(esse texto é dedicado a Douglas Henrique e Luiz Felipe, mortos pelo Estado em Junho de 2013)
Contra a criminalização, desinformação e apagamento sobre o acontecimento de 2013, mas também buscando ir além das efemérides acríticas, esse texto tenta dar um pequeno panorama ciente da sua parcialidade sobre o evento de Junho e seus desdobramentos na cidade de Belo Horizonte. É importante frisar que Junho tem características muito diversas, cada cidade e região do país vivendo a experiência insurrecional de maneira diferente. Talvez seja uma obviedade, mas a totalidade das análises demonstram quase sempre uma ênfase no Junho paulistano com algumas menções ao Rio de Janeiro. Enquanto em São Paulo a questão do aumento da passagem fez a luta estourar e reverberar por todo país, em BH a revolta foi canalizada para as questões relativas à Copa da FIFA. Esse mote apareceu também em cidades como Fortaleza e Rio de Janeiro. Mesmo dentro de Belo Horizonte há diferenças substanciais entre os chamados “grandes atos” e os protestos que ocorreram nas periferias e nas BR’s, onde autonomamente as pessoas fecharam as vias por um senso de indignação frente às precariedades cotidianas. Ainda há muito a ser descoberto sobre esses protestos invisíveis. Diferente da história senso comum que vem sendo contada, em BH as esquerdas mantiveram-se unidas e não saíram das ruas – com todos os problemas e ganhos – e a cidade não foi tomada pela direita. Esse relato sobre as manifestações na cidade pretende ser um registro feito por aqueles que estiveram imersos nesse processo, tentando fazer jus a suas contradições.
Quando o Junho de 2013 explodiu em São Paulo com as manifestações do Movimento Passe Livre contra o aumento da passagem, o campo libertário de Belo Horizonte encontrava-se disperso. Nos anos anteriores, várias experiências libertárias subterrâneas foram colocadas em prática, com destaque para a Praia da Estação, um evento convocado anonimamente por autonomistas em 2010 que encontrou grande eco e força em BH, trazendo questões importantes sobre a ocupação da cidade, além de um forma organizativa horizontal e de caráter festivo que acabou atraindo vários setores da esquerda, organizados ou não. Ainda que a sensação verdadeira de que o campo autonomista e anarquista na cidade encontravam-se desarticulados, grupos como o MAL (Movimento Anarquista Libertário) e o Espaço Ystilingue estavam atuantes. Ainda assim, quando estouram os protestos em SP, fomos todos pegos de surpresa!
A cidade passava também por uma onda de ocupações urbanas como a Ocupação Eliana Silva e Dandara, trazendo questões fundamentais sobre a cidade, a moradia e a vida comunitária. Além disso, em 2011 a formação do COPAC – Comitê dos Atingidos Pela Copa em Belo Horizonte (ligada a organização nacional, a ANCOP – Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa), tinha como objetivo debater, promover e defender os direitos daqueles atingidos diretamente pelos megaeventos da FIFA e também funcionou como um espaço articulador e convergente das diversas esquerdas de Belo Horizonte.
No dia 15 de Junho de 2013, o COPAC convoca uma manifestação na Savassi, região nobre de Belo Horizonte, durante o primeiro jogo da Copa das Confederações organizada pela FIFA e realizada no Brasil. A manifestação começa com uma Copelada (como era chamada o futebol de rua do Comitê) e depois sai pelas ruas de Belo Horizonte, levando milhares de pessoas até a Fan Fest da Fifa na Praça da Estação – local que foi fechado para receber aqueles que queriam assistir aos jogos em um grande telão. Durante o trajeto, de maneira desorganizada, as pessoas começaram a se encontrar e a se reconhecerem. Houve pequenos embates em relação ao trajeto, formas de condução do protesto. A presença de partidos querendo “conduzir” a manifestação aguda nesse momento. No entanto, a sensação é de que até ali nunca havíamos tido um protesto com tantas pessoas e isso animou a convocação de uma nova manifestação para o próximo jogo que seria realizado no Mineirão.
A maneira dispersa como o movimento autônomo e libertário estava na manifestação, assim como sua crescente criminalização acontecendo por todo o país, preocupou diversas pessoas ali presentes. A sensação era de que uma maior proximidade e organização favoreceria a radicalidade dentro do ato. Na TV a opinião pública deslegitimava os protestos, principalmente aqueles que faziam uso da ação direta. Diversos partidos de esquerda também faziam a distinção entre “manifestantes” e “vândalos” ecoada tanto na mídia impressa quanto televisiva. Para pensar e conversar sobre essas questões, no dia 16 de junho houve uma reunião de anarquistas e autonomistas onde decidimos criar um bloco para ir às próximas manifestações. Neste encontro também surgiu a ideia de criarmos uma assembleia que pudesse convocar e reunir organizações e indivíduos para debater expectativas, rumos, convergências e ações possíveis. Ficou decidido que iríamos propor essa assembleia na reunião do COPAC que aconteceria no dia seguinte.
