​O Estado da Praga – Entrevista com coletivo Chuang


闯 Chuang é um coletivo comunista situado dentro e fora da China, que publica uma revista e um blog. Desde o início da pandemia seus textos, artigos e entrevistas se tornaram conhecidos por revelar uma abordagem crítica sobre as origens do vírus e sua relação com o desenvolvimento do repressivo capitalismo de estado chinês e os argumentos preconceituosos do ocidente para desviar o foco da responsabilidade que o agronegócio tem para o surgimento e difusão de epidemias.

Traduzimos e lançamos, em 2020, um de seus artigos sobre os levantes em Hong Kong contra a lei de extradição e seus paralelos e influência sobre as ondas de protesto no Chile e nos Estados Unidos nas táticas usadas por manifestantes e a relação entre “violência” e “não-violência”.

Abaixo uma entrevista concedida à revista Brooklyn Rail em setembdo de 2021 para anunciar o lançamento em inglês do seu livro Contágio Social – coronavírus, China, capitalismo tardio e o ‘mundo natural’, lançado no Brasil como livro digital gratuito pela editora Veneta. Recomendamos como uma importante leitura para início de mais um ano onde enfrentaremos mais uma vez o vírus da pandemia e do oportunismo autoritário estatal e capitalista.


​O Estado da Praga – Entrevista com coletivo Chuang

Chuang é um coletivo comunista internacional que publica entrevistas, traduções e artigos autorais sobre a ascensão da China através das pilhas de destroços da história e das lutas daqueles que foram arrastados por baixo deles. Ao longo de anos de pesquisas locais, o coletivo desenvolveu uma análise comunista incisiva enfatizando as dimensões globais da experiência chinesa, iluminada pelos debates do século 20 e reforçada pela atenção contínua às mudanças de condições da luta proletária na China e além. Em suas atentas intervenções teóricas e nas janelas para vida cotidiana visíveis em seu blog, o coletivo sempre enfatizou as lições práticas para as muitas batalhas travadas pelos proletários em todo o mundo hoje e no futuro próximo.

Aminda Smith e Fabio Lanza  entrevistaram Chuang para a revista Brooklyn Rail em setembro de 2021 sobre seu primeiro livro,Social Contagion and Other Material on Microbiological Class War in China “. Smith é historiadora da China moderna, codiretora do PRC History Group e professora associada da Michigan State University. Lanza é professor de história moderna da China na Universidade do Arizona.

O livro inclui uma versão atualizada de seu influente artigo Contágio Social” (publicado originalmente em fevereiro de 2020), uma tradução de um relatório chinês sobre as condições dos trabalhadores e as lutas de trabalhadores e trabalhadoras durante e após o pico da pandemia doméstica COVID-19, uma entrevista com dois ativistas sobre suas experiências em Wuhan durante os primeiros meses do surto e um longo artigo sobre como a classe dominante tentou usar esta catástrofe como uma oportunidade para reestruturar e expandir o estado para os interesses da acumulação capitalista de longo prazo. No geral, o livro oferece uma perspectiva nova e surpreendente sobre a relação entre o capitalismo, a pandemia, o projeto de construção do Estado na China e a agência das pessoas comuns.



Aminda Smith e Fabio Lanza (RAIL): A visão geral sobre a resposta da China à pandemia, promovida pela mídia ocidental e pelo Partido Comunista Chinês (PCCh), é que ela teve sucesso devido à enorme capacidade do Estado, sua natureza autoritário ou até mesmo totalitária, sua penetração profunda em todos os aspectos da vida social, todas as características que tornavam aquele modelo de resposta inaplicável e/ou desagradável nos Estados Unidos ou na Europa. No livro, vocês argumentam, de forma bastante convincente, que a pandemia revelou, em vez disso, a fraqueza do estado, e que o estado era finalmente capaz de lidar com a crise, reconhecendo essa fraqueza e delegando autoridade aos governos locais e grupos de voluntários. Esta é uma tese fascinante, então você pode explicar como a resposta do estado à pandemia foi estruturada, o que falhou e o que funcionou no final das contas?

Chuang: Esta é definitivamente uma visão abrangente, tanto na China quanto no exterior. Parte da razão pela qual foi tão eficaz em obscurecer o que realmente aconteceu durante a pandemia é que essa imagem do estado onisciente já estava disseminada de antemão. Talvez possamos apelidá-lo de algo como o “mito da onipotência totalitária”. Mas é importante lembrar que esse mito não é cultivado apenas pelos órgãos oficiais do partido-estado na China para proteger seus interesses. Na verdade, é ainda mais avidamente propagandeado na mídia ocidental, por exemplo, através do tipo de clickbait sinofuturista que relata constantemente como todos na China têm uma “pontuação de crédito social” que determina suas escolhas de vida, como a tecnologia de reconhecimento facial em todas as áreas a cidade automaticamente multará você por infrações menores, ou como o governo está planejando estabelecer centenas de milhares de seus próprios cidadãos em países longínquos da África. Nenhuma dessas coisas é verdade, mas um ambiente de bombardeio constante com esse tipo de conteúdo naturalmente cultiva uma imagem mítica do estado todo-poderoso.

Esse mito disfarça duas coisas. Em primeiro lugar, ele obscurece a fraqueza persistente do estado e a realidade de que, apesar de seu horizonte cintilante, a China ainda é, em muitos aspectos, um país relativamente pobre, especialmente em termos per capita. Se você comparar medidas realmente básicas – como a receita tributária total que vai para o governo central na China e a receita tributária total que vai para o governo federal dos Estados Unidos – isso fica claro instantaneamente. E, em termos per capita, a diferença é obviamente muito ampliada. Em outro exemplo relevante, o gasto público per capita da China com saúde é baixo, mesmo em comparação com outros países em um nível semelhante de desenvolvimento econômico, embora esteja aumentando. Isso também significa que a administração do Estado foi fundamentalmente moldada pela necessidade de “governar à distância”, definida por altos graus de autonomia local, balcanização nas estruturas de comando e vigilância e uma latitude substancial para a corrupção. Isso tem historicamente dado aos governos locais muito mais liberdade e independência na China do que em outros lugares, e todas essas características têm sido realmente importantes para o desenvolvimento de uma classe capitalista doméstica. A corrupção, por exemplo, não é necessariamente “ineficiente” – é uma parte muito normal do desenvolvimento capitalista porque é como os capitalistas nascem quando o mercado se abre pela primeira vez e as regras de engajamento não são bem definidas. É somente depois que o acúmulo atinge um certo limite que todos esses recursos se tornam um obstáculo.

Em segundo lugar, também torna difícil entender adequadamente que a classe dominante na China está engajada em um projeto de construção do Estado bastante extenso, que está sendo construído há décadas, mas realmente começou a acelerar sob Xi Jinping. Essas duas coisas estão conectadas, obviamente, uma vez que a necessidade de construção do estado pressupõe algum tipo de fraqueza. A acumulação avançou o suficiente para que a corrupção, as cadeias de comando deficientes e a falta de canais confiáveis de informação começassem a se tornar mais um obstáculo do que um benefício. O rápido aumento da dívida do governo local, associado a projetos de infraestrutura de estímulo na década de 2010, foi um sinal claro desse problema. A campanha anticorrupção teve como objetivo abordar a questão nos níveis mais altos, eliminando magnatas do interior que potencialmente representavam uma ameaça ao governo central, e também organizar cadeias de comando e canais de informação de cima para baixo.

Ao lado disso, havia coisas muito mais mundanas, como reformas na metodologia usada pelo National Bureau of Statistics e tentativas de integrar melhor todos os tipos de registros públicos. Da mesma forma, várias campanhas de repressão contra feministas, centros de trabalhadores e grupos de estudantes maoistas também mostraram que houve tentativas semelhantes de integração dentro de uma infraestrutura de policiamento mais ampla. As pessoas muitas vezes não percebem que a China era um lugar onde, por décadas, era bastante fácil evitar um processo por vários crimes simplesmente mudando-se para outra cidade – pelo menos até que você chamasse a atenção do estado central – e onde havia uma quantidade assustadora de margem de manobra para as autoridades locais determinarem as punições, o que também significava que era fácil escapar de problemas se você tivesse contatos na delegacia local. Muitas vezes, ainda é fato que a polícia local não terá acesso a bancos de dados nacionais simples e padronizados, portanto, nem sempre é possível suspender sua carteira de motorista, processar suas impressões digitais ou usar seu DNA, mesmo que registre essas informações localmente. Isso está começando a mudar rapidamente, mas é um grande contraste com o que estamos acostumados em muitos outros países e com o mito da onipotência totalitária, que, é claro, pressupõe que esses sistemas são mais integrados e penetrantes na China do que em qualquer outro lugar.

Então, como isso se relaciona com a pandemia? Bem, o exemplo óbvio é que essa delegação local de autoridade foi desastrosa. Apesar de todos os mitos de como essa contenção foi eficaz, é meio risível quando você pensa sobre isso. Afinal, um surto com uma origem geográfica clara e rapidamente identificada acabou se tornando uma epidemia nacional e depois uma pandemia global. Como isso pôde acontecer, quando os médicos identificaram desde muito cedo que alguma nova doença respiratória mortal estava se espalhando na cidade? E quando isso estava claramente relacionado a um coronavírus? Em grande parte, é porque as autoridades locais se apressaram em suprimir informações sobre o surto quando ele estava saindo dos hospitais, incluindo esconder informações do estado central, sem tomar medidas para restringir viagens, fechar negócios ou encorajar o uso de máscaras quando essas coisas teriam sido a mais útil a se fazer. O livro inclui uma longa entrevista com amigos em Wuhan, que oferecem uma linha do tempo detalhada dos eventos e explicam quais informações estavam sendo fornecidas no local. Eles apontam o estranho fato, por exemplo, de que seus amigos em Xangai sabiam mais sobre o surto, em uma data anterior, do que muitas pessoas que moravam na própria Wuhan. Outra coisa que é perceptível nesta narrativa em primeira mão é como houve essa mudança muito repentina na política, efetivamente durante a noite, onde parece que alguma autoridade superior deve ter finalmente intervindo para implementar o bloqueio de forma decisiva. Isso geralmente é um sinal de que o governo central se envolveu, colocando as autoridades locais sob seu comando direto.

Portanto, de muitas maneiras, temos que entender o surto como um grande fracasso inicial – sinalizado pelo fato de que se tornou uma pandemia que está conosco até hoje – e que só prevaleceu internamente pelo esforço coordenado de centenas de milhares de pessoas comuns, muitas vezes trabalhando voluntariamente ao lado das autoridades locais. Não é exagero dizer que a epidemia nunca teria sido contida se não fosse pelo esforço desses voluntários. Ao mesmo tempo, foi completamente fortuito que o surto tenha ocorrido em grande parte em uma única cidade e, o que é mais, na véspera do Festival da Primavera, quando todos já estavam estocados na expectativa de que os negócios fossem encerrados. Isso minimizou o impacto imediato do bloqueio e permitiu que o estado central concentrasse a vasta maioria de seus recursos em Wuhan (e, em menor grau, em Pequim – onde o governo central está realmente localizado). Ao mesmo tempo, o governo central, por meio do CDC (Centro Chinês para Controle e Prevenção de Doenças), entendeu a importância de abrir o fluxo de informações, convidar investigadores médicos internacionais, compartilhar pesquisas sobre o novo vírus imediatamente e criar rapidamente padrões de prevenção facilmente delegáveis que erraram em o lado da segurança. Da mesma forma, eles intervieram para garantir que os sistemas de alimentação e energia estivessem sendo mantidos. Este é o nível em que você pode identificar um certo sucesso. Durante todo o processo, o governo reconheceu sua própria incapacidade e, com muita eficácia e rapidez, delegou imensas quantidades de autoridade administrativa de fato ao nível mais baixo de governança, que incluía toda uma gama de órgãos administrativos impulsionados em todos os pontos pelos esforços de voluntários.

Rail: Durante a era Mao (você usa o termo “regime desenvolvimentista”), o estado fez um esforço para atingir a sociedade, até o nível de bairro, por meio de formas organizacionais híbridas, como os comitês de residentes. Eles ainda estão em operação, então qual foi seu papel durante a pandemia? Suas capacidades organizacionais foram reduzidas durante o período de reforma?

Chuang: No que chamamos de regime desenvolvimentista socialista (da década de 1950 até a retomada da transição capitalista na década de 1970), houve uma tentativa capenga de estender o Estado até os níveis mais locais da sociedade e uma certa expectativa de que, ao fazer assim, o próprio estado deixaria de ser uma presença distante e estranha na vida das pessoas e, em vez disso, se tornaria uma instituição verdadeiramente universal. Foi assim que o processo foi expresso em teoria. Na realidade, o que aconteceu foi uma extensão hesitante e geograficamente desigual da autoridade central, seguida por uma fragmentação dessa autoridade em muitos locais autárquicos de tomada de decisão. Os principais símbolos dessa experiência não eram propriamente os comitês de moradores, mas sim os vínculos com o partido e o aparato de planejamento que se formava nas empresas e nos coletivos rurais.No caso rural, algumas dessas ligações foram preservadas nas reformas iniciadas na década de 1980 e formalizadas no status legal de “autonomia da aldeia”, centralizado no comitê de moradores como a unidade fundamental da administração rural.

