Esta é segunda edição da Revista Tormenta, que compila alguns dos principais artigos de análise, entrevistas e traduções que fizemos sobre as lutas sociais radicais no Brasil e outros países em 2021. Escrevemos ainda sob os efeitos da maior pandemia do século agravada por um dos governos mais desastrosos que já dominaram este território. Gostaríamos de estar aqui comentando os avanços das lutas antifascistas em 2021, mas os eventos nos limitam buscar ânimo e recuperar o fôlego depois que o potencial das mobilizações de rua se chocaram com os medos e de desejos legalistas de partidos e movimentos alinhados com a lei burguesa. Esses sim lutaram como nunca para pacificar as ruas. Entre sonhos de trazer uma imagem do passado de governos petistas e a falta de senso crítico, preferiram se juntar à direita e negociar a paz com a polícia. Vimos os atos antibolsonaristasserem rifados pelas frentes amplas de partidos e centrais sindicais. A criminalização, a agressão física e até a fabricação de “infiltrados” serviu para isolar qualquer forma de ação combativa, linhas de frente e blocos autônomos capazes de defender manifestantes e atacar as estruturas de poder capitalista e estatal.
Enquanto no oeste da Europa, ou países como Índia, Tunísiae Grécia, a ciência e o combate à pandemia são usados como pretexto para a repressão policial, por aqui a mentalidade obscurantista do governo faz uso de discursos anticientíficos (ou de uma metódica ciência eugenista) para deixar morrer centenas de milhares de pessoas de uma infecção evitável – que em seu segundo ano, não conta sequer com dados sobre infecções e hospitalizações transparentes. Como previmos, o governo de Jair Bolsonaro e seus militares segue inabalado apesar da CPI da Covidenumerar seus inúmeros crimes contra a vida e a deliberada propagação do vírus. Ainda que os governos de extrema-direita estejam perdendo tração e sendo derrotados nas urnas nos últimos dois anos, não podemos ter a esperança de que eleições eliminem o bolsonarismo e o fascismo da política, da polícia ou das ruas. Construir a luta radical, de base, direta e autônoma será necessário para provar mais uma vez que a institucionalidade e a democracia representativa nunca foram atalhos para uma transformação social real.
Esperar que um novo governo PT reproduza, no atual contexto de resseção e retração dos investimentos externos, a política econômica que aliviou a miséria de milhões no início dos anos 2000 é tão absurdo quanto esquecer o aumento de 620% do encarceramento, as UPPs, os desalojos de milhares de pessoas para obras da Copa e Olimpíadas, lei antiterrorismo, o uso do exército como polícia e toda a estrutura repressiva que o atual governo herdou – se alguém se espanta com o a atuação do General Heleno, atual ministro-chefe do GSI, deve lembrar dos massacres que ele comandou no Haiti em nome do governo Lula. A volta do PT ao governo pode afrouxar a corda nos nossos pescoços, mas a forca estará sempre montada para ser usada, especialmente quando a extrema-direita tomar o poder novamente.
Após o fracasso de Trump em se reeleger, da vitória de Boric no Chile e as pesquisas eleitorais apontarem Lula como favorito em 2022, é possível que vejamos os limites dos governos de aspiração fascista e estilo populista. O extremismo dos que se dizem “sem viés ideológico” carrega tanta ideologia que os torna capazes até de ignorar dados científicos primários – em vez de utilizá-los em prol da gestão neoliberal e se apresentarem como heróis com a solução para a pandemia. As mortes e prejuízos econômicos e diplomáticos dessa equação podem não ser capazes de manter o poder em suas mãos por muito tempo. No entanto, apesar da perícia petista em gestão, conhecemos bem os limites dos governos progressistas que falharam em sanar os efeitos catastróficos do neoliberalismo nas Américas nas últimas décadas. Enquanto buscam respeitar as leis e a etiqueta dos ritos democráticos, não conseguem competir com as paixões mobilizadas pela direita que declara abertamente seu ódio às minorias, afirma que opositores são inimigos e devem ser eliminados, que seus apoiadores devem se armar e que somente uma “guerra civil resolverá os problemas do país”.
O moralismo de esquerda ainda não é páreo para a radicalidade do pânico moral fascista. Muito menos para eliminar sozinho a estrutura mafiosa dos militares se mantiveram no poder ao fim da ditadura e construíram uma basemiliciana, com grupos de extermínio e toda sorte de crime organizado que hoje celebra e se beneficia do governo Bolsonaro. Sabemos, também, que apesar das forças de centro-esquerda se colocarem como oposição ao bolsonarismo, sua possível volta ao governo servirá mais uma vez como recomposição das forças com a manutenção do pacto de pacificação e amansamento das possibilidades de insurreição. O plano deles é que “tudo mude” para que permaneça exatamente igual.
Podemos esperar um dos mais conflituosos anos eleitorais. A promessa de violência nas ruas para contestar qualquer resultado negativo nas urnas já está feita. E a demonstração de que há números e disposição para ocupar as ruas foi feita no último 7 de setembro. Subestimar o potencial de seus militantes mais fanáticos é ignorar a influência que a invasão do Capitólio em janeiro de 2021 pode ter sobre o bolsonarismo por aqui.
A eleição vai colocar como nunca esse embate à prova, às custas da pacificação de qualquer oposição radical nas ruas contra esse governo. Além de espalhar mais uma vez uma outra campanha para mostrar que existe ação política além do voto, devemos combater tanto a ordem que a esquerda neoliberal quer impor quanto o caos dentro da ordem que esse governo fascista quer fazer crescer. Não importa quem for eleito, seremos ingovernáveis!!
VÍDEO: FIM DE ANO / FIM DO MUNDO
Para enterrar esse ano e abrir um novo ciclo de lutas, aqui uma mensagem de ano novo do coletivo Antimídia, com quem tivemos a honra de colaborar em diversos vídeos em 2021:
As recentes eleições para presidência no Chile chamaram a atenção em todo o mundo, especialmente na América do Sul, onde governos eleitos na onda direitista ao longo da última década parecem dar sinal de perda de tração nas urnas. Depois do retorno do partido de Evo Morales na Bolívia em 2020 e da derrota de Donald Trump nos EUA, a esquerda retomou o poder do Estado na Argentina, no Peru e, em dezembro de 2021, Gabriel Boric venceu (com pouca diferença) o representante da extrema direita chilena, José Kast. Muitos esperam que esses ventos retirem, através das urnas, Bolsonaro do governo brasileiro e seus aliados da direita à frente da Colômbia, Uruguai, Equador e Paraguai.
Mas não nos enganemos: uma vitória do PT ou qualquer governo com uma trajetória à esquerda nas chamadas Américas não será capaz de eliminar o fascismo que se estabeleceu nas ruas, nas forças de segurança e nas instituições políticas e no controle das corporações. E, assim como o que aconteceu com Syriza na Grécia e Podemos na Espanha, sabemos que reabilitar a democracia representativa é reabilitar as armas que serão usadas por liberais e fascistas contra nós, buscando construir de baixo, uma sociedade para derrubar o Estado e o capitalismo. Seu compromisso com a gestão da crise capitalista os obrigará a ceder sempre em favor do lucro dos ricos, com mais austeridade e repressão. Não existe atalho para o fim da desigualdade e da dominação que passe pela gestão estatal. A autonomia e autodeterminação dos povos é a única força social que não pode desaparecer facilmente com um golpe ou uma nova eleição.
