​O Estado da Praga – Entrevista com coletivo Chuang


闯 Chuang é um coletivo comunista situado dentro e fora da China, que publica uma revista e um blog. Desde o início da pandemia seus textos, artigos e entrevistas se tornaram conhecidos por revelar uma abordagem crítica sobre as origens do vírus e sua relação com o desenvolvimento do repressivo capitalismo de estado chinês e os argumentos preconceituosos do ocidente para desviar o foco da responsabilidade que o agronegócio tem para o surgimento e difusão de epidemias.

Traduzimos e lançamos, em 2020, um de seus artigos sobre os levantes em Hong Kong contra a lei de extradição e seus paralelos e influência sobre as ondas de protesto no Chile e nos Estados Unidos nas táticas usadas por manifestantes e a relação entre “violência” e “não-violência”.

Abaixo uma entrevista concedida à revista Brooklyn Rail em setembdo de 2021 para anunciar o lançamento em inglês do seu livro Contágio Social – coronavírus, China, capitalismo tardio e o ‘mundo natural’, lançado no Brasil como livro digital gratuito pela editora Veneta. Recomendamos como uma importante leitura para início de mais um ano onde enfrentaremos mais uma vez o vírus da pandemia e do oportunismo autoritário estatal e capitalista.


​O Estado da Praga – Entrevista com coletivo Chuang

Chuang é um coletivo comunista internacional que publica entrevistas, traduções e artigos autorais sobre a ascensão da China através das pilhas de destroços da história e das lutas daqueles que foram arrastados por baixo deles. Ao longo de anos de pesquisas locais, o coletivo desenvolveu uma análise comunista incisiva enfatizando as dimensões globais da experiência chinesa, iluminada pelos debates do século 20 e reforçada pela atenção contínua às mudanças de condições da luta proletária na China e além. Em suas atentas intervenções teóricas e nas janelas para vida cotidiana visíveis em seu blog, o coletivo sempre enfatizou as lições práticas para as muitas batalhas travadas pelos proletários em todo o mundo hoje e no futuro próximo.

Aminda Smith e Fabio Lanza  entrevistaram Chuang para a revista Brooklyn Rail em setembro de 2021 sobre seu primeiro livro,Social Contagion and Other Material on Microbiological Class War in China “. Smith é historiadora da China moderna, codiretora do PRC History Group e professora associada da Michigan State University. Lanza é professor de história moderna da China na Universidade do Arizona.

O livro inclui uma versão atualizada de seu influente artigo Contágio Social” (publicado originalmente em fevereiro de 2020), uma tradução de um relatório chinês sobre as condições dos trabalhadores e as lutas de trabalhadores e trabalhadoras durante e após o pico da pandemia doméstica COVID-19, uma entrevista com dois ativistas sobre suas experiências em Wuhan durante os primeiros meses do surto e um longo artigo sobre como a classe dominante tentou usar esta catástrofe como uma oportunidade para reestruturar e expandir o estado para os interesses da acumulação capitalista de longo prazo. No geral, o livro oferece uma perspectiva nova e surpreendente sobre a relação entre o capitalismo, a pandemia, o projeto de construção do Estado na China e a agência das pessoas comuns.



Aminda Smith e Fabio Lanza (RAIL): A visão geral sobre a resposta da China à pandemia, promovida pela mídia ocidental e pelo Partido Comunista Chinês (PCCh), é que ela teve sucesso devido à enorme capacidade do Estado, sua natureza autoritário ou até mesmo totalitária, sua penetração profunda em todos os aspectos da vida social, todas as características que tornavam aquele modelo de resposta inaplicável e/ou desagradável nos Estados Unidos ou na Europa. No livro, vocês argumentam, de forma bastante convincente, que a pandemia revelou, em vez disso, a fraqueza do estado, e que o estado era finalmente capaz de lidar com a crise, reconhecendo essa fraqueza e delegando autoridade aos governos locais e grupos de voluntários. Esta é uma tese fascinante, então você pode explicar como a resposta do estado à pandemia foi estruturada, o que falhou e o que funcionou no final das contas?

Chuang: Esta é definitivamente uma visão abrangente, tanto na China quanto no exterior. Parte da razão pela qual foi tão eficaz em obscurecer o que realmente aconteceu durante a pandemia é que essa imagem do estado onisciente já estava disseminada de antemão. Talvez possamos apelidá-lo de algo como o “mito da onipotência totalitária”. Mas é importante lembrar que esse mito não é cultivado apenas pelos órgãos oficiais do partido-estado na China para proteger seus interesses. Na verdade, é ainda mais avidamente propagandeado na mídia ocidental, por exemplo, através do tipo de clickbait sinofuturista que relata constantemente como todos na China têm uma “pontuação de crédito social” que determina suas escolhas de vida, como a tecnologia de reconhecimento facial em todas as áreas a cidade automaticamente multará você por infrações menores, ou como o governo está planejando estabelecer centenas de milhares de seus próprios cidadãos em países longínquos da África. Nenhuma dessas coisas é verdade, mas um ambiente de bombardeio constante com esse tipo de conteúdo naturalmente cultiva uma imagem mítica do estado todo-poderoso.

Esse mito disfarça duas coisas. Em primeiro lugar, ele obscurece a fraqueza persistente do estado e a realidade de que, apesar de seu horizonte cintilante, a China ainda é, em muitos aspectos, um país relativamente pobre, especialmente em termos per capita. Se você comparar medidas realmente básicas – como a receita tributária total que vai para o governo central na China e a receita tributária total que vai para o governo federal dos Estados Unidos – isso fica claro instantaneamente. E, em termos per capita, a diferença é obviamente muito ampliada. Em outro exemplo relevante, o gasto público per capita da China com saúde é baixo, mesmo em comparação com outros países em um nível semelhante de desenvolvimento econômico, embora esteja aumentando. Isso também significa que a administração do Estado foi fundamentalmente moldada pela necessidade de “governar à distância”, definida por altos graus de autonomia local, balcanização nas estruturas de comando e vigilância e uma latitude substancial para a corrupção. Isso tem historicamente dado aos governos locais muito mais liberdade e independência na China do que em outros lugares, e todas essas características têm sido realmente importantes para o desenvolvimento de uma classe capitalista doméstica. A corrupção, por exemplo, não é necessariamente “ineficiente” – é uma parte muito normal do desenvolvimento capitalista porque é como os capitalistas nascem quando o mercado se abre pela primeira vez e as regras de engajamento não são bem definidas. É somente depois que o acúmulo atinge um certo limite que todos esses recursos se tornam um obstáculo.

Em segundo lugar, também torna difícil entender adequadamente que a classe dominante na China está engajada em um projeto de construção do Estado bastante extenso, que está sendo construído há décadas, mas realmente começou a acelerar sob Xi Jinping. Essas duas coisas estão conectadas, obviamente, uma vez que a necessidade de construção do estado pressupõe algum tipo de fraqueza. A acumulação avançou o suficiente para que a corrupção, as cadeias de comando deficientes e a falta de canais confiáveis de informação começassem a se tornar mais um obstáculo do que um benefício. O rápido aumento da dívida do governo local, associado a projetos de infraestrutura de estímulo na década de 2010, foi um sinal claro desse problema. A campanha anticorrupção teve como objetivo abordar a questão nos níveis mais altos, eliminando magnatas do interior que potencialmente representavam uma ameaça ao governo central, e também organizar cadeias de comando e canais de informação de cima para baixo.

Ao lado disso, havia coisas muito mais mundanas, como reformas na metodologia usada pelo National Bureau of Statistics e tentativas de integrar melhor todos os tipos de registros públicos. Da mesma forma, várias campanhas de repressão contra feministas, centros de trabalhadores e grupos de estudantes maoistas também mostraram que houve tentativas semelhantes de integração dentro de uma infraestrutura de policiamento mais ampla. As pessoas muitas vezes não percebem que a China era um lugar onde, por décadas, era bastante fácil evitar um processo por vários crimes simplesmente mudando-se para outra cidade – pelo menos até que você chamasse a atenção do estado central – e onde havia uma quantidade assustadora de margem de manobra para as autoridades locais determinarem as punições, o que também significava que era fácil escapar de problemas se você tivesse contatos na delegacia local. Muitas vezes, ainda é fato que a polícia local não terá acesso a bancos de dados nacionais simples e padronizados, portanto, nem sempre é possível suspender sua carteira de motorista, processar suas impressões digitais ou usar seu DNA, mesmo que registre essas informações localmente. Isso está começando a mudar rapidamente, mas é um grande contraste com o que estamos acostumados em muitos outros países e com o mito da onipotência totalitária, que, é claro, pressupõe que esses sistemas são mais integrados e penetrantes na China do que em qualquer outro lugar.

Então, como isso se relaciona com a pandemia? Bem, o exemplo óbvio é que essa delegação local de autoridade foi desastrosa. Apesar de todos os mitos de como essa contenção foi eficaz, é meio risível quando você pensa sobre isso. Afinal, um surto com uma origem geográfica clara e rapidamente identificada acabou se tornando uma epidemia nacional e depois uma pandemia global. Como isso pôde acontecer, quando os médicos identificaram desde muito cedo que alguma nova doença respiratória mortal estava se espalhando na cidade? E quando isso estava claramente relacionado a um coronavírus? Em grande parte, é porque as autoridades locais se apressaram em suprimir informações sobre o surto quando ele estava saindo dos hospitais, incluindo esconder informações do estado central, sem tomar medidas para restringir viagens, fechar negócios ou encorajar o uso de máscaras quando essas coisas teriam sido a mais útil a se fazer. O livro inclui uma longa entrevista com amigos em Wuhan, que oferecem uma linha do tempo detalhada dos eventos e explicam quais informações estavam sendo fornecidas no local. Eles apontam o estranho fato, por exemplo, de que seus amigos em Xangai sabiam mais sobre o surto, em uma data anterior, do que muitas pessoas que moravam na própria Wuhan. Outra coisa que é perceptível nesta narrativa em primeira mão é como houve essa mudança muito repentina na política, efetivamente durante a noite, onde parece que alguma autoridade superior deve ter finalmente intervindo para implementar o bloqueio de forma decisiva. Isso geralmente é um sinal de que o governo central se envolveu, colocando as autoridades locais sob seu comando direto.