A reunião do COPAC foi realizada no dia 17 de junho em um espaço sindical. Foi constituída basicamente pelos partidos de esquerda (PSOL, PSTU, PCR, Brigadas Populares, etc), alguns sindicatos, professores universitários e outros movimentos. Ali afirmamos a necessidade de não se criminalizar as pessoas que fizessem uso de ação direta nas manifestações, algo que sabíamos que estava acontecendo em São Paulo e também em Fortaleza, onde manifestantes eram entregues à polícia por pessoas de “esquerda”. A proposta foi entendida e acatada, todos concordaram. Além disso, falamos da ideia de uma assembleia que fosse aberta e horizontal. De início a ideia foi questionada, para algumas pessoas dali não era desejável um espaço de organização tão aberto e chegaram mesmo a propor marcar a assembleia para ali mesmo no sindicato. Entretanto, acabaram concordando, de maneira um pouco condescendente, com a proposta da assembleia ser uma chamada geral, irrestrita e em um espaço aberto. Assim foi publicado o primeiro chamado da Assembleia Popular Horizontal(APH) a partir dos meios de comunicação do COPAC.
Nessa mesma tarde, por volta das 13 horas, ocorreu o primeiro grande protesto, partindo da Praça Sete, centro da capital mineira, em direção ao Mineirão, na zona norte da cidade. A estimativa da polícia era de 30 mil pessoas presentes no ato, havia muitos anos que não se via um protesto daquele tamanho na cidade. Ali mesmo foi feita uma votação e por maioria esmagadora a decisão foi a de ir até o estádio do Mineirão, onde aconteceria o jogo Taiti x Nigéria pela Copa das Confederações. Estavam lá diversas organizações e coletivos. Uma imensa maioria de manifestantes carregavam cartazes criticando a Copa e divulgando diversas lutas, desde as relacionadas ao transporte público, passando pela educação, moradia e saúde. No trajeto de cerca de 11 km da Praça 7 ao Mineirão, a PM tentou inicialmente barrar o ato na metade do caminho, em um local ainda distante do perímetro “estabelecido” pela FIFA como espaço de segurança, prevista na Lei Geral da Copa nº 12.663, de 5 de Junho de 2012. Esta legislação proibia não só o comércio informal e popular ao redor dos Estádios, mas também o livre acesso da população para atender as demandas de uma organização capitalista internacional. Esse espaço de exceção foi continuamente questionado e atacado pelos manifestantes por todo Junho de 2013 em BH.
Quando a manifestação encontrou a primeira barreira realizada pela PM na Avenida Antônio Carlos, depois de algumas tentativas de negociação e tensionamento, a Polícia liberou a marcha até o acesso da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG), onde uma nova barreira com centenas de policiais já estava montada. Sem nenhum aviso, os policiais começaram a disparar bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e balas de borracha contra os manifestantes. Um helicóptero voando bem baixo também atirou bombas nas pessoas ali presentes. Ainda assim a disposição das pessoas para o enfrentamento permaneceu, enormes fogueiras e barricadas foram montadas e a polícia foi obrigada a recuar. O ímpeto das pessoas de avançar até o Mineirão era tamanho que os confrontos se estenderam até a noite. A PM feriu diversas pessoas e deteve várias outras. No caminho de volta dos manifestantes para o centro da cidade bancos e lojas foram destruídos.
Até então a cidade nunca havia visto um protesto desse tipo e nós libertários também não! Para além de todos os clichês envolvidos e todas as idealizações sobre a revolta, era evidente que algo estava acontecendo. Nunca havíamos presenciado uma disposição tão forte ao enfrentamento com a PM e a “fazer o certo”,como nos ensinou tão bem Alisson de apenas 15 anos em São Paulo.
No dia 18 de junho, debaixo do Viaduto Santa Tereza, um local importante para a cultura em BH, onde eram realizados o evento libertário Domingo Nove e Meia e o Duelo de MCs, aconteceu a primeira Assembleia Popular Horizontal. O espaço estava lotado, mais de mil pessoas, um método e uma forma de conduzir esse encontro foram buscados de forma muito intuitiva. O microfone era aberto e as pessoas falavam livremente sobre a situação política de BH, sobre o protesto do dia passado, sobre os protestos que aconteciam em todo país, sobre os desmandos da FIFA, questões relacionadas à cidade, ao transporte, saúde e educação. Segundo a relatoria feita, mais de 100 falaram essa noite e a impressão era de que havia uma convergência entre as organizações, partidos, coletivos e indivíduos sob essa forma horizontalizada e autônoma. Como bem explica a wiki da APH (que funcionava como um modo gestão compartilhada, aberta e transparente), esse primeiro encontro marca “o início de um trabalho coletivo-colaborativo, horizontal e suprapartidário que busca sistematizar as pautas do movimento e divulgá-las de maneira clara, bem como propor e realizar atos organizados na cidade visando uma resposta efetiva para as demandas levantadas“. Havia nessa primeira sessão um desejo de participar, de falar livremente e ser ouvido, ao mesmo tempo que uma recusa das formas engessadas da política partidária, onde as lideranças falam e logo após a burocracia da votação impera. As falas eram tão abertas e surpreendentes que um dos participantes alegando ser um “embaixador intergaláctico” propôs em assembleia a “telepatia universal” (algo que foi prontamente acatado por todos). Toda essa estranha conjunção de perspectivas, organizações, ideologias fizeram com que saíssemos de lá animados e com encaminhamentos concretos, como uma agenda de ações, apontamentos temáticos sobre as questões políticas da cidade e também no cenário nacional, definições sobre os meios de comunicação da APH, a construção de um grupo de saúde e jurídico para apoio imediato aos próximos protestos.
