CHILE: O Fogo que Arde Desde a Cordilheira

Em 24 de julho de 2020, entre o nascer do sol e as primeiras horas do dia, a polícia chilena tenta sufocar mais uma vez o agitado movimento anarquista daquele território. Casas são invadidas, buscas são feitas pela cidade de Santiago e logo as notícias começam a se espalhar: duas pessoas, anarquistas, foram sequestradas pelo Estado e estão sob as mãos dos policiais. Eram Mónica Caballero e Francisco Solar, companheiros acusados de envio de 4 pacotes-bomba. No mesmo dia da prisão, o judiciário decidiu pela prisão preventiva de 6 meses para investigação.

Dois dos pacotes teriam sido deixados em fevereiro de 2020, em um prédio localiado em uma região elitizada de Santiago. Outros dois, mais antigos, teriam sido enviados em julho de 2019, sendo um para a 54ª delegacia de Huechuraba e outro para o escritório onde trabalhava o facínora Rodrigo Hinzpeter, um dos fundadores do partido de direita Renovación Nacional, ligado ao Movimiento de Unión Nacional (partidários da ditadura de Augusto Pinochet). Hinzpeter é bastante conhecido por suas operações de perseguição aos anarquistas. Durante a primeira gestão de Sebastian Piñera na presidência do Chile (2010-2014) ele foi Ministro do Interior entre março de 2010 e fevereiro de 2011, cargo que depois foi transformado em Ministro do Interior e Segurança Pública do Chile. Em seguida, se tornou Ministro da Defesa Nacional do Chile, cargo que ocupou até 2014. Durante esse período, manteve explícita a tentativa de calar os movimentos populares e insurrecionais, as comunidades mapuches em luta, o movimento estudantil radicalizado e, sobretudo, o movimento anarquista.

É um dos responsáveis pelo Caso Bombas, que em 2010 promoveu uma caça aos anarquistas com base em montagens policiais, provas forjadas e espetáculos midiáticos. No caso, uma série de companheiros anarquistas foram presos sob a acusação de terem implantado bombas em bancos e delegacias pela região metropolitana de Santiago. Os presos foram absolvidos e o Caso Bombas se transformou em uma aberração policialesca e até hoje é conhecido como uma das tentativas de criminalização mais grotescas, mas que encontra desdobramentos até o dia de hoje. Tanto é que entre os anarquistas presos naquela época estavam Mónica Caballero e Francisco Solar, companheiros presos mais uma vez pelo Estado chileno, quase 10 anos depois.

Mónica Caballero e Francisco Solar

Após serem absolvidos no Caso Bombas, os dois partem para a Espanha, onde em novembro de 2013 são alvos de uma nova investigação: um atentado explosivo na Basílica de Pilar, em Zaragoza. São presos novamente junto a outros 3 anarquistas em meio à uma caçada do Estado espanhol aos libertários naquele território, que contou com ao menos 5 operações policiais e encarcerou mais de 40 pessoas e acusou muitas outras, além de dezenas de centros sociais e casas terem sido invadidas pela polícia.

Assim como no Caso Bombas de 2010 e na prisão de ambos na Espanha em 2013, a acusação de agora contra Mónica e Francisco está vinculada à uma montagem policial. Entre as supostas provas mencionadas pelo judiciário estão amostras de DNA “masculino”, que foram apresentadas como provas da participação de Francisco Solar, imagens de câmeras de vigilância de baixa qualidade etc. Reportagens da imprensa chilena mostram que ambos estavam sendo monitorados de perto pela polícia ao menos desde quando foram extraditados pelo Estado espanhol. Policiais a paisana os seguiram por meses, acompanharam suas publicações nas redes sociais, produziram um relatório com informações sobre as pessoas com quem os companheiros se relacionavam, onde trabalhavam etc. Além disso, Francisco foi detido pela polícia em 15 de maio de 2020 durante uma manifestação anticarcerária chamada pela Coordinadora 18 de Octubre sob a alegação de que ele teria promovido “desordem pública” e, de acordo com as informações difundidas pela imprensa, foi durante esta detenção que seu material de DNA foi recolhido e posteriormente utilizado como suposta “prova” de sua participação no envio das bombas.

Quando dizemos que ambos os casos foram montagem não estamos questionando a existência de tais ataques à propriedade e autoridade. Nos interessa explicitar o modo próprio da atuação policial: espetáculo midiático, invenção de ligações entre os eventos, provas forjadas, invasão de casas e espaços anarquistas. E aqui não nos interessa argumentar que os companheiros são inocentes ou culpados, mas explicitar que jurídico e político não se separam. Utilizar como argumento a inocência frente às acusações é reforçar existência e continuidade do judiciário, do tribunal e do sistema penal, armas utilizadas pelo Estado na guerra social para tentar suprimir toda e qualquer resistência que não se submeta à legalidade, à soberania, ao princípio da autoridade.

Ao retomar esses acontecimentos nos quais os companheiros estiveram envolvidos, não nos interessa, como fazem os jornalistas e policiais, discutir formalidades, legislações, culpabilizações ou vitimizações. Queremos dar um abraço forte, solidário e incendiário, para Mónica e Francisco, que se mantém firmes mesmo que sequestrados pelo Estado chileno. Demonstramos nossa solidariedade irrestrita com eles. E isso inclui, invariavelmente, respeitar o posicionamento de ambos, que mesmo com todas as perseguições dos últimos anos, se mantiveram com a cabeça erguida, resistindo aos ataques constantes por parte do Estado. Aproveitamos para fazer eco das palavras de Mónica e Francisco, que durante o seu julgamento na Espanha disseram, sem hesitar, em meio a tribunal: “muerte al estado, viva la anarquia”.

CARTA DE MÓNICA CABALLERO:

“Companheirxs, amigxs e familiares:

Novamente lhes escrevo desde uma cela. Me encontro isolada na prisão de San Miguel e durante 14 dias permanecerei isolada por conta do protocolo de prevenção de contágio ao COVID-19, posteriormente me classificarão e me levarão a um módulo definitivo.

Já são quase 10 anos desde a primeira vez que pisei na prisão como acusada. Durante esses anos minha vida, de uma forma ou outra, sempre esteve ligada às prisões, embora os sistemas de controle possam mudar, sua estrutura essencialmente não, se segue buscando o castigo e o arrependimento.

Há quase 10 anos, ao entrar na prisão, estava plenamente convencida de que o conjunto de ideias e práticas antiautoritárias são pontos fundamentais para enfrentar a dominação, em todo esse tempo não existiu nem um só dia em que pensei o contrário. Piso na prisão com a cabeça erguida, orgulhosa do caminho percorrido.

SOLIDARIEDADE COM TODAS AS LUTAS ANTICAPITALISTAS
NEWEN PEÑIS, PRESOS POLÍTICOS MAPUCHES, PRESOS SUBVERSIVOS E DA REVOLTA PARA AS RUAS!

Julho de 2020,
Mónica Andrea Caballero Sepúlveda, presa anarquista.”

O Fogo Não Tem Fim

Os enfrentamentos entre as forças na guerra social não param. Portanto, entendemos a operação para prender Mónica Caballero e Francisco Solar como uma tentativa de silenciar o movimento insurrecional que tomou as ruas de diferentes cidades do território dominado pelo Estado chileno nos últimos meses. O mês de outubro de 2019 foi bastante quente. As imagens de barricadas com fogo, encapuchadxs, enfrentamentos com os carabineiros e derrubadas de estátuas de colonizadores rodaram por várias partes do planeta. Muito se discutiu sobre qual teria sido o estopim para que as ruas fossem tomadas… se haveria sido o aumento na tarifa de transportes, ou o custo de vida, a “corrupção”, a acentuação do neoliberalismo ou se havia sido tudo isso em conjunto. Prontamente jornalistas, cientistas políticos, políticos, celebridades, youtubers e derivados não demoraram para tentar encaixá-la em uma explicação racional, de causa e efeito. O que mais chama a atenção sobre essas análises é que elas, invariavelmente, não levam em conta os enfrentamentos da guerra social que já ocorriam naquele território. Sem dúvida, uma insurreição possui um momento de erupção, assim como um vulcão. Mas mesmo o vulcão é composto por lavas e bolas de fogo que não param de queimar, ainda que debaixo da terra, ainda que a gente não enxergue.

Durante as manifestações daquele outubro, chegavam imagens e textos exaltando a resistência e coragem daquelas pessoas que decidiram se defender da repressão policial. O termo primera línea se tornou viral e prontamente uma identidade adotada por muitas pessoas que acompanhavam de outros cantos do planeta por meio das redes. Entretanto, essa romantização, essa invenção de uma nova identidade escondia anos de repressão, criminalização, espancamentos e delações por parte de organizações de esquerda contra grupos de afinidades anarquistas. A até então chamada tática black bloc, as pessoas encapuchadas, expulsas muitas vezes das manifestações estudantis por sindicatos, passou a ser alvo de uma tentativa de amansamento e adestramento.

