Guerra e Anarquistas: Perspectivas Antiautoritárias na Ucrânia

Enquanto os povos de todo o planeta ainda buscam alívio da pior pandemia do século, a Rússia de Vladimir Putin decidiu invadir a Ucrânia, levando a sombra da guerra de volta para o território europeu e reanimando os pesadelos da ameaça nuclear para todo o globo. No meio desses embate entre gigantes da geopolítica e da história mundial é fácil perder ou esquecer das vozes que quem está no solo desse campo de batalha e vêm tendo suas vidas, famílias e esperanças despedaçadas.

Justamente para impedir esse silenciamento, o coletivo CrimethInc. acionou contatos, reunindo depoimentos de militantes anarquistas e antifascistas em território russo e ucraniano, relatando suas resistências e o que é possível fazer para não serem meras vítimas ou espectadores da história. Essas pessoas decidiram tomar partido e se organizar coletivamente de acordo com seus princípios antiautoritários e de luta por um mundo livre da opressão capitalistas e estatal.

A invasão russa coloca questões espinhosas para anarquistas em todo o mundo. Como nos opomos à agressão militar russa sem simplesmente entrar na agenda dos Estados Unidos e de outros governos? Como continuamos a nos opor aos capitalistas e fascistas ucranianos sem ajudar o governo russo a elaborar uma narrativa para justificar a intervenção direta ou indireta? Como priorizamos tanto a vida quanto a liberdade das pessoas comuns na Ucrânia e nos países vizinhos?

E se a guerra não for o único perigo aqui? Como evitamos reduzir nossos movimentos a subsidiárias de forças estatistas sem nos tornarmos irrelevantes em um momento de conflito crescente? Como continuar a nos organizar contra todas as formas de opressão mesmo em meio à guerra, sem adotar a mesma lógica dos militares de Estado?

Se anarquistas vão trabalhar ao lado de grupos estatistas – como já ocorreu em Rojava e em outros lugares – isso torna ainda mais importante articular uma crítica ao poder estatal e desenvolver uma estrutura diferenciada para avaliar os resultados de tais experimentos.

Ukraine: Between Two Fires – Crimethinc.

O fato é: existem grupos antiautoritários, anarquistas e antifascistas em solo ucraniano resistindo como povo ao massacre da Rússia. Precisamos ouvir diretamente suas vozes e apoiar – e não ceder à meros delírios conspiracionistas se passando como rigorosas analises geopolíticas.


Este texto foi composto em conjunto por ativistas antiautoritários ativos da Ucrânia. Não representamos uma organização, mas nos reunimos para escrever este texto e nos preparar para uma possível guerra.

Além de nós, o texto foi editado por mais de dez pessoas, incluindo participantes dos eventos descritos no texto, jornalistas que verificaram a veracidade de nossas afirmações e anarquistas da Rússia, Bielorrússia e Europa. Recebemos muitas correções e esclarecimentos para escrever o texto mais objetivo possível. Se a guerra estourar, não sabemos se o movimento antiautoritário sobreviverá, mas tentaremos fazê-lo. Entretanto, este texto é uma tentativa de deixar a experiência que acumulámos online.

No momento, o mundo está discutindo a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Precisamos esclarecer que a guerra entre a Rússia e a Ucrânia vem acontecendo desde 2014.

Mas vamos começar do começo.

Os Protestos da Praça Maidan, em Kiev

Em 2013, protestos em massa começaram na Ucrânia, desencadeados pelos espancamentos da Berkut (forças especiais da polícia) contra manifestantes estudantis que estavam insatisfeitos com a recusa do então presidente Viktor Yanukovych em assinar o acordo de associação com a União Europeia. Esse espancamento funcionou como um chamado à ação para muitos segmentos da sociedade. Ficou claro para todos que Yanukovych havia cruzado a linha. Os protestos acabaram levando o presidente a fugir.

Na Ucrânia, esses eventos são chamados de “A Revolução da Dignidade”. O governo russo o apresenta como um golpe nazista, um projeto do Departamento de Estado dos EUA e assim por diante. Os próprios manifestantes eram uma multidão heterogênea: ativistas de extrema-direita com seus símbolos, líderes liberais falando sobre valores europeus e integração europeia, ucranianos comuns que saíram contra o governo e alguns esquerdistas. Sentimentos antioligárquicos dominaram entre os manifestantes, enquanto oligarcas que não gostavam de Yanukovych financiaram o protesto porque ele, junto com seu círculo íntimo, tentou monopolizar grandes negócios durante seu mandato. Ou seja, para outros oligarcas, o protesto representou uma chance de salvar seus negócios. Além disso, muitos representantes de empresas de médio e pequeno porte participaram do protesto porque o pessoal de Yanukovych não permitiu que eles trabalhassem livremente, exigindo dinheiro deles. As pessoas comuns estavam insatisfeitas com o alto nível de corrupção e condutas arbitrárias da polícia. Os nacionalistas que se opuseram a Yanukovych alegando que ele era um político pró-Rússia se reafirmaram significativamente. Expatriados bielorrussos e russos juntaram-se aos protestos, percebendo Yanukovych como amigo dos ditadores Alexander Lukashenko, na Bielorrússia, e Vladimir Putin, na Rússia.

Se você viu vídeos dos atos na Praça Maidan, deve ter notado que o alto grau de violência: manifestantes não tinham para onde voltar, então tiveram que lutar até o fim. Os policiais da Berkut rolaram as granadas de efeito moral com porcas que produziam feridas com estilhaços após a explosão, atingindo pessoas nos olhos; é por isso que havia tantas pessoas feridas. Nos estágios finais do conflito, as forças de segurança usaram armas militares letais – matando 106 manifestantes.

Em resposta, manifestantes produziram granadas e explosivos DIY e trouxeram armas de fogo para Maidan. A fabricação de coquetéis molotov lembrava linhas de produção.

Nos protestos de Maidan em 2014, as autoridades usaram mercenários (titushkas), lhes deram armas, coordenaram-nos e tentaram usá-los como uma força leal organizada. Houve brigas com eles envolvendo paus, martelos e facas.

Ao contrário da opinião de que as lunas na Praça Maidan foram uma “manipulação da UE e da OTAN”, os partidários da integração europeia pediram um protesto pacífico, ridicularizando os manifestantes combativos como fantoches. A União Europeia e os Estados Unidos criticaram as ocupações de edifícios governamentais. É claro que forças e organizações “pró-ocidentais” participaram do protesto, mas não controlaram todo o protesto. Várias forças políticas, incluindo a extrema direita, interferiram ativamente no movimento e tentaram impor sua agenda. Rapidamente se alinharam e se tornaram uma força organizadora, graças ao fato de terem criado os primeiros destacamentos de combate e convidado todos a se juntarem a eles, treinando-os e dirigindo-os.

No entanto, nenhuma das forças era absolutamente dominante. A principal tendência era que fosse uma mobilização de protesto espontânea dirigida contra o regime corrupto e impopular de Yanukovych. Talvez o Maidan possa ser classificado como uma das muitas “revoluções roubadas”. Os sacrifícios e esforços de dezenas de milhares de pessoas comuns foram usurpados por um punhado de políticos que chegaram ao poder e ao controle da economia.

O Papel dos Grupos Anarquistas nos Protestos de 2014

Apesar do fato de que os movimentos anarquistas na Ucrânia têm uma longa história, durante o reinado de Stalin, todos que estavam ligados a anarquistas de alguma forma foram reprimidos e o movimento morreu e, consequentemente, a transferência de experiência revolucionária foi interrompida. O movimento começou a se recuperar na década de 1980 graças aos esforços dos historiadores, e na década de 2000 recebeu um grande impulso devido ao desenvolvimento de subculturas e do antifascismo. Mas em 2014, ainda não estava pronto para sérios desafios históricos.

Antes do início dos protestos, anarquistas eram ativistas individuais ou dispersos em pequenos grupos. Poucos argumentaram que o movimento deveria ser organizado e revolucionário. Das organizações conhecidas que estavam se preparando para tais eventos, havia a Confederação Revolucionária de Anarco-Sindicalistas Makhno (RCAS Makhno), mas no início dos tumultos, ela se dissolveu, pois os participantes não conseguiram desenvolver uma estratégia para o nova situação.

Os eventos na Praça Maidan foram como uma situação em que as forças especiais invadem sua casa e você precisa tomar medidas decisivas, mas seu arsenal consiste apenas em letras punk, veganismo, livros de 100 anos e, na melhor das hipóteses, a experiência de participar do antifascismo de rua e dos conflitos sociais locais. Consequentemente, houve muita confusão, enquanto as pessoas tentavam entender o que estava acontecendo.

Na época, não foi possível formar uma visão unificada da situação. A presença da extrema-direita nas ruas desencorajou muitos anarquistas a apoiar os protestos, pois não queriam ficar ao lado dos nazistas do mesmo lado das barricadas. Isso trouxe muita controvérsia ao movimento; algumas pessoas acusaram aqueles que decidiram se juntar aos protestos fascistas.

Anarquistas que participaram dos protestos estavam insatisfeitos com a brutalidade da polícia e com o próprio Yanukovych e sua posição pró-Rússia. No entanto, eles não poderiam ter um impacto significativo nos protestos, pois estavam essencialmente na categoria de forasteiros.

No final, anarquistas participaram da revolução Maidan individualmente e em pequenos grupos, principalmente em iniciativas voluntárias/não combativas. Depois de um tempo, eles decidiram cooperar e fazer suas próprias “centena” (um grupo de combate de 60 a 100 pessoas). Mas durante o registro do destacamento (um procedimento obrigatório na Maidan), anarquistas em menor número foram dispersos pelos participantes de extrema-direita com armas. Anarquistas permaneceram, mas não tentaram mais criar grandes grupos organizados.

Entre os mortos no Maidan estava o anarquista Sergei Kemsky que, ironicamente, foi classificado como herói post-mortem da Ucrânia. Ele foi baleado por um franco-atirador durante a fase intensa do confronto com as forças de segurança. Durante os protestos, Sergei fez um apelo aos manifestantes intitulado “Você ouve, Maidan?” em que delineou possíveis caminhos para desenvolver a revolução, enfatizando os aspectos da democracia direta e da transformação social. O texto está disponível em inglês aqui.

Reunião de um esquadrão anarquista.

O Início da Guerra: a Anexação da Crimeia

O conflito armado com a Rússia começou há oito anos, na noite de 26 para 27 de fevereiro de 2014, quando o prédio do Parlamento da Crimeia e o Conselho de Ministros foram tomados por homens armados desconhecidos. Eles usavam armas, uniformes e equipamentos russos, mas não tinham os símbolos do exército russo. Putin não reconheceu o fato da participação dos militares russos nesta operação, embora mais tarde o tenha admitido pessoalmente no documentário de propaganda “Criméia: o caminho para a pátria”.

Homens armados em uniformes sem insígnias bloqueando uma unidade militar ucraniana na Crimeia em 9 de março de 2014.

Aqui, é preciso entender que na época de Yanukovych, o exército ucraniano estava em condições muito ruins. Sabendo que havia um exército russo regular de 220.000 soldados operando na Crimeia, o governo provisório da Ucrânia não se atreveu a enfrentá-lo.

Após a ocupação, muitos moradores enfrentaram uma repressão que continua até hoje. Nossos camaradas também estão entre os alvos da repressão. Podemos rever brevemente alguns dos casos mais importantes. O anarquista Alexander Kolchenko foi preso junto com o ativista pró-democrático Oleg Sentsov e transferido para a Rússia em 16 de maio de 2014; cinco anos depois, eles foram libertados como resultado de uma troca de prisioneiros. O anarquista Alexei Shestakovich foi torturado, sufocado com um saco plástico na cabeça, espancado e ameaçado de represálias; ele conseguiu escapar. O anarquista Evgeny Karakashev foi preso em 2018 por uma repostagem no Vkontakte (uma rede social); ele continua preso.

Anarquista Alexander Kolchenko após troca de prisioneiros.