Pela TV e internet acompanhávamos e recebíamos relatos sobre os protestos de outras cidades, víamos as manifestações crescendo exponencialmente assim como a repressão violenta e a criminalização feita pelo Estado, inclusive referendado pela mídia. Em Belo Horizonte vários protestos eram chamados pelas redes sociais de maneira difusa, ninguém poderia saber muito bem quem convocava e nem de que maneira seria, mas mesmo assim muitos de nós íamos para ver e participar.
Ainda no dia 18 de Junho havia sido chamado um novo ato em BH sem que se saiba quem o convocou. O fato do ato não ser chamado pelo COPAC e pela APH, fez com que diversos setores da esquerda estivessem desconfiados, mas a proximidade entre o Viaduto Santa Tereza e a Praça 7 fez com que diversas pessoas saindo da Assembleia se juntassem à manifestação. Faixas anti-corrupção eram vistas, as pessoas cantavam o hino nacional e uma parte da esquerda decidiu ir embora. Mais tarde um grupo apedrejou a Prefeitura. Outro grupo criou pequenas barricadas de lixo e fogo na Avenida Afonso Pena, algumas pessoas tentaram quebrar um ônibus e bater no motorista. Anarquistas próximos discutiram com esse pequeno grupo dizendo que os verdadeiros inimigos eram os bancos. As pessoas ficaram muito animadas com a proposição e foram em direção a um dos bancos e o quebraram. Caminharam mais um quarteirão e na Praça 7 quebraram e pilharam todos os bancos próximos. A polícia, de bem longe, apenas observou e nada fez, reforçando ainda mais a estranheza do dia. Alguns disseram precipitadamente que era uma ação orquestrada pela direita, outros acreditam que o Governador Antonio Anastasia deu ordens expressas para que a PM não agisse e permitisse tais ações com o intuito de conseguir vantagens políticas. Importante lembrar também que o Tribunal de Justiça movido pelo Estado de Minas Gerais havia proibido o Sindicato Único dos Trabalhadores da Educação de realizar protestos durante a Copa, o Sind-UTE recorre e o Supremo Tribunal Federal acaba derrubando a decisão. O fato é que a longa hora sem que a polícia fosse vista durante o quebra-quebra levava a crer que a intenção dessa ausência era criar fatos enquanto alimentava a opinião pública contra as manifestações… o que de nenhuma maneira reduziu a alegria genuína de diversos jovens quebrando o banco da Praça Sete.
Soubemos depois que o Relógio da Copa na Praça da Liberdade também havia sido quebrado – o Relógio se tornou um símbolo central nos protestos de 7 de setembro do mesmo ano e na manifestação da abertura da Copa da FIFA em 2014.
No dia 20 de junho ocorreu outro ato que ninguém sabia de verdade quem havia convocado, mas na primeira sessão da APH havíamos tirado esse dia como um ato importante nacionalmente. De fato, nesse dia aconteceram manifestações em mais de 300 cidades, sendo que no Rio de Janeiro uma multidão estimada em 1,2 milhão de pessoas saiu às ruas. O ato novamente foi estranho e errático. Ainda que uma minoria das pessoas continuavam cantando o hino nacional, com discursos anti-corrupção, cartazes contra PEC 37 e camisas da Seleção. Andávamos sem objetivos claro, fomos em direção a Praça da Liberdade, passamos pela Área Hospitalar em completo silêncio e caminhamos até a Câmara Municipal, sendo que ela estava fechada (o atual Presidente da Câmara Gabriel Azevedo, na época um ilustre desconhecido da juventude do PSDB foi vaiado de forma unânime nesse dia). Esse protesto foi visto pela mídia como exemplar, sem violência e cívico… um protesto zumbi como passamos a chamar! A leitura desse ato demonstrou que, de fato, as ruas estavam em disputa.
Houveram diversos atos de tamanhos variados durante as últimas duas semanas de junho, em Belo Horizonte e região metropolitana, quase todos feitos de maneira auto-convocada e espontânea, inclusive com barricadas fechando BR’s e quase sempre exigindo passarelas, transporte de qualidade e barato, moradia digna. Essa é inclusive uma história importante de ser melhor lembrada e estudada.