Ainda que a gente apoie e estimule sem ressalvas todo e qualquer ato de não se silenciar frente à repressão e considere que é preciso ter muita coragem para se enfrentar um carro blindado armado de pedras e garrafas, em nossa perspectiva, a transformação de uma tática de defesa e enfrentamento em uma identidade por parte das pessoas que se colocam como solidárias às lutas possibilitou que houvesse um abandono do comprometimento ético com as forças envolvidas na insurreição. A insurreição e os enfrentamentos passaram a ser acompanhados por muita gente que se diz “solidária” como quem assiste a um filme ou a uma série ficcional, na qual não é necessário nenhum envolvimento com a luta. Tanto é que bastou os atos multitudinários deixaram de tomar as ruas e as notas em solidariedade diminuíram, se é que continuaram a existir. Entretanto, é importante ressaltar: muitas pessoas, companheiras, continuam presas e/ou processadas, muitas foram feridas, perderam seus olhos, foram mortas pela polícia. Não dizemos isso como uma forma de apontar o dedo, mas como uma provocação. A solidariedade é mais do que palavra escrita e nada tem a ver com o consumo de imagens, martirização, espetacularização. Quando se fala de uma insurreição, ela não é abstrata. São corpos reais, pessoas combatentes na guerra social, se colocando em risco contra uma vida de miséria. Saudamos sua coragem, mas como solidários, precisamos sempre estar atentos para não sermos tragados pelo elemento espetacular, pela foto de capa, pela reportagem no jornal, pelo vídeo nas redes.

O efeito da insurreição está sendo sentido ainda, ele não acabou. A pandemia de Covid-19 esvaziou à força as ruas e as manifestações multitudinárias desapareceram. Todavia, para nós, é preciso lançar um olhar insurrecional que conecte as lutas, pois as forças aprendem mutuamente, se fortalecem, se alteram, se enfrentam. Nesse sentido, o fogo nunca cessa. Mesmo que o exercício de governo se atualize, os Estados se armem, as forças moderadas busquem conter a possibilidade insurrecional. Mesmo que a esquerda tente aplicar uma reforma constituinte para substituir a constituição atual promulgada, em grande parte, durante a ditadura de Augusto Pinochet. Mesmo que os Estados tentem lançar mão da lei antiterrorismo contra os movimentos insurrecionais e radicais, contra quem não se submete à lógica do Estado e do capitalismo, sejam nós anarquistas, sejam nossos companheiros das comunidades mapuches que se levantam há séculos por autonomia e liberdade, sobretudo na região patagônica.

Mapuches em Luta

Não temos a pretensão de explicar a cosmovisão mapuche, nem de esgotar todos os casos de resistência e repressão e muito menos pretendemos falar em nome das diversas comunidades em luta. O que queremos, sim, é difundir alguns elementos sobre a singularidade dessa luta, pois só assim é possível que a solidariedade indomável seja mais do que palavra escrita, mais do que um palavrório universalizante que não leva em conta as forças envolvidas. As lutas das comunidades mapuche possuem suas singularidades justamente por serem inseparáveis de seus modos de vida e do vínculo direto com a terra.

A relação com a terra está no próprio significado do nome: em mapudungún (o idioma mapuche, língua da terra) mapu significa terra e che gente, pessoa. E é sobretudo em torno da questão da terra que rondam os levantes das últimas décadas na região conhecida como Wallmapu (totalidade do território mapuche em ambos os lados da cordilheira). De um lado, no território dominado pelo Estado chileno, atualmente as comunidades mapuches se concentram sobretudo nas regiões patagônicas de Bio-Bio e Araucania, zona centro-sul, e são atacadas permanentemente pelas multinacionais, florestais e hidrelétricas, que destroem, pouco a pouco, a natureza da região com a derrubada dos bosques, contaminação das águas e expulsão das comunidades locais. De outro, no “lado argentino” da patagônia, os enfrentamentos se dão também contra o grupo Benetton, que é proprietário oficial de invasões em terras ancestrais mapuches. Como explica o livro Wenüy – por la memória rebelde de Santiago Maldonado, a invasão destas terras em específico tem origens na The Argentinian Southern Land Company, fundada em Londres em 1889 para realizar atividades comerciais na Patagônia e “em 1986 foi beneficiada com a doação de dez fazendas de quase noventa mil hectares cada uma. Em troca de financiar a Campanha do Deserto, obteve terras estratégicas para o desenvolvimento da ferrovia que lhe serviu para exportar a produção de gados. Em 1982 a empresa traduziu seu nome – Compañia de Tierras del Sud Argentino – e integrou sua direção com 60% de diretores argentinos. Esse pacote acionista foi comprado em 1991 pela Benetton por cinquenta milhões de dólares”.

É nesse contexto de usurpação e invasão das terras ancestrais mapuches que se formam as diferentes táticas de luta. Não há uma uniformidade entre as comunidades, que se dividem entre uma minoria que busca diálogo e acordos com os Estados; outros que reivindicam o reconhecimento dos povos mapuche como uma Nação, o que implica na formação de um Estado plurinacional, como no caso boliviano; e uma vasta gama de grupos que reivindicam sua autonomia total e a retomada das terras ancestrais por meio da ação direta. Estes últimos, ao fazerem valer sua autonomia, há décadas vêm promovendo as chamadas recuperações territoriais em ambos os lados da cordilheira. É por meio dessas recuperações que os laços comunitários e culturais se fortalecem, dos cultos espirituais à alimentação, de brincadeiras e jogos a ensino do mapudungún. Enfim, se trata de um modo de vida que enfrenta diretamente o capitalismo, ao não reconhecer a usurpação de suas terras e o princípio da propriedade privada, e aos Estados, ao reivindicarem e espalharem a autonomia de cada localidade.

Nesse sentido, como afirma um posicionamento de um companheiro mapuche reproduzido no livro “Wenüy…”, “seguimos tendo as piores terras e a qualidade do solo é abismalmente diferente em comparação com as grandes fazendas: têm os melhores pastos, as melhores vertentes, as nascentes dos rios, os riachos. E esse é um dos motivos pelos quais seguimos vivendo em uma situação de extrema pobreza. Assim, obrigam nossa gente a migrar para as cidades, a viver nos bairros periféricos, com uma qualidade de vida pior da que tinham nos campos, passando a ser mão de obra barata e trabalhando por miséria. Por isso temem essa recuperação: porque questiona o estado das coisas”.

Nos últimos anos, os meios anarquistas de outros territórios começaram a dar enfase à luta dos mapuche sobretudo quando Santiago Maldonado foi assassinado pela gendarmeria em 1 de agosto de 2018 na província de Chubut, na região patagônica ocupada pelo Estado argentino. Como mostra o livro “Wenüy…”, os partidos e organizações de esquerda e de direitos humanos tentaram apagar que Santiago era anarquista e que foi assassinado enquanto estava encapuchado com companheiros mapuche durante uma barricada pela liberdade de Facundo Jones Huala. Tanto foi que nas manifestações ocorridas nas cidades argentinas primeiro em decorrência de seu desaparecimento e depois pela confirmação de seu assassinato, os anarquistas foram perseguidos pelas organizações de esquerda, e aqueles que usavam capuchas foram acusados de infiltrados.

Os enfrentamentos e os assassinatos de mapuches em luta não são uma questão nova, seja nos territórios hoje conhecidos como Argentina ou Chile. Também não se restringem à governos de direita. Durante os governos de partidos de esquerda, a perseguição não parou. Em 2008, por exemplo, a polícia chilena assassinou a tiros o jovem Matias Catrileo durante uma recuperação territorial na região de Vilcún, em Araucania. No mesmo mês, após ser detido agredido por policiais, o jovem mapuche Johnny Cariqueo morre dias depois no hospital. No ano seguinte, em 12 de agosto de 2009, o comunero mapuche Jaime Mendoza Collío foi morto com tiro nas costas pelas Forças Especiais dos Carabineiros. Na época, o país era governado por Michelle Bachelet, que, ironicamente (ou não), atualmente ocupa o posto do alto comissariado de direitos humanos da Organização das Nações Unidas. Esses são somente alguns dos casos de execuções, torturas, espancamentos, prisões, montagens policiais realizadas contra os povos mapuches.

Manifestação realizada em Curaucatin por diferentes comunidades mapuches em repúdio aos ataques racistas ocorridos nos últimos dias.

O recrudescimento da repressão foi elevado quando o Estado chileno criou o chamado Comando Jungla, força especial treinada na Colômbia durante o governo Bachelet e que somente foi “inaugurada” por Sebastián Piñera em junho de 2018. A justificativa da criação do Comando era o combate à chamada “violência rural” na região de Araucania. Naquele ano, em 14 de novembro, foi responsável pela execução do mapuche Camilo Catrillanca com um tiro na cabeça. Um companheiro de 15 anos que o acompanhava, após presenciar o assassinato, foi levado pelos soldados e torturado. E isso não foi um desvio de conduta. As invasões dos territórios recuperados e das comunidades mapuches por parte das forças especiais da policia permanece. E obviamente essa repressão começou com Bachelet ou Piñera. A resistência mapuche tem séculos de existência. Contudo, nos últimos anos, tanto o Estado chileno quanto o argentino têm se armado ainda mais para tentar apagar o fogo que sopra desde a cordilheira. Os carabineiros continuam rondando o território ancestral mapuche com blindados, drones, GPS de ultima geração e armas de grosso calibre.

Frente a isso, a ofensiva não esquece de seus mortos. No contexto das ações em memória do assassinato de Matias Catrileo, um incêndio levou à morte do casal de latinfundiários Werner Luchsinger e Vivianne Mackay em janeiro de 2013, na mesma região de Vilcún. Por conta do incêndio, foram realizadas diversas prisões de lutadores mapuches nas cidades de Temuco, Vilcún e na comuna Padre de Las Casas. Dentre os presos estavam a Machi Francisca Linconao e José Cordova, irmão de Celestino Córdova. Ao julgamento, se somou um espetáculo midiático e o judiciário tentou aplicar a lei antiterrorista, mas não conseguiu. Dentre os acusados, Machi Celestino Córdova foi o único considerado culpado e condenado a 18 anos de prisão. Cabe lembrar que Machi é uma denominação utilizada pelos mapuches para se referir à uma autoridade espiritual ancestral, uma pessoa que faz a conexão com o mundo dos espíritos. Logo, a condenação do Machi Celestino Córdova é um ataque explícito às comunidades da região.