Portanto, de muitas maneiras, temos que entender o surto como um grande fracasso inicial – sinalizado pelo fato de que se tornou uma pandemia que está conosco até hoje – e que só prevaleceu internamente pelo esforço coordenado de centenas de milhares de pessoas comuns, muitas vezes trabalhando voluntariamente ao lado das autoridades locais. Não é exagero dizer que a epidemia nunca teria sido contida se não fosse pelo esforço desses voluntários. Ao mesmo tempo, foi completamente fortuito que o surto tenha ocorrido em grande parte em uma única cidade e, o que é mais, na véspera do Festival da Primavera, quando todos já estavam estocados na expectativa de que os negócios fossem encerrados. Isso minimizou o impacto imediato do bloqueio e permitiu que o estado central concentrasse a vasta maioria de seus recursos em Wuhan (e, em menor grau, em Pequim – onde o governo central está realmente localizado). Ao mesmo tempo, o governo central, por meio do CDC (Centro Chinês para Controle e Prevenção de Doenças), entendeu a importância de abrir o fluxo de informações, convidar investigadores médicos internacionais, compartilhar pesquisas sobre o novo vírus imediatamente e criar rapidamente padrões de prevenção facilmente delegáveis que erraram em o lado da segurança. Da mesma forma, eles intervieram para garantir que os sistemas de alimentação e energia estivessem sendo mantidos. Este é o nível em que você pode identificar um certo sucesso. Durante todo o processo, o governo reconheceu sua própria incapacidade e, com muita eficácia e rapidez, delegou imensas quantidades de autoridade administrativa de fato ao nível mais baixo de governança, que incluía toda uma gama de órgãos administrativos impulsionados em todos os pontos pelos esforços de voluntários.

Rail: Durante a era Mao (você usa o termo “regime desenvolvimentista”), o estado fez um esforço para atingir a sociedade, até o nível de bairro, por meio de formas organizacionais híbridas, como os comitês de residentes. Eles ainda estão em operação, então qual foi seu papel durante a pandemia? Suas capacidades organizacionais foram reduzidas durante o período de reforma?

Chuang: No que chamamos de regime desenvolvimentista socialista (da década de 1950 até a retomada da transição capitalista na década de 1970), houve uma tentativa capenga de estender o Estado até os níveis mais locais da sociedade e uma certa expectativa de que, ao fazer assim, o próprio estado deixaria de ser uma presença distante e estranha na vida das pessoas e, em vez disso, se tornaria uma instituição verdadeiramente universal. Foi assim que o processo foi expresso em teoria. Na realidade, o que aconteceu foi uma extensão hesitante e geograficamente desigual da autoridade central, seguida por uma fragmentação dessa autoridade em muitos locais autárquicos de tomada de decisão. Os principais símbolos dessa experiência não eram propriamente os comitês de moradores, mas sim os vínculos com o partido e o aparato de planejamento que se formava nas empresas e nos coletivos rurais.No caso rural, algumas dessas ligações foram preservadas nas reformas iniciadas na década de 1980 e formalizadas no status legal de “autonomia da aldeia”, centralizado no comitê de moradores como a unidade fundamental da administração rural.

Os comitês de moradores foram criados inicialmente nas áreas urbanas durante o regime de desenvolvimento, mas não eram os principais órgãos da administração local. Em vez disso, a governança cotidiana era em grande parte transferida para as várias empresas da cidade, em grande parte autárquicas. Se você fosse um residente urbano naqueles anos, a grande maioria de seus bens de consumo básicos – moradia, roupas, comida e até entretenimento – era fornecida gratuitamente por meio de seu danwei , ou unidade de trabalho, vinculado a um determinado empreendimento. Comitês de residentes foram criados para administrar a (inicialmente) pequena parcela da população urbana que não tinha um danwei. Perto do final do regime de desenvolvimento, no entanto, muitas cidades (especialmente no sul) começaram a ver um crescimento em sua população de trabalhadores migrantes rurais. Tecnicamente, como esses trabalhadores não tinham um danwei urbano , eles estavam sob a autoridade administrativa do comitê de residentes para qualquer distrito em que vivessem e/ou trabalhassem. No início, eram principalmente trabalhadores sazonais. Mas, com o tempo, eles se tornaram uma característica cada vez mais permanente da cidade. À medida que o regime desenvolvimentista começou a entrar em colapso e a transição capitalista foi retomada[1], muitas cidades experimentaram um rápido crescimento, mesmo enquanto a velha empresa e o sistema de bem-estar das unidades de trabalho estavam sendo desmantelados. O resultado final foi que a maioria das pessoas que viviam nas cidades não tinha vínculos com nenhuma empresa local e, portanto, estava sob a autoridade do comitê de residentes.

Portanto, o comitê de residentes era uma instituição inteiramente marginal que, acidentalmente, sobreviveu ao desmantelamento do regime desenvolvimentista e passou a ocupar uma função completamente diferente da pretendida originalmente. Inicialmente, porém, o estado realmente não tinha recursos para construir adequadamente sua infraestrutura governamental local. Ao longo das décadas de 1980 e 1990, tanto nas áreas rurais quanto nas urbanas, houve uma série de mudanças legais concedendo “autonomia” aos órgãos administrativos locais e designando o comitê de residentes da “comunidade / bairro” (社区) como a unidade fundamental da cidade administração, semelhante aos comitês de aldeia no campo, onde essas reformas foram acompanhadas pela implementação de eleições locais. Mas tudo isso foi feito em um contexto de reversão geral da autoridade do Estado. Realmente, só nos últimos anos é que as atenções se voltaram para a construção do estado em nível local. A pandemia foi um grande ímpeto nesse sentido, pois dividiu claramente as áreas onde os comitês de residentes funcionavam das áreas onde não funcionavam. Em muitos lugares, os comitês permaneceram efetivamente vazios por anos. Em outros, eles funcionaram como pouco mais do que um site para as formas mais medianas de corrupção local e nunca ofereceram nenhum serviço público real. Agora, está pelo menos claro que haverá uma tentativa combinada de construir esses órgãos, colocá-los sob cadeias de comando mais claras, vinculá-los mais estreitamente às delegacias locais de polícia, etc.

Rail: Você descreve, em detalhes, um processo de mobilização em massa em resposta à pandemia, com grupos de voluntários prestando todos os tipos de serviços, tanto para conter a propagação quanto para ajudar as pessoas a sobreviverem à pandemia, mas deixa claro que essa mobilização não era necessariamente contra o estado, nem representava uma ameaça à legitimidade do PCCh, apesar do tratamento inadequado da crise. Além disso, parece que, em alguns casos, esses esforços de ajuda mútua reforçaram as divisões sociais pré-existentes, em vez de fornecer uma chance para alianças trans-sociais. Porque?

Chuang: Às vezes, os voluntários operavam com total independência do governo. Mas houve muito poucos casos em que entenderam que sua atividade estava em total oposição a ela e, meses depois, quando o estado interveio para pedir-lhes que interrompessem suas atividades, todos o fizeram. Isso não quer dizer que o processo não foi confuso ou mesmo antagônico às vezes. Em muitas áreas, especialmente no campo, houve uma mobilização local bastante agressiva voltada para excluir basicamente quaisquer forasteiros. Isso foi visível nas redes sociais chinesas, que mostravam aldeões de meia-idade guardando barricadas com armas arcaicas (uma ilustração dessa cena serve de capa do livro) ou voluntários patrulhando bairros com drones e gritando com qualquer um que fosse encontrado do lado de fora. Essas imagens eram populares e, na maioria das vezes, alegres, mas em seus extremos a mesma atitude costumava ser perigosa, xenófoba e violenta. Em um caso, um motociclista foi decapitado porque um vilarejo havia colocado um arame em sua entrada para evitar que estranhos tivessem acesso. E quando a província de Hubei (onde Wuhan está localizada) foi reaberta, houve um confronto amplamente relatado na fronteira com Jiangxi, envolvendo policiais de ambos os lados lutando entre si, porque o lado de Jiangxi achou que era muito perigoso permitir a entrada de pessoas de Hubei.

É difícil enfatizar o quanto a atitude pública básica na China difere da de muitos países ocidentais. Nem foi esse o caso em que todos confiaram no governo e se ofereceram para ajudar por causa de alguma fé na autoridade. Na verdade, exatamente o oposto era verdadeiro: muitas pessoas se sentiram motivadas a se voluntariar precisamente porque não tinham confiança de que o estado seria capaz de conter o vírus com eficácia. Eles viram a incapacidade e a corrupção dos funcionários locais em primeira mão durante toda a sua vida e, portanto, não tinham confiança de que essas pessoas seriam capazes de fazer o trabalho. Se havia uma diferença fundamental, não seria encontrada em alguma obediência imaginária ao estado. Em vez disso, parece que o principal contraste entre o sentimento público na China e em outros lugares era que havia uma falta generalizada de fé no estado, uma intuição de que o problema não seria resolvido automaticamente pelas autoridades competentes e que todos tinham para se unir para se mobilizar contra o vírus. Em lugares como os EUA, a falha na capacidade estatal teve um caráter quase exatamente oposto, sem ninguém realmente preparado para reconhecer e lidar com a realidade da competência em declínio, especialmente quando se tratava do declínio dos serviços públicos. Então você teve uma atitude muito diferente nos Estados Unidos, com alguns criticando a resposta de seu estado particular em pequenos protestos anti-máscara, outros apoiando medidas estaduais ou esperando por uma resposta maior, mas fazendo isso de casa.

Rail: E quanto aos trabalhadores? A pandemia abriu novas possibilidades para a mobilização dos trabalhadores contra o capital ou outras vias restritas de organização e ação?

