A luta antifascista tem atravessado cada vez mais os debates políticos, seja por meio da difusão de mensagens e ações ou das ameaças de criminalização e repressão. No início do ano, antifascistas em Porto Alegre interromperam um protesto bolsonarista em 17 de maio aos cantos de “recua, fascista“. Depois, torcedores de diferentes times de futebol se juntaram para ocupar as ruas em São Paulo e frustrar protestos de apoiadores do presidente. Ambos inspiraram ações em mais de 15 cidades, como em Belo Horizonte, Curitiba e Rio de Janeiro, onde atos estão sendo organizados semanalmente para bloquear, atrasar e impedir carreatas dos que gostam de “protestos a favor” de populistas de direita e pedindo a volta da ditadura militar.
Ao fim de maio, a onda de protestos combativos em centenas de cidades nos Estados Unidos, após o assassinato de George Floyd, repercutiu no mundo as lutas antirracistas e antifascistas. Como efeito, Bolsonaro e políticos da sua laia, pretendem imitar Donald Trump e tonar ações e grupos antifa em uma “ameaça terrorista doméstica”. Explicitando o que sempre dissemos: quem se incomoda e combate o antifascismo é, pela lógica, um fascista. Seu objetivo pode não ser cumprido na lei, mas podemos esperar o que sempre aconteceu na história: vai atiçar os ânimos de suas bases dispostas a praticar atos de violência nas ruas contra minorias e todos que denunciam o fascismo, com a conivência da polícia.
Por isso, o momento é de se organizar, nos articular e discutirsobre táticas e estratégias de luta. Assim, o coletivo Facção Fictícia convidou Mark Bray, autor do livro Manual Antifa (2019), para uma entrevista exclusiva sobre alguns temas urgentes como: relação entre movimentos antifa e black bloc, anarquismo, esquerda institucional e até os ditos policiais “antifascistas” – fenômeno até então exclusivo do Brasil e que surpreende até mesmo militantes e pesquisadores com vasta experiência nas lutas antifascistas contra todas as formas de regimes e autoritarismos.
Boa leitura! Nos vemos nas ruas.
1. Como você define o que chama, em seu livro, de antifa moderna e como ela contribui para o cenário de protestos atuais contra o racismo e a polícia nos EUA?
Em resumo, eu diria que a política ou um grupo da antifa moderna seria uma oposição militante, socialista revolucionária, orientada para a ação direta, à extrema direita que rejeita recorrer à polícia ou ao Estado para detê-los e que geralmente tem uma espécie de noção de esquerda antifascista amplamente radical (pan-radical), embora nem sempre. Como você sabe, Trump culpou antifa e anarquistas pela destruição nos recentes protestos. Embora antifas tenham, provavelmente, estado em algumas manifestações, não há evidências de sua participação nelas. Com certeza, simplesmente não há antifas suficiente nos EUA para causar tal destruição. Eu gostaria que houvesse tantos, mas não existem. Certamente, porém, antifas apoiam o Black Lives Matter e pode haver algumas pessoas que participam dos dois tipos de organização.
2. Quais a relações entre antifa, tática black bloc e as lutas anarquistas e anticapitalistas contemporâneas desde a emergência do movimento antiglobalização?
Na maior parte, os black blocs foram usados nos Estados Unidos a partir de 1999 para protestar em cúpulas econômicas (OMC em Seattle, especialmente), protestando contra as guerras, contra as convenções políticas nacionais, etc. A associação entre antifa e black blocs nos EUA realmente começou com o J20 (protestos radicais que atacaram a cerimônia de posse de Trump em 2016), quando muitos anarquistas, antifa e outros anti-autoritários foram presos e acusados de crimes, cujas sentenças poderiam ter chegar a décadas na prisão. Felizmente eles foram absolvidos. Também ocorreram eventos como o black blocs interrompendo e acabando com um discurso do provocador de extrema-direita Milo Yiannopoulos em Berkeley, em 2017, e outros confrontos em Portland e em outros lugares.
3. Desde os levantes em 2013 e 2014 no Brail, percebemos um grande esforço das autoridades em criminalizar táticas, como os black blocs, como se estas fossem organizações formais ou criminosas, terroristas. Vemos agora, essa tentativa com antifas. Para isso, usam discursos que atacam de deslegitimam movimentos combativos, alegando que “quem pratica ações ditas ‘violentas’ (dano à propriedade, revidar a violência policial) em manifestação são ‘minorias’ ou ‘infiltrados’ para justificar o isolamento de setores radicais e a repressão estatal. Como você vê, historicamente, a resposta dos movimentos antifascistas e antirracistas a tais acusações e disputas de narrativas – que muitas vezes emergem dos próprios setores da esquerda?