Há mais de 3 meses, o Machi Celestino e mais 8 mapuches que estão presos na cárcere de Angol iniciaram uma greve de fome contra a repressão ao seu povo. E a greve de fome foi se espalhando. Há mais de um mês, 11 mapuches encarcerados na prisão de Lebu também inciaram uma greve de fome e, alguns dias depois, 7 mapuches presos na cidade de Temuco também aderiram. Dentre eles, está Facundo Jones Huala, lonko (em mapudungún, cabeça e referência de uma comunidade) preso pelo Estado argentino e deportado e preso em junho de 2017 no território dominado pelo Estado chileno sob a acusação de ter causado um incêndio na região de Valdivia em 2013. Quando Jones Huala foi preso, uma campanha pela sua liberdade se espalhou pelos dois lados da Patagônia e foi durante um trancamento de uma estrada promovido por comuneros mapuches e apoiadores em Chubut, na região argentina, que a gendarmeria argentina assassinou o anarquista Santiago Maldonado em 1 de agosto de 2017.

Entre as reivindicações da greve de fome está a liberdade dos mapuches encarcerados poderem realizar seus rituais espirituais, o que é permitido, formalmente, pelas as normas judiciárias e por tratados internacionais, como o caso do Convênio 169 sobre povos indígenas e tribais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), assinado em 1989. O documento afirma, nos parágrafos 9 e 10: “1- Desde que sejam compatíveis com o sistema jurídico nacional e com direitos humanos internacionalmente reconhecidos, os métodos tradicionalmente adotados por esses povos para lidar com delitos cometidos por seus membros deverão ser respeitados. 2- Os costumes desses povos, sobre matérias penais, deverão ser levados em consideração pelas autoridades e tribunais no processo de julgarem esses casos” ; “1- No processo de impor sanções penais previstas na legislação geral a membros desses povos, suas características econômicas, sociais e culturais deverão ser levadas em consideração. 2- Deverá ser dada preferência a outros métodos de punição que não o encarceramento”.

Obviamente que não estamos aqui defendendo tratados internacionais, nem a própria Organização Internacional do Trabalho, composta por representantes de Estados-nações e que faz funcionar o capitalismo a partir de suas “recomendações” e “regulamentações”. Contudo, é importante compreender que para perseguir aqueles que lutam , que vivem outro modo de vida, uma outra maneira de se relacionar com a terra, os Estados rasgam tratados muitas vezes assinados por eles mesmos. Isso mostra mais uma vez a seletividade presente no sistema penal e que é inerente a todo e qualquer exercício de governo. Os “direitos”, teoricamente universais, são desconsiderados rapidamente na tentativa de conter as práticas indomáveis. E como afirmou a companheira mapuche Giovanna Tafilo, uma das porta-vozes dos presos em greve de fome, em uma entrevista ao canal Nuestra Dignidad, a perspectiva, ao lançar mão dessa Convenção, é justamente a de explicitar que não apenas aqueles que estão em greve de fome devem ser liberados, mas que as prisões deveriam deixar de existir.

A situação da greve de fome dos mapuches presos explicita mais ainda que a prática de Estado é uma prática de morte dos povos originários e uma tentativa de aniquilação de seus modos de vida. Machi Celestino, junto aos demais companheiros, está há 99 dias em greve de fome (sem ingerir alimentos) e caso as reivindicações não sejam atendidas, anunciou que entrará novamente em greve seca (sem ingestão de líquidos) nos próximos dias. De acordo aos costumes mapuches, ele, por ser uma autoridade espiritual, não pode ter seu sangue retirado e isso vem sendo desrespeitado pelo Estado chileno e, portanto, seus companheiros precisam estar sempre alertas para impedir que isso ocorra. Ele também se pronunciou exigindo que caso sua situação piore, que não seja submetido à alimentação e hidratação forçada e, no limite, se tiver uma parada cardio-respiratória, que seu corpo não seja reanimado. Todavia, o Estado chileno já deu mostras de que pode desrespeitar essa decisão pessoal de Machi, pois, conforme publicizado por mapuches que acompanham de perto a luta, os médicos do hospital de custódia já deixaram preparados máquinas de reanimação para impedir que ele morra.

Simultaneamente, diversas ações foram e estão sendo realizadas. Na primeira semana de agosto, mapuches ocuparam as prefeituras de Victoria, Curacautín, Ercilla e Traiguén, todas na região de Araucanía, em solidariedade aos 27 presos em greve de fome. Durante a ocupação, grupos de extrema-direita cercaram as ocupações, agrediram os mapuches e tentaram incendiar os prédios. A situação mais grave se deu no município de Curacautín. Os ataques racistas foram acompanhados pela gendarmeria, que não interveio, numa explícita cumplicidade com a tentativa de matar os mapuches que ali estavam. Vários grupos de extrema-direita estavam envolvidos, como a Associação para a Paz e a Reconciliação em Araucania (APRA), composto por latifundiários e empresários da região. Em resposta, dias depois 100 mapuches ocuparam a prefeitura de Tirúa e foram prontamente atacados pela gendarmeria. Mas a luta não tem fim, o fogo não se apaga. Dias depois, 17 caminhões e duas retroescavadeiras foram incendiados e destruídos em uma fábrica na região. Os enfrentamentos continuam enquanto escrevemos estas linhas e as notícias que nos chegam dizem ter mais de 50 pessoas detidas e outros tantos feridos.

Enfim, sabemos que nesses processos nunca se tratou da participação real dos anarquistas nos ataques à bomba ou dos mapuches em incêndios e demais ações. Sabemos que tais processos não são mais do que uma tentativa desesperada do Estado de disseminar uma ideia de que haveria uma luta boazinha e outra condenável, uma palatável e a outra intragável, pois insurrecta, indomável. Se tratou (e se trata) de um uso estratégico e permanente que todo Estado faz dos eventos na tentativa de silenciar as práticas insurrecionais. Além de processar e encarcerar, mata e desaparece com companheiras e companheiros. Mata, como fez o Estado chileno com a anarquista Claudia Lopez, assassinada a tiros por carabineiros durante uma barricada no dia 11 de setembro de 1998 e tantos outros e com os mapuches Camilo Catrillanca, Matías Catrileo, Alex Lemún, Macarena Valdés, Rafael Nahuel e tantos outros até o dia de hoje. Desaparece, como fez com Jose Huenante, considerado um dos primeiros desaparecidos da democracia chilena pós-ditadura de Augusto Pinochet. Mata, como fizeram os Estados chileno e argentino, em 2018 quando assassinaram Santiago Maldonado. Encarcera, como faz com Facundo Jones Huala e com os presos subversivos Marcelo Villaroel Sepúlveda, Juan Aliste Vega, Mónica Caballero, Francisco Solar, entre muitos outros.

O fogo não tem fim. Sua chama pode diminuir, mas continua a arder, eternamente. A tudo queima. Consome as certezas, os acordos, as pacificações. Suas fagulhas voam como estrelas cadente iluminando a escuridão da noite. Frente ao silêncio paralisador das maiorias, submissas à ordem, aos tribunais e à legalidade democrática, os pequeninos estalos produzidos pelas brasas se tornam ensurdecedores. E não há Estados, deuses ou mestres que as apaguem.

Nem um minuto de silêncio, toda uma vida de combate!
Mano tendida a los compañeros, puño cerrado al enemigo!
Solidariedade irrestrita à Mónica Caballero, Francisco Solar, às comunidades mapuches em luta e os demais presxs da guerra social!

WALLMAPU LIBRE!
Abaixo a sociedade carcerária!
Pelo fim do medo,
Liberdade!


Para Saber Mais:

Uma Nova Onda de Repressão no Chile, por Crimethinc.

Amplas Manifestações Pela Nação Mapuche Contra a “Horda Racista”, texto por Equipe de Comunicações Mapuche, traduzido por Terra Sem Amos.

Caso Bombas, documentário sobre a série de montagens policiais para perseguir anarquistas no Chile.

Por que como anarquistas apoyamos la lucha autonoma del pueblo mapuche, por La Peste

Carta a Mónica e Franscisco

“Wenüy – por la memoria rebelde de Santiago Maldonado”, livro que compila textos, artigos e comunicados tanto sobre a morte do anarquista quanto dos grupos mapuche em luta na região patagonica.

Canais com notícias sobre as lutas anarquistas e mapuches:

Contrainfo – es-contrainfo.espiv.net
Coordinadora 18 de Octubre – instagram.com/coordinadora18octubre
Rede pela liberdade de Mónica e Francisco – instagram.com/redlibertadmonicayfrancisco
Rádio Kurruf – https://radiokurruf.org/
Kimunkaweychan – instagram/kimunkaweychan
Libertade para Machi Celestino – instagram.com/libertadmachicelestino

ENTREVISTA COM TEKOŞÎNA ANARŞÎST– Coletivo Anarquista Combatendo em Rojava

Tekoşîna Anarşîst em 2019

Traduzimos para o português a entrevista que camaradas da federação Anarquista uruguaia (fAu) fizeram em julho com camaradas do coletivo Tekoşîna Anarşîst (Luta Anarquista em português ou TA) atuando em Rojava, norte da Síria desde 2019. Composto por internacionalistas de diferentes partes do mundo, TA busca aprender com a revolução dos povos Curdos e outros em Rojava, mas também fazer parte e apoiar o processo revolucionário em várias frente, incluindo a luta armada.