No caso chileno, Boric já disse a que veio antes mesmo de ser eleito: em novembro de 2019 se sentou com a direita para firmar “Acordo para a Paz e uma Nova Constituição” em reação aos gigantescos protestos do estallido social de outubro daquele ano. Em seguida, votou pela lei “anti-barricada, anti-saque, anti-máscara e anti-ocupação de terras”, que aumentou as penas para as ações diretas fundamentais para a revolta chilena. Se despender de governos eleitos, não teremos ocupações, protestos, anonimato nem nenhuma das armas de construção das lutas populares nas ruas.
Sendo assim, seguimos divulgando as palavras e as ações de quem não pretende sair das ruas nem fazer acordos com a classe dominante.
PALAVRAS ANÁRQUICAS E SUBVERSIVAS DESDE AS PRISÕES CHILENAS DIANTE DA REACOMODAÇÃO DO DOMÍNIO E SUA PERPETUAÇÃO CAPITALISTA
Segundo o que a cidadania proclama, parece que somos testemunhas de um momento chave na história deste território, que nos encurralada de costas para o precipício e, ao menos que façamos algo, nossa queda será iminente. Parece que presenciamos uma guerra aberta, encarniçada, entre dois polos políticos inimigos a tal nível que, tal como a guerra fria, coloca em perigo a subsistência e o futuro de todos os seres no território dominado pelo Estado Chileno.
Por um lado, o grito de guerra versa: “Comunismo ou Liberdade!”. Por outro: “Democracia ou Fascismo!”. Diante de um cenário tão dramático, nos apresentam o que seria a ferramenta chave para enfrentar este contexto, capaz de deter de uma vez por todas esse banho de sangue: a participação nos processos eleitorais, o sufrágio como a arma libertadora.
Não somos nem cegxs e nem surdxs, caminhamos com plena consciência sobre este e muitos outros acontecimentos do território. Não apenas nos distanciamos, mas também declaramos a guerra à toda instância institucional que busque qualquer perpetuação do Status Quo.
Desconhecemos cabalmente o falso enfrentamento de dois sistemas supostamente distintos, o eixo no qual se disputa a batalha seguirá sendo o da Democracia e da administração do Capital. A existência de um “embate” entre distintas políticas somente tenta justificar a suposta amplitude do sistema democrático-capitalista, a essência “diversa” deste e o suposto espaço onde caberia todo tipo de pensamento. De nenhuma forma queremos ser aceitxs por um sistema ou sociedade que rechaçamos, não queremos que nossa política seja mais uma dentro das opções deste sistema; queremos destruir toda opção e a estrutura que as sustenta. Nada temos a ver com o show eleitoral e sua cena de eleições, plebiscitos, votos e outros, consideramos isso nada mais do que um reajuste, a reacomodação burguesa de classe para a manutenção maquiada e de acordo aos tempos de uma ordem imposta e existente.
Temos a certeza que independentemente de qual seja o resultado eleitoral deste pleito, nada mudará essencialmente. Para além da conjuntura de quem esteja disputando a administração e a gestão da opressão, o mundo institucional, ou seja, o das eleições, nunca foi o nosso. Nesse sentido, quem vota, quem opta livremente por investir outra pessoa de autoridade, é tão responsável como o governante que dará as ordens de assassinar, militarizar e encarcerar. Quem vota é quem, mediante o ato de sufrágio, decide delegar parte de sua autonomia para fortalecer a cadeia de opressão e, portanto, do Estado.
Não seremos cúmplices de nenhum governo da vez, não fizemos ao final dos anos 1980, quando, assim como agora, o velho poder político instaurou o medo para tirar o fôlego e posição da luta confrontacional da época (como a luta armada), desdobrando um cenário cívico eleitoral que pretendia aniquilar com um Sim ou Não qualquer possibilidade de ruptura real.
Aqui já havíamos nos mantido nossa posição subversiva e desde aqueles tempos nada mudou.
A verdade o objetivo deste texto não é, nem deveria ser, de forma alguma convencer ou sequer teorizar sobre a participação da cidadania nos processos eleitorais, não seria correto demandar nem medir essa massa obediente segundo nossos critérios. O ponto de interesse surge quando vemos um grande leque de personagens que se reivindicam como atores “antagônicxs” ou inclusive se denominam subversivxs, revolucionárixs, rebeldes ou anarquistas, realizando chamados abertos para participar da via eleitoral e inclusive para votar em um candidato específico.
Alguns dos argumentos empunhados para justificar essa forma de ação têm a ver com a potencial perda de direitos civis – sempre garantidos pelo Estado – principalmente no plano das minorias “vulneráveis” ou das dissidências.
Não desconhecemos a suposta mudança na validação então arraigada de um discurso institucionalmente conservador na dinâmica de grande parte da sociedade alienada – o que tampouco se difere do contexto atual –, mas acreditamos que as lutas reais (de todo tipo), desde um posicionamento anárquico, subversivo ou revolucionário, nunca devem buscar validação ou integração por parte da institucionalidade ou mesmo da sociedade. Nos entregarmos, com nossas diferenças e particularidades, à “integração” institucional supõe diluir nossa individualidade antagônica em um espaço que não nos pertence e que tem como único fim ampliar o leque de participação democrática sem realmente questionar suas dinâmicas de fundo.
Não é de mais assinalar que, apesar do vai e vem em que se movem, se estendendo ou diminuindo os direitos civis em conjunturas específicas, não nos cabe esperar que os administradores da opressão sejam quem outorguem tais “direitos” (termos já suficientemente repudiável per se), alcançaremos nossa liberdade por nossos próprios meios e em plena autonomia. Nem a institucionalização nem a socialização das ideias ou políticas divergentes supõem uma mudança real nas práticas individuais ou coletivas. As dinâmicas que restringem nossa liberdade são combatidas no conflito, mas sobretudo com um desenvolvimento íntegro individual e uma crítica constante, não mediante o sufrágio ou a participação cidadã.
Se faz necessário ter em vista o fato de nos referirmos a um tema que parecia absolutamente resolvido dentro dos espaços e individualidades que dizem optar pela confrontação contra o Poder. Não nos cabe dizer quem é ou não subversivx, não somos nós as pessoas encarregadas disso, é a simbiose entre a palavra e a ação a única capaz de dar conta desta realidade. Se por um lado se defende a quebra total com o mundo existente, são feitos constantes chamados para acabar com o capitalismo ou com todo ápice de autoridade. Isso resulta ao menos patético que se defenda avaliar todos esses aspectos mediante a utilização do voto como “ferramenta” política, ação que é, além de tudo, um enorme empurrão e reforço da institucionalidade democrática do capital; mesmo quando ela parecia cambalear há pouco mais de dois anos.
Nossa aposta? Pois é a de sempre e com a porfia inquebrantável que nos acompanha: estender e a aprofundar o conflito permanente e irrefreável, sabendo que não somos salvadorxs nem representantes de nada e de ninguém, apenas de nós mesmxs. Nossa opção pelo enfrentamento é feita em primeira pessoa porque entendemos que ao golpear vamos nos liberando. E se outras pessoas também assumem esse caminho, excelente, mas caso contrário, isso não será motivo para nos desencorajarmos e muito menos cedermos em nossas convicções, caindo e validando a via institucional. Não somos iluminadxs e muito menos decidiremos o que virá, mas seremos entendidxs pelo que somos, pela prática, pelo que fazemos, sempre em concordância com nossas ideias, pela causa que brota e pela cumplicidade anárquica, subversiva e insurrecta que propaga rebeldia; nosso caminhar em guerra se converte, assim, na possibilidade palpável se sermos livres.
-LIBERDADE PARA XS PRISIONEIRXS SUBVERSIVXS, ANARQUISTAS E MAPUCHE PARA FORA DAS PRISÕES!!