Bem, algumas das primeiras movimentações antifas na Alemanha da década de 1980 surgiram dos movimentos autônomos, que rejeitou basear suas políticas na aprovação da opinião pública. Portanto, nesse sentido, nem todos os antifa se importaram tanto com isso da mesma forma que outros. Mas é claro que essas disputas têm o potencial de separar os movimentos. Nas minhas entrevistas com antifascistas europeus, parece que cada movimento teve, em diferentes momentos, maior ou menor colaboração com grupos de esquerda como sindicatos etc. Tê-los como aliados pode ajudar, mas é uma aliança que pode ser inconstante. A noção de “diversidade de táticas”, que surgiu há 20 anos ou mais durante a era do movimento de justiça global (ou antiglobalização), foi um esforço para coexistir e contornar esses problemas. Claro que não é uma receita de bolo, depende de cada caso. Enfim, é muito difícil desfazer a dicotomia ‘bom manifestante’, ‘mau manifestante’, como fazem as imprensa e alguns grupos de esquerda.
4. No Brasil, nos deparamos com um fenômeno curioso, no qual policiais civis e militares se consideram “antifascitas” e se organizam enquanto movimento para se infiltrar e influenciar lutas sociais e pautas da esquerda. Em sua pesquisa, já deparou com exemplos semelhantes em outros países? Qual a sua opinião sobre a participação de policiais, militares ou outros agentes das forças de segurança estatais ou privadas em movimentos e manifestações de política radical?
Isso me lembra a Europa do pós-guerra, onde todos (exceto Espanha e Portugal) estavam oficialmente do lado dos vencedores da Segunda Guerra Mundial, quando a interpretação sobre oantifascismo era simplesmente estar do lado vitorioso da guerra. Nesse contexto, houve debates tensos sobre o que significava antifascismo, especialmente porque, em países como a Alemanha ou a Itália, os “comitês antifa” socialistas revolucionários que surgiram durante a guerra, foram fechados pelos novos governos dos Aliados, de regime liberal-democrático. Os movimentos revolucionários que surgiram nas décadas seguintes, incluindo os que deram origem à antifa moderna, desafiaram a interpretação oficial do antifascismo, apontando que ainda havia muitos fascistas na sociedade e argumentando que o capitalismo oferece espaço para o fascismo. Os argumento desses grupos antifas no pós-Segunda Guerra é que o antifascismo deve ser anticapitalista.
Se nós, como anticapitalistas revolucionários, permitirmos o antifascismo cair no menor denominador comum de ser literalmente “todos aqueles que se opõem ao fascismo”, perderemos essa interpretação socialista, no seu sentido mais amplo, que faz do antifascismo uma oposição enraizada na política hoje e não apenas o fato de qual lado da Segunda Guerra você estava. Então, para deixar bem claro: polícia antifa é uma puta de uma besteira.
5. As táticas antifa se mostraram a forma mais radical de resistência ao governo Trump nos EUA ao governo Bolsonaro no Brasil, trazendo uma herança de práticas radicais e anticapitalistas. Como você vê adesão da esquerda institucional, dentro dos palácios e gabinetes, aos símbolos e discursos antifa?
Bem, eu acho que a criação de um movimento e um sentimento antifascista mais amplo na sociedade é importante. Idealmente, não haveria necessidade de grupos antifa específicos, porque as comunidades expulsariam os fascistas por conta própria. Como as origens do antifascismo militante podem ser encontradas na oposição a grupos fascistas e nazistas de pequeno e médio porte, faz sentido que a resistência deva ser mais ampla e maior para lidar com regimes inteiros ou grandes partidos políticos. Debato esse desafio analisando entrevistas com antifascistas que enfrentam esse impasse em um capítulo do “Manual Antifa”. Mas trabalhar em conjunto ou forjar uma coalizão não significa abandonar sua política.
Esse é sempre um equilíbrio complicado: como trabalhar com aliados que não compartilham toda a sua política sem, no final das contas, realizar a agenda deles e não a sua? De uma perspectiva antiautoritária, podemos ver o que os stalinistas fizeram com os anarquistas espanhóis durante a Guerra Civil Espanhola. Este é um precedente importante a ter em mente, mas se somos fracos demais para derrotar nossos inimigos por conta própria, não podemos simplesmente concordar em ser mártires.
Certamente, devemos criticar a cooptação institucional dos símbolos antifa, especialmente quando usados para se opor a valores centrais, como barrar a extrema direita sem recorrer à polícia ou aos tribunais (o que, obviamente, implica uma postura abolicionista penal). Talvez, em algum momento, os progressistas e moderados possam se tornar mais radicais no processo? Pelo menos nos EUA, parece que, nos últimos anos, muitos liberais, progressistas e socialistas democráticos ficaram muito mais à vontade com os socos na cara dos nazistas e, com certeza, há algo de bom nisso.
NO BRASIL, NOS EUA E NO MUNDO: SOMOS TODOS ANTIFASCISTA – MENOS A POLÍCIA!