A revolução em Rojava é um dos maiores experimentos de luta anticapitalista do nosso século – se não for o mais emblemático. Após praticamente derrotar o Estado Islâmico sozinhos ao mesmo tempo em que promovem uma revolução social ecológica, multiétnica e feminista, o povo curdo no norte da Síria foi abandonado por aliados ocidentais, como os EUA, e sofreu uma ofensiva do estado Turco, parceiro antigo dos jihadistas do Estado Islâmico.

Veja o fim desse artigo uma lista de indicações textos, comunicados e vídeos sobre a revolução e as ameaças a Rojava.

Para saber mais do trabalho de internacionalistas em Rojava, visite:
internationalistcommune.com | riseup4rojava.org

Boa leitura,

Bijî Rojava!


1) Daqui da América Latina, seguimos com atenção e interesse especial o que acontecem em Rojava e na Síria. Em primeiro lugar, podem no explicar a configuração do batalhão de companheiros libertários e seus vínculos com a resistência curda?

Desde o início da revolução de Rojava, especialmente a partir de 2015, após a resistência de Kobane, os brigadistas internacionais têm ajudado a fazer frente diante de Daesh (ISIS) e defender a revolução. Nos primeiros anos a maioria de brigadistas internacionais chegaram em coordenação com o YPG e o YPJ, as milícias de autodefesa curdas. Dado o caractere antiestatista do projeto político de Rojava, anarquistas de distintos continentes nos somam à luta e a defesa da revolução, aos poucos chegando de forma dispersa e desorganizada. Em 2015, os internacionalistas do YPG e YPJ organizam o IFB (International Freedom Batallion), integrando brigadistas de organizações revolucionárias turcas junto a outros militantes internacionais. Dentro do IFB, conforma-se a uma primeira brigada anarquista do IRPGF (Forças Guerrilheiras Revolucionárias Internacionais), que opera durante aproximadamente um ano, durante as operações de Tabqa e Raqqa.

Têkoşîna Anarşîst (Luta Anarquista em português ou TA) nasce no final de 2017 depois da libertação de Raqqa. Buscamos não apenas participar da luta contra o Daesh, também aprender com movimento de libertação do Curdistão e construir pontes com movimentos libertadores de todo o mundo. Como anarquistas, vemos a importância de pegar em armas contra o despotismo teocrático do Estado Islâmico, mas também contra a opressão fascista do Estado Turco, o Estado Sírio, as diversas potências imperialistas e os inúmeros grupos fundamentalistas islâmicos que lutam na Síria. A realidade da guerra é muito complexa e as vezes nos afunda em um mar de contradições sobre o nosso papel aqui. Os conflitos inter-étnicos e inter-religiosos são convertidos em uma guerra de poder regional e geopolítico, em que influencia imperialistas e coloniais marcam o ritmo do Oriente Médio mediado por sangue e petróleo. Mas a resistência curda é um exemplo de organização revolucionária e o projeto social e político de Rojava é inspirador. Depois de alguns anos de alguns anos trabalhando aqui vimos os lados bons e também os lados ruins da revolução, e nosso compromisso com ela se baseia em um marco de internacionalismo e solidariedade crítica.

A implementação do confederalismo democrático, uma sociedade sem Estado baseada na libertação das mulheres, na ecologia e na democracia direta, é um exemplo para nós que acreditam em um mundo livre do capitalismo e do patriarcado. Foi isso que nos levou à Rojava. Mas e agora? Um grande número de internacionalistas que vêm à Rojava, participam na defesa da revolução por alguns meses e depois retornam às suas vidas anteriores. É isso que queremos? É esta a nossa ideia de solidariedade internacionalista? Não, nós queremos algo mais. Para entender melhor o que estamos procurando, estudamos a história do internacionalismo, mas em vez de olhar para a estrutura centralizada da Terceira Internacional, preferimos nos inspirar na luta anticolonial da Conferência Tricontinental. Revolucionários como Almícar Cabral da Guiné-Bissau, Ben Barka do Marrocos ou Che Guevara da Argentina se uniram para, nas palavras de Franz Fanon, “resistir ao lado dos miseráveis da terra para criar um mundo de seres humanos”. Suas perspectivas sobre a solidariedade internacional eram muito claras: “Não se trata de desejar sucesso ao agredido, mas de administrar seu próprio destino; acompanhá-lo à morte ou à vitória”. Depois eles falaram em criar 2, 3, muitos Vietnãs, agora falamos em criar 2, 3, muitos Rojavas, muitos Barbachas, muitos Chiapas.

Tekoşîna Anarşîst não é simplesmente um grupo anarquista na Síria ou no Curdistão, nossa existência está condicionada pela luta e pelo processo revolucionário de Rojava. A opressão sofrida pelo povo curdo é outro exemplo da dinâmica colonial sofrida pelos povos indígenas, povos com culturas e raízes ancestrais que são ameaçados pela hegemonia capitalista. Como internacionalistas, também é nosso dever estudar e compreender as formas como as potências imperialistas exercem opressão sobre os países do Sul global. Lutamos contra a opressão em nossas casas e agora continuamos a luta aqui. Viemos a Rojava em resposta ao apelo de solidariedade internacional e, portanto, nossa prioridade é compreender as necessidades do povo e a dinâmica do movimento revolucionário local. No passado tínhamos trabalhado em coordenação com a IFB (International Freedom Batalion), mas hoje somos uma organização autônoma integrada nas Forças Democráticas Sírias SDF, juntamente com curdos, árabes, assírios e outros internacionais que lutam por uma Síria democrática e ecológica, livre da opressão patriarcal.

Tekoşîna Anarşîst com sua ambulância para apoio médico em conflitos.

2) Quais são as principais diferenças entre TA e o PKK e seus grupos armados?

O PKK é um partido revolucionário criado em resposta à opressão sofrida pelo povo curdo. Tekoşina Anarşist é um coletivo criado para apoiar e aprender com a revolução da Rojava. Esta realidade implica um grande número de diferenças em relação ao tamanho da organização, objetivos, dinâmica interna, projeção futura, táticas, estratégias.

O PKK foi fundado há mais de 40 anos como um movimento de libertação nacional com uma visão internacionalista, moldando-se como um movimento anti-colonial no Oriente Médio. Sua luta pela libertação nacional permitiu a este partido, que nasceu com uma orientação marxista-leninista-maoísta, avaliar suas conquistas e erros e reconfigurar seus objetivos e seu paradigma político. O novo paradigma proposto por Abdullah Öcalan é alimentado por perspectivas libertárias, posicionando-se contra o modelo de Estado-nação, contra o patriarcado e contra o ecocídio produzido pelo capitalismo e o sistema tecno-industrial. Diante disso, o novo paradigma aposta em modelos de democracia direta, tendo as comunas e cooperativas como base social. Ela prioriza a libertação da mulher como base para a transformação social através da organização autônoma da mulher. Está comprometida com uma perspectiva ecológica e uma reconexão com a natureza, reconstruindo um modelo de vida de acordo com os outros seres vivos deste planeta.

Suas opiniões sobre a violência também são diferentes daquelas de suas origens maoístas, onde a violência revolucionária foi concebida como um objetivo em si mesma. A mudança de paradigma, motivada em grande parte pelo movimento curdo de mulheres, reorientou a análise em torno do conceito de autodefesa. A dinâmica patriarcal e colonial dos Estados, que baseiam sua existência na dominação através da guerra, genocídio e escravidão, sempre encontrou resistência por parte daqueles que eles procuravam subjugar. As sociedades que viveram uma vida livre não podem aceitar o domínio de sistemas centralizados e é por isso que cada sociedade, cada ser vivo, precisa assegurar seus sistemas de autodefesa.

Como anarquistas, como revolucionárias, concordamos com esta visão, com este horizonte político e social. Ecologismo, feminismo, comunalismo ou confederalismo não são desconhecidos do anarquismo, muito pelo contrário. Nem a luta armada, e em Rojava tivemos que nos defender com todos os meios à nossa disposição contra o fascismo teocrático do Estado islâmico e a invasão do Estado fascista turco. Em tempos de guerra, lutamos lado a lado com o YPG, o YPJ, com guerrilheiras e guerrilheiros do PKK, com membros de outros partidos revolucionários turcos, com outros internacionalistas de diferentes ideologias, com curdos, com árabes, com assírios. Quando o inimigo dispara, quando as bombas caem, o que está do nosso lado da trincheira é compa, é heval, e as diferenças ideológicas não pesam tanto quanto a paixão de defender a revolução, a paixão de construir uma sociedade livre. Mas certamente existem diferenças ideológicas que, quando não estão chovendo balas e morteiros, levam a debates e reflexões que influenciam nossa maneira de pensar sobre revolução e compreensão do anarquismo. As diferenças que Marx e Bakunin, entre muitas outras, discutiram nos congressos da primeira internacional de trabalhadores ainda hoje são uma fonte de conflito. Mas é precisamente este conflito que nos ajuda a refletir, a aprender, a continuar a crescer.