-AGUDIZAR O CONFLITO, INTENSIFICAR A OFENSIVA!
-JUVENTUDE COMBATENTE, INSURREIÇÃO PERMANENTE!
-MORTE AO ESTADO, VIVA A ANARQUIA!
-NOSSA É A CONVICÇÃO!
-ENQUANTO EXISTIR MISÉRIA HAVERÁ REBELIÃO!
Mónica Caballero Sepúlveda cárcere feminina de San Miguel
Pablo Bahamondes Ortiz C.D.P. Santiago 1
Francisco Solar Domínguez Marcelo Villaroel Sepúlveda Juan Aliste Vega Joaquín García Chancks C.P. Rancágua “La Gonzalina”
Dezembro de 2021, território dominado pelo estado chileno.
Grupos de afinidades são grupos pequenos de pessoas que compartilham amizade, intimidade e confiança que se organizam para um fim. Na história do anarquismo, foram fundamentais para a sustentação de movimentos e revoluções inteiras, como na Federação Anarquista Ibérica durante a Revolução Espanhola, aponta o influente anarquista Murray Bookchin. Na Primeira Guerra Mundial, até mesmo o Exército Britânico optou por recrutar batalhões inteiros formados por amigos e vizinhos, os Pals Batallions, como forma de explorar a coesão fruto da afinidade e intimidade desses modelos, em oposição aos pelotões formados por desconhecidos. Na atualidade, redes grupos de afinidade organizam protestos antirracistas e radicalizam ações diretas, de apoio mútuo eassistência médica em conflitos no Brasil, nos Estados Unidos, no Chile e até revolução social em Rojava. O que demonstraria uma capacidade de adaptação e resiliência dos grupos de pessoas que se conhecem e compartilham laços profundos para lidar com situações e ambientes hostis.
No coletivo Facção Fictícia, costumamos usar como slogan a frase “Vandalismo, Depredação e Análise”. Seu tom carrega uma ironia, mas também uma sutil referência a um contexto histórico maior e que gostaríamos compartilhar. A expressão é uma adaptação da frase “Uma Gangue de Rua com Análise” (A Street Gang with Analysis“), que era como se autodefiniam um dos coletivos artísticos, radicais e subversivos mais perigosos dos anos 60 nos Estados Unidos: os Up Against the Wall! Motherfuckers. Seu nome em português seria algo como “Mão na parede, filho da puta!” – uma frase bastante comum de se ouvir se pixar ou grafitar muros sem autorização é uma de suas atividades preferidas. Compartilharemos abaixo um de seus folhetos sobre grupos de afinidade, mas antes, gostaríamos de oferecer algum contexto histórico e apontamentos teóricos sobre o tema.
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“Nós éramos da rua. Nossa profissão foi a revolução. Foi tudo o que fizemos. Não tínhamos emprego, não éramos estudantes, tudo que fizemos foi radical. Uma militância radical. Verdadeiramente permanente. De manhã à noite, todos os dias. Dávamos comida de graça às pessoas, tínhamos um apartamento (que chamamos de “sala de jantar”) onde as pessoas podiam ficar sem pagar. Também tínhamos roupas disponíveis. Tudo o que fizemos foi de graça.”
Os Mutherfuckers!, como gostavam de se chamar, foram dos que levaram os grupos de afinidade aos limiares máximos da arte e da ação revolucionária. Sua história cruza com os movimentos sociais mais relevantes de sua época, como os Black Panthers, mas também com grandes nomes da música e da arte, como os Surrealistas, e autores de diversos pontos do espectro radical, de Murray Bookchin aos Situacionistas. Diz a lenda que veio deles a arma que a feminista Valerie Solanas, usou para dar o tiro que quase matou Andy Warhol e que foram eles os responsáveis por expulsar a banda MC5 em suas limousines de um show gratuito comunitário por “venderem a revolução”.
Formado em Nova York em meio às agitações políticas da década de 1960, o grupo se reuniu em torno da revista Black Mask. Mais tarde assumiriam o nome “não publicável” (“unprintable name”, segundo New York Times) Up Against the Wall Motherfucker!. ou simplesmente “The Motherfuckers” e, mais tarde, “The Family”. Autoproclamados herdeiros do dadaísmo e do surrealismo, sua primeira ação pública acabou por fechar o Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMa) em 1966 apenas divulgando que iriam até lá fazer uma intervenção, o que levou o museu a trancar as portas por medo de que fizessem qualquer coisa. Já em 1968, MoMA recebeu a exposição “Dada, Surrealism and Their Heritage”, sendo criticada por seu foco na cultura pop e pouco em seu lado político. Dessa vez, os Motherfuckers se juntaram a outros grupos como Chicago Surrealists e marcharam em 300 pessoas rumo ao museu que estava cercado pela polícia e tropas de choque. Manifestantes soltaram galinhas e bombas fedorentas dentro do museu. Mais tarde, Salvador Dalí teria admitido: “agora somos parte do establishment”.
“Não somos artistas, nem anti-artistas. Somos homens criativos – revolucionários. Como homens criativos, nos dedicamos a construir uma nova sociedade… O falso conceito de arte não pode nos conter.”
– Black Mask, nº3, janeiro de 1967
Sua prática ganguista desenvolvidas nas ruas, nos centros de detenção juvenil e em constante conflito com a polícia fez com que até mesmo os Situacionistas temessem a relação com o grupo. Os Situacionistas chegaram a criticar o “puro ativismo” e decidiu pela expulsão da revista Black Mask de seu círculo “sem que seus membros sequer tenham concordado em entrar”. Foram apresentados ao grupo francês pelo anarquista Bookchin, que mais tarde também romperia relações com o Deborde seu secto. Inspirados nos escritos dos Situacionistas sobre arte e sua crítica social radical, UATW/MF tomou a ideia de “totalidade” para sua proposta de “Revolução Total”. No entanto, a ação radical nas ruas que buscava encarnar o ódio do lúmpen proletariado como relatado no texto de Debordsobre a revolta do bairro negro de Watts, em Los Angeles de 1965, cujo os Motherfuckers levavam as últimas consequências em suas práticas de vida parecia assustar os eruditos Situacionistas que, segundo alguém que foi próximo ao movimento, Jean-Pierre Voyer, “exceto por Vienet, que era mecânico, não conseguiriam bater um prego”.
Por outro lado, movimentos radicais com tradição em ações comunitárias e disposição para a autodefesa armada, como os Panteras Negras, tinham profunda simpatia pelos Mutherfuckers. Suas ações tática e esteticamente se aproximavam dos Panthers. Segundo GavinGrindon, “Morea foi a única pessoa branca a quem foi oferecido um título honorário filiação ao Partido dos Panteras Negras”. Grindon ressalta também que, inspirados por grupos como os Diggers de São Francisco e os próprios Panteras Negras, os UATW/MF “patrulhavam os bairros seguindo e vigiando a polícia, às vezes armados com facas ou correntes de moto.Ocasionalmente, eles livravam pessoas (interrompendo uma prisão e resgatando o preso).Eles se autodenominavam ACID (Comitê de Ação para Defesa Imediata) ou ESSO (Organização de Serviços do Lado Leste). Eles também montaram lojas gratuitas, […], programas de alimentação gratuita, clínicas gratuitas ocasionais e serviços jurídicos,todos financiados principalmente por doações.“
A última edição da revista Black Mask foi em 1968, marcando a mudança de nome do grupo para oficialmente Up Against the Wall Motherfucker – Uma gangue de rua com análise.