Os comitês de moradores foram criados inicialmente nas áreas urbanas durante o regime de desenvolvimento, mas não eram os principais órgãos da administração local. Em vez disso, a governança cotidiana era em grande parte transferida para as várias empresas da cidade, em grande parte autárquicas. Se você fosse um residente urbano naqueles anos, a grande maioria de seus bens de consumo básicos – moradia, roupas, comida e até entretenimento – era fornecida gratuitamente por meio de seu danwei , ou unidade de trabalho, vinculado a um determinado empreendimento. Comitês de residentes foram criados para administrar a (inicialmente) pequena parcela da população urbana que não tinha um danwei. Perto do final do regime de desenvolvimento, no entanto, muitas cidades (especialmente no sul) começaram a ver um crescimento em sua população de trabalhadores migrantes rurais. Tecnicamente, como esses trabalhadores não tinham um danwei urbano , eles estavam sob a autoridade administrativa do comitê de residentes para qualquer distrito em que vivessem e/ou trabalhassem. No início, eram principalmente trabalhadores sazonais. Mas, com o tempo, eles se tornaram uma característica cada vez mais permanente da cidade. À medida que o regime desenvolvimentista começou a entrar em colapso e a transição capitalista foi retomada[1], muitas cidades experimentaram um rápido crescimento, mesmo enquanto a velha empresa e o sistema de bem-estar das unidades de trabalho estavam sendo desmantelados. O resultado final foi que a maioria das pessoas que viviam nas cidades não tinha vínculos com nenhuma empresa local e, portanto, estava sob a autoridade do comitê de residentes.

Portanto, o comitê de residentes era uma instituição inteiramente marginal que, acidentalmente, sobreviveu ao desmantelamento do regime desenvolvimentista e passou a ocupar uma função completamente diferente da pretendida originalmente. Inicialmente, porém, o estado realmente não tinha recursos para construir adequadamente sua infraestrutura governamental local. Ao longo das décadas de 1980 e 1990, tanto nas áreas rurais quanto nas urbanas, houve uma série de mudanças legais concedendo “autonomia” aos órgãos administrativos locais e designando o comitê de residentes da “comunidade / bairro” (社区) como a unidade fundamental da cidade administração, semelhante aos comitês de aldeia no campo, onde essas reformas foram acompanhadas pela implementação de eleições locais. Mas tudo isso foi feito em um contexto de reversão geral da autoridade do Estado. Realmente, só nos últimos anos é que as atenções se voltaram para a construção do estado em nível local. A pandemia foi um grande ímpeto nesse sentido, pois dividiu claramente as áreas onde os comitês de residentes funcionavam das áreas onde não funcionavam. Em muitos lugares, os comitês permaneceram efetivamente vazios por anos. Em outros, eles funcionaram como pouco mais do que um site para as formas mais medianas de corrupção local e nunca ofereceram nenhum serviço público real. Agora, está pelo menos claro que haverá uma tentativa combinada de construir esses órgãos, colocá-los sob cadeias de comando mais claras, vinculá-los mais estreitamente às delegacias locais de polícia, etc.

Rail: Você descreve, em detalhes, um processo de mobilização em massa em resposta à pandemia, com grupos de voluntários prestando todos os tipos de serviços, tanto para conter a propagação quanto para ajudar as pessoas a sobreviverem à pandemia, mas deixa claro que essa mobilização não era necessariamente contra o estado, nem representava uma ameaça à legitimidade do PCCh, apesar do tratamento inadequado da crise. Além disso, parece que, em alguns casos, esses esforços de ajuda mútua reforçaram as divisões sociais pré-existentes, em vez de fornecer uma chance para alianças trans-sociais. Porque?

Chuang: Às vezes, os voluntários operavam com total independência do governo. Mas houve muito poucos casos em que entenderam que sua atividade estava em total oposição a ela e, meses depois, quando o estado interveio para pedir-lhes que interrompessem suas atividades, todos o fizeram. Isso não quer dizer que o processo não foi confuso ou mesmo antagônico às vezes. Em muitas áreas, especialmente no campo, houve uma mobilização local bastante agressiva voltada para excluir basicamente quaisquer forasteiros. Isso foi visível nas redes sociais chinesas, que mostravam aldeões de meia-idade guardando barricadas com armas arcaicas (uma ilustração dessa cena serve de capa do livro) ou voluntários patrulhando bairros com drones e gritando com qualquer um que fosse encontrado do lado de fora. Essas imagens eram populares e, na maioria das vezes, alegres, mas em seus extremos a mesma atitude costumava ser perigosa, xenófoba e violenta. Em um caso, um motociclista foi decapitado porque um vilarejo havia colocado um arame em sua entrada para evitar que estranhos tivessem acesso. E quando a província de Hubei (onde Wuhan está localizada) foi reaberta, houve um confronto amplamente relatado na fronteira com Jiangxi, envolvendo policiais de ambos os lados lutando entre si, porque o lado de Jiangxi achou que era muito perigoso permitir a entrada de pessoas de Hubei.

É difícil enfatizar o quanto a atitude pública básica na China difere da de muitos países ocidentais. Nem foi esse o caso em que todos confiaram no governo e se ofereceram para ajudar por causa de alguma fé na autoridade. Na verdade, exatamente o oposto era verdadeiro: muitas pessoas se sentiram motivadas a se voluntariar precisamente porque não tinham confiança de que o estado seria capaz de conter o vírus com eficácia. Eles viram a incapacidade e a corrupção dos funcionários locais em primeira mão durante toda a sua vida e, portanto, não tinham confiança de que essas pessoas seriam capazes de fazer o trabalho. Se havia uma diferença fundamental, não seria encontrada em alguma obediência imaginária ao estado. Em vez disso, parece que o principal contraste entre o sentimento público na China e em outros lugares era que havia uma falta generalizada de fé no estado, uma intuição de que o problema não seria resolvido automaticamente pelas autoridades competentes e que todos tinham para se unir para se mobilizar contra o vírus. Em lugares como os EUA, a falha na capacidade estatal teve um caráter quase exatamente oposto, sem ninguém realmente preparado para reconhecer e lidar com a realidade da competência em declínio, especialmente quando se tratava do declínio dos serviços públicos. Então você teve uma atitude muito diferente nos Estados Unidos, com alguns criticando a resposta de seu estado particular em pequenos protestos anti-máscara, outros apoiando medidas estaduais ou esperando por uma resposta maior, mas fazendo isso de casa.

Rail: E quanto aos trabalhadores? A pandemia abriu novas possibilidades para a mobilização dos trabalhadores contra o capital ou outras vias restritas de organização e ação?

Chuang: Apesar da recuperação (relativa) da economia doméstica durante o segundo semestre de 2020 e neste ano, houve muito menos ações dos trabalhadores do que nos anos anteriores. Isso é mostrado nas poucas estatísticas disponíveis de organizações como o China Labour Bulletin (CLB), que registrou um pouco mais da metade do número de incidentes em 2020 em relação ao ano anterior, e esses números parecem estar de acordo com o que nós e nossos amigos temos visto no chão. Os setores de manufatura e mineração lideraram o declínio aqui, continuando um declínio já plurianual em incidentes em massa desde seu pico no início de 2010. A maioria dos outros setores o seguiram. A queda nos protestos manufatureiros também pode ter sido relacionada à explosão da produção até o final do ano, onde a China, cujas fábricas permaneceram abertas enquanto tantas foram fechadas ao redor do mundo,experimentou aumento dos salários e escassez de mão de obra enquanto as empresas lutavam para atender à demanda de exportação[2]. As disputas trabalhistas em manufatura e serviços começaram a aumentar em meados de 2020 – conforme documentado no artigo traduzido escrito por alguns amigos nossos, que serve como capítulo dois do livro – mas é discutível até que ponto o número de disputas reflete o número de ações trabalhistas. Embora as estatísticas ainda não estejam disponíveis para todo o ano de 2020, parece que as disputas trabalhistas, como uma medida geral de conflito, estavam pelo menos no mesmo nível do ano anterior. Por exemplo, em Pequim, os tribunais de arbitragem trabalhista receberam mais de 94.000 casos nos 10 meses entre janeiro e outubro[3]. Isso corresponde essencialmente aos 93.000 casos coletados nos nove meses entre janeiro e setembro de 2019, o que já foi um aumento de 37,4% em relação ao ano anterior[4].

Houve, no entanto, um aumento curioso no número de trabalhadores da construção civil protestando contra os atrasos salariais em 2020, conforme registrado pelo CLB – o maior já registrado pela organização desde o início do projeto de mapeamento em 2011. E talvez ainda mais estranho, nos primeiros meses de 2021, houve uma ausência do aumento maciço de protestos dos trabalhadores da construção civil que normalmente é visto antes do Ano Novo Chinês, quando os trabalhadores bloqueiam estradas, realizam marchas ou até mesmo ameaçam suicídio para receber o pagamento de fim de ano para que não viagem de volta para casa com as mãos vazias. Isso pode ser devido, pelo menos em parte, às restrições de viagem pela COVID-19 impostas aos trabalhadores durante o feriado de Ano Novo. Algumas estimativas mostraram que o número de viajantes em 2021 caiu em até 60% em comparação com 2019, atingindo o menor número de viagens registradas em 20 anos[5]. Em contraste, as ações dos trabalhadores no setor de logística, especialmente entre os passageiros que fazem entregas, são uma área em que a organização dos trabalhadores se expandiu durante a pandemia. As ações no setor de logística como um todo representaram 20% de todas as ações dos trabalhadores em 2020, o nível mais alto em vários anos. Este setor provavelmente produzirá altos níveis de agitação nos próximos anos, à medida que o comércio eletrônico continua a se expandir. Essencialmente, todas as ações trabalhistas de alto nível que ocorreram no ano passado (2020) envolveram motoristas de entrega. Na época, traduzimos um artigo viral[6] sobre a situação dos entregadores de alimentos que já circulavam na China, gerando discussão pública em todo o país e até gerando algumas declarações obrigatórias por parte dos dois gigantes do setor, Ele.me e Meituan. Essas declarações foram acompanhadas por mudanças bastante mornas, no entanto, com as empresas fazendo apenas pequenos ajustes para permitir que os passageiros tenham mais tempo para fazer seus pedidos, mas fazendo pouco para resolver os problemas subjacentes por trás das queixas dos trabalhadores.

Então, no final de fevereiro de 2021, o mais proeminente organizador popular de entregadores de entregas da China, Chen Guojiang – conhecido simplesmente como “Mengzhu” ou “líder de grupo” (盟主) por amigos e ativistas – foi detido pelas autoridades, provavelmente com a intenção de manter o A mídia social franca ficou quieta durante o congresso nacional do partido no início de março. Desde então, Chen foi acusado de “criar brigas e provocar problemas” (寻衅 滋事), a acusação mais comum usada para prender todos os tipos de agitadores em todo o país durante anos.[7] Alguns amigos falaram com Mengzhu antes de ele ser detido, sabendo como ele se organizou. Com base em Pequim, ele mantinha uma vasta rede de milhares de transportadores, principalmente no norte do país. Ele desenvolveu a rede em parte por causa de sua forte presença na mídia social, transmitindo ao vivo a vida dos entregadores. Ele também aconselhou outros pilotos, organizou refeições em grupo e até alugou um pequeno apartamento com cama em Pequim, onde pilotos novos na cidade podiam se hospedar gratuitamente por uma ou duas noites enquanto procuravam seu próprio lugar. Aqueles que o conheciam também descreveram como Mengzhu havia transformado sua plataforma em uma espécie de pequeno negócio para si mesmo, ganhando pequenas taxas aqui e ali, incluindo a coleta de bônus por recomendar pilotos para a plataforma, ou dos eventos que ele organizou para os pilotos .Durante seu tempo na plataforma, Mengzhu também ajudou a organizar várias greves de pilotos e foi supostamente bem-sucedido em atender às demandas dos trabalhadores. Ele e outros organizadores da greve também foram presos pela polícia em algum momento de 2019. Em suas discussões com amigos, ele observou enfaticamente que seu estilo de organização não podia ser imitado e atribuiu seu apelo generalizado à sua obsessão pessoal com networking, ajudar os outros e realizar streaming para seu público. No momento em que este artigo foi escrito, Chen continuava detido e ainda aguardava julgamento.[8] Amigos de Mengzhu tentaram arrecadar dinheiro para pagar honorários advocatícios no WeChat, mas o link para a página de arrecadação de fundos foi bloqueado pelos censores.