Em resposta à pergunta em questão, as principais diferenças que encontramos são, por um lado, organizacionais e, por outro, ideológicas. No nível organizacional, priorizamos a descentralização e a distribuição de tarefas, responsabilidades e liderança, evitando deliberadamente a criação de um comitê central ou de uma instituição autoritária. Sabemos que as estruturas militares são sempre condicionadas por uma organização hierárquica e uma cadeia de comando, e em alguns aspectos tivemos que adaptar nossa estrutura às necessidades militares. Mas ao contrário de outras forças, damos atenção especial à operação de forma inclusiva e horizontal, incentivando responsabilidades rotativas e liderança. O aprendizado coletivo, a confiança e o apoio mútuo, mas sobretudo o desejo de uma vida livre, são a base de nosso trabalho e de nosso projeto político.

No nível ideológico, as diferenças podem ser mais complexas. O mais relevante talvez seja nosso forte apoio às lutas LGBT+, que no movimento de libertação curdo não têm um apoio tão determinado. Há sem dúvida correntes que trabalham na mesma direção e as perspectivas do movimento feminino curdo no âmbito da jineolojî têm um horizonte político onde podemos coincidir. Elas mesmas estão questionando e refletindo sobre o aparente essencialismo deste movimento, abrindo a porta para uma compreensão mais ampla da mulher mais próximo das teorias queer, embora ainda em uma minoria. O pragmatismo deste movimento às vezes também leva a contradições ideológicas, especialmente em aspectos relacionados à propriedade. Em Rojava existem iniciativas comunitárias e perspectivas de propriedade coletiva, mas a realidade capitalista da propriedade privada ainda está presente na sociedade, sem muito esforço para mudar esta realidade. Dentro dos movimentos revolucionários, a propriedade é em grande parte coletiva e a vida comunitária que é fomentada tem uma clara orientação socialista, mas às vezes é difícil que estas ideias cheguem à maioria da população.

Olhando de uma perspectiva mais ampla, se pensarmos não apenas em nossa organização, mas no anarquismo em geral, vemos grandes contradições com a deriva individualista que o movimento anti-autoritário vem sofrendo nas últimas décadas. Têkoşîna Anarşîst está comprometido com uma luta coletiva que escapa à lógica individual e ao pensamento liberal, em sintonia com as tendências do anarquismo social, mas sem deixar de refletir sobre o papel do indivíduo na sociedade. Sabemos muito bem que quando as ordens são impostas de cima para baixo, sem respeitar as decisões coletivas ou sem ouvir as vozes minoritárias, a coerção é gerada no indivíduo. Por outro lado, quando o indivíduo não age de acordo com os objetivos comuns de um movimento, ele deslegitima a organização e a luta coletiva. Outro importante debate entre o anarquismo tradicional e as ideias do confederalismo democrático é a influência do positivismo e do racionalismo. O anarquismo tem visto frequentemente a ciência e a razão, que foram resignadas pelo chamado “esclarecimento”, como a única forma de se alcançar uma sociedade livre. Aqui esta premissa é posta em questão, procurando prestar especial atenção às formas de entender o mundo e a sociedade que escapam do pensamento colonial europeu, com particular atenção à mitologia e ao conhecimento ancestral. Estas perspectivas são importantes quando se trata de aprender com os movimentos indígenas, repensando nosso lugar e nossa relação com a natureza, com a civilização e com a própria vida.

3) Como você analisa o processo de construção do Confederalismo Democrático? Qual é a sua participação nesta construção?

A construção do confederalismo democrático é certamente mais visível em Rojava, mas não pode ser desconectada do resto do Curdistão. Nos últimos anos, as ideias deste paradigma político foram postas em prática em grande escala em Rojava, mas também devemos levar em conta outros territórios, como o campo Mexmur ou a também recente zona autônoma de Sengal, em Basur, nas fronteiras do Iraque. Há também desenvolvimentos políticos em Rohhilat, nas fronteiras do Estado do Irã, mas sobretudo em Bakur, nas fronteiras do Estado turco. É necessário levar em conta as quatro partes nas quais o Curdistão está dividido hoje para entender porque o movimento curdo está orientado para uma solução anti-estatal.

Ao analisar sua construção, é essencial fazer referência ao trabalho ideológico de Abdulah Öcalan e seu “Manifesto para uma Sociedade Democrática”. Ao contrário de outras propostas políticas, o confederalismo democrático não se limita a descrever uma sociedade utópica livre de opressão, mas abre um diálogo de perguntas e respostas sobre como transformar a sociedade atual e como realizar este modelo utópico ao qual aspiramos. Como queremos viver, como queremos nos relacionar, como queremos lutar, são questões importantes na construção de uma sociedade revolucionária. As respostas que Öcalan esboça não são facilmente resumidas em alguns parágrafos, mas é importante compreender alguns dos conceitos que ele nomeia para transmitir suas ideias, para propor a transição da modernidade capitalista para a modernidade democrática. Esta modernidade democrática, como comentamos, se baseia na libertação das mulheres, na ecologia e na democracia sem o Estado.

Esta progressão ideológica mostra semelhanças com outros processos revolucionários como o movimento zapatista, um movimento indígena insurgente nas montanhas do sul do México. Ambos os movimentos nascem com uma estrutura maoísta, mas são reorientados para um socialismo libertário, ambos crescem e encontram refúgio nas montanhas, ambos são herdeiros de um povo com origens ancestrais, ambos têm um forte movimento autônomo de mulheres, ambos são um exemplo para os movimentos anti-capitalistas em todo o mundo. O confederalismo democrático não é uma nova ideologia, é uma forma de entender a sociedade e a civilização que nos inspira a nos construirmos como movimentos revolucionários, a nos comprometermos com nossas ideias e a avançarmos com passos determinados em direção a uma sociedade mais justa.

Ao colocar estas ideias em prática na Rojava, o processo tem sido muito influenciado pela guerra na Síria. Por sua vez, foi a guerra que tornou possível a revolução, permitindo a transformação social radical necessária para lançar as bases deste modelo político. Em 2012, a YPG/YPJ, então milícias mal armadas, expulsou os soldados e burocratas do estado sírio com apenas algumas balas disparadas. Em seguida, lutaram amargamente contra grupos islâmicos como a al-Nusra e depois o Estado Islâmico. Após a libertação de Kobane do cerco ao Daesh em 2015, o YPG/YPJ se expande e lidera a coalizão militar das Forças Democráticas Sírias (SDF) e, quando Raqqqa é liberada em 2017, a SDF é praticamente uma força militar regular, treinada e equipada em nível semi-profissional.

Estes desenvolvimentos militares são acompanhados por um processo de transformação social baseado nas ideias do Confederalismo Democrático, com a criação de comunas, cooperativas, centros de mulheres, comitês de justiça, academias, programas escolares em curdos, centros culturais, etc. Instituições sociais como o TEVDEM (Tevgera Democratic – Movimento Democrático) juntamente com o trabalho político do PYD (Partiya Yekineyen Democratic – Partido da Unidade Democrática) e outros partidos políticos e movimentos sociais são coordenados para a criação da Administração Autônoma, organizada inicialmente em 3 cantões (Afrin, Kobane, Cizire). Assim, vemos a vontade de administrar o território com base na organização local, baseada em um modelo municipalista, sem buscar a centralização de um modelo estatal.

Nenhuma revolução é um processo fácil e apesar das críticas que possamos ter sobre a retidão ou a injustiça de certas decisões, não há dúvida de que o processo pelo qual a Rojava está passando nos 8 anos da revolução é admirável. Mais uma vez, é difícil resumir tudo o que está acontecendo em alguns parágrafos, mas vale a pena notar o incrível desenvolvimento da situação que as mulheres estão vivenciando e o papel que as YPJs estão desempenhando neste processo. As mulheres na Síria, como todas as mulheres do mundo, sofrem com a violência e a opressão dos sistemas patriarcais, mas a partir de 2014 são especialmente ameaçadas pelo fascismo teocrático do Estado islâmico. Daesh é sem dúvida um exemplo paradigmático do patriarcado mais brutal e sangrento, com milhares de mulheres capturadas e vendidas em escravidão sexual. Nas palavras da lutadora do YPJ Amara de Kobane, “Nossas visões filosóficas nos fizeram conscientes do fato de que só podemos viver resistindo”, dando uma visão do porquê de muitas mulheres escolherem pegar em armas para se libertarem de tal ameaça, porque escolhem a autodefesa e a ação direta contra o que ameaça suas vidas. Após as vitórias militares sobre Daesh, ninguém pode questionar a enorme coragem e sacrifício que as mulheres trouxeram para a revolução. O movimento curdo diz que nenhuma sociedade pode ser livre se as mulheres não forem livres e em Rojava este slogan se torna o coração do processo revolucionário.

Nosso envolvimento em todo este processo é relativamente modesto, pois temos apenas três anos de experiência em Rojava. No início o mais importante era compreender a realidade local, a língua e a cultura curda, o projeto político e o funcionamento das organizações e estruturas. Isto também trouxe algumas contradições ideológicas, juntamente com muitos aprendizados metodológicos. Apesar de nossas semelhanças ideológicas e das referências de Öcalan a diferentes pensadores anarquistas, tais como Bakunin, Kropotkin ou Foucault, o anarquismo continua sendo um grande desconhecido para o movimento curdo. No terceiro volume do “Manifesto para uma Civilização Democrática”, Öcalan reflete sobre a importância do anarquismo como um aliado chave no desenvolvimento da modernidade democrática, compartilhando suas críticas e perspectivas para os movimentos anarquistas. No campo ideológico, nosso trabalho se concentrou em refletir sobre essas ideias e contradições, traduzindo-as e tornando-as mais acessíveis a um amplo público. Também passamos tempo debatendo e compartilhando nossas ideias, pois somos um grupo internacional de anarquistas de vários países, muitas vezes com perspectivas e origens diferentes. Este trabalho nos deu uma melhor compreensão dos movimentos libertários em diferentes partes do mundo e de como situá-los no contexto do processo revolucionário pelo qual estamos passando.