Chuang: Apesar da recuperação (relativa) da economia doméstica durante o segundo semestre de 2020 e neste ano, houve muito menos ações dos trabalhadores do que nos anos anteriores. Isso é mostrado nas poucas estatísticas disponíveis de organizações como o China Labour Bulletin (CLB), que registrou um pouco mais da metade do número de incidentes em 2020 em relação ao ano anterior, e esses números parecem estar de acordo com o que nós e nossos amigos temos visto no chão. Os setores de manufatura e mineração lideraram o declínio aqui, continuando um declínio já plurianual em incidentes em massa desde seu pico no início de 2010. A maioria dos outros setores o seguiram. A queda nos protestos manufatureiros também pode ter sido relacionada à explosão da produção até o final do ano, onde a China, cujas fábricas permaneceram abertas enquanto tantas foram fechadas ao redor do mundo,experimentou aumento dos salários e escassez de mão de obra enquanto as empresas lutavam para atender à demanda de exportação[2]. As disputas trabalhistas em manufatura e serviços começaram a aumentar em meados de 2020 – conforme documentado no artigo traduzido escrito por alguns amigos nossos, que serve como capítulo dois do livro – mas é discutível até que ponto o número de disputas reflete o número de ações trabalhistas. Embora as estatísticas ainda não estejam disponíveis para todo o ano de 2020, parece que as disputas trabalhistas, como uma medida geral de conflito, estavam pelo menos no mesmo nível do ano anterior. Por exemplo, em Pequim, os tribunais de arbitragem trabalhista receberam mais de 94.000 casos nos 10 meses entre janeiro e outubro[3]. Isso corresponde essencialmente aos 93.000 casos coletados nos nove meses entre janeiro e setembro de 2019, o que já foi um aumento de 37,4% em relação ao ano anterior[4].

Houve, no entanto, um aumento curioso no número de trabalhadores da construção civil protestando contra os atrasos salariais em 2020, conforme registrado pelo CLB – o maior já registrado pela organização desde o início do projeto de mapeamento em 2011. E talvez ainda mais estranho, nos primeiros meses de 2021, houve uma ausência do aumento maciço de protestos dos trabalhadores da construção civil que normalmente é visto antes do Ano Novo Chinês, quando os trabalhadores bloqueiam estradas, realizam marchas ou até mesmo ameaçam suicídio para receber o pagamento de fim de ano para que não viagem de volta para casa com as mãos vazias. Isso pode ser devido, pelo menos em parte, às restrições de viagem pela COVID-19 impostas aos trabalhadores durante o feriado de Ano Novo. Algumas estimativas mostraram que o número de viajantes em 2021 caiu em até 60% em comparação com 2019, atingindo o menor número de viagens registradas em 20 anos[5]. Em contraste, as ações dos trabalhadores no setor de logística, especialmente entre os passageiros que fazem entregas, são uma área em que a organização dos trabalhadores se expandiu durante a pandemia. As ações no setor de logística como um todo representaram 20% de todas as ações dos trabalhadores em 2020, o nível mais alto em vários anos. Este setor provavelmente produzirá altos níveis de agitação nos próximos anos, à medida que o comércio eletrônico continua a se expandir. Essencialmente, todas as ações trabalhistas de alto nível que ocorreram no ano passado (2020) envolveram motoristas de entrega. Na época, traduzimos um artigo viral[6] sobre a situação dos entregadores de alimentos que já circulavam na China, gerando discussão pública em todo o país e até gerando algumas declarações obrigatórias por parte dos dois gigantes do setor, Ele.me e Meituan. Essas declarações foram acompanhadas por mudanças bastante mornas, no entanto, com as empresas fazendo apenas pequenos ajustes para permitir que os passageiros tenham mais tempo para fazer seus pedidos, mas fazendo pouco para resolver os problemas subjacentes por trás das queixas dos trabalhadores.

Então, no final de fevereiro de 2021, o mais proeminente organizador popular de entregadores de entregas da China, Chen Guojiang – conhecido simplesmente como “Mengzhu” ou “líder de grupo” (盟主) por amigos e ativistas – foi detido pelas autoridades, provavelmente com a intenção de manter o A mídia social franca ficou quieta durante o congresso nacional do partido no início de março. Desde então, Chen foi acusado de “criar brigas e provocar problemas” (寻衅 滋事), a acusação mais comum usada para prender todos os tipos de agitadores em todo o país durante anos.[7] Alguns amigos falaram com Mengzhu antes de ele ser detido, sabendo como ele se organizou. Com base em Pequim, ele mantinha uma vasta rede de milhares de transportadores, principalmente no norte do país. Ele desenvolveu a rede em parte por causa de sua forte presença na mídia social, transmitindo ao vivo a vida dos entregadores. Ele também aconselhou outros pilotos, organizou refeições em grupo e até alugou um pequeno apartamento com cama em Pequim, onde pilotos novos na cidade podiam se hospedar gratuitamente por uma ou duas noites enquanto procuravam seu próprio lugar. Aqueles que o conheciam também descreveram como Mengzhu havia transformado sua plataforma em uma espécie de pequeno negócio para si mesmo, ganhando pequenas taxas aqui e ali, incluindo a coleta de bônus por recomendar pilotos para a plataforma, ou dos eventos que ele organizou para os pilotos .Durante seu tempo na plataforma, Mengzhu também ajudou a organizar várias greves de pilotos e foi supostamente bem-sucedido em atender às demandas dos trabalhadores. Ele e outros organizadores da greve também foram presos pela polícia em algum momento de 2019. Em suas discussões com amigos, ele observou enfaticamente que seu estilo de organização não podia ser imitado e atribuiu seu apelo generalizado à sua obsessão pessoal com networking, ajudar os outros e realizar streaming para seu público. No momento em que este artigo foi escrito, Chen continuava detido e ainda aguardava julgamento.[8] Amigos de Mengzhu tentaram arrecadar dinheiro para pagar honorários advocatícios no WeChat, mas o link para a página de arrecadação de fundos foi bloqueado pelos censores.

Mengzhu oferece um quadro interessante da realidade complexa e muitas vezes contraditória da organização dos trabalhadores na China, que raramente corresponde à miragem do “movimento trabalhista” promovido por muitos ativistas. Neste caso, a fama nas mídias sociais e até mesmo uma espécie de ethos empreendedor de pequena-empresa parecem ter sido parte integrante do crescimento da rede de Mengzhu. Argumentamos que essas complexidades inesperadas são essenciais para a compreensão da organização do trabalhador a longo prazo. Tanto no primeiro quanto no segundo número de nossa revista, procuramos enfatizar uma visão mais ampla da organização que extrapolou os limites do “movimento operário”, que atua como pano de fundo teórico para tantas análises do conflito de classes na China.[9] No futuro, será ainda mais essencial abandonar as presunções herdadas sobre como deve ser um “movimento operário” ou mesmo um “movimento social” mais geral, se esperamos compreender o caráter real da guerra de classes. Por exemplo, junto com o recente aumento nas ações das fábricas, podemos notar a força social potencial da franja em expansão de trabalhadores desempregados e subempregados, que estão crescendo em número em todo o país. Na extremidade inferior, isso é sugerido pela organização entre os entregadores de delivery e pelas demolições em curso que visam a chamada “população de baixa renda” (低端 人口).[10] Mas também é visível entre aqueles que ocupam posições sociais marginalmente mais elevados, como no discurso sobre a “involução” (内 卷) e no regime de trabalho “996”[11] entre os trabalhadores de colarinho branco, ou ainda mesmo no número crescente de protestos de proprietários de imóveis.[12]

Ainda não está claro como essas tendências afetarão as tensões sociais. Mas a desaceleração em curso no crescimento econômico parece indicar que todas essas tendências irão piorar com mais estagnação. A extensão do desemprego na China no último ano da pandemia ainda é pouco conhecida, mas a situação não deve melhorar significativamente. Durante o congresso do partido em março de 2021, o premiê Li Keqiang citou a criação de empregos como a “principal prioridade” do governo central, parecendo indicar que o emprego ainda não se recuperou verdadeiramente do declínio. Isso é ainda mais confirmado pela realidade de que foi a renovação do boom imobiliário – e não um renascimento industrial – que primeiro tirou a economia nacional de sua depressão após o lockdown. Enquanto isso, temos que ter em mente como os problemas econômicos afetaram os setores do colarinho-branco mais ricos ou mesmo pequenos burgueses, setores da sociedade que estão, sem dúvida, sentindo a pressão da perda de empregos e cortes de salários ou a dizimação de seus negócios, tudo em cima do já pesado fardo de dívidas que carregavam antes da pandemia. Embora essas tensões sociais possam não parecer tão inerentemente esquerdistas quanto as lutas trabalhistas, elas provavelmente continuarão a causar ondas e, infelizmente, a atrair mais a atenção e a ação da elite política. Como observamos em nosso último número da revista, a agitação social dos proprietários parece ter superado o número dos protestos trabalhistas no final dos anos 2010. Agora, no mundo pandêmico e pós-pandêmico, a política de classe provavelmente assumirá outras formas inesperadas com base nessas tensões sociais subjacentes. É essa realidade – e não uma analogia histórica de má qualidade – que deve servir de ponto de partida para qualquer pessoa que tente especular sobre o futuro do conflito de classes na China.

Rail: No final do livro, você fazem um argumento bastante interessante, e pode-se dizer especulativo, sobre o futuro do Estado chinês, uma vez que a pandemia deixou clara a necessidade de reconstruí-lo. Você argumenta que, embora continue em sua função primária a serviço do capitalismo, o estado está sendo reestruturado em algo diferente dos estados ocidentais ou de seus precedentes imperialistas e socialistas, enquanto recicla elementos de todos esses modelos. Para quais novas necessidades específicas e novos desafios este novo estado está sendo reestruturado e em que princípios ideológicos ele se baseia?