Mengzhu oferece um quadro interessante da realidade complexa e muitas vezes contraditória da organização dos trabalhadores na China, que raramente corresponde à miragem do “movimento trabalhista” promovido por muitos ativistas. Neste caso, a fama nas mídias sociais e até mesmo uma espécie de ethos empreendedor de pequena-empresa parecem ter sido parte integrante do crescimento da rede de Mengzhu. Argumentamos que essas complexidades inesperadas são essenciais para a compreensão da organização do trabalhador a longo prazo. Tanto no primeiro quanto no segundo número de nossa revista, procuramos enfatizar uma visão mais ampla da organização que extrapolou os limites do “movimento operário”, que atua como pano de fundo teórico para tantas análises do conflito de classes na China.[9] No futuro, será ainda mais essencial abandonar as presunções herdadas sobre como deve ser um “movimento operário” ou mesmo um “movimento social” mais geral, se esperamos compreender o caráter real da guerra de classes. Por exemplo, junto com o recente aumento nas ações das fábricas, podemos notar a força social potencial da franja em expansão de trabalhadores desempregados e subempregados, que estão crescendo em número em todo o país. Na extremidade inferior, isso é sugerido pela organização entre os entregadores de delivery e pelas demolições em curso que visam a chamada “população de baixa renda” (低端 人口).[10] Mas também é visível entre aqueles que ocupam posições sociais marginalmente mais elevados, como no discurso sobre a “involução” (内 卷) e no regime de trabalho “996”[11] entre os trabalhadores de colarinho branco, ou ainda mesmo no número crescente de protestos de proprietários de imóveis.[12]

Ainda não está claro como essas tendências afetarão as tensões sociais. Mas a desaceleração em curso no crescimento econômico parece indicar que todas essas tendências irão piorar com mais estagnação. A extensão do desemprego na China no último ano da pandemia ainda é pouco conhecida, mas a situação não deve melhorar significativamente. Durante o congresso do partido em março de 2021, o premiê Li Keqiang citou a criação de empregos como a “principal prioridade” do governo central, parecendo indicar que o emprego ainda não se recuperou verdadeiramente do declínio. Isso é ainda mais confirmado pela realidade de que foi a renovação do boom imobiliário – e não um renascimento industrial – que primeiro tirou a economia nacional de sua depressão após o lockdown. Enquanto isso, temos que ter em mente como os problemas econômicos afetaram os setores do colarinho-branco mais ricos ou mesmo pequenos burgueses, setores da sociedade que estão, sem dúvida, sentindo a pressão da perda de empregos e cortes de salários ou a dizimação de seus negócios, tudo em cima do já pesado fardo de dívidas que carregavam antes da pandemia. Embora essas tensões sociais possam não parecer tão inerentemente esquerdistas quanto as lutas trabalhistas, elas provavelmente continuarão a causar ondas e, infelizmente, a atrair mais a atenção e a ação da elite política. Como observamos em nosso último número da revista, a agitação social dos proprietários parece ter superado o número dos protestos trabalhistas no final dos anos 2010. Agora, no mundo pandêmico e pós-pandêmico, a política de classe provavelmente assumirá outras formas inesperadas com base nessas tensões sociais subjacentes. É essa realidade – e não uma analogia histórica de má qualidade – que deve servir de ponto de partida para qualquer pessoa que tente especular sobre o futuro do conflito de classes na China.

Rail: No final do livro, você fazem um argumento bastante interessante, e pode-se dizer especulativo, sobre o futuro do Estado chinês, uma vez que a pandemia deixou clara a necessidade de reconstruí-lo. Você argumenta que, embora continue em sua função primária a serviço do capitalismo, o estado está sendo reestruturado em algo diferente dos estados ocidentais ou de seus precedentes imperialistas e socialistas, enquanto recicla elementos de todos esses modelos. Para quais novas necessidades específicas e novos desafios este novo estado está sendo reestruturado e em que princípios ideológicos ele se baseia?

Chuang: Basicamente, a ideia central aqui é dupla: primeiro, estamos argumentando que a China ainda está em processo de construção de um estado propriamente capitalista. Não há nada realmente novo nisso, é claro, e os imperativos centrais do estado capitalista são mais ou menos universais, o que significa que muitos aspectos desse processo são muito semelhantes aos projetos de construção do estado que acompanharam o desenvolvimento capitalista em outros lugares. Mas, em segundo lugar, também é errado supor que isso significa que o estado que está sendo construído na China hoje será necessariamente semelhante a qualquer um dos estados capitalistas anteriores que surgiram em lugares como os Estados Unidos, a Europa ou nas colônias em seus detalhes. Esses imperativos capitalistas universais são requisitos básicos, mas a existência de funções universais não nos dá muitos discernimento sobre as estruturas institucionais exatas que são adaptadas para servi-las. Na verdade, esperaríamos que ocorresse o oposto: à medida que mudam as condições de acumulação de capital global, esse projeto de construção do Estado torna-se cada vez mais parte integrante de todo o processo de desenvolvimento. Não é coincidência que cada onda de industrialização de “desenvolvimento tardio” tenha visto o estado desempenhando papéis cada vez mais centrais em todo o processo. As pessoas frequentemente esquecem que uma das previsões mais consistentes de Marx sobre como o capitalismo se desenvolveria era que a escala social de produção aumentaria junto com a centralização industrial e que o sistema de crédito desempenharia um papel integral na gestão da acumulação em tal escala. Então, é realmente tão inesperado testemunhar o surgimento de um estado supervisionando enormes conglomerados industriais, ao lado de tentativas de disciplinar e direcionar suas atividades por meio da supervisão institucional e do fornecimento de crédito por meio de grandes bancos estaduais (não vale pena notar que principalmente por meio de injeções fiscais)?

Em um nível mais filosófico, há outra dimensão para este segundo argumento. Porque não se trata apenas do fato de que estados mais expansivos agora são necessários para garantir as condições básicas de acumulação. Também aborda a questão de como esse processo é percebido por aqueles que nele estão envolvidos e que tipo de forma ideológica ele assume. Em parte, esta peça foi escrita como uma réplica a toda a moda da filosofia ocidental que tenta teorizar “o estado” como tal puramente por referência à experiência europeia e à linhagem civilizacional que remonta a Roma – como se a jurisprudência romana abrisse esta janela secreta para o funcionamento interno do estado hoje. Estamos dizendo: não, você não pode simplesmente pegar algo que Foucault ou Agamben ou mesmo Mbembe escreveu sobre a Europa moderna, a Roma antiga ou o mundo colonial,e aplicá-lo no atacado à China, como se a lógica da política fosse um transplante inteiramente estrangeiro, introduzido na transição para o capitalismo. Na verdade, queremos apontar que há uma arrogância enlouquecedora de filósofos que escrevem críticas de “império” e “civilização” que nada sabem sobre a história de todos os maiores impérios de vida mais longa em toda a Ásia (para não mencionar na África ou na Américas).

Neste caso, a realidade é ainda mais contundente, porque a China tem sua própria tradição filosófica vibrante e de longa data que sempre se preocupou (na verdade, este é sem dúvida sua preocupação central) com questões de governança e política. Mais importante ainda, esta tradição filosófica está sendo ativamente revivida hoje, fundida com tendências conservadoras do pensamento ocidental e seletivamente implantada por aqueles que estão no poder para justificar ideologicamente, conceituar e até mesmo guiar o progresso material do projeto de construção do estado no terreno. É muito importante compreender esta dimensão do processo, mesmo que também tenhamos que ter em mente que a expressão filosófica do projeto de construção do Estado vai ser diferente da realidade no terreno. Não é realmente o caso que esta filosofia atua como um “manual” para aqueles que estão no poder, ou mesmo que forneça uma imagem precisa de como o poder do Estado funciona na realidade. Na verdade, muitas vezes faz o oposto, idealizando o estado e afirmando uma missão quase cosmológica para o PCCh,encarregado de liderar o rejuvenescimento espiritual da suposta nação chinesa. Mas essa é uma característica importante de como esse processo está sendo expresso por meio da reflexão sobre si mesmo. Por todas essas razões, pegamos emprestado um pouco da linguagem exagerada desses filósofos e demos a este capítulo um título irônico: “A praga ilumina a grande unidade de todos sob o céu”. Claro, essa unidade é uma piada.

Nada disso significa que o projeto de construção do Estado simplesmente avançará sem ser contestado. Como acontece com qualquer elemento do capitalismo, podemos ter certeza de que o conflito de classes nunca é eliminado definitivamente. Mas pode não ter a forma que esperávamos. Podemos de fato ver mais atos de desespero e desespero, conforme os conflitos sociais explodem de maneiras imprevisíveis, especialmente para as camadas mais baixas da sociedade chinesa, como o recente bombardeio de um prédio do governo em Guangzhou por causa de uma disputa de terra, ou o recente suicídio de um motorista de caminhão por uma multa de 2.000 yuans (cerca de US$ 300).[13] As queixas de maior valor das camadas superiores, como fraude de investimento ou conflitos de desenvolvimento imobiliário, provavelmente continuarão a crescer em número e receberão mais cobertura na mídia nacional e estrangeira – esses indivíduos também tendem a ter maior acesso ao sistema jurídico e uma melhor chance de reconhecimento formal a esse respeito. Isso pode não refletir o real “equilíbrio de forças” em relação à luta de classes na China, mas podemos esperar que, pelo menos na superfície, haverá um crescente “emburguesamento” das lutas sociais, por falta de uma palavra melhor, mesmo assim. Processo é pontuado por explosões violentas dos mais pobres do país. Desnecessário dizer que as demandas dos ricos (como a manutenção do vacilante mercado imobiliário) serão uma das principais prioridades do Estado. O mesmo não acontece com os caminhoneiros ou a “população de baixa renda” que vê suas casas demolidas.

Devemos também estar atentos aos caminhos de como as formas celulares e o estilo de mobilização pelo estado podem se desenvolver no futuro. Como observamos no capítulo final do livro, embora o estado formal se mostrasse relativamente fraco, as estruturas de poder de pequena escala foram moldadas em uma velocidade incrível. Comitês de residentes locais, seguranças e outros voluntários – com ligações a partidos e organizações governamentais – tornaram-se as principais faces do poder estatal quando se tratava de regulamentar o movimento de cidadãos entre bairros, ou mesmo dentro e fora de suas casas. Esses desenvolvimentos também não passaram despercebidos pelo capital. No ano passado, o chefe da Câmara de Comércio Europeia, Jorge Wuttke, não se queixou do desenvolvimento de alguma burocracia abrangente, centralizada e autoritária que atrapalha os negócios, muito pelo contrário:“A colcha de retalhos de regras conflitantes que emergiu da luta contra o COVID-19 produziu centenas de feudos, tornando quase impossível transportar mercadorias ou pessoas pela China.” Como principal representante do capital estrangeiro, Wuttke pediu ao governo que padronizasse medidas “em jurisdições maiores” para “colocar a economia real de pé”.[14] Esse poder em retalhos permanece até hoje, embora de uma forma mais latente. Apesar da pandemia ter passado e esses sistemas tenham relaxado um pouco, a realidade é que eles não desapareceram. As redes recém-desenvolvidas que ligam os órgãos formais do poder estatal a corpos informais de voluntários, empresas de gestão imobiliária, segurança, etc. simplesmente afundaram logo abaixo da superfície, chamando a atenção e reafirmando sua presença sempre que ocorrem surtos locais. No entanto, isso não é importante apenas para o gerenciamento da pandemia. A parte mais especulativa do capítulo argumenta que redes igualmente locais e o que chamamos de “para-formais” podem surgir em face de choques nativos ou exógenos, como uma corrida aos bancos, ou durante a mobilização nacionalista que acompanharia qualquer conflito militar .