No campo prático, nosso trabalho tem se concentrado na defesa da revolução. Depois de participar de diferentes campanhas militares contra o Estado islâmico, temos trabalhado para nos treinar como médicos de combate, uma vez que o atendimento à saúde nos primeiros minutos pode ser crucial para a sobrevivência. Tekoşîna Anarşîst trabalhou como uma equipe médica de combate na campanha de Baghouz, o último bastião do Estado Islâmico e, desde então tem sido nossa principal tarefa sempre que tem havido uma frente ativa na Rojava. Operar como uma equipe médica de combate também significa ser capaz de treinar novos membros nestas disciplinas, por isso nos esforçamos muito para compilar o que aprendemos a compartilhar com novos camaradas que estão vindo para se juntar à revolução.

Membros da TA expressando solidariedade aos protestos antirracistas do Black Lives Matter nos EUA.

4) Como analisam a conjuntura atual do conflito na Síria e quais perspectivas vocês preveem?

Hoje, em julho de 2020, a guerra na Síria continua. Recentemente celebramos o oitavo aniversário da revolução de Rojava, lembrando o dia 19 de julho de 2012, quando foi declarada a autonomia da cidade de Kobane. O Estado Islâmico (ISIS) foi derrotado na batalha de Baguz no final de 2019, mas ainda existem células e grupos operativos que seguem realizando atentados. Muitos de seus antigos membros também se juntou aos grupos islâmicos apoiados pela Turquia, que desde o início de 2018 ocupam o cantão de Afrin. Há menos de um ano da última ocupação militar da Turquia e de seus mercenários islâmicos em Rojava, quando atacaram as cidades e povos localizados entre as cidades de Serekaniye e Gire Spî (Tel Abyad em árabe) ao longo da fronteira.

A população que fugiu destes conflitos bélicos se encontra em campos de refugiados, como os campos de Sheba, para onde a população de Afrin teve de fugir, e o acampamento Waşokani, onde a população de Serekaniye buscou refúgio das bombas turcas. Também há o campo de al-Hol, que é difícil de administrar, onde estão dezenas de milhares de mulheres e crianças que viviam sob o califado islâmico. Em al-Hol se encontra a população civil que fugiu do califado, mas também mulheres que mantém suas ideias fundamentalistas islâmicas, frequentemente organizando motins e declarações de apoio ao ISIS, atacando as forças de segurança do campo assim como a outras mulheres, apunhalando, atirando ácido ou incendiando outras barracas. As cadeias especiais para os combatentes do Daesh também aumentam as dificuldades enfrentadas pela Administração Autônoma em estabilizar a região, esperando que um tribunal internacional julgue seus crimes e encontre soluções. Mas a comunidade internacional não parece muito interessada em apoiar esse tipo de processo judicial, e poucos países repatriaram combatentes internacionais que deixaram seus países para se juntar às fileiras do Estado Islâmico (ISIS). Também nessas prisões muitas vezes ocorrem tumultos e tentativas de fuga.

Os campos de refugiados também são focos de emergências sanitárias, com surtos de salmonela ou outras doenças, como leishmaniose nos campos de Sheba. Até agora, Rojava não teve nenhum surto de COVID-19, mas a Autoadministração está trabalhando nos preparativos para evitar riscos futuros. Nosso trabalho sobre questões de saúde também nos permitiu aprender e apoiar nesses campos e entender melhor a situação, além de colaborar no desenvolvimento de treinamento e preparação de medidas preventivas no caso da pandemia começar a se espalhar por aqui. O hospital Serekaniye, agora sob ocupação turca e seus mercenários islâmicos, era o único equipado para fazer testes de PCR, e sabemos que a Turquia está enviando um grande número de pessoas infectadas com COVID-19 para lá. Também em Afrin a epidemia está se espalhando, dada a conexão direta do exército turco com os grupos islâmicos que ocupam a área, possivelmente numa tentativa do executivo de Erdogan de espalhar o vírus para Rojava. O vírus também se espalhou para partes da Síria que permanecem sob controle estatal da Síria, então não sabemos até quando Rojava estará livre dos efeitos da pandemia.

Lorenzo Orsetti, membro da TA morto em combate em 2019. “Toda tempestade começa com uma única gota de chuva. Tenha a certeza de ser essa gota” – Şehid Tekoşer

A situação militar também não é fácil. Por um lado, o governo de Erdogan continua ameaçando ocupar a região, com riscos especiais para os campos de Tal Rifat e Sheba, bem como para Manbij e Kobane. Como vimos em outras operações, não se trata de saber se a Turquia atacará novamente ou não, mas de quando isso acontecerá. O Erdogan anunciou recentemente uma nova operação em Basur, no Curdistão, no território iraquiano, que começou com mais de 80 bombardeios realizados pelas forças aéreas do Estado turco. Entre os alvos estavam o campo Mexmur, um hospital em Sengal, posições de guerrilha e aldeias civis nas montanhas que cercam a Turquia e o Irã, onde o PKK tem suas bases. No final de junho um drone bombardeou uma vila nos arredores de Kobane, onde ocorria uma reunião de Kongreya Star (o movimento de mulheres em Rojava), matando quatro mulheres, incluindo a responsável pela área de Kobane. Todos esses ataques são realizados enquanto a Turquia mantém sua frente em Idlib, apoiando o HTS (coalizão islâmica liderada pelo ramo sírio da Al Qaeda), suas operações militares na Líbia, sua política internacional agressiva no Mediterrâneo contra a Grécia e brutal repressão interna contra a população curda nas próprias fronteiras da Turquia

A guinada autoritária do Estado turco nas últimas décadas é acompanhada por um expurgo nas lideranças militares, especialmente após a chamada tentativa de golpe de 2016, além de um investimento pesado em gastos militares. Recentemente Erdogan adquiriu um segundo carregamento dos sistemas antiaéreos s-400 da Rússia, além de fechar um acordo para comprar mísseis Patriot dos Estados Unidos. Vemos como ele está se armando até os dentes, procurando manter sua posição na OTAN enquanto se dirige para um eixo da Eurásia com a Rússia, tentando reorganizar o conselho geopolítico do Oriente Médio, evocando o passado do império otomano. Esses sonhos expansionistas, a narrativa usual do fascismo, sempre precisam de um inimigo interno para culpar. Em 1915, o mundo testemunhou o genocídio armênio no qual o Estado turco foi fundado, onde não apenas os armênios e outras minorias cristãs foram massacrados e forçadas a deixarem suas casas, mas também deram um exemplo que mais tarde seria referenciado na perpetuação do holocausto (“Afinal, você está falando hoje sobre a aniquilação dos armênios?”, Disse Hitler antes de invadir a Polônia). Agora é a população curda que sofre com essas políticas genocidas e Rojava está, sem dúvida, na mira deles.

A situação econômica em Rojava também está em um momento muito complexo, com enormes dificuldades pela frente. A libra síria caiu para níveis mínimos e nos últimos meses perdeu mais de 300% de seu valor no mercado doméstico. A isso, devem ser acrescentadas as novas sanções contra a Síria impostas pelo governo Trump, um movimento econômico de guerra que, apesar de ser dirigido contra o governo de al-Assad, tem um impacto profundo em toda a Síria. Trump prometeu que a autoadministração de Rojava estaria isenta dessas sanções, mas por enquanto essa promessa não se concretizou e elas devem ser adicionadas ao embargo que Rojava sofreu desde o início da revolução. Em termos de recursos, em Rojava há uma abundância de dois recursos principais, trigo e petróleo, mas esses também agora estão enfrentando dificuldades. A crise do COVID-19 causou uma queda no preço do petróleo, o que tem um enorme impacto sobre a receita da auto-administração. Além disso, as sanções que acabamos de mencionar contra o governo de Assad dificultam a venda do petróleo bruto, necessário para as refinarias em áreas sob controle estatal sírio para processá-lo. A colheita do trigo, um importante recurso coletado nesses meses, também está enfrentando dificuldades. Por um lado, a autoadministração decidiu avançar a colheita para evitar o que aconteceu no ano passado, onde grupos insurgentes causaram numerosos incêndios nos campos de trigo. O avanço da colheita reduziu os incêndios e garantiu que o trigo não fosse perdido, mas, ao mesmo tempo, foi colhido ainda verde e o preço pelo qual pode ser vendido é mais baixo. A isto deve ser adicionado o roubo de trigo que foi armazenado nos silos da área ocupada pela Turquia, como os importantes silos de Gîre Spî.

Um último aspecto que queremos mencionar também está relacionado com os efeitos globais da pandemia, que é o fechamento das fronteiras que limitou a movimentação de internacionalistas. Durante os últimos 4 meses nenhum internacionalista pode entrar ou sair de Rojava, isso limita o número de pessoas novas que querem viajar para Rojava, mas não tem como entrar.