Chuang: Basicamente, a ideia central aqui é dupla: primeiro, estamos argumentando que a China ainda está em processo de construção de um estado propriamente capitalista. Não há nada realmente novo nisso, é claro, e os imperativos centrais do estado capitalista são mais ou menos universais, o que significa que muitos aspectos desse processo são muito semelhantes aos projetos de construção do estado que acompanharam o desenvolvimento capitalista em outros lugares. Mas, em segundo lugar, também é errado supor que isso significa que o estado que está sendo construído na China hoje será necessariamente semelhante a qualquer um dos estados capitalistas anteriores que surgiram em lugares como os Estados Unidos, a Europa ou nas colônias em seus detalhes. Esses imperativos capitalistas universais são requisitos básicos, mas a existência de funções universais não nos dá muitos discernimento sobre as estruturas institucionais exatas que são adaptadas para servi-las. Na verdade, esperaríamos que ocorresse o oposto: à medida que mudam as condições de acumulação de capital global, esse projeto de construção do Estado torna-se cada vez mais parte integrante de todo o processo de desenvolvimento. Não é coincidência que cada onda de industrialização de “desenvolvimento tardio” tenha visto o estado desempenhando papéis cada vez mais centrais em todo o processo. As pessoas frequentemente esquecem que uma das previsões mais consistentes de Marx sobre como o capitalismo se desenvolveria era que a escala social de produção aumentaria junto com a centralização industrial e que o sistema de crédito desempenharia um papel integral na gestão da acumulação em tal escala. Então, é realmente tão inesperado testemunhar o surgimento de um estado supervisionando enormes conglomerados industriais, ao lado de tentativas de disciplinar e direcionar suas atividades por meio da supervisão institucional e do fornecimento de crédito por meio de grandes bancos estaduais (não vale pena notar que principalmente por meio de injeções fiscais)?

Em um nível mais filosófico, há outra dimensão para este segundo argumento. Porque não se trata apenas do fato de que estados mais expansivos agora são necessários para garantir as condições básicas de acumulação. Também aborda a questão de como esse processo é percebido por aqueles que nele estão envolvidos e que tipo de forma ideológica ele assume. Em parte, esta peça foi escrita como uma réplica a toda a moda da filosofia ocidental que tenta teorizar “o estado” como tal puramente por referência à experiência europeia e à linhagem civilizacional que remonta a Roma – como se a jurisprudência romana abrisse esta janela secreta para o funcionamento interno do estado hoje. Estamos dizendo: não, você não pode simplesmente pegar algo que Foucault ou Agamben ou mesmo Mbembe escreveu sobre a Europa moderna, a Roma antiga ou o mundo colonial,e aplicá-lo no atacado à China, como se a lógica da política fosse um transplante inteiramente estrangeiro, introduzido na transição para o capitalismo. Na verdade, queremos apontar que há uma arrogância enlouquecedora de filósofos que escrevem críticas de “império” e “civilização” que nada sabem sobre a história de todos os maiores impérios de vida mais longa em toda a Ásia (para não mencionar na África ou na Américas).

Neste caso, a realidade é ainda mais contundente, porque a China tem sua própria tradição filosófica vibrante e de longa data que sempre se preocupou (na verdade, este é sem dúvida sua preocupação central) com questões de governança e política. Mais importante ainda, esta tradição filosófica está sendo ativamente revivida hoje, fundida com tendências conservadoras do pensamento ocidental e seletivamente implantada por aqueles que estão no poder para justificar ideologicamente, conceituar e até mesmo guiar o progresso material do projeto de construção do estado no terreno. É muito importante compreender esta dimensão do processo, mesmo que também tenhamos que ter em mente que a expressão filosófica do projeto de construção do Estado vai ser diferente da realidade no terreno. Não é realmente o caso que esta filosofia atua como um “manual” para aqueles que estão no poder, ou mesmo que forneça uma imagem precisa de como o poder do Estado funciona na realidade. Na verdade, muitas vezes faz o oposto, idealizando o estado e afirmando uma missão quase cosmológica para o PCCh,encarregado de liderar o rejuvenescimento espiritual da suposta nação chinesa. Mas essa é uma característica importante de como esse processo está sendo expresso por meio da reflexão sobre si mesmo. Por todas essas razões, pegamos emprestado um pouco da linguagem exagerada desses filósofos e demos a este capítulo um título irônico: “A praga ilumina a grande unidade de todos sob o céu”. Claro, essa unidade é uma piada.

Nada disso significa que o projeto de construção do Estado simplesmente avançará sem ser contestado. Como acontece com qualquer elemento do capitalismo, podemos ter certeza de que o conflito de classes nunca é eliminado definitivamente. Mas pode não ter a forma que esperávamos. Podemos de fato ver mais atos de desespero e desespero, conforme os conflitos sociais explodem de maneiras imprevisíveis, especialmente para as camadas mais baixas da sociedade chinesa, como o recente bombardeio de um prédio do governo em Guangzhou por causa de uma disputa de terra, ou o recente suicídio de um motorista de caminhão por uma multa de 2.000 yuans (cerca de US$ 300).[13] As queixas de maior valor das camadas superiores, como fraude de investimento ou conflitos de desenvolvimento imobiliário, provavelmente continuarão a crescer em número e receberão mais cobertura na mídia nacional e estrangeira – esses indivíduos também tendem a ter maior acesso ao sistema jurídico e uma melhor chance de reconhecimento formal a esse respeito. Isso pode não refletir o real “equilíbrio de forças” em relação à luta de classes na China, mas podemos esperar que, pelo menos na superfície, haverá um crescente “emburguesamento” das lutas sociais, por falta de uma palavra melhor, mesmo assim. Processo é pontuado por explosões violentas dos mais pobres do país. Desnecessário dizer que as demandas dos ricos (como a manutenção do vacilante mercado imobiliário) serão uma das principais prioridades do Estado. O mesmo não acontece com os caminhoneiros ou a “população de baixa renda” que vê suas casas demolidas.

Devemos também estar atentos aos caminhos de como as formas celulares e o estilo de mobilização pelo estado podem se desenvolver no futuro. Como observamos no capítulo final do livro, embora o estado formal se mostrasse relativamente fraco, as estruturas de poder de pequena escala foram moldadas em uma velocidade incrível. Comitês de residentes locais, seguranças e outros voluntários – com ligações a partidos e organizações governamentais – tornaram-se as principais faces do poder estatal quando se tratava de regulamentar o movimento de cidadãos entre bairros, ou mesmo dentro e fora de suas casas. Esses desenvolvimentos também não passaram despercebidos pelo capital. No ano passado, o chefe da Câmara de Comércio Europeia, Jorge Wuttke, não se queixou do desenvolvimento de alguma burocracia abrangente, centralizada e autoritária que atrapalha os negócios, muito pelo contrário:“A colcha de retalhos de regras conflitantes que emergiu da luta contra o COVID-19 produziu centenas de feudos, tornando quase impossível transportar mercadorias ou pessoas pela China.” Como principal representante do capital estrangeiro, Wuttke pediu ao governo que padronizasse medidas “em jurisdições maiores” para “colocar a economia real de pé”.[14] Esse poder em retalhos permanece até hoje, embora de uma forma mais latente. Apesar da pandemia ter passado e esses sistemas tenham relaxado um pouco, a realidade é que eles não desapareceram. As redes recém-desenvolvidas que ligam os órgãos formais do poder estatal a corpos informais de voluntários, empresas de gestão imobiliária, segurança, etc. simplesmente afundaram logo abaixo da superfície, chamando a atenção e reafirmando sua presença sempre que ocorrem surtos locais. No entanto, isso não é importante apenas para o gerenciamento da pandemia. A parte mais especulativa do capítulo argumenta que redes igualmente locais e o que chamamos de “para-formais” podem surgir em face de choques nativos ou exógenos, como uma corrida aos bancos, ou durante a mobilização nacionalista que acompanharia qualquer conflito militar .


Para mais textos do coletivo Chuang em português:

Notas:
  1. Conforme examinado em nosso artigo “ Red Dust” , isso na verdade começou sob Mao, não Deng Xiaoping, e é uma das muitas razões pelas quais argumentamos que periodizar a história chinesa de acordo com a sequência de “grandes líderes” é enganoso. Intencionalmente, nunca chamamos o regime de desenvolvimento de “era Mao”, por exemplo, nem a transição para o capitalismo de “era Deng”, porque a história não pode ser reduzida a ações, caprichos ou teorias políticas de estadistas.
  2. Gabriel Crossley e Stella Qiu, “China’s stunning export comeback has factories scrambling for workers”, Reuters, 20 de dezembro de 2020. https://www.reuters.com/article/us-china-economy-manufacturing-idUSKBN28V0AL .
  3. 疫情期间务工者遇到劳动争议该咋办? “What should workers with a labor grievance do during the pandemic?” 公民日报 People’s Daily, 27 de novembro de 2020. www.xinhuanet.com/fortune/2020-11/27/c_… .
  4. 北京发布2019年劳动人事争议仲裁十大典型案例 “Beijing Announces Top Ten Labor Arbitration cases from 2019” 新华网 Xinhua. www.xinhuanet.com/2019-11/05/c_11251960..
  5. SCMP Reporter, “China’s annual Lunar New Year migration, usually the biggest of its kind, looks very different in 2021″, South China Morning Post, 7 de fevereiro de 2021. www.scmp.com/magazines/post-magazine/lo…..
  6. Chuang and Friends (Trans), “Delivery Workers, Trapped in the System”, Chuang Blog , 12 de novembro de 2020. https://chuangcn.org/2020/11/delivery-renwu-translation/ .
  7. Sobre Mengzhu e sua prisão, veja Emily Feng, “He Tried To Organize Workers In China’s Gig Economy. Now He Faces 5 Years In Jail”, NPR, 13 de abril de 2021, www.npr.org/2021/04/13/984994360/he-tri… ; Matt Dagher-Margosian, “Free Mengzhu! An interview with Free Chen Guojiang 关注盟主”, Asia Art Tours, https://asiaarttours.com/free-mengzhu-an-interview-with-free-chen-guojiang-关注盟主/. Sobre casos semelhantes no passado, veja nosso artigo “Picking Quarrels” da segunda edição de nossa revista: https://chuangcn.org/journal/two/picking-quarrels/ .
  8. Os últimos relatórios dos direitos trabalhistas que monitoram o China Labour Bulletin no início de junho afirmam que ele ainda está detido. Consulte “Food delivery worker burns uniform in symbolic protest”, China Labour Bulletin, 8 de junho de 2021. clb.org.hk/content/food-delivery-worker… .
  9.  Consulte “No Way Forward, No Way Back” e “Gleaning the Welfare Fields” na edição 1 e “Picking Quarrels” na edição 2, ambos disponíveis aqui: https://chuangcn.org/journal .
  10. Sobre o discurso da “população de baixa renda” e sua popularização após a demolição de residências de baixo custo em Pequim em 2017, consulte: “Adding Insult to Injury: Beijing’s Evictions and the Discourse of Low-End Population”. https://chuangcn.org/2018/01/low-end-population/ .
  11. Para uma discussão de ambos, consulte: “Involution: Wildcat on China’s 2020”. https://chuangcn.org/2021/05/involution-wildcat-on-chinas-2020/ .
  12. Para uma análise das tendências de longo prazo, veja nossa análise em “Picking Quarrels,” citado acima. Exemplos de protestos de proprietários de casas podem ser encontrados diariamente online, para aqueles que procuram. Incidentes maiores às vezes são abordados em detalhes em publicações críticas para a China, como a Radio Free Asia, talvez uma vez por mês ou mais. Por exemplo, os residentes de um bairro em Chongqing entraram em confronto com mais de uma centena de policiais do choque em maio por causa de um conflito de longa data com autoridades que queriam estabelecer um escritório do governo local em sua comunidade residencial. Veja: “重庆 保 利 香雪 小区 爆发 大规模 抗暴 事件 业主 赶走 数百 名 黑衣 人” www.rfa.org/mandarin/yataibaodao/renqua…. A campanha de demolição do governo de Pequim no complexo de Xiangtang, nos subúrbios ao norte da cidade, foi relatada por vários veículos de língua inglesa. Por exemplo, consulte: “Residents Protest As China Demolishes Some Of Beijing’s Wealthy Suburbs”. www.npr.org/2021/01/26/960855956/reside….
  13. Veja nosso relatório recente sobre esses eventos: “Bombing the Headquarters: Desperate Measures in a Time of Involution”, Chuang Blog , 23 de maio de 2021. https://chuangcn.org/2021/05/bombing-headquarters/ .
  14. Veja “COVID-19 Severely Impacting Business: trade associations call for proportionate measures to get real economy back on track”, um comunicado de imprensa conjunto da Câmara de Comércio Alemã na China e da Câmara de Comércio da União Europeia em Câmara, 27 de fevereiro de 2020. china.ahk.de/news/news-details/covid-19….