Para mais textos do coletivo Chuang em português:

Notas:
  1. Conforme examinado em nosso artigo “ Red Dust” , isso na verdade começou sob Mao, não Deng Xiaoping, e é uma das muitas razões pelas quais argumentamos que periodizar a história chinesa de acordo com a sequência de “grandes líderes” é enganoso. Intencionalmente, nunca chamamos o regime de desenvolvimento de “era Mao”, por exemplo, nem a transição para o capitalismo de “era Deng”, porque a história não pode ser reduzida a ações, caprichos ou teorias políticas de estadistas.
  2. Gabriel Crossley e Stella Qiu, “China’s stunning export comeback has factories scrambling for workers”, Reuters, 20 de dezembro de 2020. https://www.reuters.com/article/us-china-economy-manufacturing-idUSKBN28V0AL .
  3. 疫情期间务工者遇到劳动争议该咋办? “What should workers with a labor grievance do during the pandemic?” 公民日报 People’s Daily, 27 de novembro de 2020. www.xinhuanet.com/fortune/2020-11/27/c_… .
  4. 北京发布2019年劳动人事争议仲裁十大典型案例 “Beijing Announces Top Ten Labor Arbitration cases from 2019” 新华网 Xinhua. www.xinhuanet.com/2019-11/05/c_11251960..
  5. SCMP Reporter, “China’s annual Lunar New Year migration, usually the biggest of its kind, looks very different in 2021″, South China Morning Post, 7 de fevereiro de 2021. www.scmp.com/magazines/post-magazine/lo…..
  6. Chuang and Friends (Trans), “Delivery Workers, Trapped in the System”, Chuang Blog , 12 de novembro de 2020. https://chuangcn.org/2020/11/delivery-renwu-translation/ .
  7. Sobre Mengzhu e sua prisão, veja Emily Feng, “He Tried To Organize Workers In China’s Gig Economy. Now He Faces 5 Years In Jail”, NPR, 13 de abril de 2021, www.npr.org/2021/04/13/984994360/he-tri… ; Matt Dagher-Margosian, “Free Mengzhu! An interview with Free Chen Guojiang 关注盟主”, Asia Art Tours, https://asiaarttours.com/free-mengzhu-an-interview-with-free-chen-guojiang-关注盟主/. Sobre casos semelhantes no passado, veja nosso artigo “Picking Quarrels” da segunda edição de nossa revista: https://chuangcn.org/journal/two/picking-quarrels/ .
  8. Os últimos relatórios dos direitos trabalhistas que monitoram o China Labour Bulletin no início de junho afirmam que ele ainda está detido. Consulte “Food delivery worker burns uniform in symbolic protest”, China Labour Bulletin, 8 de junho de 2021. clb.org.hk/content/food-delivery-worker… .
  9.  Consulte “No Way Forward, No Way Back” e “Gleaning the Welfare Fields” na edição 1 e “Picking Quarrels” na edição 2, ambos disponíveis aqui: https://chuangcn.org/journal .
  10. Sobre o discurso da “população de baixa renda” e sua popularização após a demolição de residências de baixo custo em Pequim em 2017, consulte: “Adding Insult to Injury: Beijing’s Evictions and the Discourse of Low-End Population”. https://chuangcn.org/2018/01/low-end-population/ .
  11. Para uma discussão de ambos, consulte: “Involution: Wildcat on China’s 2020”. https://chuangcn.org/2021/05/involution-wildcat-on-chinas-2020/ .
  12. Para uma análise das tendências de longo prazo, veja nossa análise em “Picking Quarrels,” citado acima. Exemplos de protestos de proprietários de casas podem ser encontrados diariamente online, para aqueles que procuram. Incidentes maiores às vezes são abordados em detalhes em publicações críticas para a China, como a Radio Free Asia, talvez uma vez por mês ou mais. Por exemplo, os residentes de um bairro em Chongqing entraram em confronto com mais de uma centena de policiais do choque em maio por causa de um conflito de longa data com autoridades que queriam estabelecer um escritório do governo local em sua comunidade residencial. Veja: “重庆 保 利 香雪 小区 爆发 大规模 抗暴 事件 业主 赶走 数百 名 黑衣 人” www.rfa.org/mandarin/yataibaodao/renqua…. A campanha de demolição do governo de Pequim no complexo de Xiangtang, nos subúrbios ao norte da cidade, foi relatada por vários veículos de língua inglesa. Por exemplo, consulte: “Residents Protest As China Demolishes Some Of Beijing’s Wealthy Suburbs”. www.npr.org/2021/01/26/960855956/reside….
  13. Veja nosso relatório recente sobre esses eventos: “Bombing the Headquarters: Desperate Measures in a Time of Involution”, Chuang Blog , 23 de maio de 2021. https://chuangcn.org/2021/05/bombing-headquarters/ .
  14. Veja “COVID-19 Severely Impacting Business: trade associations call for proportionate measures to get real economy back on track”, um comunicado de imprensa conjunto da Câmara de Comércio Alemã na China e da Câmara de Comércio da União Europeia em Câmara, 27 de fevereiro de 2020. china.ahk.de/news/news-details/covid-19….

Revista Tormenta #2 – 2021

[Baixar PDF]

Esta é segunda edição da Revista Tormenta, que compila alguns dos principais artigos de análise, entrevistas e traduções que fizemos sobre as lutas sociais radicais no Brasil e outros países em 2021. Escrevemos ainda sob os efeitos da maior pandemia do século agravada por um dos governos mais desastrosos que já dominaram este território. Gostaríamos de estar aqui comentando os avanços das lutas antifascistas em 2021, mas os eventos nos limitam buscar ânimo e recuperar o fôlego depois que o potencial das mobilizações de rua se chocaram com os medos e de desejos legalistas de partidos e movimentos alinhados com a lei burguesa. Esses sim lutaram como nunca para pacificar as ruas. Entre sonhos de trazer uma imagem do passado de governos petistas e a falta de senso crítico, preferiram se juntar à direita e negociar a paz com a polícia. Vimos os atos antibolsonaristas serem rifados pelas frentes amplas de partidos e centrais sindicais. A criminalização, a agressão física e até a fabricação de “infiltrados” serviu para isolar qualquer forma de ação combativa, linhas de frente e blocos autônomos capazes de defender manifestantes e atacar as estruturas de poder capitalista e estatal.

Enquanto no oeste da Europa, ou países como Índia, Tunísia e Grécia, a ciência e o combate à pandemia são usados como pretexto para a repressão policial, por aqui a mentalidade obscurantista do governo faz uso de discursos anticientíficos (ou de uma metódica ciência eugenista) para deixar morrer centenas de milhares de pessoas de uma infecção evitável – que em seu segundo ano, não conta sequer com dados sobre infecções e hospitalizações transparentes. Como previmos, o governo de Jair Bolsonaro e seus militares segue inabalado apesar da CPI da Covid enumerar seus inúmeros crimes contra a vida e a deliberada propagação do vírus. Ainda que os governos de extrema-direita estejam perdendo tração e sendo derrotados nas urnas nos últimos dois anos, não podemos ter a esperança de que eleições eliminem o bolsonarismo e o fascismo da política, da polícia ou das ruas. Construir a luta radical, de base, direta e autônoma será necessário para provar mais uma vez que a institucionalidade e a democracia representativa nunca foram atalhos para uma transformação social real.

Esperar que um novo governo PT reproduza, no atual contexto de resseção e retração dos investimentos externos, a política econômica que aliviou a miséria de milhões no início dos anos 2000 é tão absurdo quanto esquecer o aumento de 620% do encarceramento, as UPPs, os desalojos de milhares de pessoas para obras da Copa e Olimpíadas, lei antiterrorismo, o uso do exército como polícia e toda a estrutura repressiva que o atual governo herdou – se alguém se espanta com o a atuação do General Heleno, atual ministro-chefe do GSI, deve lembrar dos massacres que ele comandou no Haiti em nome do governo Lula. A volta do PT ao governo pode afrouxar a corda nos nossos pescoços, mas a forca estará sempre montada para ser usada, especialmente quando a extrema-direita tomar o poder novamente.

Após o fracasso de Trump em se reeleger, da vitória de Boric no Chile e as pesquisas eleitorais apontarem Lula como favorito em 2022, é possível que vejamos os limites dos governos de aspiração fascista e estilo populista. O extremismo dos que se dizem “sem viés ideológico” carrega tanta ideologia que os torna capazes até de ignorar dados científicos primários – em vez de utilizá-los em prol da gestão neoliberal e se apresentarem como heróis com a solução para a pandemia. As mortes e prejuízos econômicos e diplomáticos dessa equação podem não ser capazes de manter o poder em suas mãos por muito tempo. No entanto, apesar da perícia petista em gestão, conhecemos bem os limites dos governos progressistas que falharam em sanar os efeitos catastróficos do neoliberalismo nas Américas nas últimas décadas. Enquanto buscam respeitar as leis e a etiqueta dos ritos democráticos, não conseguem competir com as paixões mobilizadas pela direita que declara abertamente seu ódio às minorias, afirma que opositores são inimigos e devem ser eliminados, que seus apoiadores devem se armar e que somente uma “guerra civil resolverá os problemas do país”.

O moralismo de esquerda ainda não é páreo para a radicalidade do pânico moral fascista. Muito menos para eliminar sozinho a estrutura mafiosa dos militares se mantiveram no poder ao fim da ditadura e construíram uma base miliciana, com grupos de extermínio e toda sorte de crime organizado que hoje celebra e se beneficia do governo Bolsonaro. Sabemos, também, que apesar das forças de centro-esquerda se colocarem como oposição ao bolsonarismo, sua possível volta ao governo servirá mais uma vez como recomposição das forças com a manutenção do pacto de pacificação e amansamento das possibilidades de insurreição. O plano deles é que “tudo mude” para que permaneça exatamente igual.

Podemos esperar um dos mais conflituosos anos eleitorais. A promessa de violência nas ruas para contestar qualquer resultado negativo nas urnas já está feita. E a demonstração de que há números e disposição para ocupar as ruas foi feita no último 7 de setembro. Subestimar o potencial de seus militantes mais fanáticos é ignorar a influência que a invasão do Capitólio em janeiro de 2021 pode ter sobre o bolsonarismo por aqui.

A eleição vai colocar como nunca esse embate à prova, às custas da pacificação de qualquer oposição radical nas ruas contra esse governo. Além de espalhar mais uma vez uma outra campanha para mostrar que existe ação política além do voto, devemos combater tanto a ordem que a esquerda neoliberal quer impor quanto o caos dentro da ordem que esse governo fascista quer fazer crescer. Não importa quem for eleito, seremos ingovernáveis!!


VÍDEO: FIM DE ANO / FIM DO MUNDO

Para enterrar esse ano e abrir um novo ciclo de lutas, aqui uma mensagem de ano novo do coletivo Antimídia, com quem tivemos a honra de colaborar em diversos vídeos em 2021:

DAS BARRICADAS #3 Entrevista Sobre as Lutas na Colômbia – com Editorial Piedemonte

Dando continuidade à série de entrevistas com pessoas e grupos tomando parte nos levantes no território colombiano em 2021, trazemos uma conversa com Editorial Piedemonte, de Bogotá, coletivo editorial subversivo dedicado à circulação de literatura libertária independente.

Nessa entrevista, terceira de uma série onde conversamos com coletivos atuando em solo colombiano, o coletivo aborda a atualidade do levante que já dura dois meses contra o governo de Ivan Duque e suas medidas tributárias neoliberais que afundam ainda mais na pobreza uma população já tão afetada pela pandemia da Covid-19. O saldo é brutal, com mais de 70 mortos e 300 desaparecidos oficialmente registrados nesses mais de 60 dias de greve geral. Ainda assim, o povo nas ruas prova que se submeter ao governo é mais perigoso do a pandemia. Sua bravura nas ruas levou ao cancelamento da Copa América, que foi transferida para o Brasil.

Que a sua coragem inspire nossas lutas contra o governo fascista de Jair Bolsonaro em nosso território.

Boa leitura, nos vemos nas ruas!

(Abajo, el texto en español.)


PORTUGUÊS

As notícias que nos chegam aqui no Brasil indicam que a insurreição que tomou as ruas se iniciou com uma luta contra a reforma tributária que o governo de Ivan Duque tentou implementar. Todavia, consideramos interessante levar em conta o contexto das lutas recentes nos territórios em que as insurreições acontecem, principalmente porque há menos de 2 anos as cidades colombianas já haviam sido local de manifestações multitudinárias e intensas. Sendo assim, gostaríamos que vocês comentassem um pouco sobre o processo de lutas que está ocorrendo no momento no território dominado pelo Estado colombiano e qual a relação com as lutas que antecederam esse momento.

O anúncio do pacote de reformas tributaria, trabalhista, da previdência e de saúde foi o ponto de ruptura definitivo de um precário equilíbrio na paciência dos povos que habitam estes territórios. De certo modo, os levantes recentes são uma continuação dos processos sociais desenvolvidos em 2019 contra a mesma violência neoliberal. As reformas, em termos gerais, propõem um aprofundamento dos processos de privatização da vida, ao que assistimos desde os anos 1980; um retrocesso nos direitos trabalhistas, civis e a restrição de acesso aos direitos mais fundamentais. Além disso, foi central nas manifestações populares de 2019 o rechaço à política de morte do Estado fascista colombiano: o assassinato sistemático de lutadorxs sociais (mal chamados pelos meios de “líderes sociais”) por parte das forças repressivas do Estado e dos grupos militares por meio dos quais se segue sustentando as oligarquias nestes territórios; o descumprimento dos acordos de paz firmados com a guerrilha marxista das FARC em 2016, após mais de 50 anos de insurgência, que prometiam uma reforma agrária, reparação às vítimas do conflito e reformas que de alguma maneira poderiam abrir outros cenários políticos; ademais, as lutas ambientais ganharam força nos tempos recentes ante o absoluto desprezo do Estado e do empresariado na Colômbia com toda a forma de vida não disciplinada e não produtiva. Da mesma forma, tornaram-se centrais nas lutas que ocorrem os primeiros projetos de fracking [perfuração do solo para extrair gás natural com grande impacto ambiental], a pulverização nas aéreas de cultivos de coca, os bosques e as regiões camponesas com glifosato, bem como a construção de represas e hidrelétricas que deslocam enormes populações humanas e não humanas de seus territórios.