Na semana em que as movimentações de torcidas organizadas e movimentos sociais tomam as ruas em várias cidades do Brasil, o movimento Antifascista como um todo toma projeção nacional. A relação disso com o que está acontecendo nos Estados Unidos após a morte de George Floyd é muito relevante. Quase 150 cidades estadunidenses se levantaram após o assassinato de mais um homem negro desarmado e rendido pela polícia diante das câmeras dia 25 de maio. No Brasil, Porto Alegre, São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro tiveram protestos que conseguiram barrar e enfrentar os atos bolsonaristas que vinham tomando as ruas sem qualquer oposição das bases dos movimentos e partidos que se dizem oposição ao governo Bolsonaro. Por aqui, gritos de guerra homenagearam Floyd, mas também João Vitor e Rodrigo Ciqueira, assassinados pelas polícias cariocas, além da militante Marielle Franco, morta em uma emboscada tramada por milicianos ligados à família do presidente.
Em reação ao povo na rua Trump divulgou uma mensagem dizendo, mais uma vez, que quer criminalizar o movimento Antifa como “terrorista”. Obviamente que seu capacho latinoamericano, Bolsonaro, compartilhou essa ideia em sua conta no Twitter. É importante saber o que significa governantes tentarem criminalizar movimentos que basicamente se opõem ao fascismo e quais os possíveis desdobramentos dessas políticas. Por isso, traduzimos e compartilhamos o artigo de Mark Bray, camarada, estudioso e militante antifascista.
Em qualquer canto das Américas, o recado está dado: não vamos tolerar os avanços do fascismo e do populismo, nem mais mortes pelas mãos da polícia (a instituição mais fascista que caminha sobre esses solos) e as ruas, não pertencem àqueles que fazem “protestos à favor de governos” e fazem o trabalho sujo de gangues que a polícia (ainda) não é capaz de fazer diante das câmeras. Seguiremos tomando as ruas com as bases, com as torcidas — mesmo quando partidos e movimentos tradicionais sequer esboçam qualquer coragem de se juntar a nós.
As ruas são nossas e essa luta agora tem dois lados!
ANTIFA NÃO É O PROBLEMA – A Falação de Trump é Uma Distração Para a Violência Policial
O vídeo trágico do assassinato de George Floyd pela polícia em Minneapolis te deixou com raiva? Com tristeza e desespero? Isso fez você querer queimar uma delegacia?
Seja esse o caso ou não (o que acho mais provável), você pode estar entre os muitos cidadãos estadunidenses que simpatizam com a explosão de raiva por trás do tombamento de viaturas policiais e da destruição das fachadas de lojas nas cidades do país após a morte de Floyd, mesmo que você não concorde com a destruição de propriedades. Embora as táticas de protesto “violentas” sejam geralmente impopulares, elas chamam atenção e nos forçam a perguntar: Como chegamos aqui?
O presidente Trump, o procurador-geral William P. Barr e seus aliados têm uma resposta simples e conveniente: “É a ANTIFA e a esquerda radical”, como Trump twittou no sábado. “Em muitos lugares”, explicou Barr, “parece que a violência é planejada, organizada e dirigida por grupos anárquicos… e extremistas de extrema esquerda usando táticas do tipo Antifa”. “Os extremistas domésticos”, twittou o senador Marco Rubio (R-Fla.), estão “aproveitando os protestos para promover sua própria agenda não relacionada ao caso”. Após outra noite de destruição que incluiu a queima do antigo mercado de escravos chamado Market House, em Fayetteville, Carolina do Norte, Trump dobrou as apostas no domingo, declarando que “os Estados Unidos da América designarão os ANTIFA como uma organização terrorista”.
As acusações imprudentes de Trump carecem de evidências, como a maioria de suas alegações. Mas eles também deturpam intencionalmente o movimento antifascista com interesse de deslegitimar os protestos combativos e desviar a atenção da supremacia branca e da brutalidade policial a que os protestos se opõem.
Abreviação de antifascista em muitas línguas, antifa (pronuncia-se “antífa—”, em português) ou antifascismo militante é uma política de autodefesa social-revolucionária aplicada ao combate à extrema-direita que remonta sua herança aos radicais que resistiram a Benito Mussolini e Adolf Hitler em Itália e Alemanha há um século. Muitos estadunidenses nunca ouviram falar de Antifa antes de antifascistas mascarados quebrarem janelas para cancelar a fala de Milo Yiannopoulos em Berkeley, Califórnia, no início de 2017 ou confrontarem supremacistas brancos em Charlottesville no final daquele ano — quando um fascista assassinou Heather Heyer e feriu muitos outros com seu carro de uma forma que assustadoramente anteviu os policiais de Nova York que jogaram suas viaturas em manifestantes no sábado no Brooklyn.
Com base em minha pesquisa em grupos antifa, acredito que é verdade que a maioria, senão todos, os membros apoiam do fundo do coração a autodefesa combativa contra a polícia e a destruição voltada contra a polícia e a propriedade capitalista que a se seguiu nesta semana. Também tenho certeza de que alguns membros de grupos antifa participaram de várias formas de resistência durante essa dramática rebelião. No entanto, é impossível determinar o número exato de pessoas que pertencem a grupos antifa porque os membros ocultam suas atividades políticas da polícia e da extrema direita e as preocupações com a infiltração e as altas expectativas de compromisso mantêm o tamanho dos grupos bastante pequeno. Basicamente, o número de anarquistas e membros de grupos antifa não chega nem perto de ser suficiente para conseguir por si mesmos uma destruição tão impressionante. Sim, a hashtag “#IamAntifa” foi uma tendência no Twitter no domingo, sugerindo um amplo apoio à política antifascista. No entanto, existe uma diferença significativa entre pertencer a um grupo antifa organizado e apoiar suas ações online.