Desinformação

Comícios pró-Rússia foram realizados em cidades de língua russa perto da fronteira. Os participantes temiam a OTAN, os nacionalistas radicais e a repressão contra a população de língua russa. Após o colapso da URSS, muitas famílias na Ucrânia, Rússia e Bielorrússia tinham laços familiares, mas os eventos em Maidan causaram uma séria divisão nas relações pessoais. Aqueles que estavam fora de Kiev e assistiam à TV russa estavam convencidos de que Kiev havia sido capturada por uma junta nazista e que havia expurgos da população de língua russa por lá.

A Rússia lançou uma campanha de propaganda usando as seguintes mensagens: “castigadores”, ou seja, nazistas, estão vindo de Kiev para Donetsk, eles querem destruir a população de língua russa (embora Kiev também seja uma cidade predominantemente de língua russa). Em suas declarações de desinformação, os propagandistas usaram fotos da extrema direita e espalharam todo tipo de fake news. Durante as hostilidades, uma das fraudes mais notórias apareceu: a chamada crucificação de um menino de três anos que teria sido preso a um tanque e arrastado pela estrada. Na Rússia, essa história foi transmitida em canais estatais e viralizou na Internet.

Notícias falsas de um canal russo. Uma mulher conta como viu as execuções e a crucificação de um menino de três anos.

Em 2014, em nossa opinião, a desinformação desempenhou um papel fundamental na geração do conflito armado: alguns moradores de Donetsk e Lugansk estavam com medo de serem mortos, então pegaram em armas e chamaram as tropas de Putin.

Conflito Armado no Leste da Ucrânia

“O gatilho da guerra foi puxado”, em suas próprias palavras, por Igor Girkin, coronel da FSB (a agência de segurança do Estado, sucessora da KGB) da Federação Russa. Girkin, um defensor do imperialismo russo, decidiu radicalizar os protestos pró-Rússia. Ele cruzou a fronteira com um grupo armado de russos e (em 12 de abril de 2014) tomou o prédio do Ministério do Interior em Slavyansk para tomar posse de armas. As forças de segurança pró-russas começaram a se juntar a Girkin. Quando surgiram informações sobre os grupos armados de Girkin, a Ucrânia anunciou uma operação antiterrorista.

Uma parte da sociedade ucraniana determinada a proteger a soberania nacional, percebendo que o exército tinha pouca capacidade, organizou um grande movimento voluntário. Aqueles que eram um pouco competentes em assuntos militares tornaram-se instrutores ou formaram batalhões voluntários. Algumas pessoas se juntaram ao exército regular e aos batalhões de voluntários como voluntários humanitários. Eles arrecadaram fundos para armas, alimentos, munições, combustível, transporte, aluguel de carros civis e afins. Muitas vezes, os participantes dos batalhões voluntários estavam armados e melhor equipados do que os soldados do exército estatal. Esses destacamentos demonstraram um nível significativo de solidariedade e auto-organização e, na verdade, substituíram as funções estatais de defesa territorial, permitindo que o exército (que estava mal equipado na época) resistisse com sucesso ao inimigo.

Os territórios controlados pelas forças pró-russas começaram a encolher rapidamente. Então o exército regular russo interveio.

Podemos destacar três pontos cronológicos principais:

  1. Os militares ucranianos perceberam que armas, voluntários e especialistas militares estavam vindo da Rússia. Portanto, em 12 de julho de 2014, eles iniciaram uma operação na fronteira ucraniana-russa. No entanto, durante a marcha militar, os militares ucranianos foram atacados pela artilharia russa e a operação falhou. As forças armadas sofreram pesadas perdas.
  2. Os militares ucranianos tentaram ocupar Donetsk. Enquanto avançavam, foram cercados por tropas regulares russas perto de Ilovaisk. Pessoas que conhecemos, que faziam parte de um dos batalhões de voluntários, também foram capturadas. Eles viram os militares russos em cara a cara. Após três meses, eles conseguiram retornar como resultado de uma troca de prisioneiros de guerra.
  3. O exército ucraniano controlava a cidade de Debaltseve, que tinha um grande entroncamento ferroviário. Isso interrompeu a estrada direta que liga Donetsk e Lugansk. Na véspera das negociações entre Poroshenka (o presidente da Ucrânia na época) e Putin, que deveriam iniciar um cessar-fogo de longo prazo, as posições ucranianas foram atacadas por unidades com o apoio de tropas russas. O exército ucraniano foi novamente cercado e sofreu grandes perdas.
Combatentes voluntários realizando ações em Ilovaisk em 2014.

Por enquanto (a partir de fevereiro de 2022), as partes concordaram com um cessar-fogo e uma ordem condicional de “paz e silêncio”, que é mantida, embora haja violações consistentes. Várias pessoas morrem todos os meses.

A Rússia nega a presença de tropas russas regulares e o fornecimento de armas para territórios não controlados pelas autoridades ucranianas. Os militares russos que foram capturados afirmam que foram colocados em alerta para um exercício, e só quando chegaram ao seu destino perceberam que estavam no meio da guerra na Ucrânia. Antes de cruzar a fronteira, eles removeram os símbolos do exército russo, como seus colegas fizeram na Crimeia. Na Rússia, os jornalistas encontraram cemitérios de soldados caídos , mas todas as informações sobre suas mortes são desconhecidas: os epitáfios nas lápides indicam apenas as datas de suas mortes com o ano de 2014.

Apoiadores das Repúblicas não Reconhecidas

A base ideológica dos oponentes do Maidan também era diversa. As principais ideias unificadoras eram o descontentamento com a violência contra a polícia e a oposição aos tumultos em Kiev. As pessoas que foram criadas com narrativas culturais russas, filmes e música tinham medo de que língua russa fosse destruída. Apoiadores da URSS e admiradores de sua vitória na Segunda Guerra Mundial acreditavam que a Ucrânia deveria estar alinhada com a Rússia e estavam descontentes com a ascensão de nacionalistas radicais. Os adeptos do Império Russo perceberam os protestos de Maidan como uma ameaça ao território do Império Russo. As ideias desses aliados podem ser explicadas com esta foto mostrando as bandeiras da URSS, do Império Russo e da fita de São Jorge como símbolo da vitória na Segunda Guerra Mundial. Poderíamos retratá-los como conservadores autoritários, defensores da velha ordem.

As bandeiras da URSS, o Império Russo e a fita de São Jorge como símbolo da vitória na Segunda Guerra Mundia.

O lado pró-Rússia consistia de policiais, empresários, políticos e militares que simpatizavam com a Rússia, cidadãos comuns assustados com notícias falsas, vários indivíduos de extrema direita, incluindo patriotas russos e vários tipos de monarquistas, imperialistas pró-Rússia, a Força-Tarefa grupo “Rusich”, o grupo PMC [Companhia Militar Privada] “Wagner”, incluindo o notório neonazista Alexei Milchakov, o recém-falecido Egor Prosvirnin, fundador do projeto de mídia nacionalista russo chauvinista “Sputnik e Pogrom”, e muitos outros . Havia também esquerdistas autoritários, que celebravam a URSS e sua vitória na Segunda Guerra Mundial.

A Ascensão da Extrema Direita na Ucrânia

Como descrevemos, a ala direita conseguiu ganhar simpatia durante o Maidan organizando unidades de combate e estando pronta para enfrentar fisicamente o Berkut. A presença de armas militares permitiu-lhes manter sua independência e forçar outros a contar com eles. Apesar de usarem símbolos abertamente fascistas, como suásticas, ganchos de lobo [wolf hooks], cruzes celtas e logotipos da SS, era difícil desconsiderá-los, pois a necessidade de combater as forças do governo Yanukovych fez com que muitos ucranianos clamava pela cooperação com eles.

Após os protestos em Maidan, a direita reprimiu ativamente os comícios das forças pró-russas. No início das operações militares, eles começaram a formar batalhões de voluntários. Um dos mais famosos é o batalhão “Azov”. No início, era composto por 70 combatentes; agora é um regimento de 800 pessoas com seus próprios veículos blindados, artilharia, companhia de tanques e um projeto separado de acordo com os padrões da OTAN, a escola de sargentos. O batalhão Azov é uma das unidades mais eficazes em combate do exército ucraniano. Havia também outras formações militares fascistas, como a Unidade Voluntária Ucraniana “Setor Direito” [Pravyi Sektor] e a Organização dos Nacionalistas Ucranianos, mas elas são menos conhecidas.

Como consequência, a direita ucraniana acumulou uma má reputação na mídia russa. Mas muitos na Ucrânia consideraram aquilo que era odiado na Rússia como um símbolo de luta na Ucrânia. Por exemplo, o nome do nacionalista Stepan Bandera, considerado um colaborador nazista na Rússia, foi usado ativamente pelos manifestantes como forma de zombaria. Alguns se autodenominavam Judaico-Banderanos para trollar os defensores das teorias de conspiração judaicas/maçônicas.

Com o tempo, a trollagem saiu do controle. Os direitistas usavam abertamente símbolos nazistas; partidários comuns do Maidan afirmavam que eles próprios eram banderianos que comiam bebês russos e faziam memes nesse sentido. A extrema direita chegou ao mainstream: eles foram convidados a participar de programas de televisão e outras plataformas de mídia corporativa, nos quais foram apresentados como patriotas e nacionalistas. Os partidários liberais do Maidan ficaram do lado deles, acreditando que os nazistas eram uma farsa inventada pela mídia russa. De 2014 a 2016, qualquer um que estivesse pronto para lutar foi abraçado, seja um nazista, um anarquista, um chefão de um sindicato do crime organizado ou um político que não cumpriu nenhuma de suas promessas.

Combatentes de extrema direita com uma suástica e uma bandeira da OTAN. O batalhão Azov tem uma atitude negativa em relação à OTAN; atualmente, os EUA não fornecem armas para Azov.

A ascensão da extrema-direita se deve ao fato de que ela se organizou melhor em situações críticas e foi capaz de sugerir métodos eficazes de combate a outros rebeldes. Os anarquistas forneceram algo semelhante na Bielorrússia, onde também conseguiram ganhar a simpatia do público, mas não em uma escala tão significativa quanto a extrema direita na Ucrânia.

Em 2017, depois que o cessar-fogo começou e a necessidade de combatentes radicais diminuiu, o SBU (Serviço de Segurança da Ucrânia) e o governo do estado cooptaram o movimento de direita, prendendo ou neutralizando qualquer pessoa que tivesse uma perspectiva “anti-sistema” ou independente sobre como desenvolver o movimento de direita – incluindo Oleksandr Muzychko, Oleg Muzhchil, Yaroslav Babich e outros.

Hoje, ainda é um grande movimento, mas sua popularidade está em um nível comparativamente baixo e seus líderes são afiliados ao serviço de segurança, polícia e políticos; eles não representam uma força política realmente independente. As discussões sobre o problema da extrema-direita estão se tornando mais frequentes dentro do campo democrático, onde as pessoas estão desenvolvendo uma compreensão dos símbolos e organizações com as quais estão lidando, em vez de descartar silenciosamente essas preocupações.

Atividade de Anarquistas e Antifascistas Durante a Guerra

Com a eclosão das operações militares, surgiu uma divisão entre aqueles que são pró-ucranianos e aqueles que apoiam a chamada DNR/LNR (“República Popular de Donetsk” e “República Popular de Luhansk”).

Houve um sentimento generalizado de “diga não à guerra” dentro da cena punk durante os primeiros meses da guerra, mas não durou muito. Vamos analisar os campos pró-ucranianos e pró-russos.

Pró-Ucrainianos

Devido à falta de uma organização massiva, os primeiros voluntários anarquistas e antifascistas foram para a guerra individualmente como combatentes individuais, médicos militares e voluntários. Eles tentaram formar seu próprio time, mas por falta de conhecimento e recursos, esta tentativa não teve sucesso. Alguns até se juntaram ao batalhão Azov e à OUN (Organização dos Nacionalistas Ucranianos). As razões eram mundanas: eles se juntaram às tropas mais acessíveis. Consequentemente, algumas pessoas se converteram à política de direita.