As primeiras ações populares foram convocadas pelos setores que tradicionalmente ocuparam esse papel, o movimento estudantil e sindical reformista, e sob as estratégias e coreografias recorrentes no protesto social, como marchas e protestos nos centros das principais cidades, abaixo-assinados etc. Mas o próprio descontentamento popular rebaixou os limites destas organizações e produziu não somente outras formas de protesto, mas de organização. A forma das organizações de base, os espaços comunitários e os processos de educação popular, entre outros, nos setores marginalizados das cidades permitiram a emergência de outro tipo de situações. As cozinhas comunitárias organizadas espontânea e solidariamente, as assembleias populares autoconvocadas e as ações diretas, como bloqueios e a formação de “primeiras linhas” nos bairros, são mostras de outras potências a serem desenroladas na luta.

Gostaríamos de dizer que foi a pandemia (junto com as medidas fascistas-higienizantes) o que desarticulou essa revolta recente, mas a realidade foi que assistimos não somente a brutal repressão armada (com mais de 15 pessoas assassinadas pela polícia) e legal esperada por parte de uma ditadura, mas também o desgaste do movimento social em suas lutas e a cooptação dos protestos por parte dos sindicatos e organizações acomodadas e reformistas; a pandemia só impediu que reagíssemos com a velocidade suficiente e foram retomadas as ações que no início de 2020 começaram a decair.

Nos parece necessário também abordar os processos e ações em rechaço à brutalidade policial e à instituição depois de múltiplos abusos, jamais resolvidos, e não só no marco da mobilização social. Somente em 2020 a polícia cometeu dois massacres em Bogotá e territórios próximos. Em 4 de setembro 9 pessoas detidas em uma instalação policial em Soacha foram queimadas vivas, no que a polícia quis fazer parecer que foi um acidente ou um incêndio provocado por parte das pessoas detidas, para as quais foi negado ajuda. Em 8 de setembro Javier Ordoñez foi brutalmente assassinado por resistir a uma detenção arbitrária nas proximidades de sua casa, foi torturado em instalações da polícia. No dia seguinte o descontentamento popular se manifestou em boa parte dos bairros populares de Bogotá, sujeitos a violência sistemática da polícia, e foram destruídos vários pontos de vigilância da instituição em uma só noite. A resposta foi desmesurada, criminosa e grotesca, com 13 pessoas assassinadas pela polícia. Odiamos, cada vez mais, a polícia.

A greve geral convocada para 28 de abril deste ano atravessa todas essas lutas, alimentada também pela miséria absoluta imposta pelo Estado aos povos que vivem neste território durante a pandemia. A primazia do capital sobre toda forma de vida se expressou nos resgates aos bancos e empresas multimilionárias, na política de “austeridade” para o gasto social e no progressivo fortalecimento das criminosas formas repressivas do Estado, enquanto as pessoas passam fome nos bairros, nos campos e não há saúde ou educação decentes para quem não possa pagar. Essas revoltas e manifestações populares foram potencializadas e mantidas pela dignidade das organizações dos povos indígenas, sujeitos a um verdadeiro genocídio por ação e omissão por já há 500 anos. Sua capacidade de organização e confrontação tem sido profundamente relevante nos últimos acontecimentos.

Com isso queremos situar alguns dos pontos de apoio e tensões sobre os quais se mantém as lutas presentes.

O território conhecido como América do Sul possui um histórico bastante intenso de revoltas. Na última década, foram várias… podemos lembrar, por exemplo, da insurreição que tomou as ruas das cidades brasileiras em junho de 2013 ou do estallido social que se evidenciou no território chileno em outubro de 2019. Apesar de suas diferenças entre as forças envolvidas e dos efeitos produzidos, em geral diziam respeito a uma luta contra o aumento no custo de vida, o que significa diretamente uma luta pela vida e contra a miséria produzida pelo capitalismo e pelo Estado. E nos parece que a revolta que está ocorrendo no momento no território colombiano tem algumas características em comum. Como vocês analisam essa relação?

Acreditamos que é uma leitura precisa da situação, relacionar os levantes recentes de Abya Yala, contando também os de Equador e Bolívia, como parte de um mesmo sintoma. Os chamados “tarifaços” e “pacotaços” tem sido uma constante dos levantes populares recentes, e a partir desse primeiro rechaço começam a se manifestar realidades mais profundas e desejos que excedam as primeiras formulações desse descontentamento. Dizer “nossa luta é pela vida”, por mais essencialista que as vezes possa nos parecer, não é um slogan desproporcional quando nos deparamos com o empobrecimento permanente de nossas vidas nas engrenagens do trabalho e do desemprego, da violência, do disciplinamento e do espólio de toda forma vivente. Poderíamos reunir sob o rechaço radical ao neoliberalismo todas essas manifestações de descontentamento popular, mesmo que, em boa parte de maneira intuitiva. E aqui queremos insistir que boa parte das formas organizativas inéditas até agora são libertárias de maneira intuitiva, muitas delas baseadas no apoio mútuo e na autogestão das necessidades sem recorrer à organizações políticas tradicionais ou lideranças. Não podemos confiar cegamente nessas emergências, pois vimos como nesses espaços também podem surgir formas de poder autoritárias, mas queremos assinalar nelas a possibilidade de uma articulação e desenvolvimento das potências da prática anarquista, inclusive estando presente nestes territórios, ainda que de modo marginal.

No território dominado pelo Estado chileno, as forças moderadas tentaram colocar fim à revolta de 2019 com um processo constituinte, silenciando o fato de que centenas de compas ainda estão sequestradxs nas prisões, com penas que podem chegar a 15 anos, dezenas foram mortas e feridas. O processo ocorreu e mesmo com uma abstenção significativa, alguns setores consideraram uma vitória, como se a insurreição tivesse alcançado seu objetivo. Como vocês analisam essa tentativa de canalizar a revolta para as instituições?

Acreditamos poder ver uma constante nesse ponto inclusive com as diferenças entre os processos particulares. Sobre o caso chileno, compas anarquistas tem denunciado os interesses dos setores moderados e da própria direita na negociação da constituinte, sabem que a na vitória é melhor ficar em alerta (saben que sobre la victoria más vale estar en guardia). A tentativa de capitalizar os levantes como política eleitoral por parte de setores moderados ou de “centro” ainda encontra forte resistência nos territórios ocupados pelo estado colombiano, embora tenha começado a aparecer consignas lamentáveis do tipo “a revolução se faz nas urnas”. Nos preocupa a capacidade de captura que estes setores têm, no sentido em que não só silenciam de fato as vozes de desejos radicais dos levantes com seu manto de legitimidade democrática, como mencionam xs compas sobre o caso chileno, mas também fecham a possibilidade de debates reais e radicais que devem se dar para construir verdadeiros cenários de justiça e liberdade. A captura dos movimentos sociais por parte da institucionalidade é o aprisionamento de nossos sonhos de liberdade, representa a reviravolta para ajustar o intolerável deste sistema, abre caminho para sua Pax social. Falar de pactos sociais de reconciliação ou de “vitória” quando há companheirxs desaparecidxs, presxs, mortxs pelas mãos do estado e das oligarquias é um excesso e dá continuidade à repressão sistêmica.

Não se trata de querermos expressar nossa radicalidade pela via da negatividade absoluta, mas de que ainda há muito por se fazer. Nestes territórios, inclusive se a resistência decai, será implementada a retaliação aos elementos e setores dissidentes da sociedade pelos meios que já conhecemos. A desaparição forçada, a tortura, o encarceramento, o assassinato, não são práticas que o estado fascista colombiano tenha pudor em exercer jamais para manter sua forma; ademais, em relação às práticas de retaliação por parte do estado, é conhecida a sua associação perversa com grupos paramilitares e sua ação sistemática e sádica de eliminação de oponentes e de práticas que se oponham ou critiquem qualquer status quo imposto pelas oligarquias regionais, situação que deixa em completa ameaça xs companheiros que durante todo este tempo têm resistido. É necessário que estejamos atentxs ao que pode vir.

Toda nossa solidariedade às pessoas que sofrem em sua própria carne a violência da repressão, não façamos delxs mártires, xs queremos vivxs, alegres e resistindo nas ruas e nos campos.

A pandemia do Covid-19 tem afetado sobretudo as classes populares tanto em relação a morte por contágio quanto pelo aumento da miséria e piora nas condições de vida. Ao mesmo tempo, em algumas regiões a pandemia e o risco de infecção tem esvaziado as ruas e, de certo modo, funcionado como uma barreira para as mobilizações de rua multitudinárias. Como vocês analisam essa relação, já que a reforma tributária de Duque, por exemplo, afetaria diretamente o sistema de saúde colombiano?

Embora a pandemia, a possibilidade da própria doença, tenha mantido um grande número de pessoas fora das ruas por um tempo, a própria miséria produzida pelas insuficientes e violentas medidas do Estado as levaram às ruas para ganhar a vida, o medo de morrer de fome é maior o de morrer de uma doença desconhecida. O que foi inicialmente uma barreira também determinou a força do descontentamento social. Talvez nos setores mais abastados, que também fizeram parte do movimento social, o medo do contágio tenha sido maior, mas a indignação foi tanta que as ruas se encheram com mais força do que em 2019, sem paranoia viral. Ainda há massividade nas mobilizações e aparentemente o contágio em termos reais não aumentou como consequência. E sobre o absurdo e a violência da reforma fracassada do sistema de saúde, não pudemos fazer nada menos do que cuspir.

Nos chegam vários vídeos e imagens do terrorismo de Estado com assassinatos, torturas e outras formas de agressão por parte da polícia colombiana. Sabemos que isso não é um fato isolado, pois esta é uma ação regular de todos os Estados, sobretudo quando uma mobilização ataca a ordem e a paz dos ricos. Como se estrutura a policia colombiana e como tem sido o histórico de repressão policial às manifestações?

Nos territórios ocupados pelo estado colombiano a polícia é uma instituição militar, o contexto do conflito interno de mais de 60 anos de duração, somado às estratégias de contra-guerrilha orientadas pelos EUA e a Guerra contra as drogas tem feito a instituição parte do mesmo aparato. A polícia não responde em última instância à uma autoridade civil de Estado no Ministério do Interior, como fariam outras polícias, mas ao Ministério da Defesa (de Guerra). Parte das demandas de quem pretende uma reforma se centra neste fato estrutural, na desmilitarização da polícia. A doutrina do inimigo interior rege sobre todas as suas ações.

A midiatização dos assassinatos, torturas e demais incontáveis abusos por parte das forças repressivas do estado colombiano tem permitido não investigações legais aos responsáveis (demasiadamente inúteis sob a captura institucional do fascismo), mas a tomada de consciência massiva do agir criminoso da polícia, de maneira incontestável. As estratégias de manipulação dos meios de comunicação hegemônicos tem sido profundamente afetadas no interior destes territórios pelos relatos diretos das pessoas envolvidas nesses atos, inclusive sob a censura e o cerco midiático que nos foram impostos. Boa parte dos fatos registrados tem como responsável o Escuadrón Móvil Anti Disturbios (Esmad), criado em 99 como unidade de polícia destinada ao controle de manifestações com uso de armas “menos letais” e obedecendo os parâmetros internacionais de repressão na democracia. Em seus primeiros 20 anos de ação cometeu 59 assassinatos confirmados (pela mesma justiça estatal, fato não menor) no contexto das lutas sociais, além de mutilar, estuprar e ferir uma quantidade incalculável de pessoas. Muitos outros registros de brutalidade policial recentes se centram nas zonas próximas e no interior dos Centros de Atención Inmediata (CAI), utilizados como estações de patrulha e vigilância dentro dos bairros das cidades, e que tem operado como centros de tortura, estupros, capturas ilegais e assassinatos.

Existe algum debate sobre a autodefesa nas ruas? Existe algum debate dos movimentos e coletivos em relação a abolição da policia, por exemplo?

O rechaço à polícia se deslocou progressivamente dos “indivíduos isolados e corruptos” para a própria instituição. É óbvio que os setores moderados demandam do estado, não a abolição da polícia, mas uma reforma, pois veem nela uma instituição com funções sociais que nós não podemos jamais reconhecer. As pessoas e coletividades mais ou menos críticas que recebem alguma atenção por parte dos meios hegemônicos se expressam nesse sentido, tal como xs políticxs que se referem à necessidade de transformação da polícia e pedem a defesa e limpeza da própria instituição. Só no interior das coletividades antiautoritárias está se dando o debate em torno da abolição da polícia. Inclusive na demanda de várias das Primeiras Líneas está sendo pedido apenas uma reforma.