Dos debates com Murray Bookchin em décadas mais joviais e menos rabugentas de sua carreira, surgiu o termo “Grupos de Afinidade”, hoje comum entre os grupos militantes radicais. Herbert Marcuse, que era tio de Tom “Osha” Neumann, membro dos Motherfuckers, deu uma palestra em Nova York e Ben Morea desafiou o intelectual e suas ideias sobre arte. Depois disso, alguns membros do grupo reuniram-se com Bookchin em seu apartamento e debateram junto do comunista Russel Blackwell sobre as milícias anarquistas na Revolução Espanhola de 1936, organizadas em grupos de compañeros. Na década seguinte, em 1971, protestos com dezenas de milhares de pessoas em Washington foram organizadas por uma constelação de grupos de afinidade coordenados. [GINDON, Gavin, Poetry Written in Gasoline, p. 23.]
“A comunidade precisa de espaço livre.Ele precisa sobreviver, ficar louco, respirar, expandir, amar, lutar, ligar.[…] Um evento Motherfucker tinha que incluir comida grátis, música, discursos espontâneos, chamada e resposta.“
Afinidades: a primeira unidade de ação revolucionária
A herança do encontro entre esses militantes anti-artistas, anarquistas, socialistas, antirracistas e revolucionários para a prática dos movimentos atuais é extremamente relevante. Movimentos grandes e revoluções inteiras foram construídas com grupos e coletivos que começaram pequenos, rompendo com a norma estabelecida, se organizando para encontrar aliados e enfrentar sistemas inteiros.
Para atuar com o maior nível de segurança possível em momentos turbulentos onde é necessário agir fora dos mapas para romper o isolamento e encontrar seus pares, compartilhar cumplicidade, evitar grandes grupos ou exposição desnecessária. Essa é uma das vantagens dos grupos de afinidade. Nesse caso, nos referimos a grupos de amizade, cumplicidade e confiança, que compartilham pontos de vista comuns e interesse pelos mesmos objetivos e táticas, que desejam compartilhar tudo que é necessário para viver desde já a revolta que querem ver no mundo. Confiança, consenso, consentimento levado a um nível pessoal, face a face e não mediado. Esse tipo de grupo é uma forma de se organizar e tomar partido em grandes momentos de mobilização que rompem com os limites institucionais de movimentos sociais tradicionais, ao mesmo tempo que empoderam e encorajam a participação daquelas que não teriam legitimidade para se organizar de acordo com a mitologia marxista e das organizações de massas.
Esses grupos, em geral, não estão isolados entre si, mas em informal sintonia e, eventualmente, se encontrando com outros grupos pelo espaço das cidades, seja se descobrindo e colaborando durante um ato ou ação, seja estabelecendo uma rede de comunicação informal e boca a boca. Laços que se estreitam quando mais precisam, se dispersam quando a poeira baixa e a fumaça se dissipa mas nunca são deixados de lado para atrofiar. E nossas ações devem buscar aumentar a potência enquanto corpos e fortalecer suas conexões. Para aumentar essas potências, precisamos promover bons encontros: “a partir de agora, não aceitaremos nenhuma amizade que não seja política”.
Visibilidade e Opacidade
Algumas pessoas podem atuar apenas com suas organizações, comunas ou grupos de afinidade, outras também podem estar em contato ou atuando em grupos maiores e maior mobilização e visibilidade. Mas é importante que se tenha em mente quais conexões trazem mais visibilidade (e seus riscos) para pessoas e grupos que pretendem permanecer opacos, invisíveis para o olho do poder. Importante considerar também que, se para algumas pessoas a visibilidade significa um risco, para outras ela é uma forma de proteção, que significa que se forem perseguidas e presas, contarão com possíveis mobilizações em solidariedade, o que pode ser mais embaraçoso para o Estado continuar efetuando uma escalada de prisões. Por isso é sempre mais útil para ele prender quem não tem tanta visibilidade dentro dos movimentos ou mesmo na mídia e, se possível, que esteja ligada a posturas mais radicais. Portanto, estar próximo dessas pessoas com maior visibilidade pode significar que as atenções que seriam dadas a elas, caiam sobre você e seu meio. Isso é particularmente perigoso quando essas pessoas com não dão a mínima para segurança e anonimato delas mesmas e daquelas relações com aquelas ao seu redor, ao mesmo que tempo que as convidam para somar com radicalidade em suas ações – como vimos nos principais grupos envolvidos na “luta contra o aumento” em junho de 2013 mas entre muitos outros episódios recentes da luta antifascista no Brasil contra o governo Bolsonaro.
Não quer dizer que grupos com disposição para ações mais radicais e criminosas e os grupos que atuam dentro da lei e com certa visibilidade não devam ter contato. Esse contato é estratégico para atingir a maioria dos nossos objetivos, no entanto deve ser feito com respeito às necessidades de segurança de cada parte. Além do mais, total anonimato e opacidade pode dificultar para o Estado nos encontrar, mas, ao mesmo tempo, pode nos isolar e dificultar que novas pessoas se se encontrem se tornem companheiras passem a cooperar. A repressão se beneficia quando grupos radicais se isolam em cenas reduzidas e privadas pois isso impede a adesão e a formação de uma base social de apoio e dificulta a propagação da ação direta e da solidariedade. Nosso maior desafio não é nos encarregar de táticas militares ultrassecretas, mas difundir habilidades e práticas libertárias de resistência. Não há nada melhor que atividades participativas, que ofereçam portas de entrada para novas pessoas e oportunidades para grupos existentes se unirem. Da mesma forma, anarquistas precisam equilibrar as vantagens do segredo com a necessidade de fazer circular novos formatos e energias rebeldes.
A guerra entre as classes invade todos os campos da vida: goste ou não, nascemos nisso e decidimos a todo o tempo como lutar. A questão é agir estrategicamente de forma a não lutar só. Isso é particularmente complicado no atual contexto de vigilância e repressão. Deve-se atuar em um grau mínimo de clandestinidade para que se possa resistir de forma significativa. Mas se o aspecto mais importante da resistência sãos as relações sociais que produzem a própria resistência, é um erro escolher formas de luta que criam bases e apoio social cada vez menores.
Se nossas bases sociais podem ficar menores à media que os conflitos se intensificam, pode ser mais apropriado manter guerras mais brandas que não provoquem a fúria total do Estado ou então começar uma unidade de resistência popular mais ampla do que apenas um grupo de afinidade com sua galera. Isso não quer dizer deixar de lado os grupos de afinidade, mas entender que eles devem ser um meio para catalisar a ação popular, não um fim em si mesmo. O Estado vai, normalmente, preferir desacredita e isolar grupos do que prendê-los ou matá-los. Perceber que essa é sua prioridade nos leva a defender nossas relações e conexões sociais como prioridade para nós. Podem nos espancar ou nos prender enquanto indivíduos, mas o importante é saber se manteremos vivos nossos valores e táticas.
Não estamos falando nenhuma novidade mas também não é um protocolo a ser seguido à risca. Estamos relatando uma forma de ser, estar e agir espontânea e ao mesmo tempo crítica. Uma forma de se encontrar, se afetar e de compartilhar cumplicidade, solidariedade e ódio contra o poder autoritário. Vimos essa forma emergir nas ruas do Brasil, no entanto é o tipo de células e redes que estiveram por trás de muitos dos maiores levantes da história recente, em diferentes países e continentes.
A seguir, uma tradução do panfleto sobre grupos de afinidade produzido e amplamente difundido pelos UATW/MF na década de 1960 e 70. Que sirva de inspiração para novas gerações que buscam uma profunda relação entre ética e estética, não como mera apresentação visual ou de estilo, mas como uma forma de intervir no mundo de forma radical. Se nossa arte não for revolucionária, então não é nossa revolução.
