ataque contra os chefes do sistema que produz pandemias e ecocídios. Mas tanto a solidariedade quanto a revolta tomaram corpo entre os grupos explorados e excluídos com enorme potência. Alguns exemplos foram inspiradores como o do povo do território conhecido atualmente como Chile, que não deixou o vírus interromper de vez um ano de rebelião contra o neoliberalismo; e os movimentos negros e anticapitalistas dos EUA incendiando delegacias e prédios no país inteiro, organizando comunas e zonas livre de polícia quando autoridades mandavam todos “ficarem em casa”. Por aqui, antifascistas, motoboys, mulheres, indígenas e o povo preto periférico mostrou que também há disposição em nosso território para nos encontrar e revidar.

Carregamos a memória das 180 mil mortes pela Covid19, subnotificadas e concentradas na população negra e pobre. Assim como as 3.148 pessoas mortas pela polícia no Brasil apenas no primeiro semestre. Sabemos que a letalidade desse projeto genocida contabilizará ainda mais vítimas até o fim de dezembro. Uma segunda onda do vírus está a caminho e não existe uma vacina para um projeto de Estado e sua normalidade. Apenas a rebelião e a autodeterminação dos de baixo. É preciso acabar com a normalidade!

Internacional Fictícia,
26 de Novembro de 2020.