Sobre a autodefesa é um debate complexo, por uma parte desde o mesmo fato de nomear a prática em um contexto no qual os paramilitares e seu projeto fascista esvaziaram de potencia radical o próprio termo (nomeando-se Autodefensas Unidas de Colombia). Acreditamos que é um debate necessário, quando cresce a violência repressiva de maneira sistêmica, fazermos a pergunta sobre a necessidade e as formas de nos protegermos de maneiras não somente defensivas. As Primeras Líneas são uma mostra do debate em cenários amplos, em 2019 o exercício começou em setores estudantis não habituados ao uso da violência, sem conhecimentos práticos para exercê-la ou realmente se defender dela para além de capacetes e escudos, organizadxs sobre um discurso de defesa e, muitas vezes, devemos lembrar, em oposição às práticas e identidades de grupos que reivindicam a ação direta e a violência desde distintos lugares da radicalidade já há tempos. Nestes dois anos, as práticas das Primeras Líneas têm se transformado, se compreendeu à força sobre a capacidade de resposta à repressão estatal. Mesmo que o debate vá para além dos cenários de defesa nas mobilizações, acreditamos que na maioria dos casos não está presente fora destas perspectivas.

Por fim, nos interessa muito as diferentes expressões do anarquismo na região conhecida como América do Sul. Portanto, gostaríamos que vocês falassem um pouco sobre as forças envolvidas nas lutas anárquicas da região colombiana.

Nestas terras não existiu historicamente um movimento anarquista de massas, como no Brasil, na Bolívia, no Chile ou na Argentina, mas tem estado presente ao longo de todos os levantes e protestos desde o início do século XX. O anarquismo está presente de forma marginal nas lutas operárias, nas individualidades que entraram ou saíram dos processos guerrilheiros, no trabalho de artistas, jornalistas, algumas editoras, organizações educativas, grupos de combate de rua e ação direta, bem como demais manifestações de desejo por outros mundos. Assistimos nestas insurreições também a proliferação de ideias e pulsões anarquistas, os cenários de agitação de difusão do pensamento ácrata tem sido menos relevantes que as ações que os grupos tem impulsionado acompanhando estes processos de lutas sociais. Tem sido por meio das práticas que proliferam as ideias e se fortalecem. O acompanhamento e promoção de assembleias locais e populares, as campanhas de solidariedade com xs companheirxs em luta através da arrecadação de fundos, alimentos e insumos de primeiros socorros, o trabalho educativo e organizativo dos coletivos de Educação Popular e a beleza das cozinhas populares, que nos reúnem em torno do alimento para seguir resistindo, são algumas destas práticas que fazem visíveis as forças vivas do anarquismo em momentos como o atual. Apesar do anarquismo seguir sendo uma ideia marginal na prática política, são muitas as individualidades e coletivos voltados para a ação desde práticas antiautoritárias, solidárias e autogeridas.

Por isso, agradecemos a solidariedade que representa esta entrevista, a escuta e difusão em outras regiões golpeadas como nós por esta miséria e de pé, como nós, contra ela. Esperamos que o que tenhamos a dizer daqui pra frente nos distancie cada vez mais da denúncia e que possamos falar com mais força do que conseguimos, do que faremos nosso com nossas próprias forças.

Que viva a anarquia!


PARA SABER MAIS:

Colômbia Perdeu o Medo – A Revolta Segue em Todo o País Enfrentando a Violência de Estado

Video: Revolta e repressão na Colombia, por coletivos Antimídia e Submedia

DAS BARRICADAS #1: MUROS QUE GRITAM, PEDRAS QUE VOAM – entrevista com Taller la Parresia sobre o levante na Colômbia

DAS BARRICADAS #2: Entrevista Sobre as Lutas na Colômbia – com Unión Libertaria Estudiantil y del Trabajo


EN ESPAÑOL

Las noticias que nos llegan indican que la insurrección que tomó las calles comenzó con una lucha contra la reforma tributaria que el gobierno de Iván Duque intentó aplicar . Sin embargo, nos parece interesante tener en cuenta el contexto de las recientes luchas en los territorios donde se producen las insurrecciones, sobre todo porque hace menos de dos años las ciudades colombianas ya habían sido escenario de masivas e intensas manifestaciones. Por lo tanto, nos gustaría que comentaras un poco sobre el proceso de luchas que se está dando actualmente en el territorio dominado por el Estado colombiano y cuál es la relación con las luchas que precedieron a este momento.

El anuncio del paquete de reformas, tributaria, laboral, pensional y de salud, fue el punto de quiebre definitivo de un precario equilibrio en la paciencia de los pueblos que habitan estos territorios. De cierta manera, los levantamientos recientes son una continuación de los procesos sociales desarrollados en el 2019 contra la misma violencia neoliberal. Las reformas, en términos generales, proponen una profundización de los procesos de privatización de la vida, a los que asistimos desde los años 80; un retroceso en los derechos laborales, civiles y la restricción del acceso a los derechos más fundamentales. Además de ello, fue central en las manifestaciones populares del 2019 el rechazo a la política de muerte del Estado fascista colombiano: el asesinato sistemático de luchadorxs sociales (mal llamadxs por los medios “líderes sociales”) por parte de las fuerzas represivas del estado y los grupos paramilitares por medio de los cuales se siguen sustentando las oligarquías en estos territorios; el incumplimiento de los acuerdos de paz firmados con la guerilla marxista de las FARC en 2016, tras más de 50 años de insurgencia, que prometían una reforma agraria, reparación a las víctimas del conflicto y reformas que de alguna manera podrían abrir otros escenarios políticos; además, las luchas ambientales han cobrado fuerza en los tiempos recientes ante el absoluto desprecio del estado y el empresariado en colombia hacia toda forma de vida no disciplinada y no productiva, asimismo los primeros proyectos de fracking,la fumigación aérea de los cultivos de coca,los bosques y el campesinado con glifosato, y la construcción de represas e hidroeléctricas que desplazan inmensas poblaciones humanas y no humanas de sus territorios, se han hecho una parte central de las luchas que nos convocan.

Las primeras acciones populares fueron convocadas por los sectores que tradicionalmente han ocupado ese papel, el movimiento estudiantil y sindical reformista, y bajo las estrategias y coreografías recurrentes en la protesta social, como marchas y plantones hacia el centro de las ciudades principales, pliegos de peticiones, etc. Pero el propio descontento popular rebasó los límites de estas organizaciones y produjo no sólo otras formas de protesta sino de organización. La fuerza de las organizaciones de base, los espacios comunitarios y los procesos de educación popular, entre otros, en los sectores marginalizados de las ciudades, permitieron la emergencia de otro tipo de situaciones. Las ollas populares organizadas espontánea y solidariamente, las asambleas populares autoconvocadas y las acciones directas, como los bloqueos y la formación de “primeras líneas” en los barrios son muestra de otras potencias a ser desarrolladas en la lucha.

Nos gustaría decir que fue la pandemia (junto con las medidas fascisto-higienizantes) lo que desarticuló esta revuelta reciente, pero la realidad fue que asistimos no sólo a la brutal represión armada (con más de 15 personas asesinadas por la policía) y legal esperada por parte de una dictadura, sino al desgaste del movimiento social en sus luchas y a la cooptación de la protesta por parte de los sindicatos y organizaciones acomodadas y reformistas; la pandemia sólo impidió que reaccionáramos con la velocidad suficiente y fueran retomadas las acciones que a comienzos del 2020 comenzaban a decaer.
Nos parece necesario también abordar los procesos y acciones en rechazo a la brutalidad policial y la institución después de los múltiples abusos, jamás resueltos, y no sólo en el marco de la movilización social. Sólo en el 2020 la policía cometió dos masacres en Bogotá y territorios cercanos, el 4 de septiembre fueron quemadas vivas 9 personas detenidas en una instalación policial en Soacha, en lo que la policía ha querido hacer parecer como un accidente o un incendio provocado por parte de las personas detenidas, a las cuales se les negó el auxilio. El 8 de septiembre fue brutalmente asesinado Javier Ordoñez por resistirse a una detención arbitraria en las cercanías de su vivienda y torturado en instalaciones de la policía. Al día siguiente, el descontento popular se manifestó en buena parte de los barrios populares de Bogotá, sujetos a la violencia sistemática de la policía, y fueron destruidos varios de los puntos de vigilancia de la institución en una sola noche. La respuesta fue desmesurada, criminal y grotesca, 13 personas asesinadas por la policía. Odiamos, cada vez más entre nosotrxs, a la policía.

La huelga general convocada para el 28 de abril de este año recoge todas estas luchas, alimentada además por la miseria absoluta impuesta por el Estado durante la pandemia a los pueblos que habitamos estos territorios. La primacía del capital sobre toda forma de vida ha sido expresada en los rescates a los bancos y empresas multimillonarias, en la política de “austeridad” para el gasto social y en el progresivo fortalecimiento de las criminales fuerzas represivas del estado, mientras la gente pasa hambre en los barrios, en los campos y no hay salud o educación decentes para quien no pueda pagarlas. Estas revueltas y protestas populares han sido además potenciadas y mantenidas por la dignidad de las organizaciones de los pueblos indígenas, sujetos a un verdadero genocidio por acción y omisión desde hace 500 años. Su capacidad de organización y confrontación ha sido profundamente relevante en los hechos recientes.
Con esto queremos situar algunos de los puntos de apoyo y tensiones sobre los cuales se mantienen las luchas presentes.

El territorio conocido como Sudamérica tiene una historia muy intensa de revueltas. En la última década ha habido varias… podemos recordar, por ejemplo, la insurrección que tomó las calles de las ciudades brasileñas en junio de 2013 o el llamado estallido social que se hizo evidente en territorio chileno en octubre de 2019. A pesar de sus diferencias entre las fuerzas implicadas y los efectos producidos, en general se trataba de una lucha contra el aumento del coste de la vida, lo que significa directamente una lucha por la vida y contra la miseria producida por el capitalismo y el Estado. Y nos parece que la revuelta que se está ocurriendo actualmente en territorio colombiano tiene algunas características en común. ¿Cómo analizan esta relación?

Creemos que es una lectura precisa de la situación, el relacionar los levantamientos recientes de Abya Yala, contando también los de Ecuador y Bolivia, como parte de un mismo síntoma. Los llamados “tarifazos” y “paquetazos” han sido una constante de los levantamientos populares recientes, y a partir de ese primer rechazo comienzan a manifestarse realidades más profundas y deseos que exceden las primeras formulaciones de ese descontento. Decir “nuestra lucha es por la vida”, por más esencialista que pueda a veces parecernos, no es una consigna desproporcionada cuando nos enfrentamos al empobrecimiento permanente de nuestras vidas en los engranajes del trabajo y el desempleo, de la violencia, el disciplinamiento y el despojo de toda forma viviente. Podríamos reunir bajo el rechazo radical del neoliberalismo a todas estas manifestaciones de descontento popular, aunque aún en buena parte, de manera intuitiva. Y aquí quisiéramos insistir en que buena parte de las formas organizativas inéditas hasta ahora en estos escenarios son libertarias de manera intuitiva, muchas de ellas basadas en el apoyo mutuo y la autogestión de las necesidades sin recurrir a organizaciones políticas tradicionales o a liderazgos. No podemos confiar ciegamente en estas emergencias, porque hemos visto cómo en estos espacios también pueden surgir formas de poder autoritarias, sino queremos señalar en ellas la posibilidad de una articulación y desarrollo de las potencias de la práctica anarquista, incluso siendo su presencia en estos territorios todavía marginal.

En el territorio dominado por el Estado chileno, las fuerzas moderadas intentaran poner fin a la revuelta de 2019 con un proceso constituyente, silenciando el facto de que centenas de compas aún están secuestradxs en las prisiones, con condenas que pueden llegar hasta 15 años, decenas fueran muertas y heridas. El proceso ocurrió y mesmo con una abstención significativa, algunos sectores consideraran una victoria, como se la insurrección tuviese alzado su objetivo. Como ustedes analizan esta tentativa de canalizar la revuelta a las instituciones?

Creemos poder ver una constante en ello, incluso con las diferencias entre los procesos particulares. Sobre el caso chileno, lxs compañerxs anarquistas han denunciado los intereses de los sectores moderados y de la propia derecha en la negociación de la constituyente, saben que sobre la victoria más vale estar en guardia. El intento de capitalizar los levantamientos en la política electoral por parte de sectores moderados o “de centro” es aún resistido con fuerza en los territorios ocupados por el estado colombiano, aunque han comenzado a aparecer consignas lamentables del tipo “la revolución es en las urnas”. Nos preocupa la capacidad de captura que tienen estos sectores, en el sentido en que no sólo silencian de facto las voces y deseos radicales de los levantamientos con su manto de legitimidad democrática, como mencionan lxs compas para el caso chileno, sino que también cierran la posibilidad de debates reales y radicales que han de darse para construir verdaderos escenarios de justicia y libertad. La captura de los movimientos sociales por parte de la institucionalidad es la clausura de nuestros sueños de libertad, representa la vuelta de tuerca para ajustar lo intolerable de este sistema, abre el camino para su Pax social. Hablar de pactos sociales de reconciliación o de “victoria” cuando hay compañerxs desaparecidxs, encarceladxs, muertxs a manos del estado y las oligarquías, es un exceso y continúa con la sistematicidad de la represión. No se trata de que queramos expresar nuestra radicalidad por la vía de la negatividad absoluta sino de que hay aún mucho por hacer.