GRUPO DE AFINIDADE = UMA GANGUE DE RUA COM ANÁLISE
por Up Against the Wall! Motherfuckers
“As ideias podem criar situações de vida ou morte, mas um homem pode realmente apenas lutar e morrer por si e pela vida de seus amigos.” – Chief Joseph
Na luta atual, formas de organização devem surgir sendo adequadas às condições modificadas que compõem a matéria real de nossos tempos. Devem ser formas suficientemente coeso para resistir à repressão; formas que podem crescer secretamente, aprendendo a se manifestar de infinitas de maneiras, para que seu modo de operação não seja cooptado pela oposição ou simplesmente seja esmagado. O grupo de afinidade é a semente/germe/essência da organização. Ela se reúne por Necessidade ou Desejo mútuos: grupos históricos coesos se unem das necessidades compartilhadas da luta pela sobrevivência, enquanto sonham com a possibilidade de amar. No período pré-revolucionário, os grupos de afinidade devem se reunir para projetar uma consciência revolucionária e desenvolver formas para lutas particulares. No próprio período revolucionário, eles emergirão como quadros armados nos centros de conflito e, no período pós-revolucionário, sugerem formas para a nova vida cotidiana.
As manifestações de massa são bem-sucedidas de duas maneiras: trazem níveis predominantes de consciência às ruas e tornam visível a quantidade de alienação ativa em nossa sociedade… e às vezes transcendem as questões de “manifestação” para se tornarem ações de massa. Como manifestações de massa, elas não conseguem avançar a natureza e as formas de nossa luta – como ações de massa (contra a polícia ou contra a propriedade), começam a definir a direção e a realidade do que nossa luta deve se tornar. “Motins” ou rebeliões são as formas mais altas de ação em massa que vimos até agora.
Essas rebeliões projetam a consciência de uma comunidade em ação, uma vez que (1) libera bens e áreas geográficas e (2) envolve as forças de ocupação (PORCOS) na batalha. Essa forma também possui vantagens e limitações; e é em resposta a ambas que as pessoas estão descobrindo as possibilidades tático-teóricas de trabalhar juntas em pequenos grupos íntimos. As perspectivas para o futuro são claras em pelo menos um aspecto: os Homens e seus Porcos estão aprendendo o “controle de multidão” e estão ampliando sua resposta a todas as massas de pessoas que se dispõem a se comportar violando as “leis e a ordem” dessa sociedade. Nossos preparativos para avançar na luta devem sempre levar em conta as habilidades e tendências do inimigo. Manifestações de massa e rebeliões nos bairros continuarão a atender necessidades específicas em muitas situações… Mas, no sentido geral de luta contínua, é necessário que comecemos a agir da maneira que for mais favorável aos nossos meios e objetivos – O PEQUENO GRUPO QUE EXECUTA AÇÕES “PEQUENAS” ORQUESTRADO COM OUTROS GRUPOS PEQUENOS/AÇÕES “PEQUENAS” CRIARÃO UM CLIMA DE LUTAS GENERALIZADO EM QUE TODAS AS FORMAS DE REBELIÃO PODEM JUNTAR-SE E FORJAR A FORMA FINAL: REVOLUÇÃO…
Já vimos a resposta de pequenos grupos – as Comunas de Columbia, as Gangues Revolucionárias de Berkeley, os Comitês de Ação da França e outros até agora conhecidos apenas por suas ações (Cleveland). Nos próximos meses, esses grupos e muitos outros que se formarão enfrentam dois tipos de extrema necessidade, à medida que procuram criar a possibilidade de uma comunidade real:
(1) Desenvolvimento interno e segurança. Cada grupo continuará a criar seu próprio senso de identidade através da síntese consciente da teoria/prática; e cada grupo aplicará essa identidade à realidade existente da maneira mais eficaz.
(2) Relações externas com grupos semelhantes. Devemos começar a estabelecer as formas de comunicação e conscientização mútua que podem permitir maior mobilidade e maior resposta a crises mais do que locais. Isso significa que teremos que começar a criar uma rede de grupos de afinidade (dentro das comunidades existentes e entre essas comunidades).
Essa rede ou “Federação” deve ser caracterizada por uma frouxidão estrutural que garanta a identidade e autodeterminação de cada grupo de afinidade, bem como uma realidade organizacional que permita o máximo de ações coordenadas direcionadas à revolução total.
O conceito de grupo de afinidade de forma alguma nega a validade das ações de massa; antes, essa ideia aumenta as possibilidades revolucionárias dessas ações. A minoria ativa é capaz, porque é teoricamente mais consciente e melhor preparada taticamente, para acender o primeiro pavio e fazer os primeiros avanços. Mas é tudo. Os outros podem seguir ou não seguir… A minoria ativa desempenha o papel de um agente agitador permanente, incentivando a ação sem pretender liderar … Em certas situações objetivas – com a ajuda da minoria ativa – a espontaneidade encontra seu lugar no movimento social. É a espontaneidade que permite o avanço e não os slogans ou diretrizes dos líderes. O grupo de afinidade é a fonte de espontaneidade e de novas formas de luta.
O texto a seguir é um dos artigos que integra a coletânea “ANTIFA: Modo de Usar“, livro lançado em 2020 pela editora Circuito, no qual o coletivo Facção Fictícia contribui com um artigo, traduções e uma entrevista com Mark Bray.
No momento em que as ruas voltam a ser espaço de disputa e atuação política e a radicalidade é sabotada amplamente pela esquerda, surgem manifestações de liberais e da direita que apoiou Bolsonaro a chegar ao poder depois que o mesmo fez seu maior ensaio golpista no último 7 de Setembro. Assim, parte da esquerda – que não usa tudo ao seu alcance para apoiar as lutas indígenas contra o Combo da Morte e a PL 490 – debate energicamente se deve se juntar ou não aos protestos dessa gente, ou se deve oferecer a eles uma oposição tão firme quanto ao fascismo escancarado.
É preciso ter claro que os liberais não são (nem nunca foram) aliados para barrar o avanço do fascismo, seja na base ou no topo das instituições. Os partidos e grupos liberais são os que toleram e abrem as portas para fascistas no governo – muitas vezes com apoio da centro-esquerda. Portanto, a luta contra antifascista deve ser uma luta anticapitalista que enfrente todos os possíveis aliados do fascismo.
Boa leitura.
Recentemente a onda de protestos nos EUA, que se espalhou por vários lugares do mundo, deflagrados pelo assassinato de George Floyd pela polícia, colocou novamente em cena o tema do antifascismo, levando uma quantidade enorme de coletivos e indivíduos a se declararem antifas. Essa popularização através da propaganda pelo ato pode ser de fato formadora, mas também pode ser um esvaziamento de sentido dos movimentos antifascistas, que os apaga enquanto alternativa diferenciada de luta. Dizer “somos todos antifas” é importante porque, como em outras insígnias semelhantes, aponta na direção contrária à criminalização: não há um grupo específico de pessoas que possa ser qualificado em tribunais como associação criminosa, que se possa denominar “os antifascistas”, trata-se, antes de tudo, de uma certa orientação geral prática que vários coletivos e indivíduos reivindicam. Mas dizer “somos todos antifascistas” também pode significar uma tentativa de assimilação em curso, de domesticação, de cooptação. Tal como avaliamos, a popularização do termo antifa não deve significar o apagamento dessa prática política e de sua diversidade de táticas, caso contrário essa propagação se tornaria uma diluição. O presente texto pretende contribuir para evitar tal processo, retomando o sentido da oposição fascismo/antifascismo na contemporaneidade e reforçando, particularmente, uma de suas características mais marcantes, a saber: com o fascismo não se discute, se combate.