A declaração de Trump parece impossível de aplicar — e não apenas porque não há mecanismo para o presidente designar grupos domésticos como organizações terroristas. Embora existam grupos antifa, a própria antifa não é uma organização. Grupos antifa identificados como Rose City Antifa, em Portland, Oregon, o mais antigo grupo antifa atualmente existente no país, expõem as identidades dos nazistas locais e enfrentam a extrema direita nas ruas. Mas a própria antifa não é uma organização abrangente com uma cadeia de comando, como Trump e seus aliados têm sugerido. Em vez disso, grupos anarquistas e antifas anti-autoritários compartilham recursos e informações sobre atividades de extrema-direita através das fronteiras regionais e nacionais por meio de redes pouco unidas e relações informais de confiança e solidariedade.
E nos Estados Unidos, a antifa nunca matou ninguém, ao contrário de seus inimigos nos capuzes da Klan e pilotando viaturas.
Embora a tradição específica do antifascismo militante inspirada por grupos na Europa tenha chegado aos Estados Unidos no final dos anos 80 com a criação da Ação Anti-Racista, uma grande variedade de grupos negros e latinos, como os Panteras Negras e o Movimiento de Libertação Porto-Riquenho Nacional (MLN), situou sua luta em termos de antifascismo nas décadas de 1970 e 1980. Expandindo ainda mais o quadro, podemos traçar a tradição mais ampla de autodefesa coletiva contra a supremacia branca e o imperialismo, ainda mais longe através da resistência ao genocídio indígena e do legado da libertação militante negra representada por Malcolm X, Robert F. Williams, C.L.R. James, Ida B. Wells, Harriet Tubman e rebeliões de escravos. Essa tradição radical negra, feminismo negro e políticas abolicionistas mais recentes influenciadas por organizações como a Critical Resistance e Survived and Punished informam claramente as ações dos manifestantes muito mais do que a antifa (embora existam antifa negra e outras que foram influenciadas por todas as anteriores).
Trump está invocando o espectro da “antifa” (enquanto o governador de Minnesota, Tim Walz, culpou os “supremacistas brancos” e o “tráfico”) por quebrar a conexão entre essa onda popular de ativismo anti-racista e negro que se desenvolveu nos últimos anos e as insurreições que explodiram em todo o país nos últimos dias — que colocam a brutalidade policial em evidência, quer concordemos com a maneira como ela chegou lá ou não. Paradoxalmente, esse movimento sugere um reconhecimento não declarado da simpatia popular pelas queixas e táticas dos manifestantes: se incendiar shoppings e delegacias fosse bastante em si para deslegitimar protestos, não haveria necessidade de culpar o movimento “antifa”.
Esta não é a primeira vez que Trump ou outros políticos republicanos pedem que antifa seja declarado uma organização “terrorista”. Até o momento, esses pedidos não foram além da retórica — mas eles têm um potencial ameaçador. Se os grupos antifa são compostos por uma ampla gama de socialistas, anarquistas, comunistas e outros radicais, declarar a antifa como uma organização “terrorista” abriria o caminho para criminalizar e deslegitimar toda a política à esquerda de Joe Biden.
Mas, no caso dos protestos de George Floyd, as tentativas da direita de jogar a culpa de tudo no movimento antifa — visto por muitos como predominantemente branco — mostram um tipo de racismo que pressupõe que os negros não pudessem se organizar em uma escala tão ampla e profunda. Trump e seus aliados também têm um motivo mais específico: se as chamas e os cacos de vidro fossem simplesmente atribuídos a “antifa” ou “forasteiros” — como se alguém tivesse que viajar muito longe para protestar —, a urgência mudaria de abordar as causas profundas da morte de Floyd para descobrir como impedir o sombrio bicho-papão contra o qual Trump se opõe. Mesmo se você não concordar com a destruição de propriedades, é fácil ver a cadeia de eventos entre a morte de Floyd e os carros da polícia em chamas. A desinformação de Trump quer enganar a todos nós.
Mark Bray: é historiador especialista em direitos humanos, terrorismo e radicalismo político na Europa Moderna. Foi um dos organizadores do movimento Occupy Wall Street em 2011 e seu trabalho é referência mundial no debate antifascista.
Mais uma vez é preciso atacar o discurso imobilizante em diversos setores da esquerda, justamente nos meios que deveriam estar preparados para o conflito e o dissenso, o que acaba por nos condenar à inação afim evitar uma suposta reação seja no campo reacionário ou nos mais moderados. Sempre que o povo está na iminência de não aguentar mais e ir pras ruas enfrentar o fascismo, começam as interpretações conspiratórias pelas quais isso é o que governo quer para legitimar a reação; começam mesmo entre nós as defesas de que as convocações para o enfrentamento não passam de manipulações e/ou infiltrações da direita para justificar a repressão, o golpe, a intervenção militar, como se fosse impossível, mais uma vez, as pessoas se revoltarem por elas mesmas.