Com toda essa situação, se torna difícil saber o que vai acontecer. A situação é altamente instável, existem tantas variáveis e tantos interesses em jogo que as coisas mudam rapidamente de um dia para o outro. Sem dúvida, a maior ameaça é uma nova invasão do Estado turco, provavelmente em Kobane, pois foi sua resistência ao que capturou a atenção internacional. O poder simbólico desta cidade é muito importante e é por isso que o Estado turco quer ocupá-la, porque sabe que será muito difícil manter a fé na revolução sem a cidade que conseguiu quebrar o avanço do ISIS. É provável que o exército turco e seus aliados islâmicos decidam atacar Ain Issa e Manbij primeiro, já que são cidades próximas e essenciais quando se trata de fornecer apoio logístico no caso de Kobane ser sitiado novamente. Diante de tal ataque, Erdogán sabe que precisa de uma autorização das potências internacionais e regionais. A guerra de influências entre a Rússia e os EUA no Oriente Médio pode desempenhar um papel relevante e, à medida que o equilíbrio de poder e os objetivos de ambas as potências imperialistas mudam, os efeitos serão sentidos, não apenas na Síria, mas em todo o Oriente Médio e no mundo inteiro. Nos últimos meses vemos uma retirada constante da presença de tropas americanas na Síria, embora nunca seja definitiva, pois entre suas prioridades ainda está a de impedir que outras potências ganhem influência, principalmente a Rússia e o Irã. Esses movimentos são seguidos por uma corrida não apenas do governo Bashar al-Assad, mas principalmente da Rússia, que busca preencher as lacunas de poder que essa retirada pode causar, reforçando sua hegemonia em solo sírio e garantindo seu acesso ao Mar Mediterrâneo.

As outras potência regionais também podem influenciar no futuro da Síria, como o Estado de Israel, que segue mantendo sua ocupação das montanhas de Golã, como ataques contínuos e bombardeados contra diferentes objetivos em solo sírio. A presença do Irã na Síria tampouco é segredo, de fato a maioria dos ataques de Israel são contra alvos do Hezbolah ou outras forças próximas ao regime teocrático do Irã. O governo sionista de Netanyahu aproveita a inimizade do Irã com os Estados Unidos para atacar impunemente e enfraquecer assim as potências que rodeiam o Estado de Israel. O Estado Egípcio também começa a mostrar agitação, com ameaças de intervir no conflito na Líbia para deter a expansão da influência turca. Até agora o Egito está fora do tabuleiro sírio, mas o governo de al-Sisi vê o desenvolvimento de Erdogán como uma ameaça, por conta de seu discurso neo-otomanista e sua forte relação com a Irmandade Muçulmana, principal oposição ao governo de al-Sisi.

Outro cenário possível em um futuro próximo é um ataque total por parte do Estado turco a Qandil, no Curdistão iraquiano, onde estão localizadas as bases do PKK. Erdogan passou anos cercando as montanhas onde o movimento insurgente curdo tem o seu coração, e espera contar com o apoio da OTAN e de sua mídia e rede tecnológica para realizar esta operação. Mas para cercar as montanhas, Erdogan precisa da colaboração não apenas do Estado iraquiano, mas também das forças do Estado do Irã, já que Qandil está nas fronteiras que separam os dois países. Seria também uma operação muito cara e, dada a volátil situação econômica da Turquia e suas múltiplas frentes abertas, não está claro se Erdogan será capaz de lançar uma campanha em larga escala. Sem dúvida, esse ataque condicionaria Rojava enormemente, já que as influências ideológicas de Abdullah Öcalan no desenvolvimento do confederalismo democrático são fundamentais, e a revolução não pode ficar à toa diante de um ataque de tal magnitude contra o povo curdo.

Como podemos ver, Rojava é um pequeno ator em um quadro de poderes cheio de rancores e conflitos. Sua breve história sempre foi ameaçada pelo contexto de guerra e conflito que a cerca e sua mera existência desafia os planos e as agendas dos poderes que intervêm na Síria. Apesar de breves alianças táticas, é claro que nenhum Estado tem interesse em permitir que esse projeto revolucionário prospere e se expanda. Agora que o Estado Islâmico foi derrotado, outras forças e potências continuam a atacar esse projeto revolucionário, principalmente através do Estado turco e de seus aliados. Rojava existe graças ao compromisso e esforço coletivo de milhares de militantes e devemos sempre ter em mente que, sem o sacrifício deles, nada que vivemos aqui hoje seria possível. Os ataques sofridos causaram perdas muito importantes e processos muito dolorosos, tendo que ir em frente e reconstruir as ruínas que a guerra deixou. Como militantes, essas experiências nos forçaram a apreciar a necessidade de autodefesa em níveis muito profundos e a apreciar a vida e os momentos de felicidade com mais gratidão do que jamais experimentamos antes.

Até agora, Rojava continua sendo um modelo inspirador para movimentos revolucionários ao redor do mundo, um espaço para debate e prática política demonstrando que outro mundo é possível. Rojava não é uma sociedade anarquista, mas é uma sociedade em que anarquistas de todo o mundo podem aprender e colocar nossas ideias em prática. Não podemos permitir que esse farol de esperança se apague e, embora continuem atacando, continuaremos a construir, defender e desenvolver o mundo em que sonhamos viver. Os ataques que virão continuarão causando dor e destruição, mas não tememos as ruínas, pois carregamos um novo mundo em nossos corações.

Tekoşina Anarşist

Julho 2020

Rojava

 

“Não temos medo de ruídas, trazemos um mundo novo em nossos corações.” – Buenaventura Durruti

Leituras Recomendadas:

ANTIFA NÃO É O PROBLEMA – A Falação de Trump é Uma Distração Para a Violência Policial

Na semana em que as movimentações de torcidas organizadas e movimentos sociais tomam as ruas em várias cidades do Brasil, o movimento Antifascista como um todo toma projeção nacional. A relação disso com o que está acontecendo nos Estados Unidos após a morte de George Floyd é muito relevante. Quase 150 cidades estadunidenses se levantaram após o assassinato de mais um homem negro desarmado e rendido pela polícia diante das câmeras dia 25 de maio. No Brasil, Porto Alegre, São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro tiveram protestos que conseguiram barrar e enfrentar os atos bolsonaristas que vinham tomando as ruas sem qualquer oposição das bases dos movimentos e partidos que se dizem oposição ao governo Bolsonaro. Por aqui, gritos de guerra homenagearam Floyd, mas também João Vitor e Rodrigo Ciqueira, assassinados pelas polícias cariocas, além da militante Marielle Franco, morta em uma emboscada tramada por milicianos ligados à família do presidente.

Torcidas e movimentos antifascistas em Belo Horizonte, 31 de maio de 2020.

Em reação ao povo na rua Trump divulgou uma mensagem dizendo, mais uma vez, que quer criminalizar o movimento Antifa como “terrorista”. Obviamente que seu capacho latinoamericano, Bolsonaro, compartilhou essa ideia em sua conta no Twitter. É importante saber o que significa governantes tentarem criminalizar movimentos que basicamente se opõem ao fascismo e quais os possíveis desdobramentos dessas políticas. Por isso, traduzimos e compartilhamos o artigo de Mark Bray, camarada, estudioso e militante antifascista.

Em qualquer canto das Américas, o recado está dado: não vamos tolerar os avanços do fascismo e do populismo, nem mais mortes pelas mãos da polícia (a instituição mais fascista que caminha sobre esses solos) e as ruas, não pertencem àqueles que fazem “protestos à favor de governos” e fazem o trabalho sujo de gangues que a polícia (ainda) não é capaz de fazer diante das câmeras. Seguiremos tomando as ruas com as bases, com as torcidas mesmo quando partidos e movimentos tradicionais sequer esboçam qualquer coragem de se juntar a nós.

As ruas são nossas e essa luta agora tem dois lados!

Porto Alegre, 31 de maio.

ANTIFA NÃO É O PROBLEMA – A Falação de Trump é Uma Distração Para a Violência Policial

por Mark Bray

O vídeo trágico do assassinato de George Floyd pela polícia em Minneapolis te deixou com raiva? Com tristeza e desespero? Isso fez você querer queimar uma delegacia?
 
Seja esse o caso ou não (o que acho mais provável), você pode estar entre os muitos cidadãos estadunidenses que simpatizam com a explosão de raiva por trás do tombamento de viaturas policiais e da destruição das fachadas de lojas nas cidades do país após a morte de Floyd, mesmo que você não concorde com a destruição de propriedades. Embora as táticas de protesto “violentas” sejam geralmente impopulares, elas chamam atenção e nos forçam a perguntar: Como chegamos aqui?
 
https://i.dailymail.co.uk/1s/2020/05/31/05/29024876-8372737-Los_Angeles_A_demonstrator_jumps_on_a_police_car_during_a_protes-a-191_1590898537093.jpg
Manifestantes destroem viaturas em Los Angeles em protesto contra a morte de George Floyd.
O presidente Trump, o procurador-geral William P. Barr e seus aliados têm uma resposta simples e conveniente: “É a ANTIFA e a esquerda radical”, como Trump twittou no sábado. “Em muitos lugares”, explicou Barr, “parece que a violência é planejada, organizada e dirigida por grupos anárquicos… e extremistas de extrema esquerda usando táticas do tipo Antifa”. “Os extremistas domésticos”, twittou o senador Marco Rubio (R-Fla.), estão “aproveitando os protestos para promover sua própria agenda não relacionada ao caso”. Após outra noite de destruição que incluiu a queima do antigo mercado de escravos chamado Market House, em Fayetteville, Carolina do Norte, Trump dobrou as apostas no domingo, declarando que “os Estados Unidos da América designarão os ANTIFA como uma organização terrorista”.
 
As acusações imprudentes de Trump carecem de evidências, como a maioria de suas alegações. Mas eles também deturpam intencionalmente o movimento antifascista com interesse de deslegitimar os protestos combativos e desviar a atenção da supremacia branca e da brutalidade policial a que os protestos se opõem.
 