Em tempos de governos que defendem abertamente valores fascistas, nos quais a luta antifascista chegou à consciência do público geral e a mídia corporativa se dedica a tentar explicar o que é o fascismo e o antifascismo — para muitas vezes igualar os dois ou criminalizar os antifascistas enquandrando-os como um grupo de caráter homogêneo, externo e invasor —, é preciso retomar alguns pontos importantes que sempre estiveram presentes na luta antifascista contemporânea e que podem ajudar aqueles que estão aderindo agora às lutas antifascistas.
Na contemporaneidade, a designação antifa diz respeito a uma orientação reivindicada por certos coletivos e movimentos quanto a não tolerância do fascismo de maneira alguma. Não diz respeito a um grupo específico, que pudesse ser uma organização terrorista, mas também não diz respeito a ser simplesmente contra o fascismo. Trata-se de uma orientação geral e prática preconizada por certos grupos, em sua maioria anarquistas, mas não apenas. Organizados em grupos de afinidade, são coletivos que legitimam a ação direta e que afirmam: com o fascismo não se discute, se combate diretamente. É importante notar que estes grupos têm raízes na contracultura punk dos anos 1980 e também, em alguns casos, nas torcidas organizadas de futebol, acostumadas a enfrentar a força policial diretamente. Não legitimam a luta jurídica, eleitoral ou institucional no combate ao fascismo, mas se organizam para impedir o fascismo de crescer, seja ao impedir uma manifestação fascista, seja ao impedir o fascismo no micro da sociedade. Os movimentos antifas defendem a autodefesa, a ação direta e a resistência não institucional ao fascismo. O antifascismo é uma reação à ameaça fascista e à ação violenta das forças policiais, na medida em que estas encarnam de forma evidente elementos fascistas. A violência policial racista e seus assassinatos são deflagradores recorrentes da resistência antifascista. E é interessante notar que o nascimento contemporâneo da antifa nos EUA se deu justamente em Minneapolis, onde o assassinato de George Floyd deu início à insurreição atual.[1]
O que significa a ação direta que estes coletivos reivindicam como arma primordial no combate ao fascismo? E por que, em se tratando do fascismo, ela parece ser a única possível? Em último grau, o que estamos dizendo que é intolerável quando dizemos que não dialogamos por quaisquer meios, que não negociamos o fascismo?
Primeiramente é preciso sempre desconstruir a ideia segundo a qual ação direta significa ação violenta. Uma ação é direta por não ser indireta, ou seja, por rejeitar representantes ou mediações para atingir seus objetivos. Mas não se trata aqui apenas de rejeitar a política institucional, e sim de encarnar na própria ação o objetivo buscado, rompendo com dualismos e com a separação entre meios e fins buscados. Neste sentido, organizar educação popular é ação direta; ocupar um imóvel abandonado também; tanto quanto promover eventos de contracultura e contrainformação. Adicionalmente, toda a luta na micropolítica onde o fascismo se encontra enraizado é uma luta por meio da ação direta, e aqui é preciso dizer ainda que as transformações reais, profundas, se dão de baixo para cima, no âmbito dos valores, no âmbito das práticas. Se atualmente a fascistização da nossa sociedade aparece de modo tão evidente, isso se deve em grande medida ao fato de que nunca houve uma modificação de baixo para cima naqueles valores que constituem o cerne do fascismo. E sobre isso nunca será demais lembrar as palavras de Foucault:
E não somente o fascismo histórico de Hitler e de Mussolini — que tão bem souberam mobilizar e utilizar o desejo das massas —, mas o fascismo que está em nós todos, que martela nossos espíritos e nossas condutas cotidianas, o fascismo que nos faz amar o poder, desejar esta coisa que nos domina e nos explora.[2]
Como liberar nosso discurso e nossos atos, nossos corações e nossos prazeres do fascismo? Como expulsar o fascismo que está incrustado em nosso comportamento?[3]
Os grupos antifas na contemporaneidade defendem que é um equívoco interpretar o fascismo apenas no seu sentido histórico ou como uma característica nacional específica de algum povo, como os alemães ou os italianos. O fascismo nunca desapareceu para ser revivido novamente. Ele sempre esteve entre nós em silêncio, para voltar de tempos em tempos quando as classes dominantes, amedrontadas diante de uma sociedade em completa falência política, social e econômica, como na qual vivemos, recorrem ao fascismo para salvá-la da revolução social. Para eles, o fascismo não é apenas um tipo de regime, nem uma ideologia para um regime em potencial. Ele pode ser entendido também como uma prática, um método, baseado no desejo fascista de dominar, oprimir, obliterar o outro. O fascismo também não seria uma perversão ou desvio dos valores da nossa sociedade, mas uma consequência deles. Assim o psicanalista Wilhelm Reich definiu a mentalidade fascista como aquela do homenzinho subjugado que anseia por autoridade e se rebela contra ela ao mesmo tempo. Reich afirmou que não é por acaso que todos os ditadores fascistas surgem do ambiente do homenzinho reacionário.[4] E de modo ainda mais enfático:
As minhas experiências em análise do caráter convenceram-me de que não existe um único indivíduo que não seja portador, na sua estrutura, de elementos do pensamento e dos sentimentos fascistas. O fascismo como um movimento político distingue-se de outros partidos reacionários pelo fato de ser sustentado e defendido por massas humanas.[5]
O problema dos fascismos cotidianos, dos microfascismos com os quais vivemos, acaba por complicar a dicotomia fascista/antifascista. Se todos nós possuímos elementos de fascismo de alguma forma, como podemos falar de antifascismo, diferenciar e dar nome aos fascistas? “Mate o policial dentro da sua cabeça” — diz um ditado anarquista. Para os antifas, o fascismo não é uma doença ou uma patologia inata, e sim algo normalizado no nosso cotidiano, uma perversão do desejo produzida pelas formas de vida capitalista e moderna: práticas de dominação, autoritarismo e exploração que nos integram de tal jeito que não podemos simplesmente decidir sair delas. Mas nem todo mundo se torna um neonazista. Isso também demanda uma prática fascista, uma reafirmação constante do desejo fascista de oprimir e viver em um mundo opressivo. E, com certeza, o mundo contemporâneo fornece essa reafirmação. Neste sentido, nos tempos como os que vivemos, precisamos praticar o antifascismo, trabalhando para criar formas de vida não hierárquicas, construindo espaços seguros para os grupos oprimidos, redes de solidariedade contra a violência policial e de grupos fascistas, agindo diretamente para combater o avanço do fascismo nos locais em que convivemos. É importante destacar aqui que não existe um comitê central que determina as regras e as diretrizes sobre como atuar ou sobre quem deve ser considerado fascista o suficiente para ser combatido; cada grupo que escolhe se engajar numa ação antifascista deve decidir sobre as estratégias e táticas apropriadas para a situação na qual se encontra. O antifascismo é, antes de tudo, uma prática ética e coletiva de resistência, não é um código moral.