No dia 22 de junho ocorreu mais um protesto, o maior até então. As estimativas foram de cerca de 150 mil manifestantes. O ato partiu mais uma vez da Praça Sete e caminhou pela Avenida Antônio Carlos, em direção ao Mineirão. Lá ocorria o jogo da Copa das Confederações da FIFA entre Japão e México. Após a passagem pela UFMG, manifestantes entraram na avenida Antônio Abrahão Caram, onde a PM havia construído uma barreira impedindo o acesso direto ao Mineirão. Ao tentarem ultrapassar a PM iniciou o confronto. Novamente, manifestantes procuraram ingressar na “Zona de Segurança” da FIFA e a polícia reagiu com a já conhecida truculência, lançando bombas de gás, de efeito moral e balas de borracha. Em resposta os manifestantes criaram barricadas, atearam fogo e depredaram concessionárias de carros importados próximas. Haviam dois helicópteros atacando a manifestação. A Força Nacional de Segurança Pública, requisitada pelo governador Antonio Anastasia à Presidenta Dilma, estava a postos no interior do Campus da UFMG, de dentro da mata atiravam contra os manifestantes na avenida. Diferentemente do primeiro protesto onde havíamos sido pegos despreparados, dessa vez as pessoas revidaram não apenas com pedras mas com rojões, bombas caseiras e coquetéis molotov. Um certo ritmo conjunto começou a ser aprendido pelos que ali estavam, atacar e recuar juntos. O “efeito manada” começou a diminuir e uma grande parte dos manifestantes passaram a aprender a lidar melhor com os estouros, explosões e tiros. Passamos a pensar e agir em conjunto em uma luta que ensinava a lutar e desejar mais. Tomávamos mais coragem pois não estávamos mais sozinhos.
Anoitece e as pessoas ainda enfrentam a polícia usando o que tem nas mãos, se defendendo com placas de trânsito (uma delas era enorme e dizia “Obra da Prefeitura de Belo Horizonte”). A cavalaria avança sobre a manifestação e os vários manifestantes, mascarados ou não, conseguem fazer as tropas recuarem. A manifestação então dispersa sob uma densa nuvem de gás que toma toda a Avenida. Quando a multidão voltava para casa, muitos indo em direção ao Centro da cidade, andando por uma Avenida Antônio Carlos deserta, manifestantes colocam fogo em uma réplica do símbolo da Copa da FIFA e de um outdoor gigantesco da Coca-Cola, a patrocinadora oficial do evento que dizia ironicamente: “Vamos colorir o Brasil”.
Nesse protesto 32 pessoas foram presas e pelos dados oficiais cerca de 20 foram para hospitais próximos, há vários relatos de médicos que tentaram ajudar as diversas vítimas da violência da PM e foram ameaçados sob a mira de armas.
Ficamos estarrecidos ao saber que Luiz Felipe Aniceto de Almeida, de apenas 22 anos, caiu do Viaduto José Alencar ao correr das bombas, justamente no entroncamento das avenidas Antônio Abrahão Caram com a avenida Antônio Carlos. No desespero ele tenta pular de uma pista a outra e acaba caindo. Depois de muitas dificuldades para leva-lo ao Hospital, com a PM inclusive prejudicando os trabalhos de resgate, Luiz fica internado por três semanas mas não resiste e morre em decorrência da violência do Estado. Seis outras pessoas caem no mesmo local durante todos os protestos no mês de junho.
Em 23 de junho, ocorreu pela tarde, debaixo do Viaduto Santa Tereza, a segunda sessão da Assembleia Popular Horizontal de Belo Horizonte. Novamente o espaço estava lotado, cerca de 110 pessoas falaram ao microfone, muitas sugestões de pautas e de como as lutas deveriam acontecer. As principais pautas consensuadas foram as formas de comunicação “oficiais” da APH, as próximas manifestações em que estaríamos presentes, e quando seria a próxima sessão da Assembleia. Além disso, identificamos reivindicações consensuais relacionadas ao transporte e mobilidade urbana, como a revogação do aumento das passagens em Belo Horizonte ocorridas em dezembro de 2013 e a demanda de tarifa zero irrestrita; a FIFA e Megaeventos, como a revogação da Lei Geral e a prioridade orçamentária dada a Copa frente a questões básicas como educação, moradia e saúde; em relação à repressão e violência policial, a favor da retirada imediata da Força de Segurança Nacional da cidade e pedindo também a desmilitarização da polícia; e também um consenso sobre a saída de Marco Feliciano da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Como grande avanço dessa sessão, foram criados 12 grupos temáticos de trabalho (GTs) para encaminhar as discussões e propostas. Assim, esses GTs se reuniriam de maneira autônoma e retornariam à APH de maneira mais qualificada e organizada. Foram eles: Mobilidade Urbana, FIFA e Grandes Eventos, Saúde, Educação, Reforma Urbana & Moradia, Polícia, Reforma Política, Minorias Políticas, Democratização da Mídia, Meio Ambiente, Cultura e Permacultura. Também começaram a ser delineados vários princípios da APH como horizontalidade, não sectarismo, não estigmatização, autonomia dos grupos de trabalho, o caráter experimental, a busca de consenso, proatividade, transparência, a busca pela eficiência, o funcionamento em rede.