Batalhão anarquista na Ucrânia [legendas em espanhol]

As pessoas que não participaram das batalhas arrecadaram fundos para a reabilitação de feridos no leste e para a construção de um abrigo antiaéreo em um jardim de infância localizado perto da linha de frente. Havia também uma ocupação chamada “Autonomy” em Kharkiv, um centro social e cultural anarquista aberto; naquela época, eles se concentravam em ajudar os refugiados. Eles forneceram moradia e uma feira grátis permanente, consultando os recém-chegados e direcionando-os para recursos e realizando atividades educacionais. Além disso, o centro tornou-se um local de discussões teóricas. Infelizmente, em 2018, o projeto deixou de existir.

Todas essas ações foram iniciativas individuais de pessoas e grupos particulares. Eles não aconteceram no âmbito de uma única estratégia.

Um dos fenômenos mais significativos desse período foi uma antiga grande organização nacionalista radical, “Autonomnyi Opir” (Resistência Autônoma). Eles começaram a se inclinar para a esquerda em 2012; em 2014, eles haviam se deslocado tanto para a esquerda que membros individualmente se autodenominavam “anarquistas”. Eles enquadraram seu nacionalismo como uma luta pela “liberdade” e um contrapoto ao nacionalismo russo, usando o movimento zapatista e os curdos como modelos. Comparados com os outros projetos da sociedade ucraniana, eles eram vistos como os aliados mais próximos, então alguns anarquistas cooperavam com eles, enquanto outros criticavam essa cooperação e a própria organização. Os membros da AO também participaram ativamente de batalhões de voluntários e tentaram desenvolver a ideia de “anti-imperialismo” entre os militares. Também defenderam o direito das mulheres de participar da guerra; membros femininos da AO participaram das operações de combate. AO auxiliou centros de treinamento preparando combatentes e médicos, ofereceu-se para o exército e organizou o centro social “Citadel” em Lviv, onde os refugiados foram acomodados.

Moscou, 2014: Anarquistas marchando contra a agressão russa.

Pró-Russos

O imperialismo russo moderno baseia-se na percepção de que a Rússia é a sucessora da URSS – não em seu sistema político, mas em termos territoriais. O regime de Putin vê a vitória soviética na Segunda Guerra Mundial não como uma vitória ideológica sobre o nazismo, mas como uma vitória sobre a Europa que mostra a força da Rússia. Na Rússia e nos países que controla, a população tem menos acesso à informação, então a máquina de propaganda de Putin não se preocupa em criar um conceito político complexo. A narrativa é essencialmente a seguinte: os EUA e a Europa tinham medo da URSS forte, a Rússia é a sucessora da URSS e todo o território da ex-URSS é russo, os tanques russos entraram em Berlim, o que significa que “Podemos fazer de novo” e mostraremos à OTAN quem é o mais forte aqui, a razão pela qual a Europa está “apodrecendo” é porque todos os gays e emigrantes estão fora de controle lá.

Adesivos muito populares na Rússia em 2014 e 2015. A inscrição diz “Podemos fazer isso de novo”.

A base ideológica que mantinha uma posição pró-russa entre a esquerda foi o legado da URSS e sua vitória na Segunda Guerra Mundial. Como a Rússia alega que o governo de Kiev foi tomado pelos nazistas e pela junta, os oponentes da Maidan se descreveram como combatentes contra o fascismo e a junta de Kiev. Essa marca induziu simpatia entre a esquerda autoritária – por exemplo, na Ucrânia, incluindo a organização “Borotba”. Durante os eventos mais significativos de 2014, eles primeiro assumiram uma posição legalista e depois uma posição pró-Rússia. Em Odessa, em 2 de maio de 2014, vários de seus ativistas foram mortos durante confrontos de rua. Algumas pessoas deste grupo também participaram dos combates nas regiões de Donetsk e Lugansk, e algumas delas morreram lá.

“Borotba” descreveu sua motivação como o desejo de lutar contra o fascismo. Eles chamaram a esquerda europeia a se solidarizar com a “República Popular de Donetsk” e a “República Popular de Luhansk”. Depois que o e-mail de Vladislav Surkov (estrategista político de Putin) foi hackeado, foi revelado que os membros de Borotba haviam recebido financiamento e eram supervisionados pelo povo de Surkov.

Os comunistas autoritários da Rússia abraçaram as repúblicas separatistas por razões semelhantes.

A presença de apoiadores de extrema direita no Maidan também motivou antifascistas apolíticos a apoiar o “DNR” e o “LNR”. Novamente, alguns deles participaram dos combates nas regiões de Donetsk e Lugansk, e alguns deles morreram lá.

Entre os antifascistas ucranianos, havia antifascistas “apolíticos”, pessoas subculturalmente afiliadas que tinham uma atitude negativa em relação ao fascismo “porque nossos avós lutaram contra ele”. Sua compreensão do fascismo era abstrata: eles próprios eram muitas vezes politicamente incoerentes, sexistas, homofóbicos, patriotas da Rússia e afins.

A ideia de apoiar as chamadas repúblicas ganhou amplo apoio da esquerda na Europa. Os mais notáveis ​​entre seus apoiadores foram a banda de rock italiana “Banda Bassotti” e o partido alemão Die Linke. Além de arrecadar fundos, a Banda Bassotti fez uma turnê para “Novorossia”. Estando no Parlamento Europeu, Die Linke apoiou a narrativa pró-Rússia de todas as formas possíveis e organizou videoconferências com militantes pró-Rússia, indo para a Crimeia e as repúblicas não reconhecidas. Os membros mais jovens do Die Linke, assim como a Fundação Rosa Luxembourg (a fundação do partido Die Linke), sustentam que essa posição não é compartilhada por todos os participantes, mas é transmitida pelos membros mais proeminentes do partido, como Sahra Wagenknecht e Sevim Dağdelen.

Banda Bassotti em Donetsk, 2014.

A posição pró-russa não ganhou popularidade entre anarquistas. Entre as declarações individuais, a mais visível foi a posição de Jeff Monson, lutador de MMA dos Estados Unidos que possui tatuagens com símbolos anarquistas. Anteriormente, ele se considerava um anarquista, mas na Rússia trabalha abertamente para o partido governante Rússia Unida e é deputado na Duma.

Para resumir o campo da “esquerda” pró-Rússia, vemos o trabalho dos serviços especiais russos e as consequências da incapacidade ideológica. Após a ocupação da Crimeia, funcionários do FSB russo conversaram com antifascistas e anarquistas locais, oferecendo-lhes permissão para continuar suas atividades, mas sugerindo que eles deveriam incluir a ideia de que a Crimeia deveria ser parte da Rússia em sua agitação. Na Ucrânia, existem pequenos grupos informativos e ativistas que se posicionam como antifascistas enquanto expressam uma posição essencialmente pró-russa; muitas pessoas suspeitam que eles trabalham para a Rússia. Sua influência é mínima na Ucrânia, mas seus membros servem aos propagandistas russos como “denunciantes”.

Há também ofertas de “cooperação” da embaixada russa e de membros pró-russos do Parlamento como Ilya Kiva. Eles tentam jogar com a atitude negativa em relação aos nazistas como o batalhão Azov e oferecem pagar às pessoas para mudar sua posição. No momento, apenas Rita Bondar admitiu abertamente receber dinheiro dessa maneira. Ela costumava escrever para meios de comunicação de esquerda e anarquistas, mas devido à necessidade de dinheiro, ela escreveu sob um pseudônimo para plataformas de mídia afiliadas ao propagandista russo Dmitry Kiselev.

Na própria Rússia, estamos testemunhando a eliminação do movimento anarquista e a ascensão de comunistas autoritários que estão expulsando anarquistas da subcultura antifascista. Um dos momentos recentes mais indicativos é a organização de um torneio antifascista em 2021 em memória do “soldado soviético.”

A Situação Atual dos Anarquistas na Ucrânia e Novos Desafios

A posição de forasteiro durante os protestos em Maidan e a guerra teve um efeito desmoralizante no movimento. O alcance anarquista foi prejudicado quando a propaganda russa monopolizou a palavra “antifascismo”. Devido à presença dos símbolos da URSS entre os militantes pró-russos, a atitude em relação à palavra “comunismo” foi extremamente negativa, de modo que até a combinação “anarco-comunismo” foi vista negativamente. As declarações contra a ultradireita pró-ucraniana lançam uma sombra de dúvida sobre anarquistas aos olhos das pessoas comuns. Havia um acordo tácito de que a ultradireita não atacaria anarquistas e antifascistas se eles não exibissem seus símbolos em comícios e afins. A direita tinha muitas armas nas mãos. Essa situação gerou um sentimento de frustração; a polícia não funcionava bem, então qualquer um poderia ser facilmente morto sem consequências. Por exemplo, em 2015, o ativista pró-russo Oles Buzina foi morto. Tudo isso encorajou os anarquistas a abordar o assunto com mais seriedade.

Uma rede underground radical começou a se desenvolver a partir de 2016; notícias sobre ações radicais começaram a aparecer. Surgiram materiais anarquistas radicais que explicavam como comprar armas e como fazer construir abrigos e guardar suprimentos, ao contrário dos materiais antigos que apenas a coquetéis molotov.

No meio anarquista, tornou-se aceitável ter armas legais. Vídeos de campos de treinamento anarquistas usando armas de fogo começaram a surgir. Ecos dessas mudanças chegaram à Rússia e à Bielorrússia. Na Rússia, o FSB liquidou uma rede de grupos anarquistas que possuíam armas legais e praticavam airsoft. Os presos foram torturados com corrente elétrica para forçá-los a confessar o terrorismo e sentenciados a penas que variavam de 6 a 18 anos. Na Bielorrússia, durante os protestos de 2020, um grupo rebelde de anarquistas sob o nome de “Bandeira Negra” foi detido enquanto tentava atravessar a fronteira bielorrusso-ucraniana. Eles tinham uma arma de fogo e uma granada com eles; de acordo com o testemunho de Igor Olinevich, ele comprou a arma em Kiev.

Grupo rebelde anarquista “Bandeira Negra”

A abordagem ultrapassada da agenda econômica dos anarquistas também mudou: se antes, a maioria trabalhava em empregos mal remunerados “mais próximos dos oprimidos”, agora muitos estão tentando encontrar um emprego com bom salário, na maioria das vezes no setor de TI.

Grupos antifascistas de rua retomaram suas atividades, realizando ações de retaliação em casos de ataques nazistas. Entre outras coisas, eles realizaram o torneio “No Surrender” entre os combatentes antifa e lançaram um documentário intitulado “Hoods”, que fala sobre o nascimento do grupo antifa de Kiev (Legendas em inglês).

O antifascismo na Ucrânia é uma frente importante, porque além de um grande número de ativistas de ultradireita locais, muitos nazistas notórios se mudaram para cá vindos da Rússia (incluindo Sergei Korotkikh e Alexei Levkin) e da Europa (como Denis “White Rex ” Kapustin), e até dos EUA (Robert Rando). Anarquistas têm investigado as atividades da extrema direita.

Existem grupos ativistas de vários tipos (anarquistas clássicos, anarquistas queer, anarcofeministas, Food Not Bombs, eco-iniciativas e afins), bem como pequenas plataformas de informação. Recentemente, um canal antifascista apareceu no Telegram @uantifa, duplicando suas publicações em inglês.

Hoje, as tensões entre os grupos estão gradualmente se amenizando, pois recentemente houve muitas ações conjuntas e participação comum em conflitos sociais. Entre os maiores deles está a campanha contra a deportação do anarquista bielorrusso Aleksey Bolenkov (que conseguiu ganhar um julgamento contra os serviços especiais ucranianos e permanecer na Ucrânia) e a defesa de um dos distritos de Kiev (Podil) de batidas policiais e ataques da ultradireita.

Ainda temos muito pouca influência na sociedade em geral. Isso ocorre em grande parte porque a própria ideia de uma necessidade de organização e estruturas anarquistas foi ignorada ou negada por muito tempo. (Em suas memórias, Nestor Makhno também reclamou dessa deficiência após a derrota dos anarquistas). Grupos anarquistas foram rapidamente derrubados pelo SBU [Serviço de Segurança da Ucrânia] ou pela extrema direita.