A identidade é fundamentalmente sobre distinguir-se dos outros. O antifascismo, no entanto, é para todos. Devemos tomar cuidado para não isolá-lo dentro de uma demografia específica com um código de vestimenta e linguagem específicos. Isso é primordial, porque a extrema direita está se esforçando para descrever a antifa como uma organização alienígena monolítica, hostil. Nossa tarefa não é apenas construir uma rede de grupos, mas criar um momentum antifascista que se espalhe contagiosamente por toda a sociedade, junto a as críticas e táticas necessárias para essa luta.[6]
Por meio das ações diretas, os grupos antifas têm mobilizado exatamente os elementos que podem guiar o combate cotidiano ao fascismo, como presentes no texto “Introdução à vida não fascista”. Os grupos são múltiplos e por isso libertos da paranoia da organização totalizante; são não hierárquicos e agenciados entre si também de modo não burocrático; não separam teoria e prática e não se engajam em disputas institucionais e jurídicas por poder.
Ousaríamos mesmo dizer aqui que, na medida em que se colocam fora do âmbito da representação, se afastam da mobilização de afetos tristes.[7] E é por isso que podemos dizer que suas práticas não se separam do fim almejado. E também no caso da resistência ao fascismo histórico, foram fundamentais as ações diretas, descentralizadas e as redes clandestinas.[8]
O avanço da chamada nova direita no mundo pode ser entendido como um reviver dos valores fascistas, que sempre estiveram aí e se espalham hoje sem muita vergonha. Quais valores e práticas são essas? Basicamente, podemos resumi-la nas seguintes características: o culto ao militarismo e ao autoritarismo; o nacionalismo, ainda que meramente discursivo, dentro de economias privatistas periféricas abertas ao capital internacional, como a nossa; um certo fundamentalismo religioso; o racismo; a misoginia; a homofobia; e uma política de segurança que estabelece a morte como modo de governo, criando inimigos internos que se configuram discursivamente de modo distinto em cada território, seja como combate ao terrorismo, ao imigrante ilegal ou ao tráfico de drogas. Por meio dessas ideias, o fascismo continuou existindo no Estado moderno. É também por meio delas que podemos entender o caráter fascista do avanço conservador na política recente. Não é correto dizer, sobretudo na realidade latino-americana, que o fascismo ficou um tempo fora de cena para retornar no seio da democracia. De fato, os elementos fascistas sempre estiveram presentes no poder por aqui, acompanharam nossa história da colonização[9] ao estado novo, passando pela ditadura militar. O que talvez nos falte seja justamente uma resistência antifascista organizada, que se entenda como tal, que identifique diretamente estes elementos como constitutivos das políticas de segurança hoje e que se insurja contra eles em todos os âmbitos das nossas vidas. Apesar de não se identificarem expressamente como fascistas, a família Bolsonaro, o bolsonarismo e tudo o que a chamada nova direita representa, na prática, se encaixam perfeitamente nesses elementos. E aqui é sempre útil lembrar o que afirmou Durruti sobre o tema:
Nenhum governo do mundo combate o fascismo até suprimi-lo. Quando a burguesia vê que o poder lhe escapa das mãos recorre ao fascismo para manter o poder de seus privilégios, e isso é o que ocorre na Espanha. Se o governo republicano tivesse desejado eliminar os elementos fascistas, podia tê-lo feito a muito tempo. Em vez disso, contemporizou, transigiu e gastou seu tempo buscando compromissos e acordos com eles. [10]
Neo-fascistas da Nova Resistência (NR) e Legião Nacional Trabalhista (LNT) foram postos pra correr em São Paulo quando tentavam se aproximar da manifestação da esquerda. pic.twitter.com/yjeVqwdyHO
Há mais de meio século, grupos anarquistas ou autonomistas denominados antifas chamam a atenção para o fato de que o fascismo não acabou com o fim da ii Guerra Mundial, até porque, como já analisava Maria Lacerda de Moura na década de 1920, é o filho predileto do Estado e do Capital. Em Fascismo – Filho dileto da igreja e do capital, a pensadora anarquista defendeu que o sistema capitalista sempre é potencialmente fascista, e demonstrou a sua relação interna com a instituição religiosa, a igreja e o clero.[11] O fascismo seria a consequência do Estado capitalista. Esta análise é extremamente atual e nos ajuda a entender como muitas das características do fascismo histórico se perpetuaram no seio das chamadas democracias representativas liberais. A história mostra, em vários momentos, que o antifascismo não deve dar os braços aos liberais, porque, quando o risco de uma revolução popular é real, estes últimos ajudarão a abrir passagem para os fascistas contra os revoltosos. Sem que a ameaça de sublevação seja real, as elites abrem as portas para líderes conservadores e aceitam a ascensão do fascismo, que mantêm sempre em seu cerne como um mal menor. [12] A impressão é de que sempre haverá um liberal ou social-democrata abrindo caminho para a extrema direita massacrar uma possível rebelião. Certamente a história não se repete, mas nos deixa lições: não se pode confiar nos meios eleitorais ou nas instituições ditas democráticas para derrotar o fascismo. E isso não apenas porque os fascistas chegam ao poder legalmente,[13] mas porque reside no cerne da representação espetacular do antissistêmico. Neste sentido, o princípio do fascismo é o extremo oposto da ação direta enquanto fim sem nenhum meio, já que nestas os meios são os fins. O fascismo é o sistema da representação tomando vida própria, se tornando absoluta, é o exercício do poder soberano em ato puro, sem necessidade de legitimação por parte do poder constituinte. Essa instituição que toma vida própria, com poderes absolutos, se apresenta falsamente como um antissistêmico, quando é de fato a encarnação do sistema. O estado de exceção que esteve sempre no cerne das democracias modernas. A ação policial com carta branca para matar é sem dúvida a sua experiência mais concreta. Neste sentido, os confrontos entre grupos fascistas e antifascistas nunca foram e não podem ser tratados como meros confrontos entre gangues rivais, tratam-se antes de confrontos com o fascismo, que é, e sempre foi, tolerado no cerne das sociedades ditas democráticas, e que é particularmente propagado hoje por setores religiosos e presente diretamente na prática das forças policiais. Talvez entender como a noção de Estado Policial é atual envolva compreender como a instituição policial encarna elementos fascistas, ainda que dentro da democracia liberal.[14] No Brasil e no mundo, a luta contra a polícia está interligada com a luta contra o fascismo. Todos os dias, nas periferias e favelas desse país, a polícia atua como um exército em guerra que ocupa territórios inimigos. O genocídio do povo negro e pobre é um projeto político de Estado. É o fascismo sendo exercido através das forças policias, dos aparatos de repressão e controle de populações.
Dos estádios às manifestações, as antifas no Brasil, desde seu surgimento, têm apontado para características fascistas das forças de segurança do Estado, sendo a luta contra a violência policial uma de suas principais bandeiras. “Não acabou, tem que acabar, eu quero o fim da polícia militar” é talvez a palavra de ordem mais repetida nas linhas de frente das manifestações compostas por antifas. Não é coincidência que o crescimento da violência policial na última década anda em conjunto com o avanço da extrema direita no mundo, além disso, é notório as fortes relações entre esses dois grupos pelo mundo todo. São diversos exemplos aos logo da história, mas não precisamos ir tão longe, basta notar como um policial trata um neonazista e como ele trata um favelado numa abordagem cotidiana.