En estos territorios, incluso si decae la resistencia, será implementada la retaliación a los elementos y sectores disidentes de la sociedad por los medios que ya conocemos. La desaparición forzada, la tortura, el encarcelamiento, el asesinato no son prácticas que el estado fascista colombiano haya tenido pudor en ejercer jamás para mantener su forma; además,en relación con éstas prácticas de retaliación de parte del estado, es conocida la manguala perversa con grupos paramilitares y su accionar de eliminación sistemática y sádica de contradictores y prácticas que se opongan o critiquen cualquier statu quo impuesto por las oligarquías regionales, situación que deja en completa vulnerabilidad a lxs compañerxs que duranten todo este tiempo han resistido. Es necesario que estemos atentxs a lo que puede venir.

Toda nuestra solidaridad para quienes hoy sufren en carne propia la violencia de la represión, no hagamos de ellxs mártires, lxs queremxs vivxs, alegres y resistiendo en las calles y los campos.

La pandemia de Covid-19 ha afectado, sobre todo, a las clases populares tanto por el número de muertes como por el aumento de la miseria y el empeoramiento de las condiciones de vida. Al mismo tiempo, el riesgo de infección ha vaciado las calles en algunas regiones y ha actuado como una barrera para las grandes movilizaciones callejeras. ¿Cómo analiza esta relación, ya que una de las reformas que Duque pretende implementar afectaría directamente al sistema de salud colombiano?

Si bien la pandemia, la posibilidad de la enfermedad en sí, mantuvo a un gran número de personas fuera de las calles durante un tiempo, la propia miseria producida por las medidas insuficientes y violentas del Estado las llevaron a la calle a buscarse la vida, siendo mayor el miedo a morir de hambre que de una enfermedad desconocida. Lo que en un principio fue una barrera determinó también la fuerza del descontento social. Quizás en sectores más acomodados, que también han sido parte del movimiento social, el miedo al contagio ha sido mayor pero ha sido tal la indignación que las calles se han llenado con más fuerza que en el 2019, sin paranoias virales. Hay aún masividad en las movilizaciones y al parecer el contagio en términos reales no ha incrementado por ello.

Y sobre el absurdo y la violencia de la fallida reforma a la salud no podríamos menos que escupir.

Hemos recibido varios videos e imágenes de terrorismo de Estado con asesinatos, torturas y otras formas de agresión por parte de la policía colombiana. Sabemos que no se trata de un hecho aislado, ya que es una acción habitual de todos los Estados, especialmente cuando una movilización ataca el orden y la paz de los ricos. ¿Cómo está estructurada la policía colombiana y cuál ha sido la historia de la represión policial contra las manifestaciones?

En los territorios ocupados por el estado colombiano la policía es una institución militar, el contexto del conflicto interno con más de 60 años de duración, sumado a las estrategias de contraguerrilla orientadas por EEUU y la Guerra contra las drogas, han hecho de la institución parte del mismo aparato. La policía no responde en última instancia a la autoridad civil del Estado en el Ministerio del Interior, como harían otras policías, sino al Ministerio de Defensa (de Guerra). Parte de las demandas de quienes pretenden una reforma se centran en este hecho estructural, en la desmilitarización de la policía. La doctrina del enemigo interno rige sobre todo su accionar.

La mediatización de los asesinatos, torturas y demás incontables abusos por parte de las fuerzas represivas del Estado colombiano ha permitido no investigaciones legales a los responsables (inútiles por demás bajo la captura institucional del fascismo) sino la toma de conciencia masiva del accionar criminal de la policía, de manera incontestable. Las estrategias de manipulación de los medios de comunicación hegemónicos han sido profundamente afectadas al interior de estos territorios por los testimonios directos de las personas involucradas en estos hechos, incluso bajo la censura y el cerco mediático que nos han sido impuestos. Buena parte de los hechos registrados tienen como responsable al Escuadrón Móvil Anti Disturbios (Esmad), creado en el 99 como unidad de policía destinada al control de las manifestaciones con el uso de armas “menos letales” y obedeciendo los estándares internacionales de represión en democracia. En sus primeros 20 años de acción cometió 59 asesinatos confirmados (por la misma justicia estatal, hecho no menor) en el contexto de la protesta social, además de mutilar, violar y herir a una cantidad incalculable de personas. Muchos otros de los registros de brutalidad policial en el marco actual se centran en zonas cercanas y al interior de los Centros de Atención Inmediata (CAI) apostados como estaciones de patrullaje y vigilancia al interior de los barrios en las ciudades, y que han operado como centros de tortura, violación, capturas ilegales y asesinato.

¿Hay algún debate sobre la autodefensa en las calles? ¿Hay algún debate por parte de los movimientos y colectivos sobre la abolición de la policía, por ejemplo?

El rechazo a la policía se ha desplazado progresivamente de los “individuos aislados y corruptos” a la propia institución. Es claro que los sectores moderados demandan del Estado, no la abolición de la policía, sino una reforma, porque ven en ella una institución con funciones sociales que nosotrxs no podemos reconocer jamás. Las personas y colectividades más o menos críticas que reciben alguna atención por parte de los medios hegemónicos se expresan en este sentido, al igual que lxs políticxs que se refieren a la necesidad de la transformación de la policía y piden la defensa y limpieza de la propia institución. Sólo al interior de las colectividades antiautoritarias se está dando el debate en torno a la abolición de la policía. Incluso en las demandas de varias de las Primeras Líneas se está pidiendo apenas una reforma.

Sobre la autodefensa, el debate es complejo, por una parte desde el mismo hecho de nombrar la práctica, en un contexto en donde los paramilitares y su proyecto fascistizante vaciaron de potencia radical a la palabra misma(nombrándose Autodefensas Unidas de Colombia). Creemos que es un debate necesario, cuando crece la violencia represiva de manera sistemática, hacernos la pregunta sobre la necesidad y las formas de protegernos de maneras no sólo defensivas. Las Primeras Líneas son una muestra del debate en escenarios amplios, en el 2019 el ejercicio comenzó desde sectores estudiantiles no habituados al uso de la violencia, sin conocimientos prácticos para ejercerla o defenderse realmente de ella, más allá de algunos cascos y escudos y organizadxs bajo un discurso de defensa, y muchas veces, debemos recordarlo, en oposición a las prácticas e identidades de grupos que reivindican la acción directa y la violencia desde distintos lugares de la radicalidad desde hace ya tiempo. En estos dos años, las prácticas de las Primeras Líneas se han transformado, se ha comprendido, a las malas, la necesidad de la capacidad de respuesta a la represión estatal. Aunque el debate va más allá de los escenarios de defensa de las movilizaciones, creemos que en la mayoría de escenarios no está presente aún fuera de estas perspectivas.

Por último, nos interesan mucho las diferentes expresiones del anarquismo en la región conocida como Sudamérica. Así que nos gustaría que hablaras un poco sobre las fuerzas involucradas en las luchas anárquicas en la región colombiana.

En estas tierras no ha existido históricamente un movimiento de masas anarquista, como en Brasil, Bolivia, Chile o Argentina, pero ha estado presente a lo largo de todos los levantamientos y protestas desde principios del siglo XX. El anarquismo ha estado presente de forma marginal en las luchas obreras, en individualidades que entraron o salieron de los procesos guerrilleros, en el trabajo de artistas, periodistas, algunas editoriales, organizaciones educativas, grupos de combate callejero y acción directa y demás manifestaciones del deseo por otros mundos. Asistimos en estos estallidos también a la proliferación de ideas y pulsiones anarquistas, los escenarios de agitación y difusión del pensamiento ácrata han sido menos relevantes que las acciones que los grupos han impulsado acompañando estos procesos de luchas sociales, ha sido a través de las prácticas que proliferan las ideas y se hacen fuertes. El acompañamiento y promoción de asambleas locales y populares, las campañas de solidaridad con lxs compañerxs en lucha a través de la recolección de fondos, alimentos e insumos de primeros auxilios, el trabajo pedagógico y organizativo de los colectivos de Educación Popular y la belleza de las ollas populares, que nos reúnen en torno al alimento para seguir resistiendo, son algunas de estas prácticas que hacen visibles las fuerzas vivas del anarquismo en escenarios como el actual.

Pese a que el anarquismo sigue siendo una idea marginal en la práctica política, son muchas las individualidades y colectivos volcados a la acción desde prácticas antiautoritarias, solidarias y autogestivas.

Por ello agradecemos la solidaridad que representa esta entrevista, la escucha y difusión en otras regiones golpeadas como nosotrxs por esta miseria y de pie, como nosotrxs, contra ella. Esperamos que lo que tengamos que decir de aquí en adelante nos distancie cada vez más de la denuncia y podamos hablar con más fuerza de lo que hemos logrado, de lo que haremos nuestro con nuestras propias fuerzas.

¡Que viva la anarquía!

DAS BARRICADAS #2: Entrevista Sobre as Lutas na Colômbia – com Unión Libertaria Estudiantil y del Trabajo

Esta é a segunda parte de uma série de entrevistas com individualidades, coletivos e organizações anárquicas de diferentes regiões do território dominado pelo estado colombiano.

Dessa vez com a Unión Libertaria Estudiantil y del Trabajo.


As notícias que nos chegam aqui indicam que a insurreição que tomou as ruas se iniciou com uma luta contra a reforma tributária que o governo de Ivan Duque tentou implementar. Todavia, consideramos interessante levar em conta o contexto das lutas recentes nos territórios em que as insurreições acontecem, principalmente porque há menos de 2 anos as cidades colombianas já haviam sido local de manifestações multitudinárias e intensas. Sendo assim, gostaríamos que vocês comentassem um pouco sobre o processo de lutas que está ocorrendo no momento no território dominado pelo Estado colombiano e qual a relação com as lutas que antecederam esse momento.

As lutas de cada território estão sujeitas ao contexto, aos costumes e às necessidades de cada lugar, já que isso influência no pensamento e na posição política de cada habitante. O entorno de rebeldia que estamos vivendo desde 28 de abril deste ano se dá pela acumulação de exigências e demandas que foram feitas nos anos anteriores em cada uma das regiões. As demandas dos trabalhadores, estudantes, camponeses, indígenas, mulheres e dissidências sexuais seguem sendo as mesmas que há 20 anos. As pessoas viram ser traída a sua confiança não apenas no governo de Ivan Duque, esse é um problema de tempos atrás, com a diferença de que no período do atual presidente a violência estatal aumentou, a precarização do trabalho está mais vigente que nunca.

A confiança traída pela burocracia sindical nas manifestações anteriores tem sido o detonador para que a população colombiana inicie sua organização mediante assembleias, que apensar de não serem reconhecidas como um instrumento legítimo dentro da estrutura política do país, é sim um instrumento no qual o povo se sente representado.

O território conhecido como América do Sul possui um histórico bastante intenso de revoltas. Na última década, foram várias… podemos lembrar, por exemplo, da insurreição que tomou as ruas das cidades brasileiras em junho de 2013 ou do estallido social que se evidenciou no território chileno em outubro de 2019. Apesar de suas diferenças entre as forças envolvidas e dos efeitos produzidos, em geral diziam respeito a uma luta contra o aumento no custo de vida, o que significa diretamente uma luta pela vida e contra a miséria produzida pelo capitalismo e pelo Estado. E nos parece que a revolta que está ocorrendo no momento no território colombiano tem algumas características em comum. Como vocês analisam essa relação?

Os povos do mundo inteiro têm uma luta em comum, cujo horizonte é a liberdade e a dignidade. No caso da América do Sul temos em comum, além dos aspectos já mencionados, a invasão europeia disfarçada de descobrimento, que levou ao quase extermínio total das populações indígenas que habitavam esta parte do mundo. O ar de luta que se respira no sul do continente é parte de um exercício de memória das novas gerações e a luta contra o silêncio que no qual os mais velhos tiveram que padecer. A luta é pela liberação do continente invadido por europeus e pelas políticas inumadas do Estado norte-americano.

Por outro lado, as redes sociais têm nos permitido conhecer táticas de luta e organização utilizadas em outros países, o que levou à criação das chamadas primeiras, segundas, terceiras e quartas linhas de defesa e luta durante as manifestações.