Abreviação de antifascista em muitas línguas, antifa (pronuncia-se “antífa—”, em português) ou antifascismo militante é uma política de autodefesa social-revolucionária aplicada ao combate à extrema-direita que remonta sua herança aos radicais que resistiram a Benito Mussolini e Adolf Hitler em Itália e Alemanha há um século. Muitos estadunidenses nunca ouviram falar de Antifa antes de antifascistas mascarados quebrarem janelas para cancelar a fala de Milo Yiannopoulos em Berkeley, Califórnia, no início de 2017 ou confrontarem supremacistas brancos em Charlottesville no final daquele ano — quando um fascista assassinou Heather Heyer e feriu muitos outros com seu carro de uma forma que assustadoramente anteviu os policiais de Nova York que jogaram suas viaturas em manifestantes no sábado no Brooklyn.
 
Em Oakland, manifestantes seguram cartaz com datas e cidades em que homens negros foram mortos por policiais brancos: Oakland, em 2009; Ferguson, em 2014; Baltimore, em 2015; e Minneapolis, 2020.

Com base em minha pesquisa em grupos antifa, acredito que é verdade que a maioria, senão todos, os membros apoiam do fundo do coração a autodefesa combativa contra a polícia e a destruição voltada contra a polícia e a propriedade capitalista que a se seguiu nesta semana. Também tenho certeza de que alguns membros de grupos antifa participaram de várias formas de resistência durante essa dramática rebelião. No entanto, é impossível determinar o número exato de pessoas que pertencem a grupos antifa porque os membros ocultam suas atividades políticas da polícia e da extrema direita e as preocupações com a infiltração e as altas expectativas de compromisso mantêm o tamanho dos grupos bastante pequeno. Basicamente, o número de anarquistas e membros de grupos antifa não chega nem perto de ser suficiente para conseguir por si mesmos uma destruição tão impressionante. Sim, a hashtag “#IamAntifa” foi uma tendência no Twitter no domingo, sugerindo um amplo apoio à política antifascista. No entanto, existe uma diferença significativa entre pertencer a um grupo antifa organizado e apoiar suas ações online.

A declaração de Trump parece impossível de aplicar — e não apenas porque não há mecanismo para o presidente designar grupos domésticos como organizações terroristas. Embora existam grupos antifa, a própria antifa não é uma organização. Grupos antifa identificados como Rose City Antifa, em Portland, Oregon, o mais antigo grupo antifa atualmente existente no país, expõem as identidades dos nazistas locais e enfrentam a extrema direita nas ruas. Mas a própria antifa não é uma organização abrangente com uma cadeia de comando, como Trump e seus aliados têm sugerido. Em vez disso, grupos anarquistas e antifas anti-autoritários compartilham recursos e informações sobre atividades de extrema-direita através das fronteiras regionais e nacionais por meio de redes pouco unidas e relações informais de confiança e solidariedade.
 
E nos Estados Unidos, a antifa nunca matou ninguém, ao contrário de seus inimigos nos capuzes da Klan e pilotando viaturas.
 
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Embora a tradição específica do antifascismo militante inspirada por grupos na Europa tenha chegado aos Estados Unidos no final dos anos 80 com a criação da Ação Anti-Racista, uma grande variedade de grupos negros e latinos, como os Panteras Negras e o Movimiento de Libertação Porto-Riquenho Nacional (MLN), situou sua luta em termos de antifascismo nas décadas de 1970 e 1980. Expandindo ainda mais o quadro, podemos traçar a tradição mais ampla de autodefesa coletiva contra a supremacia branca e o imperialismo, ainda mais longe através da resistência ao genocídio indígena e do legado da libertação militante negra representada por Malcolm X, Robert F. Williams, C.L.R. James, Ida B. Wells, Harriet Tubman e rebeliões de escravos. Essa tradição radical negra, feminismo negro e políticas abolicionistas mais recentes influenciadas por organizações como a Critical Resistance e Survived and Punished informam claramente as ações dos manifestantes muito mais do que a antifa (embora existam antifa negra e outras que foram influenciadas por todas as anteriores).
 
Trump está invocando o espectro da “antifa” (enquanto o governador de Minnesota, Tim Walz, culpou os “supremacistas brancos” e o “tráfico”) por quebrar a conexão entre essa onda popular de ativismo anti-racista e negro que se desenvolveu nos últimos anos e as insurreições que explodiram em todo o país nos últimos dias — que colocam a brutalidade policial em evidência, quer concordemos com a maneira como ela chegou lá ou não. Paradoxalmente, esse movimento sugere um reconhecimento não declarado da simpatia popular pelas queixas e táticas dos manifestantes: se incendiar shoppings e delegacias fosse bastante em si para deslegitimar protestos, não haveria necessidade de culpar o movimento “antifa”.
 
Esta não é a primeira vez que Trump ou outros políticos republicanos pedem que antifa seja declarado uma organização “terrorista”. Até o momento, esses pedidos não foram além da retórica — mas eles têm um potencial ameaçador. Se os grupos antifa são compostos por uma ampla gama de socialistas, anarquistas, comunistas e outros radicais, declarar a antifa como uma organização “terrorista” abriria o caminho para criminalizar e deslegitimar toda a política à esquerda de Joe Biden.
 
Mas, no caso dos protestos de George Floyd, as tentativas da direita de jogar a culpa de tudo no movimento antifa — visto por muitos como predominantemente branco — mostram um tipo de racismo que pressupõe que os negros não pudessem se organizar em uma escala tão ampla e profunda. Trump e seus aliados também têm um motivo mais específico: se as chamas e os cacos de vidro fossem simplesmente atribuídos a “antifa” ou “forasteiros” — como se alguém tivesse que viajar muito longe para protestar —, a urgência mudaria de abordar as causas profundas da morte de Floyd para descobrir como impedir o sombrio bicho-papão contra o qual Trump se opõe. Mesmo se você não concordar com a destruição de propriedades, é fácil ver a cadeia de eventos entre a morte de Floyd e os carros da polícia em chamas. A desinformação de Trump quer enganar a todos nós.
 
An LAPD vehicle is burned during protests that turned violent on Saturday
Não são por algumas maçãs podres, mas todo um sistema de racismo e opressão estrutural de classe.

Mark Bray: é historiador especialista em direitos humanos, terrorismo e radicalismo político na Europa Moderna. Foi um dos organizadores do movimento Occupy Wall Street em 2011 e seu trabalho é referência mundial no debate antifascista.


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Todas as luzes da Casa Branca foram apagadas no início da madrugada desta segunda-feira (1º), durante mais um dia de protestos contra o racismo — Foto: REUTERS/Jonathan Ernst

A Revolta é a Vida, a Resignação é a Morte

Mais uma vez é preciso atacar o discurso imobilizante em diversos setores da esquerda, justamente nos meios que deveriam estar preparados para o conflito e o dissenso, o que acaba por nos condenar à inação afim evitar uma suposta reação seja no campo reacionário ou nos mais moderados. Sempre que o povo está na iminência de não aguentar mais e ir pras ruas enfrentar o fascismo, começam as interpretações conspiratórias pelas quais isso é o que governo quer para legitimar a reação; começam mesmo entre nós as defesas de que as convocações para o enfrentamento não passam de manipulações e/ou infiltrações da direita para justificar a repressão, o golpe, a intervenção militar, como se fosse impossível, mais uma vez, as pessoas se revoltarem por elas mesmas. 

Primeiro, essa é a base da leitura que atribui a 2013 e à revolta popular o início do golpe e o advento do fascismo, que nega a potência das manifestações e do movimento de massa para absolver o PT de ter cavado sua própria cova militarizando favelas, corroborando o genocídio indígena e se aliando aos banqueiros.
 
Apaga também a repressão histórica à luta do povo, que, neste caso específico, só permitiu a emergência da direita após perseguição e criminalização aos que estavam nas ruas.
 
Em máximo grau, portanto, passa pano para essa criminalização, a torna aceitável, culpando quem se revolta e apagando nossa história.
 
Então novamente é preciso dizer: o Estado não precisa de justificativa para legitimar a violência que já exerce. A resposta de quem se revolta não deixa de ser válida apenas porque alguém não confiável a está defendendo. Nossa morte já é mais que um plano, ela está sendo executada diariamente, não temos mais o que temer com um golpe, todos eles já foram dados. Se continuarmos sem reagir por medo do que pode ser ainda pior, simplesmente já estaremos mortos.
 
Preparem-se para a próxima vez em que isso explodir!

Se existem razões para não se ir às ruas hoje, certamente elas não passam pela tentativa de nos calar por meio do discurso do medo. O Estado mata, tortura, violenta, prende, amedronta. E o seu avanço não entra em quarentena.

 
É urgente praticarmos o autocuidado, que passa pela autodefesa. Isso implica em mudarmos hábitos, mantermos o distanciamento social dentro do possível, evitarmos aglomerações, entre outros. Contudo, isso implica também em combater o medo que leva à inação.
 
Não queremos morrer infectados pelo vírus, não queremos morrer sufocados pelo peso da bota militar assim como não queremos nos mortificar com a crença nas instituições
 
O que não faltam hoje são motivos para que o fogo da revolta arda novamente em cada canto de cada cidade. Como dizem as paredes de diferentes partes do sul do planeta, “na democracia ou na ditadura, o Estado (e o capitalismo) te viola, mata e tortura”. Queremos viver e não apenas sobreviver.
 
A reação do opressor nunca é culpa dos oprimidos. 
Nossa responsabilidade é nos rebelar. 
 
Pelo fim do medo!
Solidariedade e liberdade!