Primeiro, essa é a base da leitura que atribui a 2013 e à revolta popular o início do golpe e o advento do fascismo, que nega a potência das manifestações e do movimento de massa para absolver o PT de ter cavado sua própria cova militarizando favelas, corroborando o genocídio indígena e se aliando aos banqueiros.
Apaga também a repressão histórica à luta do povo, que, neste caso específico, só permitiu a emergência da direita após perseguição e criminalização aos que estavam nas ruas.
Em máximo grau, portanto, passa pano para essa criminalização, a torna aceitável, culpando quem se revolta e apagando nossa história.
Então novamente é preciso dizer: o Estado não precisa de justificativa para legitimar a violência que já exerce. A resposta de quem se revolta não deixa de ser válida apenas porque alguém não confiável a está defendendo. Nossa morte já é mais que um plano, ela está sendo executada diariamente, não temos mais o que temer com um golpe, todos eles já foram dados. Se continuarmos sem reagir por medo do que pode ser ainda pior, simplesmente já estaremos mortos.
Se existem razões para não se ir às ruas hoje, certamente elas não passam pela tentativa de nos calar por meio do discurso do medo. O Estado mata, tortura, violenta, prende, amedronta. E o seu avanço não entra em quarentena.
É urgente praticarmos o autocuidado, que passa pela autodefesa. Isso implica em mudarmos hábitos, mantermos o distanciamento social dentro do possível, evitarmos aglomerações, entre outros. Contudo, isso implica também em combater o medo que leva à inação.
Não queremos morrer infectados pelo vírus, não queremos morrer sufocados pelo peso da bota militar assim como não queremos nos mortificar com a crença nas instituições
O que não faltam hoje são motivos para que o fogo da revolta arda novamente em cada canto de cada cidade. Como dizem as paredes de diferentes partes do sul do planeta, “na democracia ou na ditadura, o Estado (e o capitalismo) te viola, mata e tortura”. Queremos viver e não apenas sobreviver.
Apresentamos uma versão em zine para leitura e impressão do primeiro capítulo do livro “Grandes Fazendas Produzem Grandes Gripes: Expedições Sobre a Influenza, Agronegócio e Ciência da Natureza“. Atualmente em processo de tradução para o português, é um livro de 2016, escrito pelo cientista e socialista Rob Wallace, que analisa as terríveis relações entre expansão do agronegócio no capitalismo e o surgimento de epidemias como SARS, Zika, Ebola, H1N1, H5N1 e muitas outras doenças infecciosas.
Robert Wallace é biólogo evolucionista, filogeógrafo e uma das principais fontes citadas pelo já célebre artigo Contágio Social – Coronavírus, China, Capitalismo Tardio e o ‘Mundo Natural’, dos comunistas chineses do Coletivo Chuang, que apresentam críticas contundentes ao capitalismo de estado e extremamente autoritário da China, ao capitalismo ocidental e as narrativas racistas e superficiais sobre a pandemia — na nossa opinião, uma das melhores análises até o presente momento sobre a pandemia em curso.
A seguir, trazemos também uma tradução da entrevista com Rob Wallace publicada em março na revista alemã em Marx21, sobre o Covid-19 e sua relação com o capitalismo.
O coronavírus mantém o mundo num estado de choque. Mas, em vez de combater as causas estruturais da pandemia, os Governos estão se concentrando em medidas de emergência. Uma conversa com Robert Wallace (Biólogo Evolucionista) sobre os perigos do Covid-19, a responsabilidade do agronegócio e as soluções sustentáveis para combater as doenças infecciosas
Pergunta: Qual é o perigo do novo coronavírus?
Robert Wallace: Depende em que momento se encontra o surto local de Covid-19: no inicio, no momento de pico, no final? Qual é a resposta da sua região em matéria de saúde pública? Quais são os seus dados demográficos? Qual é a sua idade? Está imunossuprimido? como é a sua saúde geral? Para perguntar sobre uma possibilidade não diagnosticável, a sua imunogenética, a genética intrínseca à sua resposta imunitária, se ajusta ou não ao vírus?
Então todo este barulho sobre o vírus é apenas tática para gerar medo?
Não, certamente que não. A nível da populacional, o Covid-19 registrava, no início do surto de Wuhan, uma taxa de mortalidade de 2 a 4%. Fora de Wuhan, a taxa de mortalidade parece cair para mais ou menos 1% ou ainda menos, mas também parece disparar em pontos aqui e ali, incluindo em locais na Itália e nos Estados Unidos. O seu alcance não parece grande em comparação com, digamos, a 10% da SARS , a gripe de 1918 com 5-20%, a “gripe aviária” H5N1 com 60%, ou em alguns pontos o Ebola com 90%. Mas excede certamente os 0,1% de taxa de mortalidade da gripe sazonal. O perigo, porém, não é apenas uma questão de taxa de mortalidade. Temos de lidar com aquilo a que se chama taxa de penetração ou de ataque comunitário: quanto da população global é atingida pelo surto.