Revista Tormenta #2 – 2021

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Esta é segunda edição da Revista Tormenta, que compila alguns dos principais artigos de análise, entrevistas e traduções que fizemos sobre as lutas sociais radicais no Brasil e outros países em 2021. Escrevemos ainda sob os efeitos da maior pandemia do século agravada por um dos governos mais desastrosos que já dominaram este território. Gostaríamos de estar aqui comentando os avanços das lutas antifascistas em 2021, mas os eventos nos limitam buscar ânimo e recuperar o fôlego depois que o potencial das mobilizações de rua se chocaram com os medos e de desejos legalistas de partidos e movimentos alinhados com a lei burguesa. Esses sim lutaram como nunca para pacificar as ruas. Entre sonhos de trazer uma imagem do passado de governos petistas e a falta de senso crítico, preferiram se juntar à direita e negociar a paz com a polícia. Vimos os atos antibolsonaristas serem rifados pelas frentes amplas de partidos e centrais sindicais. A criminalização, a agressão física e até a fabricação de “infiltrados” serviu para isolar qualquer forma de ação combativa, linhas de frente e blocos autônomos capazes de defender manifestantes e atacar as estruturas de poder capitalista e estatal.

Enquanto no oeste da Europa, ou países como Índia, Tunísia e Grécia, a ciência e o combate à pandemia são usados como pretexto para a repressão policial, por aqui a mentalidade obscurantista do governo faz uso de discursos anticientíficos (ou de uma metódica ciência eugenista) para deixar morrer centenas de milhares de pessoas de uma infecção evitável – que em seu segundo ano, não conta sequer com dados sobre infecções e hospitalizações transparentes. Como previmos, o governo de Jair Bolsonaro e seus militares segue inabalado apesar da CPI da Covid enumerar seus inúmeros crimes contra a vida e a deliberada propagação do vírus. Ainda que os governos de extrema-direita estejam perdendo tração e sendo derrotados nas urnas nos últimos dois anos, não podemos ter a esperança de que eleições eliminem o bolsonarismo e o fascismo da política, da polícia ou das ruas. Construir a luta radical, de base, direta e autônoma será necessário para provar mais uma vez que a institucionalidade e a democracia representativa nunca foram atalhos para uma transformação social real.

Esperar que um novo governo PT reproduza, no atual contexto de resseção e retração dos investimentos externos, a política econômica que aliviou a miséria de milhões no início dos anos 2000 é tão absurdo quanto esquecer o aumento de 620% do encarceramento, as UPPs, os desalojos de milhares de pessoas para obras da Copa e Olimpíadas, lei antiterrorismo, o uso do exército como polícia e toda a estrutura repressiva que o atual governo herdou – se alguém se espanta com o a atuação do General Heleno, atual ministro-chefe do GSI, deve lembrar dos massacres que ele comandou no Haiti em nome do governo Lula. A volta do PT ao governo pode afrouxar a corda nos nossos pescoços, mas a forca estará sempre montada para ser usada, especialmente quando a extrema-direita tomar o poder novamente.

Após o fracasso de Trump em se reeleger, da vitória de Boric no Chile e as pesquisas eleitorais apontarem Lula como favorito em 2022, é possível que vejamos os limites dos governos de aspiração fascista e estilo populista. O extremismo dos que se dizem “sem viés ideológico” carrega tanta ideologia que os torna capazes até de ignorar dados científicos primários – em vez de utilizá-los em prol da gestão neoliberal e se apresentarem como heróis com a solução para a pandemia. As mortes e prejuízos econômicos e diplomáticos dessa equação podem não ser capazes de manter o poder em suas mãos por muito tempo. No entanto, apesar da perícia petista em gestão, conhecemos bem os limites dos governos progressistas que falharam em sanar os efeitos catastróficos do neoliberalismo nas Américas nas últimas décadas. Enquanto buscam respeitar as leis e a etiqueta dos ritos democráticos, não conseguem competir com as paixões mobilizadas pela direita que declara abertamente seu ódio às minorias, afirma que opositores são inimigos e devem ser eliminados, que seus apoiadores devem se armar e que somente uma “guerra civil resolverá os problemas do país”.

O moralismo de esquerda ainda não é páreo para a radicalidade do pânico moral fascista. Muito menos para eliminar sozinho a estrutura mafiosa dos militares se mantiveram no poder ao fim da ditadura e construíram uma base miliciana, com grupos de extermínio e toda sorte de crime organizado que hoje celebra e se beneficia do governo Bolsonaro. Sabemos, também, que apesar das forças de centro-esquerda se colocarem como oposição ao bolsonarismo, sua possível volta ao governo servirá mais uma vez como recomposição das forças com a manutenção do pacto de pacificação e amansamento das possibilidades de insurreição. O plano deles é que “tudo mude” para que permaneça exatamente igual.

Podemos esperar um dos mais conflituosos anos eleitorais. A promessa de violência nas ruas para contestar qualquer resultado negativo nas urnas já está feita. E a demonstração de que há números e disposição para ocupar as ruas foi feita no último 7 de setembro. Subestimar o potencial de seus militantes mais fanáticos é ignorar a influência que a invasão do Capitólio em janeiro de 2021 pode ter sobre o bolsonarismo por aqui.

A eleição vai colocar como nunca esse embate à prova, às custas da pacificação de qualquer oposição radical nas ruas contra esse governo. Além de espalhar mais uma vez uma outra campanha para mostrar que existe ação política além do voto, devemos combater tanto a ordem que a esquerda neoliberal quer impor quanto o caos dentro da ordem que esse governo fascista quer fazer crescer. Não importa quem for eleito, seremos ingovernáveis!!


VÍDEO: FIM DE ANO / FIM DO MUNDO

Para enterrar esse ano e abrir um novo ciclo de lutas, aqui uma mensagem de ano novo do coletivo Antimídia, com quem tivemos a honra de colaborar em diversos vídeos em 2021:

Comunicado Desde as Prisões Chilenas Sobre as Eleições

As recentes eleições para presidência no Chile chamaram a atenção em todo o mundo, especialmente na América do Sul, onde governos eleitos na onda direitista ao longo da última década parecem dar sinal de perda de tração nas urnas. Depois do retorno do partido de Evo Morales na Bolívia em 2020 e da derrota de Donald Trump nos EUA, a esquerda retomou o poder do Estado na Argentina, no Peru e, em dezembro de 2021, Gabriel Boric venceu (com pouca diferença) o representante da extrema direita chilena, José Kast. Muitos esperam que esses ventos retirem, através das urnas, Bolsonaro do governo brasileiro e seus aliados da direita à frente da Colômbia, Uruguai, Equador e Paraguai.

Mas não nos enganemos: uma vitória do PT ou qualquer governo com uma trajetória à esquerda nas chamadas Américas não será capaz de eliminar o fascismo que se estabeleceu nas ruas, nas forças de segurança e nas instituições políticas e no controle das corporações. E, assim como o que aconteceu com Syriza na Grécia e Podemos na Espanha, sabemos que reabilitar a democracia representativa é reabilitar as armas que serão usadas por liberais e fascistas contra nós, buscando construir de baixo, uma sociedade para derrubar o Estado e o capitalismo. Seu compromisso com a gestão da crise capitalista os obrigará a ceder sempre em favor do lucro dos ricos, com mais austeridade e repressão. Não existe atalho para o fim da desigualdade e da dominação que passe pela gestão estatal. A autonomia e autodeterminação dos povos é a única força social que não pode desaparecer facilmente com um golpe ou uma nova eleição.