No dia 25 de junho, diante da repercussão dos protestos, o governador Antonio Anastasia convida o COPAC para se reunir no Palácio do Governador. O convite surpreende, já que em todos os seus anos de governo ele nunca havia chamado nenhum movimento social para se reunir. A pauta era aberta e sua intenção pública era discutir demandas e segurança das próximas manifestações. Visto geralmente como um burocrata de perfil técnico, Antônio Anastasia era um político do PSDB e não era um idiota, nesse momento já sabia dos prejuízos que um governo performaticamente intransigente era capaz de gerar – o retrato de São Paulo com a queda de popularidade de Haddad e Alckmin era exemplar. Seu convite era motivado principalmente por sua preocupação frente a manifestações já convocadas para o dia seguinte. A reunião não foi encarada pelo COPAC nem como boa e nem como ruim, apenas protocolar, mas dentre um dos compromissos firmados pelo Anastasia foi o de receber novamente o movimento para discutir as pautas reivindicadas, que ainda seriam definidas nas próximas sessões da Assembleia Popular Horizontal. O COPAC ainda entregou uma pauta com dez itens envolvendo principalmente questões ligadas aos atingidos pela Copa, como os barraqueiros do Mineirão e as ocupações, a questão do transporte público e também sobre a violência policial. Um dos acordos que o governador conseguiu extrair do COPAC foi o respeito ao limite de segurança perto do Mineirão, a “Zona de Exclusão FIFA”. Em “troca” seria demarcada uma barreira sem a presença ostensiva de policiais que ficariam distantes. A Polícia Militar de Minas Gerais então só reagiria, segundo o acordo, se os manifestantes agredissem a polícia! Um representante do COPAC e um policial militar se responsabilizariam por manter o diálogo e as negociações durante o protesto. Obviamente, isso não soou nada bem perante os diversos movimentos e mais do que isso, não havia como controlar uma revolta popular desse tipo.
Nesse mesmo dia houve a terceira sessão da Assembleia Popular Horizontal de Belo Horizonte cujo mote era o primeiro encontro dos Grupos Temáticos. Sendo assim, foi possível as pessoas se encontrarem e aderir a um GT que lhe fosse de maior interesse e também decidir em conjunto como se daria os trabalhos do grupo. Outra importante ação aconteceu também no dia 25. Os estudantes da UFMG ocuparam a reitoria da universidade, fazendo a Força Nacional desistir de ocupar o campus durante os outros jogos da Copa das Confederações. Essa ação conseguiu retirar uma garantia conjunta do Governo Federal e do Governo do Estado de que as tropas da Força Nacional não iriam utilizar a UFMG novamente como base de operações e segurança, consequentemente como um espaço estratégico de repressão das manifestações como havia acontecido na última ida ao Mineirão.
No dia seguinte, 26 de junho, mais uma manifestação gigante, envolvendo cerca de 200 mil pessoas que partiram da Praça Sete em direção ao Mineirão. Ao longo do trajeto, pessoas de bairros periféricos que geralmente não estavam presentes no início dos atos começaram a “descer” e a acompanhar o protesto. Uma parte da marcha seguiu o acordo entre a COPAC e o governo estadual, passando direto pela Avenida Abrahão Caram. Alguns membros do COPAC chegaram mesmo a fazer uma barreira humana para indicar que as pessoas seguissem. Ainda assim, diversas pessoas se recusaram e passaram a subir a avenida tentando derrubar as grades que impediam o protesto de chegar ao Mineirão. A PM ainda que mais afastada atirou bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha, uma repetição que virou comum e esperada por todo esse mês de junho. Assim como no protesto anterior, a disposição ao enfrentamento aumentou ainda mais, contando agora com as pessoas mais preparadas e animadas a resistir. Isso não era pouca coisa!
No viaduto foi pendurada uma enorme faixa amarela escrita “Unfair Players: FIFA – POLICE – ANASTASIA”, enquanto os focos de resistência e ataque contra a polícia e a Zona da FIFA se espalharam pelas ruas do entorno. Todas as lojas de carros e bancos próximos que ainda não haviam sido depredadas foram totalmente destruídas. Um caminhão foi colocado para fora de uma concessionária e incendiado por manifestantes, formando mais uma barricada. Uma moto é roubada, outra é jogada em uma fogueira, alguns levam televisores, outros jogam nas barricadas. Não há respeito nenhum pelas mercadorias, elas têm seus valores de troca suspensas e agora só servem para serem destruídas ou para criarem barricadas melhores. Dava a impressão de que houvesse dinheiro ali, as pessoas queimariam sem nenhum problema! Por mais que houvesse blocos organizados, a imensa maioria dos ali presentes eram “pessoas comuns”, não estavam de preto, não tinham balaclavas, muitas vezes nem cobriam o rosto. É impressionante quando as pessoas destroem com tanto empenho e felicidade as mercadorias que provavelmente teriam muitas dificuldades para comprar.
Essa negação em ato das mercadorias e potência destrutiva chegou ao ápice quando no posto de gasolina da Antônio Carlos alguns manifestantes começaram a jogar gasolina no chão. Uma discussão se forma e pessoas do bloco preto próximas intervêm, impedindo que se ateasse fogo no posto. Não demora muito para as pessoas começarem a roubar a cerveja da loja de conveniência, bebendo, distribuindo, compartilhando e também quebrando as garrafas como em um grande ritual de dispêndio e dádiva. De fato, até então Belo Horizonte nunca sequer havia visto um protesto com tamanha radicalidade!
