Mais uma vez é preciso atacar o discurso imobilizante em diversos setores da esquerda, justamente nos meios que deveriam estar preparados para o conflito e o dissenso, o que acaba por nos condenar à inação afim evitar uma suposta reação seja no campo reacionário ou nos mais moderados. Sempre que o povo está na iminência de não aguentar mais e ir pras ruas enfrentar o fascismo, começam as interpretações conspiratórias pelas quais isso é o que governo quer para legitimar a reação; começam mesmo entre nós as defesas de que as convocações para o enfrentamento não passam de manipulações e/ou infiltrações da direita para justificar a repressão, o golpe, a intervenção militar, como se fosse impossível, mais uma vez, as pessoas se revoltarem por elas mesmas.
Primeiro, essa é a base da leitura que atribui a 2013 e à revolta popular o início do golpe e o advento do fascismo, que nega a potência das manifestações e do movimento de massa para absolver o PT de ter cavado sua própria cova militarizando favelas, corroborando o genocídio indígena e se aliando aos banqueiros.
Apaga também a repressão histórica à luta do povo, que, neste caso específico, só permitiu a emergência da direita após perseguição e criminalização aos que estavam nas ruas.
Em máximo grau, portanto, passa pano para essa criminalização, a torna aceitável, culpando quem se revolta e apagando nossa história.
Então novamente é preciso dizer: o Estado não precisa de justificativa para legitimar a violência que já exerce. A resposta de quem se revolta não deixa de ser válida apenas porque alguém não confiável a está defendendo. Nossa morte já é mais que um plano, ela está sendo executada diariamente, não temos mais o que temer com um golpe, todos eles já foram dados. Se continuarmos sem reagir por medo do que pode ser ainda pior, simplesmente já estaremos mortos.
Se existem razões para não se ir às ruas hoje, certamente elas não passam pela tentativa de nos calar por meio do discurso do medo. O Estado mata, tortura, violenta, prende, amedronta. E o seu avanço não entra em quarentena.
É urgente praticarmos o autocuidado, que passa pela autodefesa. Isso implica em mudarmos hábitos, mantermos o distanciamento social dentro do possível, evitarmos aglomerações, entre outros. Contudo, isso implica também em combater o medo que leva à inação.
Não queremos morrer infectados pelo vírus, não queremos morrer sufocados pelo peso da bota militar assim como não queremos nos mortificar com a crença nas instituições
O que não faltam hoje são motivos para que o fogo da revolta arda novamente em cada canto de cada cidade. Como dizem as paredes de diferentes partes do sul do planeta, “na democracia ou na ditadura, o Estado (e o capitalismo) te viola, mata e tortura”. Queremos viver e não apenas sobreviver.