No caso chileno, Boric já disse a que veio antes mesmo de ser eleito: em novembro de 2019 se sentou com a direita para firmar “Acordo para a Paz e uma Nova Constituição” em reação aos gigantescos protestos do estallido social de outubro daquele ano. Em seguida, votou pela lei “anti-barricada, anti-saque, anti-máscara e anti-ocupação de terras”, que aumentou as penas para as ações diretas fundamentais para a revolta chilena. Se despender de governos eleitos, não teremos ocupações, protestos, anonimato nem nenhuma das armas de construção das lutas populares nas ruas.

Sendo assim, seguimos divulgando as palavras e as ações de quem não pretende sair das ruas nem fazer acordos com a classe dominante.

***

Abaixo, segue mais um de uma série de textos e materiais de camaradas que escrevem de dentro das prisões chilena sobre as recentes eleições. O comunicado foi publicado originalmente no portal Buscandolakalle e traduzido pela Edições Insurrectas.


NEM BOTAS E NEM VOTOS, SOMENTE LUTA! –

PALAVRAS ANÁRQUICAS E SUBVERSIVAS DESDE AS PRISÕES CHILENAS DIANTE DA REACOMODAÇÃO DO DOMÍNIO E SUA PERPETUAÇÃO CAPITALISTA

Segundo o que a cidadania proclama, parece que somos testemunhas de um momento chave na história deste território, que nos encurralada de costas para o precipício e, ao menos que façamos algo, nossa queda será iminente. Parece que presenciamos uma guerra aberta, encarniçada, entre dois polos políticos inimigos a tal nível que, tal como a guerra fria, coloca em perigo a subsistência e o futuro de todos os seres no território dominado pelo Estado Chileno.

Por um lado, o grito de guerra versa: “Comunismo ou Liberdade!”. Por outro: “Democracia ou Fascismo!”. Diante de um cenário tão dramático, nos apresentam o que seria a ferramenta chave para enfrentar este contexto, capaz de deter de uma vez por todas esse banho de sangue: a participação nos processos eleitorais, o sufrágio como a arma libertadora.

Não somos nem cegxs e nem surdxs, caminhamos com plena consciência sobre este e muitos outros acontecimentos do território. Não apenas nos distanciamos, mas também declaramos a guerra à toda instância institucional que busque qualquer perpetuação do Status Quo.

Desconhecemos cabalmente o falso enfrentamento de dois sistemas supostamente distintos, o eixo no qual se disputa a batalha seguirá sendo o da Democracia e da administração do Capital. A existência de um “embate” entre distintas políticas somente tenta justificar a suposta amplitude do sistema democrático-capitalista, a essência “diversa” deste e o suposto espaço onde caberia todo tipo de pensamento. De nenhuma forma queremos ser aceitxs por um sistema ou sociedade que rechaçamos, não queremos que nossa política seja mais uma dentro das opções deste sistema; queremos destruir toda opção e a estrutura que as sustenta. Nada temos a ver com o show eleitoral e sua cena de eleições, plebiscitos, votos e outros, consideramos isso nada mais do que um reajuste, a reacomodação burguesa de classe para a manutenção maquiada e de acordo aos tempos de uma ordem imposta e existente.

Temos a certeza que independentemente de qual seja o resultado eleitoral deste pleito, nada mudará essencialmente. Para além da conjuntura de quem esteja disputando a administração e a gestão da opressão, o mundo institucional, ou seja, o das eleições, nunca foi o nosso. Nesse sentido, quem vota, quem opta livremente por investir outra pessoa de autoridade, é tão responsável como o governante que dará as ordens de assassinar, militarizar e encarcerar. Quem vota é quem, mediante o ato de sufrágio, decide delegar parte de sua autonomia para fortalecer a cadeia de opressão e, portanto, do Estado.

Não seremos cúmplices de nenhum governo da vez, não fizemos ao final dos anos 1980, quando, assim como agora, o velho poder político instaurou o medo para tirar o fôlego e posição da luta confrontacional da época (como a luta armada), desdobrando um cenário cívico eleitoral que pretendia aniquilar com um Sim ou Não qualquer possibilidade de ruptura real.

Aqui já havíamos nos mantido nossa posição subversiva e desde aqueles tempos nada mudou.

A verdade o objetivo deste texto não é, nem deveria ser, de forma alguma convencer ou sequer teorizar sobre a participação da cidadania nos processos eleitorais, não seria correto demandar nem medir essa massa obediente segundo nossos critérios. O ponto de interesse surge quando vemos um grande leque de personagens que se reivindicam como atores “antagônicxs” ou inclusive se denominam subversivxs, revolucionárixs, rebeldes ou anarquistas, realizando chamados abertos para participar da via eleitoral e inclusive para votar em um candidato específico.

Alguns dos argumentos empunhados para justificar essa forma de ação têm a ver com a potencial perda de direitos civis – sempre garantidos pelo Estado – principalmente no plano das minorias “vulneráveis” ou das dissidências.

Não desconhecemos a suposta mudança na validação então arraigada de um discurso institucionalmente conservador na dinâmica de grande parte da sociedade alienada – o que tampouco se difere do contexto atual –, mas acreditamos que as lutas reais (de todo tipo), desde um posicionamento anárquico, subversivo ou revolucionário, nunca devem buscar validação ou integração por parte da institucionalidade ou mesmo da sociedade. Nos entregarmos, com nossas diferenças e particularidades, à “integração” institucional supõe diluir nossa individualidade antagônica em um espaço que não nos pertence e que tem como único fim ampliar o leque de participação democrática sem realmente questionar suas dinâmicas de fundo.

Não é de mais assinalar que, apesar do vai e vem em que se movem, se estendendo ou diminuindo os direitos civis em conjunturas específicas, não nos cabe esperar que os administradores da opressão sejam quem outorguem tais “direitos” (termos já suficientemente repudiável per se), alcançaremos nossa liberdade por nossos próprios meios e em plena autonomia. Nem a institucionalização nem a socialização das ideias ou políticas divergentes supõem uma mudança real nas práticas individuais ou coletivas. As dinâmicas que restringem nossa liberdade são combatidas no conflito, mas sobretudo com um desenvolvimento íntegro individual e uma crítica constante, não mediante o sufrágio ou a participação cidadã.

Se faz necessário ter em vista o fato de nos referirmos a um tema que parecia absolutamente resolvido dentro dos espaços e individualidades que dizem optar pela confrontação contra o Poder. Não nos cabe dizer quem é ou não subversivx, não somos nós as pessoas encarregadas disso, é a simbiose entre a palavra e a ação a única capaz de dar conta desta realidade. Se por um lado se defende a quebra total com o mundo existente, são feitos constantes chamados para acabar com o capitalismo ou com todo ápice de autoridade. Isso resulta ao menos patético que se defenda avaliar todos esses aspectos mediante a utilização do voto como “ferramenta” política, ação que é, além de tudo, um enorme empurrão e reforço da institucionalidade democrática do capital; mesmo quando ela parecia cambalear há pouco mais de dois anos.

Nossa aposta? Pois é a de sempre e com a porfia inquebrantável que nos acompanha: estender e a aprofundar o conflito permanente e irrefreável, sabendo que não somos salvadorxs nem representantes de nada e de ninguém, apenas de nós mesmxs. Nossa opção pelo enfrentamento é feita em primeira pessoa porque entendemos que ao golpear vamos nos liberando. E se outras pessoas também assumem esse caminho, excelente, mas caso contrário, isso não será motivo para nos desencorajarmos e muito menos cedermos em nossas convicções, caindo e validando a via institucional. Não somos iluminadxs e muito menos decidiremos o que virá, mas seremos entendidxs pelo que somos, pela prática, pelo que fazemos, sempre em concordância com nossas ideias, pela causa que brota e pela cumplicidade anárquica, subversiva e insurrecta que propaga rebeldia; nosso caminhar em guerra se converte, assim, na possibilidade palpável se sermos livres.

-LIBERDADE PARA XS PRISIONEIRXS SUBVERSIVXS, ANARQUISTAS E MAPUCHE PARA FORA DAS PRISÕES!!
-AGUDIZAR O CONFLITO, INTENSIFICAR A OFENSIVA!
-JUVENTUDE COMBATENTE, INSURREIÇÃO PERMANENTE!
-MORTE AO ESTADO, VIVA A ANARQUIA!
-NOSSA É A CONVICÇÃO!
-ENQUANTO EXISTIR MISÉRIA HAVERÁ REBELIÃO!

 

Mónica Caballero Sepúlveda
cárcere feminina de San Miguel

Pablo Bahamondes Ortiz
C.D.P. Santiago 1

Francisco Solar Domínguez
Marcelo Villaroel Sepúlveda
Juan Aliste Vega
Joaquín García Chancks
C.P. Rancágua “La Gonzalina”

Dezembro de 2021,
território dominado pelo estado chileno.


Para saber mais:

Chile: A Batata Quente Muda de Mãos – Que a Vitória Eleitoral da Esquerda Significa Para os Movimentos Autônomos? 

Solidariedade à Greve de Fome nas Prisões Chilenas – vídeo por Antimídia e Insurrectas

Os Mais de 40 Dias de Greve de Fome dxs presxs Anarquistas e Subversivxs em Santiago

CONTRA A RESIGNAÇÃO — Entrevista Sobre a Situação de Mónica Caballero e Francisco Solar

Grupos de Afinidade São Gangues de Rua Com Análise – Relembrando UP AGAINST THE WALL, MOTHERFUCKERS!

“Vandalismo, Depredação e Análise”

Grupos de afinidades são grupos pequenos de pessoas que compartilham amizade, intimidade e confiança que se organizam para um fim. Na história do anarquismo, foram fundamentais para a sustentação de movimentos e revoluções inteiras, como na Federação Anarquista Ibérica durante a Revolução Espanhola, aponta o influente anarquista Murray Bookchin. Na Primeira Guerra Mundial, até mesmo o Exército Britânico optou por recrutar batalhões inteiros formados por amigos e vizinhos, os Pals Batallions, como forma de explorar a coesão fruto da afinidade e intimidade desses modelos, em oposição aos pelotões formados por desconhecidos. Na atualidade, redes grupos de afinidade organizam protestos antirracistas e radicalizam ações diretas, de apoio mútuo e assistência médica em conflitos no Brasil, nos Estados Unidos, no Chile e até revolução social em Rojava. O que demonstraria uma capacidade de adaptação e resiliência dos grupos de pessoas que se conhecem e compartilham laços profundos para lidar com situações e ambientes hostis.