Os confrontos com a PM seguem até a noite. Durante a volta de grande parte dos manifestantes pela Avenida Antônio Carlos, eles são caçados pela PM enquanto um major do alto de um carro de som anuncia sistematicamente pela cidade: “Pedimos agora, voltem para suas casas. Pedimos a vocês, pessoas de bem, não se misturem aos bandalheiros. Voltem para suas casas. Retornem à sua casa. Estamos devolvendo a cidade para vocês”.
Cerca de 28 pessoas foram detidas naquele dia e, ainda durante a tarde, uma nova tragédia aconteceu: Douglas Henrique de Oliveira, de apenas 21 anos, um metalúrgico que acompanhava os protestos caiu do viaduto durante a tentativa de dispersão feita pela PM. Ele foi socorrido por bombeiros e transportado de helicóptero para o hospital mas não resistiu. BH tem mais um morto cujo motivo é a violência policial a mando do Estado para defender a FIFA.
No dia 27 de junho ocorre a quarta sessão da APH, onde frente às enormes dificuldades de conduzir um espaço que se pretenda horizontal, autônomo, autogerido e popular, as questões organizativas e metodológicas da assembleia apareceram de maneira contundente, na tentativa de evitar burocracias e principalmente o monopólio da estrutura pelas organizações de esquerda (anarquistas e autonomistas assumiram também essa autocrítica). A tendência nessas dinâmicas é não apenas que as mesmas pessoas falem, mas também que as mesmas figuras sejam “mesa”, ou seja, apresentem, conduzam, façam a mediação, controlem as inscrições, tempo, etc. O que pode parecer estranho para a maioria das pessoas, mas isso costuma ser visto como uma posição de destaque, permitindo uma maior visibilidade do sujeito e da sua organização, e também acaba por favorecer “coleguismos”, como o risco da não transparência para as inscrições, controle de tempo de fala, dentre outras coisas. Foi decidido então que para evitar os personalismos e os mesmos vícios, que quem quisesse participar destas tarefas deveriam levantar a mão e se tivessem mais de 5 pessoas, iria ser sorteada entre os interessados as seguintes tarefas: responsabilidade pela coordenação da assembleia, responsabilidade pela ata, responsabilidade pelo tempo e responsabilidade pelas inscrições. Decidiu-se também que essas funções deveriam ser sempre rotativas e quem estivesse nessas responsabilidades não teriam direito à fala na assembleia, para evitar qualquer tipo de manipulação.
Na primeira tentativa de aplicação do método do sorteio, a pessoa sorteada para conduzir a assembleia foi um Guarda Municipal e membro do sindicato que vinha acompanhando e participando desde a primeira APH. Pane geral em nossos métodos experimentais! A assembleia começa e o guardinha conduz de maneira personalista, fazendo diversas falas arrogantes e machistas. Em pouco tempo uma mulher faz uma intervenção e propõe votar para “destituí-lo”, o que é aclamado por unanimidade da assembleia… nunca mais o guardinha apareceria. Esse é de fato um caso exemplar de que nosso caráter experimental nem sempre era a melhor das opções, mais que isso, por mais que efetivamente levasse a situações novas e imprevisíveis de se organizar, muitas das nossas ideias também eram capazes de gerar mais problemas que soluções. Por outro lado as metodologias aplicadas, e quase diariamente discutidas, eram testadas e modificadas conforme a luta avançava, permitiam que a assembleia tivesse uma dinâmica rica, veloz e múltipla de como se organizar e agir.
As outras discussões dessa sessão da APH giraram em torno da análise do ato passado, como a urgência para libertar os companheiros presos, a morte do Douglas Henrique (inclusive com a proposta de mudar o nome do viaduto José de Alencar para Douglas Henrique). Também debatemos sobre a postura dos movimentos sociais que abandonaram a manifestação no meio, a necessidade de não dicotomizar o movimento entre vândalos e pacíficos, o combate a repressão policial do governador Anastasia, termos mais organização para cuidarmos melhor uns dos outros e por fim, continuar centrando as críticas ao governador do Estado Anastasia, ao prefeito Márcio Lacerda, ao presidente da Câmara Léo Burguês e ao Clésio Andrade (controlador da máfia dos transportes). Foi feito os repasses dos GTs e da reunião com o governador. Além disso, houve também a definição de uma nova ação centrada na questão do transporte e mobilidade urbana que foi marcado para a Câmara dos Vereadores de Belo Horizonte.
Ainda que na cidade de São Paulo (estopim para as insurgências em todo Brasil) a principal causa das manifestações fosse o aumento da passagem de ônibus, em Belo Horizonte a ênfase inicialmente recaiu sobre os desmandos da Copa. Mesmo assim, a pauta sobre as tarifas também esteve muito presente nos cartazes e reivindicações nas ruas da cidade. O transporte público em BH era na época proporcionalmente o mais caro de todas as capitais do Brasil, extremamente sucateado, com aumentos anuais, precário e com estudantes tendo enormes dificuldades de acessar até mesmo o direito ao meio-passe. A cidade e a estrutura de transporte vinha sendo brutalmente reformada para criação de linhas de BRT e havia uma grande influência dos empresários do transporte nas decisões políticas municipais (enfim, uma máfia). Uma dessas decisões estava para ser definida em votação na Câmara Municipal para o dia 29 de junho e por isso a APH havia decidido acompanhar a votação deste projeto: a redução da tarifa de ônibus na Câmara a partir da redução de impostos municipais aos empresários.