A cada ano batemos novos recordes de mortes por policiais, enquanto as instituições ditas democráticas se tornam cada vez mais fascistizadas. Os antifas entendem que agora vivemos sob duas epidemias: a da brutalidade policial e a de Covid-19. Por isso muitos coletivos têm trabalhado desenvolvendo diversas ações diretas de solidariedade entre as comunidades e combatendo o fascismo por todos os meios necessários. Muitas dessas ações pelo Brasil estão sendo interrompidas pela brutalidade policial e pela violência do Estado que não dão trégua nem em tempos de pandemia. No Complexo da Maré e na Favela da Providência, no Rio de Janeiro, por exemplo, ações de solidariedade desse tipo foram violentamente interrompidas por operações policias que resultaram na morte de participantes das ações e de pessoas atendidas por elas.[15]
Vivemos no país mais violento do mundo. Com uma taxa de homicídio de mais de 60 mil, a violência no Brasil atinge níveis maiores do que em vários países em guerra. Temos a polícia mais letal do mundo.[16] A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado nesse país, sendo a maioria pela polícia.[17] Durante a pandemia, mortes por policias aumentaram 43% no Rio de Janeiro. [18] Um aparato de repressão militar, herança da ditadura, em uma instituição que já é uma herança colonial escravocrata criou essa máquina de moer carne humana que é a polícia militar. Como se já não bastasse, também somos o país que mais mata LGBTQIA+ no mundo, os maiores assassinos de indígenas das Américas e estamos caminhando para liderar o ranking mundial de violência contra a mulher. Mas quando o assunto é a violência dos grupos antifas parece que esse pano de fundo descrito não existe. A opinião pública tende a igualar fascistas e antifascistas como extremistas equivalentes, algo muito grave, que impulsionou, em mais de uma ocasião, o crescimento do fascismo. A mídia e o governo sempre fazem o possível para deslegitimar a ação antifa. A sociedade brasileira é violenta e sanguinária, o projeto colonial genocida se estende até os dias atuais, porém nos acostumamos a ele. Praticar o o antifascismo é, em grande medida, nunca se acostumar. O antifascismo é autodefesa contra tudo isso e, assim, a tão propagada “violência antifa” é, de fato, uma contraviolência. Portanto, é de suma importância entender o antifascismo como elemento de um objetivo abolicionista e anticapitalista maior, que busca dar fim à polícia, às prisões e às hierarquias opressivas. Não ter tolerância com a intolerância não é equivalente a ser intolerante. O que não é aceito de modo algum neste caso é justamente a defesa da morte do outro, o que é um detalhe lógico, como veremos adiante.
A experiência histórica nos mostrou como certos discursos são perigosos e não devem ser tolerados porque eles se vinculam muito diretamente ao genocídio e à naturalização da barbárie. Quando grupos antifas se esforçam para impedir que eventos fascistas possam ocorrer, por exemplo, eles estão se baseando nessa experiência que nos foi legada. A mensagem dessas ações é: se algo similar começa a surgir deve ser imediatamente impedido antes que cresça. As vias normais de negociação e diálogo não só se mostraram historicamente incapazes de barrar o fascismo como, em princípio, nem poderiam fazê-lo, já que o fascismo constitui precisamente uma ruptura com essas vias. E de tal forma que tentar defender a liberdade de expressão do próprio fascismo só pode constituir-se como uma evidente contradição em termos. Não há o que argumentar quando o efeito prático é a eliminação literal de um lado da interlocução. O fascismo não pode se expressar porque se ele se expressa ninguém mais se expressa. Sua própria possibilidade discursiva precisa ser banida como absurda. Para explicar melhor este ponto, é útil uma breve análise linguística. Tomemos as seguintes afirmações:
1. Todos têm direito a expressar sua opinião;
2. Mas a opinião de alguns é justamente que: não é o caso 1;
3. Então, nem todos têm direito a expressar sua opinião.
O conjunto de proposições acima tem a forma de um paradoxo por autorreferência. O paradoxo se desfaz quando observamos que 1 não é uma mera opinião dentro do sistema de opiniões, mas é uma proposição metalinguística, ou melhor, tem um valor normativo em relação ao sistema. Isso significa dizer que ela é condição de possibilidade de haver opiniões dentro do sistema e, por isso, é uma necessidade que não pode ser negada ou colocada em questão. O fascismo funciona exatamente assim, ele não é uma opinião entre outras em um sistema, é a dissolução da possibilidade mesma de continuar havendo opiniões. Por isso não deve ser tolerado. Toda argumentação cai por terra contra o fascismo, pois não se pode argumentar com quem nega o pano de fundo sobre o qual se desenrolam argumentações. Você não pode dizer que o fascismo é simplesmente falso, você deve combater a sua própria possibilidade como dotada de significação. Pois uma vez que você tolera o fascismo, você tolera o absurdo como possível, ou seja, você destitui aquilo que deveria ser necessário deste estatuto de necessidade. E é precisamente por isso que dialogar com o fascismo já é deixá-lo vencer.
Notas:
“Podemos localizar a gênese antifa na América do Norte em um pizzaria de Minneapolis, onde um grupo de skinheads antirracistas e multirraciais chamados Baldies estava reunido durante as férias de Natal em dezembro de 1987.” Bray, Mark. Antifa: o manual antifascista. Tradução Guilherme Ziggy. São Paulo: Autonomia Literário, 2019, p. 146.
Foucault, Michel. “Introdução à vida não fascista”. Preface in: Gilles Deleuze e Félix Guattari. Anti-Oedipus: Capitalism and Schizophrenia. New York: Viking Press, 1977, pp. xi–xiv. Traduzido por Wanderson Flor do Nascimento.
Ibidem, p. 03.
Reich, Wilhelm. Psicologia de massas do fascismo (1946). Tradução Mary Boyd Higgins. São Paulo: Martins Fontes, 1972, p. 13
Ibidem, p. 12.
Not Your Grandfather’s Antifascism. Coletivo CrimethInc., 29/08/2017. Tradu- zido por Erick Rosa.
Ver: foucault, Michel, op. cit., pp. xi–xiv.
Ver: bray, Mark, op. cit., pp. 99–100.
Aqui é também interessante lembar a análise desenvolvida por Achille Mbembe, segunda a qual o fascismo histórico de fato aplicou à Europa os prin- cípios de ação que já eram utilizadas no processo colonizatório. O nazismo teria como premissas fundamentais o imperialismo colonial racista e os mecanismos desenvolvidos pela própria revolução industrial. Ver, por exemplo: mbembe, Achille. Necropolítica. Tradução Renata Santini. São Paulo: n-1, 2019, pp. 22–23.
Entrevista de Buenaventura Durruti ao jornalista Van Passen, 1936.
moura, Maria Lacerda de. Fascismo – Filho dileto da igreja e do capital. São Paulo: Paulista, 1934.
Ver: bray, Mark, op. cit., pp. 54–56; pp. 61–63 e p. 70.
Ver: Ibidem, pp. 247–252.
Essa ideia foi desenvolvida pela autora em: jourdan, Camila. “Estado Policial e Estado de Exceção: notas sobre a sociedade contemporânea.” Em: Abolicionismos – Vozes antipunitivistas no Brasil e contribuições libertárias. Org. Guilherme Moreira Pires. Santa Catarina: Editora Habitus, 2020, pp. 57–68.
Sobre isso, conferir: “Jovem é morto durante entrega de cestas básicas no rj; vizinhos criticam pm”, Uol Cotidiano, 21/05/2020. E: “Operação policial interrompe doação de cestas e deixa mais um jovem morto no rj”, Brasil de Fato, 23/05/2020.
Sobre isso, conferir: “Polícia brasileira é a que mais mata no mundo, diz relatório”, Exame, 08/09/2015. E: “Com 62,5 mil homicídios, Brasil bate recorde de mortes violentas”, Uol Cotidiano, 05/06/2018.
. Dados disponíveis em: “A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no Brasil, diz cpi”, Flacso Brasil, 06/06/2016.
Sobre isso, conferir: “Mortes por policiais crescem 43% no rj durante quaren- tena, na contramão de crimes”, Folha de S. Paulo, 26/05/2020.