A pandemia do Covid-19 tem afetado sobretudo as classes populares tanto em relação a morte por contágio quanto pelo aumento da miséria e piora nas condições de vida. Ao mesmo tempo, em algumas regiões a pandemia e o risco de infecção tem esvaziado as ruas e, de certo modo, funcionado como uma barreira para as mobilizações de rua multitudinárias. Como vocês analisam essa relação, já que a reforma tributária de Duque, por exemplo, afetaria diretamente o sistema de saúde colombiano?

Embora seja verdade que Covid-19 é um vírus que se tornou uma pandemia, não devemos desconhecer o uso que o Estado tem dado a ele como mecanismo de controle da população. Devo esclarecer que o sistema de saúde colombiano sempre foi uma miséria, os trabalhadores da saúde não tem condições laborais dignas. Somado a isso, monopólios burgueses fizeram da saúde do povo colombiano um negócio, portanto as classes populares tiveram de escolher entre a morte por Covid ou a morte por fome, sendo obrigadas a sair para trabalhar de maneira informal e expor suas vidas.

Quero informar com grande alegria que a reforma de saúde que o governo pretendia implantar foi derrubada graças às manifestações que, em muitos casos, as pessoas deram suas vidas nas ruas.

Nos chegam vários vídeos e imagens do terrorismo de Estado com assassinatos, torturas e outras formas de agressão por parte da polícia colombiana. Sabemos que isso não é um fato isolado, pois esta é uma ação regular de todos os Estados, sobretudo quando uma mobilização ataca a ordem e a paz dos ricos. Como se estrutura a policia colombiana e como tem sido o histórico de repressão policial às manifestações?

A polícia colombiana está configurada de maneira hierárquica. No escalão mais alto se encontram os oficiais, seguido de suboficiais e por último ficam os agentes e soldados de patrulha dessa instituição. O corpo armado segue as indicações do Ministério da Defesa.

As manifestações são reprimidas principalmente por um setor da polícia chamado ESMAD (Escuadrón Móvil Anti Disturbios), armado com trajes blindados, escudos, capacetes e armas letais. Apesar de o Ministério da Defesa afirmar que a polícia atua sob todos os protocolos estabelecidos, nas manifestações temos companheiras e companheiros assassinados por esse esquadrão, com ações que vão desde armas de fogo até morte por espancamento. O ESMAD foi implementado na prefeitura de Andrés Pastrana em Bogotá como uma medida temporária, isso já faz 22 anos. Ao que parece, não foi nada temporário.

A maior parte da repressão foi vivida pelo movimento estudantil, desde aproximadamente os anos 60 do século passado se registram mortes em manifestações. Cabe ressaltar que os policiais contam com grande impunidade e encobrimento do Estado.

Existe algum debate sobre a autodefesa nas ruas? Existe algum debate dos movimentos e coletivos em relação a abolição da policia, por exemplo?

O debate geralmente se dá entre a autodefesa popular e as classes altas que sempre vem com maus olhos quando o silêncio da miséria é interrompido nas ruas. Nos bairros populares sempre se sofreu o abuso policial, portanto a defesa dos manifestantes frente aos corpos policiais sempre é justificada e aprovada pelos manifestantes, ainda que as vezes haja certas discordâncias. A ação direta das pessoas se dá como resposta à repressão policial.

A reforma policial sempre é um perigo nas petições das assembleias, até agora temos 52 pessoas mortas nas ruas, esperamos desta vez conseguir se não a abolição desse corpo de assassinos, ao menos levar a cabo uma reforma. Devemos isso às pessoas que já não estão mais entre nós.

Por fim, nos interessa muito as diferentes expressões do anarquismo na região conhecida como América do Sul. Portanto, gostaríamos que vocês falassem um pouco sobre as forças envolvidas nas lutas anárquicas da região colombiana.

A anarquia na Colômbia tem uma grande história, mas foi apagada pelas versões oficiais, incluindo a do Partido Comunista. A Greve das Bananeiras, Ferroviários e o Grêmio Petroleiro do século passado foi movida por anarquistas. O pensamento libertário é muito comum entre a juventude colombiana, ainda que se deva reconhecer que existem algumas carências de organização. Isso tem mudado nas manifestações atuais, o povo responde com uma estrutura horizontal, dada de maneira espontânea e instintiva.

Enquanto ULET, estamos influenciados sobretudo pelo anarcossindicalismo de origem espanhola, mas não desconhecemos que estamos em um contexto totalmente diferente e que nossa prática deve estar de acordo com o território em que vivemos e lutamos.

Não é equivocado dizer que as manifestações que se vivem na atualidade aqui na Colômbia sejam de caráter anarquista, mesmo que não recebam tal etiqueta. O clamor popular se acumula por meio de assembleias e horizontalidade nos diferentes espaços.

PARA SABER MAIS:

DAS BARRICADAS #1: MUROS QUE GRITAM, PEDRAS QUE VOAM – entrevista com Taller la Parresia sobre a insurreição na região colombiana

Colômbia Perdeu o Medo – A Revolta Segue em Todo o País Enfrentando a Violência de Estado

Video: Revolta e repressão na Colombia, por coletivos Antimídia e Submedia


Abajo, la versión original de la entrevisa en español.

Las noticias que nos llegan indican que la insurrección que tomó las calles comenzó con una lucha contra la reforma tributaria que el gobierno de Iván Duque intentó aplicar . Sin embargo, nos parece interesante tener en cuenta el contexto de las recientes luchas en los territorios donde se producen las insurrecciones, sobre todo porque hace menos de dos años las ciudades colombianas ya habían sido escenario de masivas e intensas manifestaciones. Por lo tanto, nos gustaría que comentaras un poco sobre el proceso de luchas que se está dando actualmente en el territorio dominado por el Estado colombiano y cuál es la relación con las luchas que precedieron a este momento.

Las luchas de cada territorio están sujetas al contexto, costumbres y necesidades de cada lugar, ya que esto influye en el pensamiento y posición política de cada habitante. El entorno de rebeldía que estamos viviendo desde el 28 de abril del presente año se da por la acumulación de exigencias y peticiones que se habían dado en años anteriores en cada una de las regiones. Las demandas de los obreros, estudiantes, campesinos, indígenas, mujeres y disidencias sexuales siguen siendo las mismas que hace mas de 20 años. Las personas han visto traicionada su confianza no solo en el gobierno de Ivan Duque, este es un problemas de tiempo atrás, con la diferencia en que en el periodo del actual presidente la violencia Estatal ha crecido, la precarización laboral esta más vigente que nunca.

La confianza traicionada por la burocracia estatal en anteriores protestas ha sido el detonante para que la población colombiana inicie su organización mediante asambleas, que si bien no son reconocidas como un instrumento legitimo dentro de la estructura política que tiene el país si es una instrumento en el que el pueblo se siente representado.

El territorio conocido como Sudamérica tiene una historia muy intensa de revueltas. En la última década ha habido varias… podemos recordar, por ejemplo, la insurrección que tomó las calles de las ciudades brasileñas en junio de 2013 o el llamado estallido social que se hizo evidente en territorio chileno en octubre de 2019. A pesar de sus diferencias entre las fuerzas implicadas y los efectos producidos, en general se trataba de una lucha contra el aumento del coste de la vida, lo que significa directamente una lucha por la vida y contra la miseria producida por el capitalismo y el Estado. Y nos parece que la revuelta que se está ocurriendo actualmente en territorio colombiano tiene algunas características en común. ¿Cómo analizan esta relación?

Los pueblos del mundo entero tienen una lucha en común, cuyo horizonte es la libertad y la dignidad. En el caso de Sudamérica tenemos en común además de los dos aspectos anteriormente mencionados, la invasión europea disfrazada de descubrimiento que lleva a casi el total exterminio de las poblaciones indígenas que habitante para aquella época esta parte del mundo. El aire de lucha que se respira en el sur del continente es parte de un ejercicio de memoria de las nuevas generaciones y la lucha contra el silencia que tuvieron que padecer los mayores. La lucha es por la liberación del continente invadido por europeos y víctima de políticas inhumanas del Estado Norteamericana.

Por otro lado, las redes sociales nos han permitido conocer tácticas de luchas y organización empleadas en otros países, lo que ha llevado a la creación de las primeras, segunda, tercera y cuarta línea de defensa y luchas durante las manifestaciones.

La pandemia de Covid-19 ha afectado, sobre todo, a las clases populares tanto por el número de muertes como por el aumento de la miseria y el empeoramiento de las condiciones de vida. Al mismo tiempo, el riesgo de infección ha vaciado las calles en algunas regiones y ha actuado como una barrera para las grandes movilizaciones callejeras. ¿Cómo analiza esta relación, ya que una de las reformas que Duque pretende implementar afectaría directamente al sistema de salud colombiano?

Si bien es cierto que el COVID-19 es un virus hecho pandemia, no debemos desconocer el uso que el Estado ha dado a este como mecanismo de control de la población. Debo aclarar que el sistema de salud colombiano siempre ha sido una miseria, el personal medico no tiene condiciones laborales dignas. Adicional a esto, monopolios burgueses han hecho de la salud del pueblo colombiano un negocio, por lo anterior las clases populares han tenido que escoger entre la muerte por covid o la muerte por hambre, viéndose obligados a salir a trabajar de manera informal exponiendo sus vidas.

Quiero informarles con gran alegría que la reforma a la salud que pretendía implantar el gobierno ha sido tumbada gracias a las manifestaciones, que en muchos casos han puesto su vida en las calles.

Hemos recibido varios videos e imágenes de terrorismo de Estado con asesinatos, torturas y otras formas de agresión por parte de la policía colombiana. Sabemos que no se trata de un hecho aislado, ya que es una acción habitual de todos los Estados, especialmente cuando una movilización ataca el orden y la paz de los ricos. ¿Cómo está estructurada la policía colombiana y cuál ha sido la historia de la represión policial contra las manifestaciones?

La policía colombiana, esta conformada de manera jerárquica en el escalón mas alto se encuentran oficiales, seguido de suboficiales y por último quedan los agentes y patrulleros de dicha institución. Este cuerpo armada sigue las indicaciones del ministerio de defensa.

Las manifestaciones se ven reprimidas principalmente por una dependencia de la policía llamada ESMAD (Escuadrón móvil Anti Disturbios), armados con trajes blindados, escudos, cascos y armas letales. Aunque según el Ministerio de Defensa el cuerpo policial actúa bajo todos los protocolos establecidos, en las manifestaciones tenemos compañeros y compañeras asesinados por este escuadrón con acciones que van desde arma de fuego hasta muerte a golpes por parte de los uniformados. El ESMAD fue implementado en la Alcaldía de Andrés Pastrana en Bogotá como una medida temporal, esto hace 22 años. Al parecer no fue temporal.

La mayor parte de la represión la ha vivido el movimiento estudiantil, desde aproximadamente los años 60 del siglo pasado se registran muertes en manifestaciones. Cabe aclarar que la policías cuenta con gran impunidad y encubrimiento del Estado.

¿Hay algún debate sobre la autodefensa en las calles? ¿Hay algún debate por parte de los movimientos y colectivos sobre la abolición de la policía, por ejemplo?

El debate generalmente se da entre la autodefensa popular y las clases altas que siempre ven con malos ojos cuando el silencio de la miseria se interrumpe en las calles. En los barrios popular siempre se ha sufrido el abuso policial por lo tanto la defensa de los manifestantes frente a los cuerpos policiales siempre es justificado y aprobada por los manifestantes, aunque a veces se dan discrepancias. La acción directa de los manifestantes se da como respuesta a la represión policial.

La reforma policial siempre es un pliego en las peticiones de las asambleas, a la fecha llevamos 52 muertos en las calles, esperamos esta vez lograr si no la abolición de este cuerpo de asesinos si llevar a cabo una reforma. Se lo debemos a los que ya no están.

Por último, nos interesan mucho las diferentes expresiones del anarquismo en la región conocida como Sudamérica. Así que nos gustaría que hablaras un poco sobre las fuerzas involucradas en las luchas anárquicas en la región colombiana.

La anarquía en Colombia tiene gran historia, pero ha sido borrada por las versiones oficiales e incluso del Partido Comunista. La huelga de las bananeras, ferroviarios y gremio petrolero del siglo pasado fue movida por anarquistas. El pensamiento libertario es muy común en la juventud colombiana, aunque se debe reconocer que se ha caracterizado por la carencia de organización. Esto ha cambiado en las actuales manifestaciones el pueblo responde a una estructura horizontal, dada de manera espontánea e instintiva.

En cuanto a la ULET, estamos influenciados principalmente por el Anarcosindicalismo de origen español, pero no desconocemos que estamos en un contexto totalmente diferente y que nuestra practica debe ser acorde en el territorio en el que vivimos y luchamos.
No es desacertado decir que las manifestaciones que se viven en la actualidad en Colombia son de carácter anarquista, aunque no reciban dicha etiqueta. El clamor popular se recoge mediante asambleas y horizontalidad en los diferentes espacios.