No dia, um sábado, o número de pessoas que resolveram ir à Câmara acompanhar as votações pela manhã era alto. A Câmara deu a desculpa que as galerias do plenário não poderiam suportar o número de presentes. Dessa forma, arbitrariamente os guardas municipais limitaram a entrada de apenas 300 pessoas. Os vereadores aprovaram em segundo turno o projeto, proposto pelo prefeito Márcio Lacerda, mas cuja redução seria de apenas 5 centavos no valor das tarifas de ônibus (com isso, a passagem de ônibus passaria de R$ 2,80 para R$ 2,75). Essa votação causou revolta em todos, pois além de tudo, a redução não valeria imediatamente, como ocorreu em outras capitais como São Paulo. A explicação dada segundo a prefeitura é que não haveria tempo hábil para publicação de uma portaria e que logo após esse dia seria decretado férias. A votação foi espertamente marcada como a última antes do recesso!
As pessoas ali presentes, impedidas de entrar na sessão pela truculência dos seguranças, da Guarda Municipal e Batalhão de Choque respondem aos empurrões e truculência com tintas. É a partir daí que resolvemos ocupar a Câmara até que o Prefeito Márcio Lacerda nos recebesse e abaixasse a tarifa. Estávamos revoltados com a redução pífia através da desoneração fiscal das empresas de ônibus que garantia o lucro exorbitante das máfias de transporte.
A Assembleia Popular Horizontal decretou a ocupação e rapidamente os diversos grupos, coletivos, partidos, organizações e indivíduos foram para a Câmara, trazendo barracas, colchões e montando uma cozinha comunitária. Logo o espaço ficou pequeno e passamos também a ocupar o jardim. Nos grandes mastros externos, 3 bandeiras foram hasteadas: “Ônibus Sem Catracas”, “Fora Lacerda” e dos Panteras Negras “Todo poder ao povo!”. Um piano apareceu no gramado. Os Grupos de Trabalho da ocupação começaram a organizar a comunicação, limpeza, rondas de segurança, comida, atividades culturais, grupos de discussão sobre o transporte, desmilitarização, políticas públicas, Arte, aulas abertas, saraus, shows, festas, reuniões de todo o tipo. Uma vida em comum passa a ser criada, de maneira autogestionada e aberta. Não houve um dia sequer sem que houvesse uma programação extensa e variada.
Mesmo aqueles que trabalhavam e não podiam ficar na ocupação em tempo integral dedicavam algumas horas pela manhã ou à noite, pessoas de fora dos círculos militantes e artísticos iam conhecer a ocupação, senhorinhas vinham pela manhã deixar uma sacola de pão… havia muita fartura e apoio! Uma infinidade de discussões, tendências, discordância e encontros de variadas pessoas perpassaram os longos, difíceis e prazerosos dias que estivemos lá. Os primeiros dias foram muito desafiantes, ainda que tranquilos. Entre os principais problemas estava a mídia corporativa burguesa tentando constantemente jogar a opinião pública contra o movimento, inclusive exercendo vigilância constante pelas lentes das diversas emissoras que passavam por lá todos os dias. Havia também a sabotagem da própria Câmara deixando ligado o ar-condicionado no máximo pela noite, dificultando nosso sono e cortando também a internet (que é pública). Claro que os Guardas Municipais e seguranças tratavam os “novos e nobres moradores da Casa do Povo” de maneira extremamente hostil, mas nosso principal infortúnio era o fato de que o prefeito Márcio Lacerda fingia que absolutamente NADA estivesse acontecendo.
Márcio Lacerda, era um prefeito-empresário do PSB que nunca havia tido nenhum cargo público, mas foi eleito com apoio de importantes nomes do PT e PSDB local: Aécio Neves e Fernando Pimentel lado a lado e literalmente de mãos dadas. Lacerda já havia sido duramente criticado por sua posição frente a Praia da Estação, o modo como lidou com o carnaval e principalmente por sua completa ignorância frente aos movimentos sociais. O prefeito que nunca havia em seu mandato-gestão feito reunião ou recebido nenhum movimento social, logo apressou-se a dizer na imprensa que “não negociaria com a faca no pescoço”. A empolgação vinda das manifestações de junho, a forma organizativa horizontal e aberta da APH, o clima cultural, apoio popular e, por que não, o início das férias mantiveram o ânimo dos ocupantes elevados.
No dia 1° de junho, em uma tentativa frustrada de desocupar a Câmara, o prefeito anunciou na imprensa que haveria uma reunião entre ele e os ocupantes. O problema é que a tal reunião foi “descoberta” pouco antes da realização de uma assembleia na ocupação, de onde sairiam os nomes dos possíveis delegados que levariam às reivindicações ao prefeito. Mais uma vez, Lacerda desconsiderou toda a tentativa de construção de uma agenda comum e anunciou à imprensa a tal reunião marcada de uma hora para a outra sem combinar nada com quem de fato deveria dialogar. Realizamos então na assembleia da APH uma votação aberta e horizontal para a escolha dos delegados que iriam encontrar o prefeito repassando as propostas tiradas na APH. Essa reunião para a escolha dos delegados foi cheia, animada e controversa: diversos partidos e organizações que nunca haviam composto a APH e nem estavam no dia a dia da ocupação apareceram. Foram rechaçados e a assembleia elegeu 13 delegados e delegadas de maneira paritária.