Pode ser mais específico?
A rede global de viagens está em uma conectividade recorde. Sem vacinas ou antivirais específicos para o coronavírus, nem, neste momento, qualquer imunidade grupal ao vírus, mesmo uma cepa com uma mortalidade de apenas 1% pode representar um perigo considerável. Com um período de incubação de até duas semanas e provas crescentes de alguma transmissão antes da doença – antes de sabermos que as pessoas estão infectadas – poucos locais estariam livres de infecção. Se, por exemplo, o Covid-19 registrar 1% de mortalidade no decurso da infecção de quatro mil milhões de pessoas, são 40 milhões de mortos. Uma pequena parte de um grande número pode ser também um grande número.
Estes são números assustadores para um patógeno ostensivamente menos que virulento.
Definitivamente, e estamos apenas no início do surto. É importante compreender que muitas novas infecções mudam ao longo do curso das epidemias. A infecciosidade, a virulência, ou ambas, podem atenuar. Por outro lado, outros surtos aumentam em termos de virulência. A primeira onda da pandemia de gripe, na Primavera de 1918, foram uma infecção relativamente leve. Foi a segunda e terceira ondas, no Inverno e em 1919, que mataram milhões de pessoas.
Mas os céticos da pandemia argumentam que muito menos doentes foram infectados e mortos pelo coronavírus do que pela gripe sazonal típica. O que pensa sobre isso?
Seria o primeiro a celebrar se este surto se revelasse um fracasso. Mas estes esforços para considerar o Covid-19 como um possível perigo, citando outras doenças mortais, especialmente a gripe, é um dispositivo retórico para apontar a preocupação com coronavírus como algo desproporcional.
Então, a comparação com a gripe sazonal é capenga…
Faz pouco sentido comparar dois agentes patogênicos em diferentes partes das suas curvas epidemiológicas. Sim, a gripe sazonal infecta muitos milhões em todo o mundo, matando, segundo estimativas da OMS, até 650.000 pessoas por ano. A Covid-19, porém, está apenas iniciando a sua viagem epidemiológica. E, ao contrário da gripe, não dispomos nem de vacinas, nem de imunidade de grupo para retardar a infecção e proteger as populações mais vulneráveis.
Mesmo que a comparação seja enganadora, ambas as doenças são causadas por vírus de um grupo específico, os vírus RNA. Ambas podem causar doenças. Ambas afetam a região da boca e da garganta e, por vezes, também os pulmões. Ambas são bastante contagiosas.
Estas são semelhanças superficiais que ignoram uma parte crítica da comparação entre dois agentes patogênicos. Sabemos muito sobre as dinâmicas da gripe. Sabemos muito pouco sobre a Covid-19. Estão impregnadas de incógnitas. Na verdade, há muito sobre a Covid-19 que era mesmo indecifrável até o surto se manifestar plenamente. Ao mesmo tempo, é importante compreender que não se trata de Covid-19 versus gripe. Trata-se do Covid-19 e da gripe. O surgimento de infecções múltiplas capazes de se tornarem pandêmicas, atacando populações em combos, deve ser a preocupação principal e central.
Há vários anos você pesquisa as epidemias e as suas causas. O seu livro “Big Farms Make Big Flu” tenta estabelecer essas ligações entre as práticas agrícolas industriais, a agricultura biológica e a epidemiologia viral. Quais são seus insights ?
O perigo real de cada novo surto é o fracasso – ou melhor dizendo, a recusa conveniente de compreender que cada novo Covid-19 não é um incidente isolado. O aumento da ocorrência de vírus está intimamente ligado à produção alimentar e à rentabilidade das empresas multinacionais. Quem pretender compreender por que razão os vírus se estão a tornar mais perigosos deve investigar o modelo industrial da agricultura e, mais especificamente, a produção animal. Neste momento, poucos governos, e poucos cientistas, estão dispostos a fazê-lo. Muito pelo contrário.
Quando surgem os novos surtos, os governos, a mídia e mesmo a maioria dos estabelecimentos médicos estão tão concentrados em cada emergência em separado que descartam as causas estruturais que estão conduzindo múltiplos agentes patogênicos marginalizados para uma súbita celebridade global, um após o outro.
De quem é a culpa?
Eu disse agricultura industrial, mas há um âmbito mais vasto. O capital é a ponta de lança da invasão de terras das florestas primárias e das terras agrícolas de pequenos proprietários em todo o mundo. Estes investimentos impulsionam o desmatamento e o desenvolvimento que conduzem ao aparecimento de doenças. A diversidade funcional e a complexidade que estas enormes extensões de terra representam estão sendo racionalizadas de tal forma que agentes patogênicos anteriormente encaixotados estão a alastrar ao gado local e às comunidades humanas. Em suma, os centros capitais, locais como Londres, Nova York e Hong Kong, devem ser considerados os nossos principais focos de doença.