Agora saímos da estagnação e estamos nos desenvolvendo e, portanto, estamos antecipando uma nova repressão e novas tentativas do SBU para assumir o controle do movimento.

Nesta fase, nosso papel pode ser descrito como as abordagens e visões mais radicais no campo democrático. Se os liberais preferem se queixar à polícia em caso de ataque da própria polícia ou da extrema direita, anarquistas se oferecem para cooperar com outros grupos que sofrem de problema semelhante e vêm em defesa de instituições ou eventos se houver a possibilidade de um ataque.

Anarquistas estão agora tentando criar laços horizontais populares na sociedade, baseados em interesses comuns, para que as comunidades possam atender às suas próprias necessidades, incluindo autodefesa. Isso difere significativamente da prática política ucraniana comum, na qual muitas vezes é proposta a união em torno de organizações, de representantes ou da polícia. Organizações e representantes são muitas vezes subornados e as pessoas que se reuniram em torno deles continuam enganadas. A polícia pode, por exemplo, defender eventos LGBT, mas não vai tolerar se essas ativistas se juntarem a um protesto contra a brutalidade policial. Na verdade, é por isso que vemos potencial em nossas ideias – mas se uma guerra estourar, o principal será novamente a capacidade de participar de conflitos armados.


Para saber mais:

​O Estado da Praga – Entrevista com coletivo Chuang


闯 Chuang é um coletivo comunista situado dentro e fora da China, que publica uma revista e um blog. Desde o início da pandemia seus textos, artigos e entrevistas se tornaram conhecidos por revelar uma abordagem crítica sobre as origens do vírus e sua relação com o desenvolvimento do repressivo capitalismo de estado chinês e os argumentos preconceituosos do ocidente para desviar o foco da responsabilidade que o agronegócio tem para o surgimento e difusão de epidemias.

Traduzimos e lançamos, em 2020, um de seus artigos sobre os levantes em Hong Kong contra a lei de extradição e seus paralelos e influência sobre as ondas de protesto no Chile e nos Estados Unidos nas táticas usadas por manifestantes e a relação entre “violência” e “não-violência”.

Abaixo uma entrevista concedida à revista Brooklyn Rail em setembdo de 2021 para anunciar o lançamento em inglês do seu livro Contágio Social – coronavírus, China, capitalismo tardio e o ‘mundo natural’, lançado no Brasil como livro digital gratuito pela editora Veneta. Recomendamos como uma importante leitura para início de mais um ano onde enfrentaremos mais uma vez o vírus da pandemia e do oportunismo autoritário estatal e capitalista.


​O Estado da Praga – Entrevista com coletivo Chuang

Chuang é um coletivo comunista internacional que publica entrevistas, traduções e artigos autorais sobre a ascensão da China através das pilhas de destroços da história e das lutas daqueles que foram arrastados por baixo deles. Ao longo de anos de pesquisas locais, o coletivo desenvolveu uma análise comunista incisiva enfatizando as dimensões globais da experiência chinesa, iluminada pelos debates do século 20 e reforçada pela atenção contínua às mudanças de condições da luta proletária na China e além. Em suas atentas intervenções teóricas e nas janelas para vida cotidiana visíveis em seu blog, o coletivo sempre enfatizou as lições práticas para as muitas batalhas travadas pelos proletários em todo o mundo hoje e no futuro próximo.

Aminda Smith e Fabio Lanza  entrevistaram Chuang para a revista Brooklyn Rail em setembro de 2021 sobre seu primeiro livro,Social Contagion and Other Material on Microbiological Class War in China “. Smith é historiadora da China moderna, codiretora do PRC History Group e professora associada da Michigan State University. Lanza é professor de história moderna da China na Universidade do Arizona.

O livro inclui uma versão atualizada de seu influente artigo Contágio Social” (publicado originalmente em fevereiro de 2020), uma tradução de um relatório chinês sobre as condições dos trabalhadores e as lutas de trabalhadores e trabalhadoras durante e após o pico da pandemia doméstica COVID-19, uma entrevista com dois ativistas sobre suas experiências em Wuhan durante os primeiros meses do surto e um longo artigo sobre como a classe dominante tentou usar esta catástrofe como uma oportunidade para reestruturar e expandir o estado para os interesses da acumulação capitalista de longo prazo. No geral, o livro oferece uma perspectiva nova e surpreendente sobre a relação entre o capitalismo, a pandemia, o projeto de construção do Estado na China e a agência das pessoas comuns.



Aminda Smith e Fabio Lanza (RAIL): A visão geral sobre a resposta da China à pandemia, promovida pela mídia ocidental e pelo Partido Comunista Chinês (PCCh), é que ela teve sucesso devido à enorme capacidade do Estado, sua natureza autoritário ou até mesmo totalitária, sua penetração profunda em todos os aspectos da vida social, todas as características que tornavam aquele modelo de resposta inaplicável e/ou desagradável nos Estados Unidos ou na Europa. No livro, vocês argumentam, de forma bastante convincente, que a pandemia revelou, em vez disso, a fraqueza do estado, e que o estado era finalmente capaz de lidar com a crise, reconhecendo essa fraqueza e delegando autoridade aos governos locais e grupos de voluntários. Esta é uma tese fascinante, então você pode explicar como a resposta do estado à pandemia foi estruturada, o que falhou e o que funcionou no final das contas?

Chuang: Esta é definitivamente uma visão abrangente, tanto na China quanto no exterior. Parte da razão pela qual foi tão eficaz em obscurecer o que realmente aconteceu durante a pandemia é que essa imagem do estado onisciente já estava disseminada de antemão. Talvez possamos apelidá-lo de algo como o “mito da onipotência totalitária”. Mas é importante lembrar que esse mito não é cultivado apenas pelos órgãos oficiais do partido-estado na China para proteger seus interesses. Na verdade, é ainda mais avidamente propagandeado na mídia ocidental, por exemplo, através do tipo de clickbait sinofuturista que relata constantemente como todos na China têm uma “pontuação de crédito social” que determina suas escolhas de vida, como a tecnologia de reconhecimento facial em todas as áreas a cidade automaticamente multará você por infrações menores, ou como o governo está planejando estabelecer centenas de milhares de seus próprios cidadãos em países longínquos da África. Nenhuma dessas coisas é verdade, mas um ambiente de bombardeio constante com esse tipo de conteúdo naturalmente cultiva uma imagem mítica do estado todo-poderoso.

Esse mito disfarça duas coisas. Em primeiro lugar, ele obscurece a fraqueza persistente do estado e a realidade de que, apesar de seu horizonte cintilante, a China ainda é, em muitos aspectos, um país relativamente pobre, especialmente em termos per capita. Se você comparar medidas realmente básicas – como a receita tributária total que vai para o governo central na China e a receita tributária total que vai para o governo federal dos Estados Unidos – isso fica claro instantaneamente. E, em termos per capita, a diferença é obviamente muito ampliada. Em outro exemplo relevante, o gasto público per capita da China com saúde é baixo, mesmo em comparação com outros países em um nível semelhante de desenvolvimento econômico, embora esteja aumentando. Isso também significa que a administração do Estado foi fundamentalmente moldada pela necessidade de “governar à distância”, definida por altos graus de autonomia local, balcanização nas estruturas de comando e vigilância e uma latitude substancial para a corrupção. Isso tem historicamente dado aos governos locais muito mais liberdade e independência na China do que em outros lugares, e todas essas características têm sido realmente importantes para o desenvolvimento de uma classe capitalista doméstica. A corrupção, por exemplo, não é necessariamente “ineficiente” – é uma parte muito normal do desenvolvimento capitalista porque é como os capitalistas nascem quando o mercado se abre pela primeira vez e as regras de engajamento não são bem definidas. É somente depois que o acúmulo atinge um certo limite que todos esses recursos se tornam um obstáculo.

Em segundo lugar, também torna difícil entender adequadamente que a classe dominante na China está engajada em um projeto de construção do Estado bastante extenso, que está sendo construído há décadas, mas realmente começou a acelerar sob Xi Jinping. Essas duas coisas estão conectadas, obviamente, uma vez que a necessidade de construção do estado pressupõe algum tipo de fraqueza. A acumulação avançou o suficiente para que a corrupção, as cadeias de comando deficientes e a falta de canais confiáveis de informação começassem a se tornar mais um obstáculo do que um benefício. O rápido aumento da dívida do governo local, associado a projetos de infraestrutura de estímulo na década de 2010, foi um sinal claro desse problema. A campanha anticorrupção teve como objetivo abordar a questão nos níveis mais altos, eliminando magnatas do interior que potencialmente representavam uma ameaça ao governo central, e também organizar cadeias de comando e canais de informação de cima para baixo.

Ao lado disso, havia coisas muito mais mundanas, como reformas na metodologia usada pelo National Bureau of Statistics e tentativas de integrar melhor todos os tipos de registros públicos. Da mesma forma, várias campanhas de repressão contra feministas, centros de trabalhadores e grupos de estudantes maoistas também mostraram que houve tentativas semelhantes de integração dentro de uma infraestrutura de policiamento mais ampla. As pessoas muitas vezes não percebem que a China era um lugar onde, por décadas, era bastante fácil evitar um processo por vários crimes simplesmente mudando-se para outra cidade – pelo menos até que você chamasse a atenção do estado central – e onde havia uma quantidade assustadora de margem de manobra para as autoridades locais determinarem as punições, o que também significava que era fácil escapar de problemas se você tivesse contatos na delegacia local. Muitas vezes, ainda é fato que a polícia local não terá acesso a bancos de dados nacionais simples e padronizados, portanto, nem sempre é possível suspender sua carteira de motorista, processar suas impressões digitais ou usar seu DNA, mesmo que registre essas informações localmente. Isso está começando a mudar rapidamente, mas é um grande contraste com o que estamos acostumados em muitos outros países e com o mito da onipotência totalitária, que, é claro, pressupõe que esses sistemas são mais integrados e penetrantes na China do que em qualquer outro lugar.

Então, como isso se relaciona com a pandemia? Bem, o exemplo óbvio é que essa delegação local de autoridade foi desastrosa. Apesar de todos os mitos de como essa contenção foi eficaz, é meio risível quando você pensa sobre isso. Afinal, um surto com uma origem geográfica clara e rapidamente identificada acabou se tornando uma epidemia nacional e depois uma pandemia global. Como isso pôde acontecer, quando os médicos identificaram desde muito cedo que alguma nova doença respiratória mortal estava se espalhando na cidade? E quando isso estava claramente relacionado a um coronavírus? Em grande parte, é porque as autoridades locais se apressaram em suprimir informações sobre o surto quando ele estava saindo dos hospitais, incluindo esconder informações do estado central, sem tomar medidas para restringir viagens, fechar negócios ou encorajar o uso de máscaras quando essas coisas teriam sido a mais útil a se fazer. O livro inclui uma longa entrevista com amigos em Wuhan, que oferecem uma linha do tempo detalhada dos eventos e explicam quais informações estavam sendo fornecidas no local. Eles apontam o estranho fato, por exemplo, de que seus amigos em Xangai sabiam mais sobre o surto, em uma data anterior, do que muitas pessoas que moravam na própria Wuhan. Outra coisa que é perceptível nesta narrativa em primeira mão é como houve essa mudança muito repentina na política, efetivamente durante a noite, onde parece que alguma autoridade superior deve ter finalmente intervindo para implementar o bloqueio de forma decisiva. Isso geralmente é um sinal de que o governo central se envolveu, colocando as autoridades locais sob seu comando direto.