No coletivo Facção Fictícia, costumamos usar  como slogan a frase “Vandalismo, Depredação e Análise”. Seu tom carrega uma ironia, mas também uma sutil referência a um contexto histórico maior e que gostaríamos compartilhar. A expressão é uma adaptação da frase “Uma Gangue de Rua com Análise” (A Street Gang with Analysis“), que era como se autodefiniam um dos coletivos artísticos, radicais e subversivos mais perigosos dos anos 60 nos Estados Unidos: os Up Against the Wall! Motherfuckers. Seu nome em português seria algo como “Mão na parede, filho da puta!” – uma frase bastante comum de se ouvir se pixar ou grafitar muros sem autorização é uma de suas atividades preferidas. Compartilharemos abaixo um de seus folhetos sobre grupos de afinidade, mas antes, gostaríamos de oferecer algum contexto histórico e apontamentos teóricos sobre o tema.

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“Nós éramos da rua. Nossa profissão foi a revolução. Foi tudo o que fizemos. Não tínhamos emprego, não éramos estudantes, tudo que fizemos foi radical. Uma militância radical. Verdadeiramente permanente. De manhã à noite, todos os dias. Dávamos comida de graça às pessoas, tínhamos um apartamento (que chamamos de “sala de jantar”) onde as pessoas podiam ficar sem pagar. Também tínhamos roupas disponíveis. Tudo o que fizemos foi de graça.”

– Ben Morea, em entrevista de 2018

Os Mutherfuckers!, como gostavam de se chamar, foram dos que levaram os grupos de afinidade aos limiares máximos da arte e da ação revolucionária. Sua história cruza com os movimentos sociais mais relevantes de sua época, como os Black Panthers, mas também com grandes nomes da música e da arte, como os Surrealistas, e autores de diversos pontos do espectro radical, de Murray Bookchin aos Situacionistas. Diz a lenda que veio deles a arma que a feminista Valerie Solanas, usou para dar o tiro que quase matou Andy Warhol e que foram eles os responsáveis por expulsar a banda MC5 em suas limousines de um show gratuito comunitário por “venderem a revolução”.

Formado em Nova York em meio às agitações políticas da década de 1960, o grupo se reuniu em torno da revista Black Mask. Mais tarde assumiriam o nome “não publicável” (“unprintable name”, segundo New York Times) Up Against the Wall Motherfucker!. ou simplesmente “The Motherfuckers” e, mais tarde, “The Family”. Autoproclamados herdeiros do dadaísmo e do surrealismo, sua primeira ação pública acabou por fechar o Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMa) em 1966 apenas divulgando que iriam até lá fazer uma intervenção, o que levou o museu a trancar as portas por medo de que fizessem qualquer coisa. Já em 1968, MoMA recebeu a exposição “Dada, Surrealism and Their Heritage”, sendo criticada por seu foco na cultura pop e pouco em seu lado político. Dessa vez, os Motherfuckers se juntaram a outros grupos como Chicago Surrealists e marcharam em 300 pessoas rumo ao museu que estava cercado pela polícia e tropas de choque. Manifestantes soltaram galinhas e bombas fedorentas dentro do museu. Mais tarde, Salvador Dalí teria admitido: “agora somos parte do establishment”.

“Não somos artistas, nem anti-artistas. Somos homens criativos – revolucionários. Como homens criativos, nos dedicamos a construir uma nova sociedade… O falso conceito de arte não pode nos conter.”

– Black Mask, nº3, janeiro de 1967

Sua prática ganguista desenvolvidas nas ruas, nos centros de detenção juvenil e em constante conflito com a polícia fez com que até mesmo os Situacionistas temessem a relação com o grupo. Os Situacionistas chegaram a criticar o “puro ativismo” e decidiu pela expulsão da revista Black Mask de seu círculo “sem que seus membros sequer tenham concordado em entrar”. Foram apresentados ao grupo francês pelo anarquista Bookchin, que mais tarde também romperia relações com o Debord e seu secto. Inspirados nos escritos dos Situacionistas sobre arte e sua crítica social radical, UATW/MF tomou a ideia de “totalidade” para sua proposta de “Revolução Total”. No entanto, a ação radical nas ruas que buscava encarnar o ódio do lúmpen proletariado como relatado no texto de Debord sobre a revolta do bairro negro de Watts, em Los Angeles de 1965, cujo os Motherfuckers levavam as últimas consequências em suas práticas de vida parecia assustar os eruditos Situacionistas que, segundo alguém que foi próximo ao movimento, Jean-Pierre Voyer, “exceto por Vienet, que era mecânico, não conseguiriam bater um prego”.

Por outro lado, movimentos radicais com tradição em ações comunitárias e disposição para a autodefesa armada, como os Panteras Negras, tinham profunda simpatia pelos Mutherfuckers. Suas ações tática e esteticamente se aproximavam dos Panthers. Segundo Gavin Grindon, “Morea foi a única pessoa branca a quem foi oferecido um título honorário filiação ao Partido dos Panteras Negras”. Grindon ressalta também que, inspirados por grupos como os Diggers de São Francisco e os próprios Panteras Negras, os UATW/MF patrulhavam os bairros seguindo e vigiando a polícia, às vezes armados com facas ou correntes de moto. Ocasionalmente, eles livravam pessoas (interrompendo uma prisão e resgatando o preso). Eles se autodenominavam ACID (Comitê de Ação para Defesa Imediata) ou ESSO (Organização de Serviços do Lado Leste). Eles também montaram lojas gratuitas, […], programas de alimentação gratuita, clínicas gratuitas ocasionais e serviços jurídicos, todos financiados principalmente por doações.

A última edição da revista Black Mask foi em 1968, marcando a mudança de nome do grupo para oficialmente Up Against the Wall Motherfucker – Uma gangue de rua com análise.

Dos debates com Murray Bookchin em décadas mais joviais e menos rabugentas de sua carreira, surgiu o termo “Grupos de Afinidade”, hoje comum entre os grupos militantes radicais. Herbert Marcuse,  que era tio de Tom “Osha” Neumann, membro dos Motherfuckers, deu uma palestra em Nova York e Ben Morea desafiou o intelectual e suas ideias sobre arte. Depois disso, alguns membros do grupo reuniram-se com Bookchin em seu apartamento e debateram junto do comunista Russel Blackwell sobre as milícias anarquistas na Revolução Espanhola de 1936, organizadas em grupos de compañeros. Na década seguinte, em 1971, protestos com dezenas de milhares de pessoas em Washington foram organizadas por uma constelação de grupos de afinidade coordenados. [GINDON, Gavin, Poetry Written in Gasoline, p. 23.]

A comunidade precisa de espaço livre. Ele precisa sobreviver, ficar louco, respirar, expandir, amar, lutar, ligar. […] Um evento Motherfucker tinha que incluir comida grátis, música, discursos espontâneos, chamada e resposta.

– Osha Newman, Up Against the Wall Motherf**ker!: A Memoir of Anarchism in the ’60s.

Afinidades: a primeira unidade de ação revolucionária

A herança do encontro entre esses militantes anti-artistas, anarquistas, socialistas, antirracistas e revolucionários para a prática dos movimentos atuais é extremamente relevante. Movimentos grandes e revoluções inteiras foram construídas com grupos e coletivos que começaram pequenos, rompendo com a norma estabelecida, se organizando para encontrar aliados e enfrentar sistemas inteiros.

Para atuar com o maior nível de segurança possível em momentos turbulentos onde é necessário agir fora dos mapas para romper o isolamento e encontrar seus pares, compartilhar cumplicidade, evitar grandes grupos ou exposição desnecessária. Essa é uma das vantagens dos grupos de afinidade. Nesse caso, nos referimos a grupos de amizade, cumplicidade e confiança, que compartilham pontos de vista comuns e interesse pelos mesmos objetivos e táticas, que desejam compartilhar tudo que é necessário para viver desde já a revolta que querem ver no mundo. Confiança, consenso, consentimento levado a um nível pessoal, face a face e não mediado. Esse tipo de grupo é uma forma de se organizar e tomar partido em grandes momentos de mobilização que rompem com os limites institucionais de movimentos sociais tradicionais, ao mesmo tempo que empoderam e encorajam a participação daquelas que não teriam legitimidade para se organizar de acordo com a mitologia marxista e das organizações de massas.

Esses grupos, em geral, não estão isolados entre si, mas em informal sintonia e, eventualmente, se encontrando com outros grupos pelo espaço das cidades, seja se descobrindo e colaborando durante um ato ou ação, seja estabelecendo uma rede de comunicação informal e boca a boca. Laços que se estreitam quando mais precisam, se dispersam quando a poeira baixa e a fumaça se dissipa mas nunca são deixados de lado para atrofiar. E nossas ações devem buscar aumentar a potência enquanto corpos e fortalecer suas conexões. Para aumentar essas potências, precisamos promover bons encontros: “a partir de agora, não aceitaremos nenhuma amizade que não seja política”.

As intervenções de rua do UATW/MF em 1966 já prefiguravam a estética Black Bloc que surgiria 20 anos depois nos movimentos de ocupação na Alemanha para se espalhar por todo o globo.

Visibilidade e Opacidade

Algumas pessoas podem atuar apenas com suas organizações, comunas ou grupos de afinidade, outras também podem estar em contato ou atuando em grupos maiores e maior mobilização e visibilidade. Mas é importante que se tenha em mente quais conexões trazem mais visibilidade (e seus riscos) para pessoas e grupos que pretendem permanecer opacos, invisíveis para o olho do poder. Importante considerar também que, se para algumas pessoas a visibilidade significa um risco, para outras ela é uma forma de proteção, que significa que se forem perseguidas e presas, contarão com possíveis mobilizações em solidariedade, o que pode ser mais embaraçoso para o Estado continuar efetuando uma escalada de prisões. Por isso é sempre mais útil para ele prender quem não tem tanta visibilidade dentro dos movimentos ou mesmo na mídia e, se possível, que esteja ligada a posturas mais radicais. Portanto, estar próximo dessas pessoas com maior visibilidade pode significar que as atenções que seriam dadas a elas, caiam sobre você e seu meio. Isso é particularmente perigoso quando essas pessoas com não dão a mínima para segurança e anonimato delas mesmas e daquelas relações com aquelas ao seu redor, ao mesmo que tempo que as convidam para somar com radicalidade em suas ações – como vimos nos principais grupos envolvidos na “luta contra o aumento” em junho de 2013 mas entre muitos outros episódios recentes da luta antifascista no Brasil contra o governo Bolsonaro.
 