Para que doenças é este o caso?
Neste momento, não existem agentes patogênicos isentos de capital. Mesmo os mais remotos são afetados, se bem que de forma distante. O Ebola, a Zika, os coronavírus, a febre amarela, uma variedade de influências aviárias e a peste suína africana contam-se entre os muitos agentes patogênicos que saem das zonas mais remotas do interior para os circuitos peri-urbanos, as capitais regionais e, por fim, para a rede global de viagens. Desde morcegos frugívoros no Congo até a morte de banhistas de Miami, dentro de algumas semanas.
Qual é o papel das empresas multinacionais neste processo?
Neste momento, o Planeta Terra é, em grande parte, o Planeta Fazenda, tanto na biomassa como nas terras utilizadas. O agronegócio tem como objetivo monopolizar o mercado de alimentos. A quase totalidade do projeto neoliberal está organizada em torno do apoio aos esforços das empresas sediadas nos países industrializados mais avançados para roubar a terra e os recursos dos países mais fracos. Como resultado, muitos desses novos agentes patogênicos, anteriormente controlados por ecologias florestais há muito evoluídas, estão sendo libertados, ameaçando o mundo inteiro.
Que efeitos têm os métodos de produção do agronegócio sobre este aspecto?
A agricultura direcionada pelo capital, que substitui mais ecologias naturais, oferece o meio exato pelo qual os agentes patogênicos podem evoluir os fenótipos mais virulentos e infecciosos. Não se conseguiria conceber um sistema melhor para criar doenças mortais.
Como assim?
O cultivo de monoculturas genéticas de animais domésticos retira a proteção imunológica que poderia estar disponível para retardar a transmissão. As dimensões e densidades maiores da população facilitam taxas maiores de transmissão. Estas condições de aglomeração diminuem a resposta imunitária. O elevado rendimento, uma parte de qualquer produção industrial, proporciona um fornecimento continuamente renovado de produtos sensíveis, o combustível para a evolução da virulência. Em outras palavras, o agronegócio está tão concentrado nos lucros que a seleção de um vírus que pode matar mil milhões de pessoas é tratada como um risco aceitável.
O quê!?
Estas empresas podem simplesmente externalizar os custos das suas operações epidemiologicamente perigosas sobre todos os outros. Desde os próprios animais até aos consumidores, trabalhadores agrícolas, ambientes locais e governos em todas as jurisdições. Os prejuízos são tão elevados que, se devolvêssemos esses custos aos balanços das empresas, o agronegócio, tal como o conhecemos, acabaria para sempre. Nenhuma empresa poderia suportar os custos dos danos que impõe.
Em muitos meios de comunicação social afirma-se que o ponto de partida do coronavírus foi um “mercado de alimentos exóticos” em Wuhan. Esta descrição é verdadeira?
Sim e não. Existem pistas espaciais a favor desta noção. O rastreio de contatos relacionados com infecções remonta ao Hunan Wholesale Sea Food Market, em Wuhan, onde animais selvagens eram vendidos. A amostragem ambiental parece indicar a extremidade oeste do mercado onde os animais selvagens eram mantidos.
Mas a que distância e até que ponto devemos investigar? Quando é que a emergência começou realmente? O enfoque sobre o mercado não leva em conta as origens da agricultura selvagem no interior e a sua crescente capitalização. A nível global, e na China, os alimentos selvagens estão a tornar-se mais formalizados como um setor econômico. Mas a sua relação com a agricultura industrial vai além da mera partilha dos mesmos sacos de dinheiro. À medida que a produção industrial – ovo, aves e similares – se expande para a floresta primária, exerce pressão sobre os operadores de alimentos selvagens para que estes se alimentem ainda mais na floresta, aumentando a interface com novos agentes patogênicos, incluindo o Covid-19.
O Covid-19 não é o primeiro vírus a desenvolver-se na China que o governo tentou encobrir.
Sim, mas não se trata, porém, de um excepcionalismo chinês. Os EUA e a Europa também serviram de pontos zero para novas gripes, recentemente o H5N2 e o H5Nx, e as suas multinacionais e aliados neocoloniais impulsionaram o surgimento do Ebola na África Ocidental e do Zika no Brasil. Funcionários de saúde pública dos EUA protegeram o agronegócio durante os surtos de H1N1 (2009) e H5N2.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou uma “emergência sanitária de interesse internacional”. Será esta medida correta?
Sim. O perigo de um agente patogênico deste tipo é o de as autoridades sanitárias não controlarem a distribuição estatística dos riscos. Não temos ideia de como o agente patogênico pode reagir. Passamos de um surto num mercado para infecções espalhadas pelo mundo numa questão de semanas. O agente patogênico pode simplesmente esgotar-se. Isso seria ótimo. Mas nós não sabemos. Uma preparação melhor melhoraria as chances de reduzir a velocidade de difusão do agente patogênico.