Portanto, de muitas maneiras, temos que entender o surto como um grande fracasso inicial – sinalizado pelo fato de que se tornou uma pandemia que está conosco até hoje – e que só prevaleceu internamente pelo esforço coordenado de centenas de milhares de pessoas comuns, muitas vezes trabalhando voluntariamente ao lado das autoridades locais. Não é exagero dizer que a epidemia nunca teria sido contida se não fosse pelo esforço desses voluntários. Ao mesmo tempo, foi completamente fortuito que o surto tenha ocorrido em grande parte em uma única cidade e, o que é mais, na véspera do Festival da Primavera, quando todos já estavam estocados na expectativa de que os negócios fossem encerrados. Isso minimizou o impacto imediato do bloqueio e permitiu que o estado central concentrasse a vasta maioria de seus recursos em Wuhan (e, em menor grau, em Pequim – onde o governo central está realmente localizado). Ao mesmo tempo, o governo central, por meio do CDC (Centro Chinês para Controle e Prevenção de Doenças), entendeu a importância de abrir o fluxo de informações, convidar investigadores médicos internacionais, compartilhar pesquisas sobre o novo vírus imediatamente e criar rapidamente padrões de prevenção facilmente delegáveis que erraram em o lado da segurança. Da mesma forma, eles intervieram para garantir que os sistemas de alimentação e energia estivessem sendo mantidos. Este é o nível em que você pode identificar um certo sucesso. Durante todo o processo, o governo reconheceu sua própria incapacidade e, com muita eficácia e rapidez, delegou imensas quantidades de autoridade administrativa de fato ao nível mais baixo de governança, que incluía toda uma gama de órgãos administrativos impulsionados em todos os pontos pelos esforços de voluntários.

Rail: Durante a era Mao (você usa o termo “regime desenvolvimentista”), o estado fez um esforço para atingir a sociedade, até o nível de bairro, por meio de formas organizacionais híbridas, como os comitês de residentes. Eles ainda estão em operação, então qual foi seu papel durante a pandemia? Suas capacidades organizacionais foram reduzidas durante o período de reforma?

Chuang: No que chamamos de regime desenvolvimentista socialista (da década de 1950 até a retomada da transição capitalista na década de 1970), houve uma tentativa capenga de estender o Estado até os níveis mais locais da sociedade e uma certa expectativa de que, ao fazer assim, o próprio estado deixaria de ser uma presença distante e estranha na vida das pessoas e, em vez disso, se tornaria uma instituição verdadeiramente universal. Foi assim que o processo foi expresso em teoria. Na realidade, o que aconteceu foi uma extensão hesitante e geograficamente desigual da autoridade central, seguida por uma fragmentação dessa autoridade em muitos locais autárquicos de tomada de decisão. Os principais símbolos dessa experiência não eram propriamente os comitês de moradores, mas sim os vínculos com o partido e o aparato de planejamento que se formava nas empresas e nos coletivos rurais.No caso rural, algumas dessas ligações foram preservadas nas reformas iniciadas na década de 1980 e formalizadas no status legal de “autonomia da aldeia”, centralizado no comitê de moradores como a unidade fundamental da administração rural.

Os comitês de moradores foram criados inicialmente nas áreas urbanas durante o regime de desenvolvimento, mas não eram os principais órgãos da administração local. Em vez disso, a governança cotidiana era em grande parte transferida para as várias empresas da cidade, em grande parte autárquicas. Se você fosse um residente urbano naqueles anos, a grande maioria de seus bens de consumo básicos – moradia, roupas, comida e até entretenimento – era fornecida gratuitamente por meio de seu danwei , ou unidade de trabalho, vinculado a um determinado empreendimento. Comitês de residentes foram criados para administrar a (inicialmente) pequena parcela da população urbana que não tinha um danwei. Perto do final do regime de desenvolvimento, no entanto, muitas cidades (especialmente no sul) começaram a ver um crescimento em sua população de trabalhadores migrantes rurais. Tecnicamente, como esses trabalhadores não tinham um danwei urbano , eles estavam sob a autoridade administrativa do comitê de residentes para qualquer distrito em que vivessem e/ou trabalhassem. No início, eram principalmente trabalhadores sazonais. Mas, com o tempo, eles se tornaram uma característica cada vez mais permanente da cidade. À medida que o regime desenvolvimentista começou a entrar em colapso e a transição capitalista foi retomada[1], muitas cidades experimentaram um rápido crescimento, mesmo enquanto a velha empresa e o sistema de bem-estar das unidades de trabalho estavam sendo desmantelados. O resultado final foi que a maioria das pessoas que viviam nas cidades não tinha vínculos com nenhuma empresa local e, portanto, estava sob a autoridade do comitê de residentes.

Portanto, o comitê de residentes era uma instituição inteiramente marginal que, acidentalmente, sobreviveu ao desmantelamento do regime desenvolvimentista e passou a ocupar uma função completamente diferente da pretendida originalmente. Inicialmente, porém, o estado realmente não tinha recursos para construir adequadamente sua infraestrutura governamental local. Ao longo das décadas de 1980 e 1990, tanto nas áreas rurais quanto nas urbanas, houve uma série de mudanças legais concedendo “autonomia” aos órgãos administrativos locais e designando o comitê de residentes da “comunidade / bairro” (社区) como a unidade fundamental da cidade administração, semelhante aos comitês de aldeia no campo, onde essas reformas foram acompanhadas pela implementação de eleições locais. Mas tudo isso foi feito em um contexto de reversão geral da autoridade do Estado. Realmente, só nos últimos anos é que as atenções se voltaram para a construção do estado em nível local. A pandemia foi um grande ímpeto nesse sentido, pois dividiu claramente as áreas onde os comitês de residentes funcionavam das áreas onde não funcionavam. Em muitos lugares, os comitês permaneceram efetivamente vazios por anos. Em outros, eles funcionaram como pouco mais do que um site para as formas mais medianas de corrupção local e nunca ofereceram nenhum serviço público real. Agora, está pelo menos claro que haverá uma tentativa combinada de construir esses órgãos, colocá-los sob cadeias de comando mais claras, vinculá-los mais estreitamente às delegacias locais de polícia, etc.

Rail: Você descreve, em detalhes, um processo de mobilização em massa em resposta à pandemia, com grupos de voluntários prestando todos os tipos de serviços, tanto para conter a propagação quanto para ajudar as pessoas a sobreviverem à pandemia, mas deixa claro que essa mobilização não era necessariamente contra o estado, nem representava uma ameaça à legitimidade do PCCh, apesar do tratamento inadequado da crise. Além disso, parece que, em alguns casos, esses esforços de ajuda mútua reforçaram as divisões sociais pré-existentes, em vez de fornecer uma chance para alianças trans-sociais. Porque?

Chuang: Às vezes, os voluntários operavam com total independência do governo. Mas houve muito poucos casos em que entenderam que sua atividade estava em total oposição a ela e, meses depois, quando o estado interveio para pedir-lhes que interrompessem suas atividades, todos o fizeram. Isso não quer dizer que o processo não foi confuso ou mesmo antagônico às vezes. Em muitas áreas, especialmente no campo, houve uma mobilização local bastante agressiva voltada para excluir basicamente quaisquer forasteiros. Isso foi visível nas redes sociais chinesas, que mostravam aldeões de meia-idade guardando barricadas com armas arcaicas (uma ilustração dessa cena serve de capa do livro) ou voluntários patrulhando bairros com drones e gritando com qualquer um que fosse encontrado do lado de fora. Essas imagens eram populares e, na maioria das vezes, alegres, mas em seus extremos a mesma atitude costumava ser perigosa, xenófoba e violenta. Em um caso, um motociclista foi decapitado porque um vilarejo havia colocado um arame em sua entrada para evitar que estranhos tivessem acesso. E quando a província de Hubei (onde Wuhan está localizada) foi reaberta, houve um confronto amplamente relatado na fronteira com Jiangxi, envolvendo policiais de ambos os lados lutando entre si, porque o lado de Jiangxi achou que era muito perigoso permitir a entrada de pessoas de Hubei.

É difícil enfatizar o quanto a atitude pública básica na China difere da de muitos países ocidentais. Nem foi esse o caso em que todos confiaram no governo e se ofereceram para ajudar por causa de alguma fé na autoridade. Na verdade, exatamente o oposto era verdadeiro: muitas pessoas se sentiram motivadas a se voluntariar precisamente porque não tinham confiança de que o estado seria capaz de conter o vírus com eficácia. Eles viram a incapacidade e a corrupção dos funcionários locais em primeira mão durante toda a sua vida e, portanto, não tinham confiança de que essas pessoas seriam capazes de fazer o trabalho. Se havia uma diferença fundamental, não seria encontrada em alguma obediência imaginária ao estado. Em vez disso, parece que o principal contraste entre o sentimento público na China e em outros lugares era que havia uma falta generalizada de fé no estado, uma intuição de que o problema não seria resolvido automaticamente pelas autoridades competentes e que todos tinham para se unir para se mobilizar contra o vírus. Em lugares como os EUA, a falha na capacidade estatal teve um caráter quase exatamente oposto, sem ninguém realmente preparado para reconhecer e lidar com a realidade da competência em declínio, especialmente quando se tratava do declínio dos serviços públicos. Então você teve uma atitude muito diferente nos Estados Unidos, com alguns criticando a resposta de seu estado particular em pequenos protestos anti-máscara, outros apoiando medidas estaduais ou esperando por uma resposta maior, mas fazendo isso de casa.

Rail: E quanto aos trabalhadores? A pandemia abriu novas possibilidades para a mobilização dos trabalhadores contra o capital ou outras vias restritas de organização e ação?

Chuang: Apesar da recuperação (relativa) da economia doméstica durante o segundo semestre de 2020 e neste ano, houve muito menos ações dos trabalhadores do que nos anos anteriores. Isso é mostrado nas poucas estatísticas disponíveis de organizações como o China Labour Bulletin (CLB), que registrou um pouco mais da metade do número de incidentes em 2020 em relação ao ano anterior, e esses números parecem estar de acordo com o que nós e nossos amigos temos visto no chão. Os setores de manufatura e mineração lideraram o declínio aqui, continuando um declínio já plurianual em incidentes em massa desde seu pico no início de 2010. A maioria dos outros setores o seguiram. A queda nos protestos manufatureiros também pode ter sido relacionada à explosão da produção até o final do ano, onde a China, cujas fábricas permaneceram abertas enquanto tantas foram fechadas ao redor do mundo,experimentou aumento dos salários e escassez de mão de obra enquanto as empresas lutavam para atender à demanda de exportação[2]. As disputas trabalhistas em manufatura e serviços começaram a aumentar em meados de 2020 – conforme documentado no artigo traduzido escrito por alguns amigos nossos, que serve como capítulo dois do livro – mas é discutível até que ponto o número de disputas reflete o número de ações trabalhistas. Embora as estatísticas ainda não estejam disponíveis para todo o ano de 2020, parece que as disputas trabalhistas, como uma medida geral de conflito, estavam pelo menos no mesmo nível do ano anterior. Por exemplo, em Pequim, os tribunais de arbitragem trabalhista receberam mais de 94.000 casos nos 10 meses entre janeiro e outubro[3]. Isso corresponde essencialmente aos 93.000 casos coletados nos nove meses entre janeiro e setembro de 2019, o que já foi um aumento de 37,4% em relação ao ano anterior[4].

Houve, no entanto, um aumento curioso no número de trabalhadores da construção civil protestando contra os atrasos salariais em 2020, conforme registrado pelo CLB – o maior já registrado pela organização desde o início do projeto de mapeamento em 2011. E talvez ainda mais estranho, nos primeiros meses de 2021, houve uma ausência do aumento maciço de protestos dos trabalhadores da construção civil que normalmente é visto antes do Ano Novo Chinês, quando os trabalhadores bloqueiam estradas, realizam marchas ou até mesmo ameaçam suicídio para receber o pagamento de fim de ano para que não viagem de volta para casa com as mãos vazias. Isso pode ser devido, pelo menos em parte, às restrições de viagem pela COVID-19 impostas aos trabalhadores durante o feriado de Ano Novo. Algumas estimativas mostraram que o número de viajantes em 2021 caiu em até 60% em comparação com 2019, atingindo o menor número de viagens registradas em 20 anos[5]. Em contraste, as ações dos trabalhadores no setor de logística, especialmente entre os passageiros que fazem entregas, são uma área em que a organização dos trabalhadores se expandiu durante a pandemia. As ações no setor de logística como um todo representaram 20% de todas as ações dos trabalhadores em 2020, o nível mais alto em vários anos. Este setor provavelmente produzirá altos níveis de agitação nos próximos anos, à medida que o comércio eletrônico continua a se expandir. Essencialmente, todas as ações trabalhistas de alto nível que ocorreram no ano passado (2020) envolveram motoristas de entrega. Na época, traduzimos um artigo viral[6] sobre a situação dos entregadores de alimentos que já circulavam na China, gerando discussão pública em todo o país e até gerando algumas declarações obrigatórias por parte dos dois gigantes do setor, Ele.me e Meituan. Essas declarações foram acompanhadas por mudanças bastante mornas, no entanto, com as empresas fazendo apenas pequenos ajustes para permitir que os passageiros tenham mais tempo para fazer seus pedidos, mas fazendo pouco para resolver os problemas subjacentes por trás das queixas dos trabalhadores.