Nossas principais propostas eram: a revogação do decreto que aumentou o preço da tarifa em dezembro de 2012 (fazendo o preço da passagem retornar para R$ 2,65); passe livre para estudantes, desempregados e aposentados; revisão dos atuais contratos com as empresas que prestam serviço de transporte municipal e a publicação da planilha de custo das empresas de transporte.
No dia 2 de junho publicamos uma carta aberta ao prefeito onde exigíamos uma reunião com a prefeitura que não fosse decidida de maneira unilateral, além da redução imediata da passagem para desocuparmos a Câmara. Do outro lado, o Secretário Municipal da época, Josué Valadão, afirmava que desocupar a Câmara era a condição para que houvesse uma audiência com o prefeito. Claro que isso também foi rechaçado pelo movimento.
Na manhã do dia 3 de junho finalmente recebemos a notícia de que nos reuniríamos com o prefeito-empresário. A reunião realizada dentro da prefeitura e cercada pela imprensa, foi transmitida ao vivo para dentro da Câmara, em consonância com um princípio essencial da APH: a transparência. A habitual falta de educação e paciência do prefeito Márcio Lacerda ficou evidente e na reunião ele emitiu uma pérola sobre seu modo de fazer política: “Eu respeito sua opinião mas ela é irrelevante”. O que esperar afinal, de alguém que em 5 anos de mandato ele NUNCA havia recebido nenhum movimento social, limitando-se a governar a prefeitura como CEO de uma empresa?
Nem bem apresentadas nossas reivindicações, o prefeito fica nervoso e resolve terminar a reunião ao ser confrontado, levanta-se e sai. Os delegados da APH não hesitam e dizem: “Ótimo, já que estamos aqui dentro ocuparemos também a prefeitura!”. Os delegados também fazem troça do passado do prefeito (que de militante da ALN de Marighella, envolvido em um grande assalto e preso político na ditadura, agora era um milionário e gestor), assobiam a Internacional Comunista. O prefeito é aconselhado a voltar e evitando acirrar mais os ânimos, termina formalmente a reunião, assinando a ata para não desgastar sua imagem ainda mais. No final, cumprimentando os participantes da reunião, um dos delegados se recusa a cumprimenta-lo e o prefeito-empresário diz sarcasticamente: “É o seu direito, estamos em uma democracia!”. Grandes ironias!
No dia 5 de julho pressionado pela ocupação e seu grande apoio popular, enquanto ocorria uma pequena manifestação que foi da Praça 7 até a porta da Prefeitura Municipal em apoio ao movimento, o Prefeito Márcio Lacerda anuncia a redução da tarifa de ônibus. Essa redução vinha através da desoneração de impostos da máfia do transporte, ou seja, sem o corte no lucro dos empresários. Contudo, uma grande festa e alegria tomou a todos e todas que estavam nessa luta, era possível por meio de uma ação direta mudar as coisas.
No dia 6 de julho fica decidido em assembleia que iríamos sair e no dia 7 de julho, depois de 8 dias de resistência, intensas trocas e aprendizados, desocupamos a Câmara. Não sem antes festejarmos, nadamos ainda em uma piscininha e plástico instalada na portaria principal do prédio, comemos e dançamos. As bandeiras foram retiradas dos mastros oficiais ao som de aplausos e fomos em cortejo até “A Ocupação”. Um enorme evento cultural organizado pelo GT Cultura debaixo do Viaduto Santa Tereza, justamente onde a Assembleia Popular Horizontal começou e continuaria até meados de 2015 (ainda que sem a potência inicial).
No dia 10 de julho, entrou em vigor a redução nas tarifas, que passaram de R$ 2,80 para R$ 2,65 nos ônibus diametrais e de R$ 2 para R$ 1,85 nos ônibus circulares. Lacerda demonstrou que os poderosos e seus agentes só negociam com a faca no pescoço.
Essa pequena luta nós vencemos!
10 anos depois podemos ver os desdobramentos que o Junho rastejante de Belo Horizonte incentivou e potencializou, com diversas ações importantes na cidade, como o próprio prolongamento da Assembleia Popular Horizontal, a Ocupação da Prefeitura realizada pelas ocupações urbanas ainda em julho do mesmo ano, uma nova ocupação da Câmara em agosto de 2013, o apoio a resistência da Ocupação Izidora, o Encontro Libertário Terra Preta na Ocupação Guarani Kaiowá em setembro de 2013, o Viaduto Ocupado (ocupação no início de 2014 do Viaduto Santa Tereza que havia sido fechado para uma reforma sem ampla discussão com a cidade), a criação de um importante movimento como o Tarifa Zero (que inicialmente era o GT de Mobilidade da APH), os protestos contra a Copa da FIFA, as ocupações Espaço Comum Luiz Estrela e Kasa Invisível, além de diversos outros desdobramentos e encontros que ainda precisamos descobrir.