Não quer dizer que grupos com disposição para ações mais radicais e criminosas e os grupos que atuam dentro da lei e com certa visibilidade não devam ter contato. Esse contato é estratégico para atingir a maioria dos nossos objetivos, no entanto deve ser feito com respeito às necessidades de segurança de cada parte. Além do mais, total anonimato e opacidade pode dificultar para o Estado nos encontrar, mas, ao mesmo tempo, pode nos isolar e dificultar que novas pessoas se se encontrem se tornem companheiras passem a cooperar. A repressão se beneficia quando grupos radicais se isolam em cenas reduzidas e privadas pois isso impede a adesão e a formação de uma base social de apoio e dificulta a propagação da ação direta e da solidariedade. Nosso maior desafio não é nos encarregar de táticas militares ultrassecretas, mas difundir habilidades e práticas libertárias de resistência. Não há nada melhor que atividades participativas, que ofereçam portas de entrada para novas pessoas e oportunidades para grupos existentes se unirem. Da mesma forma, anarquistas precisam equilibrar as vantagens do segredo com a necessidade de fazer circular novos formatos e energias rebeldes.
 
A guerra entre as classes invade todos os campos da vida: goste ou não, nascemos nisso e decidimos a todo o tempo como lutar. A questão é agir estrategicamente de forma a não lutar só. Isso é particularmente complicado no atual contexto de vigilância e repressão. Deve-se atuar em um grau mínimo de clandestinidade para que se possa resistir de forma significativa. Mas se o aspecto mais importante da resistência sãos as relações sociais que produzem a própria resistência, é um erro escolher formas de luta que criam bases e apoio social cada vez menores.
 
Se nossas bases sociais podem ficar menores à media que os conflitos se intensificam, pode ser mais apropriado manter guerras mais brandas que não provoquem a fúria total do Estado ou então começar uma unidade de resistência popular mais ampla do que apenas um grupo de afinidade com sua galera. Isso não quer dizer deixar de lado os grupos de afinidade, mas entender que eles devem ser um meio para catalisar a ação popular, não um fim em si mesmo. O Estado vai, normalmente, preferir desacredita e isolar grupos do que prendê-los ou matá-los. Perceber que essa é sua prioridade nos leva a defender nossas relações e conexões sociais como prioridade para nós. Podem nos espancar ou nos prender enquanto indivíduos, mas o importante é saber se manteremos vivos nossos valores e táticas.
 
Não estamos falando nenhuma novidade mas também não é um protocolo a ser seguido à risca. Estamos relatando uma forma de ser, estar e agir espontânea e ao mesmo tempo crítica. Uma forma de se encontrar, se afetar e de compartilhar cumplicidade, solidariedade e ódio contra o poder autoritário. Vimos essa forma emergir nas ruas do Brasil, no entanto é o tipo de células e redes que estiveram por trás de muitos dos maiores levantes da história recente, em diferentes países e continentes.
Capa da revista Black Mask em janeiro de 1968.

A seguir, uma tradução do panfleto sobre grupos de afinidade produzido e amplamente difundido pelos UATW/MF na década de 1960 e 70. Que sirva de inspiração para novas gerações que buscam uma profunda relação entre ética e estética, não como mera apresentação visual ou de estilo, mas como uma forma de intervir no mundo de forma radical. Se nossa arte não for revolucionária, então não é nossa revolução.

GRUPO DE AFINIDADE = UMA GANGUE DE RUA COM ANÁLISE

por Up Against the Wall! Motherfuckers

“As ideias podem criar situações de vida ou morte, mas um homem pode realmente apenas lutar e morrer por si e pela vida de seus amigos.”
– Chief Joseph

Na luta atual, formas de organização devem surgir sendo adequadas às condições modificadas que compõem a matéria real de nossos tempos. Devem ser formas suficientemente coeso para resistir à repressão; formas que podem crescer secretamente, aprendendo a se manifestar de infinitas de maneiras, para que seu modo de operação não seja cooptado pela oposição ou simplesmente seja esmagado. O grupo de afinidade é a semente/germe/essência da organização. Ela se reúne por Necessidade ou Desejo mútuos: grupos históricos coesos se unem das necessidades compartilhadas da luta pela sobrevivência, enquanto sonham com a possibilidade de amar. No período pré-revolucionário, os grupos de afinidade devem se reunir para projetar uma consciência revolucionária e desenvolver formas para lutas particulares. No próprio período revolucionário, eles emergirão como quadros armados nos centros de conflito e, no período pós-revolucionário, sugerem formas para a nova vida cotidiana.

As manifestações de massa são bem-sucedidas de duas maneiras: trazem níveis predominantes de consciência às ruas e tornam visível a quantidade de alienação ativa em nossa sociedade… e às vezes transcendem as questões de “manifestação” para se tornarem ações de massa. Como manifestações de massa, elas não conseguem avançar a natureza e as formas de nossa luta – como ações de massa (contra a polícia ou contra a propriedade), começam a definir a direção e a realidade do que nossa luta deve se tornar. “Motins” ou rebeliões são as formas mais altas de ação em massa que vimos até agora.

Folheto original sobre Grupos de Afinidade, por UATW/MF

Essas rebeliões projetam a consciência de uma comunidade em ação, uma vez que (1) libera bens e áreas geográficas e (2) envolve as forças de ocupação (PORCOS) na batalha. Essa forma também possui vantagens e limitações; e é em resposta a ambas que as pessoas estão descobrindo as possibilidades tático-teóricas de trabalhar juntas em pequenos grupos íntimos. As perspectivas para o futuro são claras em pelo menos um aspecto: os Homens e seus Porcos estão aprendendo o “controle de multidão” e estão ampliando sua resposta a todas as massas de pessoas que se dispõem a se comportar violando as “leis e a ordem” dessa sociedade. Nossos preparativos para avançar na luta devem sempre levar em conta as habilidades e tendências do inimigo. Manifestações de massa e rebeliões nos bairros continuarão a atender necessidades específicas em muitas situações… Mas, no sentido geral de luta contínua, é necessário que comecemos a agir da maneira que for mais favorável aos nossos meios e objetivos – O PEQUENO GRUPO QUE EXECUTA AÇÕES “PEQUENAS” ORQUESTRADO COM OUTROS GRUPOS PEQUENOS/AÇÕES “PEQUENAS” CRIARÃO UM CLIMA DE LUTAS GENERALIZADO EM QUE TODAS AS FORMAS DE REBELIÃO PODEM JUNTAR-SE E FORJAR A FORMA FINAL: REVOLUÇÃO…

Já vimos a resposta de pequenos grupos – as Comunas de Columbia, as Gangues Revolucionárias de Berkeley, os Comitês de Ação da França e outros até agora conhecidos apenas por suas ações (Cleveland). Nos próximos meses, esses grupos e muitos outros que se formarão enfrentam dois tipos de extrema necessidade, à medida que procuram criar a possibilidade de uma comunidade real:

(1) Desenvolvimento interno e segurança. Cada grupo continuará a criar seu próprio senso de identidade através da síntese consciente da teoria/prática; e cada grupo aplicará essa identidade à realidade existente da maneira mais eficaz.

(2) Relações externas com grupos semelhantes. Devemos começar a estabelecer as formas de comunicação e conscientização mútua que podem permitir maior mobilidade e maior resposta a crises mais do que locais. Isso significa que teremos que começar a criar uma rede de grupos de afinidade (dentro das comunidades existentes e entre essas comunidades).

Essa rede ou “Federação” deve ser caracterizada por uma frouxidão estrutural que garanta a identidade e autodeterminação de cada grupo de afinidade, bem como uma realidade organizacional que permita o máximo de ações coordenadas direcionadas à revolução total.

O conceito de grupo de afinidade de forma alguma nega a validade das ações de massa; antes, essa ideia aumenta as possibilidades revolucionárias dessas ações. A minoria ativa é capaz, porque é teoricamente mais consciente e melhor preparada taticamente, para acender o primeiro pavio e fazer os primeiros avanços. Mas é tudo. Os outros podem seguir ou não seguir… A minoria ativa desempenha o papel de um agente agitador permanente, incentivando a ação sem pretender liderar … Em certas situações objetivas – com a ajuda da minoria ativa – a espontaneidade encontra seu lugar no movimento social. É a espontaneidade que permite o avanço e não os slogans ou diretrizes dos líderes. O grupo de afinidade é a fonte de espontaneidade e de novas formas de luta.

up against the wall/MOTHERFUCKERS

341 EAST 10th St. LOWER EAST SIDE NEW YORK, NY.

“Procuramos pessoas que gostam de desenhar”

Para Saber Mais:

Análises Críticas de uma Gangue de Rua – Textos publicados originalmente nas revistas Black Mask e UAW/MF (Nova York, 1966-7).

UP AGAINST THE WALL, MOTHERFUCKERS! – Conversa com Ben Morea – Entrevista de 2018.

Como Formar Um Grupo de Afinidade – Coletivo CrimethInc.

“Sobre grupos de afinidades” – Livreto organizado por Imprensa Marginal e Instituto de Estudos Libertários

Grupos de Afinidade – Murray Bookchin

Acerca dos Grupos de Afinidade – Das Lutas e GAMA – Grupo de Afinidade e Movimentação Anarquista

Petry Written in GasolineArtigo de Gavin Grindon sobre Black Mask e UATW/MF em PDF para impressão, em inglês.

Up Against The Wall Motherfucker! – An anthology of rants, posters and more – zine em PDF para impressão, em inglês.