Então, no final de fevereiro de 2021, o mais proeminente organizador popular de entregadores de entregas da China, Chen Guojiang – conhecido simplesmente como “Mengzhu” ou “líder de grupo” (盟主) por amigos e ativistas – foi detido pelas autoridades, provavelmente com a intenção de manter o A mídia social franca ficou quieta durante o congresso nacional do partido no início de março. Desde então, Chen foi acusado de “criar brigas e provocar problemas” (寻衅 滋事), a acusação mais comum usada para prender todos os tipos de agitadores em todo o país durante anos.[7] Alguns amigos falaram com Mengzhu antes de ele ser detido, sabendo como ele se organizou. Com base em Pequim, ele mantinha uma vasta rede de milhares de transportadores, principalmente no norte do país. Ele desenvolveu a rede em parte por causa de sua forte presença na mídia social, transmitindo ao vivo a vida dos entregadores. Ele também aconselhou outros pilotos, organizou refeições em grupo e até alugou um pequeno apartamento com cama em Pequim, onde pilotos novos na cidade podiam se hospedar gratuitamente por uma ou duas noites enquanto procuravam seu próprio lugar. Aqueles que o conheciam também descreveram como Mengzhu havia transformado sua plataforma em uma espécie de pequeno negócio para si mesmo, ganhando pequenas taxas aqui e ali, incluindo a coleta de bônus por recomendar pilotos para a plataforma, ou dos eventos que ele organizou para os pilotos .Durante seu tempo na plataforma, Mengzhu também ajudou a organizar várias greves de pilotos e foi supostamente bem-sucedido em atender às demandas dos trabalhadores. Ele e outros organizadores da greve também foram presos pela polícia em algum momento de 2019. Em suas discussões com amigos, ele observou enfaticamente que seu estilo de organização não podia ser imitado e atribuiu seu apelo generalizado à sua obsessão pessoal com networking, ajudar os outros e realizar streaming para seu público. No momento em que este artigo foi escrito, Chen continuava detido e ainda aguardava julgamento.[8] Amigos de Mengzhu tentaram arrecadar dinheiro para pagar honorários advocatícios no WeChat, mas o link para a página de arrecadação de fundos foi bloqueado pelos censores.

Mengzhu oferece um quadro interessante da realidade complexa e muitas vezes contraditória da organização dos trabalhadores na China, que raramente corresponde à miragem do “movimento trabalhista” promovido por muitos ativistas. Neste caso, a fama nas mídias sociais e até mesmo uma espécie de ethos empreendedor de pequena-empresa parecem ter sido parte integrante do crescimento da rede de Mengzhu. Argumentamos que essas complexidades inesperadas são essenciais para a compreensão da organização do trabalhador a longo prazo. Tanto no primeiro quanto no segundo número de nossa revista, procuramos enfatizar uma visão mais ampla da organização que extrapolou os limites do “movimento operário”, que atua como pano de fundo teórico para tantas análises do conflito de classes na China.[9] No futuro, será ainda mais essencial abandonar as presunções herdadas sobre como deve ser um “movimento operário” ou mesmo um “movimento social” mais geral, se esperamos compreender o caráter real da guerra de classes. Por exemplo, junto com o recente aumento nas ações das fábricas, podemos notar a força social potencial da franja em expansão de trabalhadores desempregados e subempregados, que estão crescendo em número em todo o país. Na extremidade inferior, isso é sugerido pela organização entre os entregadores de delivery e pelas demolições em curso que visam a chamada “população de baixa renda” (低端 人口).[10] Mas também é visível entre aqueles que ocupam posições sociais marginalmente mais elevados, como no discurso sobre a “involução” (内 卷) e no regime de trabalho “996”[11] entre os trabalhadores de colarinho branco, ou ainda mesmo no número crescente de protestos de proprietários de imóveis.[12]

Ainda não está claro como essas tendências afetarão as tensões sociais. Mas a desaceleração em curso no crescimento econômico parece indicar que todas essas tendências irão piorar com mais estagnação. A extensão do desemprego na China no último ano da pandemia ainda é pouco conhecida, mas a situação não deve melhorar significativamente. Durante o congresso do partido em março de 2021, o premiê Li Keqiang citou a criação de empregos como a “principal prioridade” do governo central, parecendo indicar que o emprego ainda não se recuperou verdadeiramente do declínio. Isso é ainda mais confirmado pela realidade de que foi a renovação do boom imobiliário – e não um renascimento industrial – que primeiro tirou a economia nacional de sua depressão após o lockdown. Enquanto isso, temos que ter em mente como os problemas econômicos afetaram os setores do colarinho-branco mais ricos ou mesmo pequenos burgueses, setores da sociedade que estão, sem dúvida, sentindo a pressão da perda de empregos e cortes de salários ou a dizimação de seus negócios, tudo em cima do já pesado fardo de dívidas que carregavam antes da pandemia. Embora essas tensões sociais possam não parecer tão inerentemente esquerdistas quanto as lutas trabalhistas, elas provavelmente continuarão a causar ondas e, infelizmente, a atrair mais a atenção e a ação da elite política. Como observamos em nosso último número da revista, a agitação social dos proprietários parece ter superado o número dos protestos trabalhistas no final dos anos 2010. Agora, no mundo pandêmico e pós-pandêmico, a política de classe provavelmente assumirá outras formas inesperadas com base nessas tensões sociais subjacentes. É essa realidade – e não uma analogia histórica de má qualidade – que deve servir de ponto de partida para qualquer pessoa que tente especular sobre o futuro do conflito de classes na China.

Rail: No final do livro, você fazem um argumento bastante interessante, e pode-se dizer especulativo, sobre o futuro do Estado chinês, uma vez que a pandemia deixou clara a necessidade de reconstruí-lo. Você argumenta que, embora continue em sua função primária a serviço do capitalismo, o estado está sendo reestruturado em algo diferente dos estados ocidentais ou de seus precedentes imperialistas e socialistas, enquanto recicla elementos de todos esses modelos. Para quais novas necessidades específicas e novos desafios este novo estado está sendo reestruturado e em que princípios ideológicos ele se baseia?

Chuang: Basicamente, a ideia central aqui é dupla: primeiro, estamos argumentando que a China ainda está em processo de construção de um estado propriamente capitalista. Não há nada realmente novo nisso, é claro, e os imperativos centrais do estado capitalista são mais ou menos universais, o que significa que muitos aspectos desse processo são muito semelhantes aos projetos de construção do estado que acompanharam o desenvolvimento capitalista em outros lugares. Mas, em segundo lugar, também é errado supor que isso significa que o estado que está sendo construído na China hoje será necessariamente semelhante a qualquer um dos estados capitalistas anteriores que surgiram em lugares como os Estados Unidos, a Europa ou nas colônias em seus detalhes. Esses imperativos capitalistas universais são requisitos básicos, mas a existência de funções universais não nos dá muitos discernimento sobre as estruturas institucionais exatas que são adaptadas para servi-las. Na verdade, esperaríamos que ocorresse o oposto: à medida que mudam as condições de acumulação de capital global, esse projeto de construção do Estado torna-se cada vez mais parte integrante de todo o processo de desenvolvimento. Não é coincidência que cada onda de industrialização de “desenvolvimento tardio” tenha visto o estado desempenhando papéis cada vez mais centrais em todo o processo. As pessoas frequentemente esquecem que uma das previsões mais consistentes de Marx sobre como o capitalismo se desenvolveria era que a escala social de produção aumentaria junto com a centralização industrial e que o sistema de crédito desempenharia um papel integral na gestão da acumulação em tal escala. Então, é realmente tão inesperado testemunhar o surgimento de um estado supervisionando enormes conglomerados industriais, ao lado de tentativas de disciplinar e direcionar suas atividades por meio da supervisão institucional e do fornecimento de crédito por meio de grandes bancos estaduais (não vale pena notar que principalmente por meio de injeções fiscais)?

Em um nível mais filosófico, há outra dimensão para este segundo argumento. Porque não se trata apenas do fato de que estados mais expansivos agora são necessários para garantir as condições básicas de acumulação. Também aborda a questão de como esse processo é percebido por aqueles que nele estão envolvidos e que tipo de forma ideológica ele assume. Em parte, esta peça foi escrita como uma réplica a toda a moda da filosofia ocidental que tenta teorizar “o estado” como tal puramente por referência à experiência europeia e à linhagem civilizacional que remonta a Roma – como se a jurisprudência romana abrisse esta janela secreta para o funcionamento interno do estado hoje. Estamos dizendo: não, você não pode simplesmente pegar algo que Foucault ou Agamben ou mesmo Mbembe escreveu sobre a Europa moderna, a Roma antiga ou o mundo colonial,e aplicá-lo no atacado à China, como se a lógica da política fosse um transplante inteiramente estrangeiro, introduzido na transição para o capitalismo. Na verdade, queremos apontar que há uma arrogância enlouquecedora de filósofos que escrevem críticas de “império” e “civilização” que nada sabem sobre a história de todos os maiores impérios de vida mais longa em toda a Ásia (para não mencionar na África ou na Américas).

Neste caso, a realidade é ainda mais contundente, porque a China tem sua própria tradição filosófica vibrante e de longa data que sempre se preocupou (na verdade, este é sem dúvida sua preocupação central) com questões de governança e política. Mais importante ainda, esta tradição filosófica está sendo ativamente revivida hoje, fundida com tendências conservadoras do pensamento ocidental e seletivamente implantada por aqueles que estão no poder para justificar ideologicamente, conceituar e até mesmo guiar o progresso material do projeto de construção do estado no terreno. É muito importante compreender esta dimensão do processo, mesmo que também tenhamos que ter em mente que a expressão filosófica do projeto de construção do Estado vai ser diferente da realidade no terreno. Não é realmente o caso que esta filosofia atua como um “manual” para aqueles que estão no poder, ou mesmo que forneça uma imagem precisa de como o poder do Estado funciona na realidade. Na verdade, muitas vezes faz o oposto, idealizando o estado e afirmando uma missão quase cosmológica para o PCCh,encarregado de liderar o rejuvenescimento espiritual da suposta nação chinesa. Mas essa é uma característica importante de como esse processo está sendo expresso por meio da reflexão sobre si mesmo. Por todas essas razões, pegamos emprestado um pouco da linguagem exagerada desses filósofos e demos a este capítulo um título irônico: “A praga ilumina a grande unidade de todos sob o céu”. Claro, essa unidade é uma piada.

Nada disso significa que o projeto de construção do Estado simplesmente avançará sem ser contestado. Como acontece com qualquer elemento do capitalismo, podemos ter certeza de que o conflito de classes nunca é eliminado definitivamente. Mas pode não ter a forma que esperávamos. Podemos de fato ver mais atos de desespero e desespero, conforme os conflitos sociais explodem de maneiras imprevisíveis, especialmente para as camadas mais baixas da sociedade chinesa, como o recente bombardeio de um prédio do governo em Guangzhou por causa de uma disputa de terra, ou o recente suicídio de um motorista de caminhão por uma multa de 2.000 yuans (cerca de US$ 300).[13] As queixas de maior valor das camadas superiores, como fraude de investimento ou conflitos de desenvolvimento imobiliário, provavelmente continuarão a crescer em número e receberão mais cobertura na mídia nacional e estrangeira – esses indivíduos também tendem a ter maior acesso ao sistema jurídico e uma melhor chance de reconhecimento formal a esse respeito. Isso pode não refletir o real “equilíbrio de forças” em relação à luta de classes na China, mas podemos esperar que, pelo menos na superfície, haverá um crescente “emburguesamento” das lutas sociais, por falta de uma palavra melhor, mesmo assim. Processo é pontuado por explosões violentas dos mais pobres do país. Desnecessário dizer que as demandas dos ricos (como a manutenção do vacilante mercado imobiliário) serão uma das principais prioridades do Estado. O mesmo não acontece com os caminhoneiros ou a “população de baixa renda” que vê suas casas demolidas.