A declaração da OMS também faz parte daquilo a que eu chamo teatro da pandemia. As organizações internacionais morreram face à inação. Vem-me à mente a Liga das Nações. O grupo de organizações da ONU está sempre preocupado com a sua relevância, poder e financiamento. Mas este tipo de atuação também pode convergir para a preparação e prevenção de que o mundo precisa para romper a cadeia de transmissão do Covid-19.
A reestruturação neoliberal do sistema de saúde agravou tanto a investigação como o tratamento geral dos doentes, por exemplo, nos hospitais. Que diferença poderia fazer um sistema de saúde mais bem financiado para combater o vírus?
Há a terrível mas contagiosa história do empregado da empresa de aparelhos médicos de Miami que, ao regressar da China com sintomas semelhantes aos da gripe, fez a coisa certa pela sua família e comunidade e exigiu um exame hospitalar local para o Covid-19. Ele temia que a sua opção mínima no Obamacare não cobrisse os testes. Ele estava certo. De repente, ele estava com uma conta de 3270 dólares . Uma opção americana poderia ser uma ordem de emergência que estipula que, durante um surto pandêmico, todas as contas médicas pendentes relacionadas com os testes de infecção e de tratamento após um teste positivo seriam pagas pelo governo federal. Queremos encorajar as pessoas a procurar ajuda, afinal de contas, em vez de se esconderem e infectarem outras pessoas – porque não podem pagar o tratamento. A solução óbvia é um serviço nacional de saúde – dotado de pessoal e equipamento adequados para fazer face a emergências de dimensão comunitária – para que um problema tão ridículo como o de desencorajar a cooperação comunitária nunca surja.
Assim que o vírus é descoberto num país, os governos de todos os países reagem com medidas autoritárias e punitivas, tais como a quarentena obrigatória de áreas inteiras de terra e cidades. Justificam-se medidas tão drásticas?
A utilização de um surto para testar o mais recente controle autocrático após o surto é um capitalismo de catástrofe que descarrilou. Em termos de saúde pública, eu erraria do lado da confiança e da compaixão, que são importantes variáveis epidemiológicas. Sem qualquer delas, as autoridades perdem o apoio das suas populações. O sentido de solidariedade e de respeito comum é uma parte essencial da cooperação de que necessitamos para, em conjunto, sobrevivermos a tais ameaças. As autoquarentenas com o devido apoio de brigadas de bairro treinadas, caminhões de abastecimento de alimentos que vão de porta em porta, libertação do trabalho e seguro desemprego – podem suscitar esse tipo de cooperação, de que estamos todos juntos nisto.
Como devem saber, na Alemanha, com a AfD, temos um partido nazista de fato com 94 cadeiras no parlamento. A extrema-direita nazista e outros grupos associados aos políticos da AfD utilizam a crise do coronavírus para a sua mobilização. Espalharam relatos (falsos) sobre o vírus e exigem mais medidas autoritárias por parte do governo: Restrição dos voos e à entrada de imigrantes, fechamento de fronteiras e quarentena forçada…
A proibição de viagens e o fechamento de fronteiras são exigências com as quais a direita radical quer racializar o que são hoje doenças globais. Isto é, evidentemente, um absurdo. Neste momento, dado que o vírus já está a caminho de se espalhar por todo o lado, o mais sensato é trabalhar no desenvolvimento do tipo de resiliência de saúde pública em que não importa quem apareça com uma infecção, temos os meios para as tratar e curar. Evidentemente, deixar de roubar as terras das pessoas no estrangeiro e de provocar os êxodos, em primeiro lugar, e podemos evitar que os agentes patogênicos surjam em primeiro lugar.
O que seria uma mudança sustentável?
A fim de reduzir o aparecimento de novos surtos de vírus, a produção alimentar tem de mudar radicalmente. A autonomia dos agricultores e um setor público forte podem refrear as ratazanas ambientais e as infecções descontroladas Introduzir variedades de efetivos e de culturas – e uma renovação estratégica – tanto a nível da exploração como a nível regional. Permitir que os animais destinados à alimentação se reproduzam no local para transmitir as imunidades testadas. Ligar apenas a produção à circulação. Subsidiar preços e programas de compras que apoiem a produção agroecológica. Defender estas experiências tanto das compulsões que a economia neoliberal impõe aos indivíduos e às comunidades como da ameaça da repressão do Estado liderada pelo capital.
O que os socialistas devem exigir perante a dinâmica crescente dos surtos de doenças?
O agronegócio como modo de reprodução social tem de acabar definitivamente, mesmo que não seja por uma questão de saúde pública. A produção altamente capitalizada de alimentos depende de práticas que põem em perigo toda a humanidade, neste caso ajudando a desencadear uma nova pandemia mortal. Devemos exigir que os sistemas alimentares sejam socializados de forma a impedir que surjam agentes patogênicos tão perigosos. Isso exigirá a reintegração da produção alimentar nas necessidades das comunidades rurais, em primeiro lugar. Isso exigirá práticas agroecológicas que protejam o ambiente e os agricultores à medida que cultivam os nossos alimentos. Em termos gerais, temos de curar as fissuras metabólicas que separam as nossas ecologias das nossas economias. Em suma, temos um planeta a ganhar.