Devemos também estar atentos aos caminhos de como as formas celulares e o estilo de mobilização pelo estado podem se desenvolver no futuro. Como observamos no capítulo final do livro, embora o estado formal se mostrasse relativamente fraco, as estruturas de poder de pequena escala foram moldadas em uma velocidade incrível. Comitês de residentes locais, seguranças e outros voluntários – com ligações a partidos e organizações governamentais – tornaram-se as principais faces do poder estatal quando se tratava de regulamentar o movimento de cidadãos entre bairros, ou mesmo dentro e fora de suas casas. Esses desenvolvimentos também não passaram despercebidos pelo capital. No ano passado, o chefe da Câmara de Comércio Europeia, Jorge Wuttke, não se queixou do desenvolvimento de alguma burocracia abrangente, centralizada e autoritária que atrapalha os negócios, muito pelo contrário:“A colcha de retalhos de regras conflitantes que emergiu da luta contra o COVID-19 produziu centenas de feudos, tornando quase impossível transportar mercadorias ou pessoas pela China.” Como principal representante do capital estrangeiro, Wuttke pediu ao governo que padronizasse medidas “em jurisdições maiores” para “colocar a economia real de pé”.[14] Esse poder em retalhos permanece até hoje, embora de uma forma mais latente. Apesar da pandemia ter passado e esses sistemas tenham relaxado um pouco, a realidade é que eles não desapareceram. As redes recém-desenvolvidas que ligam os órgãos formais do poder estatal a corpos informais de voluntários, empresas de gestão imobiliária, segurança, etc. simplesmente afundaram logo abaixo da superfície, chamando a atenção e reafirmando sua presença sempre que ocorrem surtos locais. No entanto, isso não é importante apenas para o gerenciamento da pandemia. A parte mais especulativa do capítulo argumenta que redes igualmente locais e o que chamamos de “para-formais” podem surgir em face de choques nativos ou exógenos, como uma corrida aos bancos, ou durante a mobilização nacionalista que acompanharia qualquer conflito militar .


Para mais textos do coletivo Chuang em português:

Notas:
  1. Conforme examinado em nosso artigo “ Red Dust” , isso na verdade começou sob Mao, não Deng Xiaoping, e é uma das muitas razões pelas quais argumentamos que periodizar a história chinesa de acordo com a sequência de “grandes líderes” é enganoso. Intencionalmente, nunca chamamos o regime de desenvolvimento de “era Mao”, por exemplo, nem a transição para o capitalismo de “era Deng”, porque a história não pode ser reduzida a ações, caprichos ou teorias políticas de estadistas.
  2. Gabriel Crossley e Stella Qiu, “China’s stunning export comeback has factories scrambling for workers”, Reuters, 20 de dezembro de 2020. https://www.reuters.com/article/us-china-economy-manufacturing-idUSKBN28V0AL .
  3. 疫情期间务工者遇到劳动争议该咋办? “What should workers with a labor grievance do during the pandemic?” 公民日报 People’s Daily, 27 de novembro de 2020. www.xinhuanet.com/fortune/2020-11/27/c_… .
  4. 北京发布2019年劳动人事争议仲裁十大典型案例 “Beijing Announces Top Ten Labor Arbitration cases from 2019” 新华网 Xinhua. www.xinhuanet.com/2019-11/05/c_11251960..
  5. SCMP Reporter, “China’s annual Lunar New Year migration, usually the biggest of its kind, looks very different in 2021″, South China Morning Post, 7 de fevereiro de 2021. www.scmp.com/magazines/post-magazine/lo…..
  6. Chuang and Friends (Trans), “Delivery Workers, Trapped in the System”, Chuang Blog , 12 de novembro de 2020. https://chuangcn.org/2020/11/delivery-renwu-translation/ .
  7. Sobre Mengzhu e sua prisão, veja Emily Feng, “He Tried To Organize Workers In China’s Gig Economy. Now He Faces 5 Years In Jail”, NPR, 13 de abril de 2021, www.npr.org/2021/04/13/984994360/he-tri… ; Matt Dagher-Margosian, “Free Mengzhu! An interview with Free Chen Guojiang 关注盟主”, Asia Art Tours, https://asiaarttours.com/free-mengzhu-an-interview-with-free-chen-guojiang-关注盟主/. Sobre casos semelhantes no passado, veja nosso artigo “Picking Quarrels” da segunda edição de nossa revista: https://chuangcn.org/journal/two/picking-quarrels/ .
  8. Os últimos relatórios dos direitos trabalhistas que monitoram o China Labour Bulletin no início de junho afirmam que ele ainda está detido. Consulte “Food delivery worker burns uniform in symbolic protest”, China Labour Bulletin, 8 de junho de 2021. clb.org.hk/content/food-delivery-worker… .
  9.  Consulte “No Way Forward, No Way Back” e “Gleaning the Welfare Fields” na edição 1 e “Picking Quarrels” na edição 2, ambos disponíveis aqui: https://chuangcn.org/journal .
  10. Sobre o discurso da “população de baixa renda” e sua popularização após a demolição de residências de baixo custo em Pequim em 2017, consulte: “Adding Insult to Injury: Beijing’s Evictions and the Discourse of Low-End Population”. https://chuangcn.org/2018/01/low-end-population/ .
  11. Para uma discussão de ambos, consulte: “Involution: Wildcat on China’s 2020”. https://chuangcn.org/2021/05/involution-wildcat-on-chinas-2020/ .
  12. Para uma análise das tendências de longo prazo, veja nossa análise em “Picking Quarrels,” citado acima. Exemplos de protestos de proprietários de casas podem ser encontrados diariamente online, para aqueles que procuram. Incidentes maiores às vezes são abordados em detalhes em publicações críticas para a China, como a Radio Free Asia, talvez uma vez por mês ou mais. Por exemplo, os residentes de um bairro em Chongqing entraram em confronto com mais de uma centena de policiais do choque em maio por causa de um conflito de longa data com autoridades que queriam estabelecer um escritório do governo local em sua comunidade residencial. Veja: “重庆 保 利 香雪 小区 爆发 大规模 抗暴 事件 业主 赶走 数百 名 黑衣 人” www.rfa.org/mandarin/yataibaodao/renqua…. A campanha de demolição do governo de Pequim no complexo de Xiangtang, nos subúrbios ao norte da cidade, foi relatada por vários veículos de língua inglesa. Por exemplo, consulte: “Residents Protest As China Demolishes Some Of Beijing’s Wealthy Suburbs”. www.npr.org/2021/01/26/960855956/reside….
  13. Veja nosso relatório recente sobre esses eventos: “Bombing the Headquarters: Desperate Measures in a Time of Involution”, Chuang Blog , 23 de maio de 2021. https://chuangcn.org/2021/05/bombing-headquarters/ .
  14. Veja “COVID-19 Severely Impacting Business: trade associations call for proportionate measures to get real economy back on track”, um comunicado de imprensa conjunto da Câmara de Comércio Alemã na China e da Câmara de Comércio da União Europeia em Câmara, 27 de fevereiro de 2020. china.ahk.de/news/news-details/covid-19….

Revista Tormenta #2 – 2021

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Esta é segunda edição da Revista Tormenta, que compila alguns dos principais artigos de análise, entrevistas e traduções que fizemos sobre as lutas sociais radicais no Brasil e outros países em 2021. Escrevemos ainda sob os efeitos da maior pandemia do século agravada por um dos governos mais desastrosos que já dominaram este território. Gostaríamos de estar aqui comentando os avanços das lutas antifascistas em 2021, mas os eventos nos limitam buscar ânimo e recuperar o fôlego depois que o potencial das mobilizações de rua se chocaram com os medos e de desejos legalistas de partidos e movimentos alinhados com a lei burguesa. Esses sim lutaram como nunca para pacificar as ruas. Entre sonhos de trazer uma imagem do passado de governos petistas e a falta de senso crítico, preferiram se juntar à direita e negociar a paz com a polícia. Vimos os atos antibolsonaristas serem rifados pelas frentes amplas de partidos e centrais sindicais. A criminalização, a agressão física e até a fabricação de “infiltrados” serviu para isolar qualquer forma de ação combativa, linhas de frente e blocos autônomos capazes de defender manifestantes e atacar as estruturas de poder capitalista e estatal.

Enquanto no oeste da Europa, ou países como Índia, Tunísia e Grécia, a ciência e o combate à pandemia são usados como pretexto para a repressão policial, por aqui a mentalidade obscurantista do governo faz uso de discursos anticientíficos (ou de uma metódica ciência eugenista) para deixar morrer centenas de milhares de pessoas de uma infecção evitável – que em seu segundo ano, não conta sequer com dados sobre infecções e hospitalizações transparentes. Como previmos, o governo de Jair Bolsonaro e seus militares segue inabalado apesar da CPI da Covid enumerar seus inúmeros crimes contra a vida e a deliberada propagação do vírus. Ainda que os governos de extrema-direita estejam perdendo tração e sendo derrotados nas urnas nos últimos dois anos, não podemos ter a esperança de que eleições eliminem o bolsonarismo e o fascismo da política, da polícia ou das ruas. Construir a luta radical, de base, direta e autônoma será necessário para provar mais uma vez que a institucionalidade e a democracia representativa nunca foram atalhos para uma transformação social real.

Esperar que um novo governo PT reproduza, no atual contexto de resseção e retração dos investimentos externos, a política econômica que aliviou a miséria de milhões no início dos anos 2000 é tão absurdo quanto esquecer o aumento de 620% do encarceramento, as UPPs, os desalojos de milhares de pessoas para obras da Copa e Olimpíadas, lei antiterrorismo, o uso do exército como polícia e toda a estrutura repressiva que o atual governo herdou – se alguém se espanta com o a atuação do General Heleno, atual ministro-chefe do GSI, deve lembrar dos massacres que ele comandou no Haiti em nome do governo Lula. A volta do PT ao governo pode afrouxar a corda nos nossos pescoços, mas a forca estará sempre montada para ser usada, especialmente quando a extrema-direita tomar o poder novamente.

Após o fracasso de Trump em se reeleger, da vitória de Boric no Chile e as pesquisas eleitorais apontarem Lula como favorito em 2022, é possível que vejamos os limites dos governos de aspiração fascista e estilo populista. O extremismo dos que se dizem “sem viés ideológico” carrega tanta ideologia que os torna capazes até de ignorar dados científicos primários – em vez de utilizá-los em prol da gestão neoliberal e se apresentarem como heróis com a solução para a pandemia. As mortes e prejuízos econômicos e diplomáticos dessa equação podem não ser capazes de manter o poder em suas mãos por muito tempo. No entanto, apesar da perícia petista em gestão, conhecemos bem os limites dos governos progressistas que falharam em sanar os efeitos catastróficos do neoliberalismo nas Américas nas últimas décadas. Enquanto buscam respeitar as leis e a etiqueta dos ritos democráticos, não conseguem competir com as paixões mobilizadas pela direita que declara abertamente seu ódio às minorias, afirma que opositores são inimigos e devem ser eliminados, que seus apoiadores devem se armar e que somente uma “guerra civil resolverá os problemas do país”.

O moralismo de esquerda ainda não é páreo para a radicalidade do pânico moral fascista. Muito menos para eliminar sozinho a estrutura mafiosa dos militares se mantiveram no poder ao fim da ditadura e construíram uma base miliciana, com grupos de extermínio e toda sorte de crime organizado que hoje celebra e se beneficia do governo Bolsonaro. Sabemos, também, que apesar das forças de centro-esquerda se colocarem como oposição ao bolsonarismo, sua possível volta ao governo servirá mais uma vez como recomposição das forças com a manutenção do pacto de pacificação e amansamento das possibilidades de insurreição. O plano deles é que “tudo mude” para que permaneça exatamente igual.

Podemos esperar um dos mais conflituosos anos eleitorais. A promessa de violência nas ruas para contestar qualquer resultado negativo nas urnas já está feita. E a demonstração de que há números e disposição para ocupar as ruas foi feita no último 7 de setembro. Subestimar o potencial de seus militantes mais fanáticos é ignorar a influência que a invasão do Capitólio em janeiro de 2021 pode ter sobre o bolsonarismo por aqui.

A eleição vai colocar como nunca esse embate à prova, às custas da pacificação de qualquer oposição radical nas ruas contra esse governo. Além de espalhar mais uma vez uma outra campanha para mostrar que existe ação política além do voto, devemos combater tanto a ordem que a esquerda neoliberal quer impor quanto o caos dentro da ordem que esse governo fascista quer fazer crescer. Não importa quem for eleito, seremos ingovernáveis!!


VÍDEO: FIM DE ANO / FIM DO MUNDO

Para enterrar esse ano e abrir um novo ciclo de lutas, aqui uma mensagem de ano novo do coletivo Antimídia, com quem tivemos a honra de colaborar em diversos vídeos em 2021:

Comunicado Desde as Prisões Chilenas Sobre as Eleições

As recentes eleições para presidência no Chile chamaram a atenção em todo o mundo, especialmente na América do Sul, onde governos eleitos na onda direitista ao longo da última década parecem dar sinal de perda de tração nas urnas. Depois do retorno do partido de Evo Morales na Bolívia em 2020 e da derrota de Donald Trump nos EUA, a esquerda retomou o poder do Estado na Argentina, no Peru e, em dezembro de 2021, Gabriel Boric venceu (com pouca diferença) o representante da extrema direita chilena, José Kast. Muitos esperam que esses ventos retirem, através das urnas, Bolsonaro do governo brasileiro e seus aliados da direita à frente da Colômbia, Uruguai, Equador e Paraguai.

Mas não nos enganemos: uma vitória do PT ou qualquer governo com uma trajetória à esquerda nas chamadas Américas não será capaz de eliminar o fascismo que se estabeleceu nas ruas, nas forças de segurança e nas instituições políticas e no controle das corporações. E, assim como o que aconteceu com Syriza na Grécia e Podemos na Espanha, sabemos que reabilitar a democracia representativa é reabilitar as armas que serão usadas por liberais e fascistas contra nós, buscando construir de baixo, uma sociedade para derrubar o Estado e o capitalismo. Seu compromisso com a gestão da crise capitalista os obrigará a ceder sempre em favor do lucro dos ricos, com mais austeridade e repressão. Não existe atalho para o fim da desigualdade e da dominação que passe pela gestão estatal. A autonomia e autodeterminação dos povos é a única força social que não pode desaparecer facilmente com um golpe ou uma nova eleição.

No caso chileno, Boric já disse a que veio antes mesmo de ser eleito: em novembro de 2019 se sentou com a direita para firmar “Acordo para a Paz e uma Nova Constituição” em reação aos gigantescos protestos do estallido social de outubro daquele ano. Em seguida, votou pela lei “anti-barricada, anti-saque, anti-máscara e anti-ocupação de terras”, que aumentou as penas para as ações diretas fundamentais para a revolta chilena. Se despender de governos eleitos, não teremos ocupações, protestos, anonimato nem nenhuma das armas de construção das lutas populares nas ruas.

Sendo assim, seguimos divulgando as palavras e as ações de quem não pretende sair das ruas nem fazer acordos com a classe dominante.

***

Abaixo, segue mais um de uma série de textos e materiais de camaradas que escrevem de dentro das prisões chilena sobre as recentes eleições. O comunicado foi publicado originalmente no portal Buscandolakalle e traduzido pela Edições Insurrectas.


NEM BOTAS E NEM VOTOS, SOMENTE LUTA! –

PALAVRAS ANÁRQUICAS E SUBVERSIVAS DESDE AS PRISÕES CHILENAS DIANTE DA REACOMODAÇÃO DO DOMÍNIO E SUA PERPETUAÇÃO CAPITALISTA

Segundo o que a cidadania proclama, parece que somos testemunhas de um momento chave na história deste território, que nos encurralada de costas para o precipício e, ao menos que façamos algo, nossa queda será iminente. Parece que presenciamos uma guerra aberta, encarniçada, entre dois polos políticos inimigos a tal nível que, tal como a guerra fria, coloca em perigo a subsistência e o futuro de todos os seres no território dominado pelo Estado Chileno.

Por um lado, o grito de guerra versa: “Comunismo ou Liberdade!”. Por outro: “Democracia ou Fascismo!”. Diante de um cenário tão dramático, nos apresentam o que seria a ferramenta chave para enfrentar este contexto, capaz de deter de uma vez por todas esse banho de sangue: a participação nos processos eleitorais, o sufrágio como a arma libertadora.

Não somos nem cegxs e nem surdxs, caminhamos com plena consciência sobre este e muitos outros acontecimentos do território. Não apenas nos distanciamos, mas também declaramos a guerra à toda instância institucional que busque qualquer perpetuação do Status Quo.

Desconhecemos cabalmente o falso enfrentamento de dois sistemas supostamente distintos, o eixo no qual se disputa a batalha seguirá sendo o da Democracia e da administração do Capital. A existência de um “embate” entre distintas políticas somente tenta justificar a suposta amplitude do sistema democrático-capitalista, a essência “diversa” deste e o suposto espaço onde caberia todo tipo de pensamento. De nenhuma forma queremos ser aceitxs por um sistema ou sociedade que rechaçamos, não queremos que nossa política seja mais uma dentro das opções deste sistema; queremos destruir toda opção e a estrutura que as sustenta. Nada temos a ver com o show eleitoral e sua cena de eleições, plebiscitos, votos e outros, consideramos isso nada mais do que um reajuste, a reacomodação burguesa de classe para a manutenção maquiada e de acordo aos tempos de uma ordem imposta e existente.

Temos a certeza que independentemente de qual seja o resultado eleitoral deste pleito, nada mudará essencialmente. Para além da conjuntura de quem esteja disputando a administração e a gestão da opressão, o mundo institucional, ou seja, o das eleições, nunca foi o nosso. Nesse sentido, quem vota, quem opta livremente por investir outra pessoa de autoridade, é tão responsável como o governante que dará as ordens de assassinar, militarizar e encarcerar. Quem vota é quem, mediante o ato de sufrágio, decide delegar parte de sua autonomia para fortalecer a cadeia de opressão e, portanto, do Estado.

Não seremos cúmplices de nenhum governo da vez, não fizemos ao final dos anos 1980, quando, assim como agora, o velho poder político instaurou o medo para tirar o fôlego e posição da luta confrontacional da época (como a luta armada), desdobrando um cenário cívico eleitoral que pretendia aniquilar com um Sim ou Não qualquer possibilidade de ruptura real.

Aqui já havíamos nos mantido nossa posição subversiva e desde aqueles tempos nada mudou.

A verdade o objetivo deste texto não é, nem deveria ser, de forma alguma convencer ou sequer teorizar sobre a participação da cidadania nos processos eleitorais, não seria correto demandar nem medir essa massa obediente segundo nossos critérios. O ponto de interesse surge quando vemos um grande leque de personagens que se reivindicam como atores “antagônicxs” ou inclusive se denominam subversivxs, revolucionárixs, rebeldes ou anarquistas, realizando chamados abertos para participar da via eleitoral e inclusive para votar em um candidato específico.

Alguns dos argumentos empunhados para justificar essa forma de ação têm a ver com a potencial perda de direitos civis – sempre garantidos pelo Estado – principalmente no plano das minorias “vulneráveis” ou das dissidências.

Não desconhecemos a suposta mudança na validação então arraigada de um discurso institucionalmente conservador na dinâmica de grande parte da sociedade alienada – o que tampouco se difere do contexto atual –, mas acreditamos que as lutas reais (de todo tipo), desde um posicionamento anárquico, subversivo ou revolucionário, nunca devem buscar validação ou integração por parte da institucionalidade ou mesmo da sociedade. Nos entregarmos, com nossas diferenças e particularidades, à “integração” institucional supõe diluir nossa individualidade antagônica em um espaço que não nos pertence e que tem como único fim ampliar o leque de participação democrática sem realmente questionar suas dinâmicas de fundo.

Não é de mais assinalar que, apesar do vai e vem em que se movem, se estendendo ou diminuindo os direitos civis em conjunturas específicas, não nos cabe esperar que os administradores da opressão sejam quem outorguem tais “direitos” (termos já suficientemente repudiável per se), alcançaremos nossa liberdade por nossos próprios meios e em plena autonomia. Nem a institucionalização nem a socialização das ideias ou políticas divergentes supõem uma mudança real nas práticas individuais ou coletivas. As dinâmicas que restringem nossa liberdade são combatidas no conflito, mas sobretudo com um desenvolvimento íntegro individual e uma crítica constante, não mediante o sufrágio ou a participação cidadã.

Se faz necessário ter em vista o fato de nos referirmos a um tema que parecia absolutamente resolvido dentro dos espaços e individualidades que dizem optar pela confrontação contra o Poder. Não nos cabe dizer quem é ou não subversivx, não somos nós as pessoas encarregadas disso, é a simbiose entre a palavra e a ação a única capaz de dar conta desta realidade. Se por um lado se defende a quebra total com o mundo existente, são feitos constantes chamados para acabar com o capitalismo ou com todo ápice de autoridade. Isso resulta ao menos patético que se defenda avaliar todos esses aspectos mediante a utilização do voto como “ferramenta” política, ação que é, além de tudo, um enorme empurrão e reforço da institucionalidade democrática do capital; mesmo quando ela parecia cambalear há pouco mais de dois anos.

Nossa aposta? Pois é a de sempre e com a porfia inquebrantável que nos acompanha: estender e a aprofundar o conflito permanente e irrefreável, sabendo que não somos salvadorxs nem representantes de nada e de ninguém, apenas de nós mesmxs. Nossa opção pelo enfrentamento é feita em primeira pessoa porque entendemos que ao golpear vamos nos liberando. E se outras pessoas também assumem esse caminho, excelente, mas caso contrário, isso não será motivo para nos desencorajarmos e muito menos cedermos em nossas convicções, caindo e validando a via institucional. Não somos iluminadxs e muito menos decidiremos o que virá, mas seremos entendidxs pelo que somos, pela prática, pelo que fazemos, sempre em concordância com nossas ideias, pela causa que brota e pela cumplicidade anárquica, subversiva e insurrecta que propaga rebeldia; nosso caminhar em guerra se converte, assim, na possibilidade palpável se sermos livres.

-LIBERDADE PARA XS PRISIONEIRXS SUBVERSIVXS, ANARQUISTAS E MAPUCHE PARA FORA DAS PRISÕES!!
-AGUDIZAR O CONFLITO, INTENSIFICAR A OFENSIVA!
-JUVENTUDE COMBATENTE, INSURREIÇÃO PERMANENTE!
-MORTE AO ESTADO, VIVA A ANARQUIA!
-NOSSA É A CONVICÇÃO!
-ENQUANTO EXISTIR MISÉRIA HAVERÁ REBELIÃO!

 

Mónica Caballero Sepúlveda
cárcere feminina de San Miguel

Pablo Bahamondes Ortiz
C.D.P. Santiago 1

Francisco Solar Domínguez
Marcelo Villaroel Sepúlveda
Juan Aliste Vega
Joaquín García Chancks
C.P. Rancágua “La Gonzalina”

Dezembro de 2021,
território dominado pelo estado chileno.


Para saber mais:

Chile: A Batata Quente Muda de Mãos – Que a Vitória Eleitoral da Esquerda Significa Para os Movimentos Autônomos? 

Solidariedade à Greve de Fome nas Prisões Chilenas – vídeo por Antimídia e Insurrectas

Os Mais de 40 Dias de Greve de Fome dxs presxs Anarquistas e Subversivxs em Santiago

CONTRA A RESIGNAÇÃO — Entrevista Sobre a Situação de Mónica Caballero e Francisco Solar