4. Golpes dentro do golpe: como a exceção tem sido a regra ou como o PT aprimorou o aparato repressivo estatal
Para assegurar seu projeto de desenvolvimento econômico, os governo de Lula e Dilma investiram pesado em controle e repressão nas periferias e contra movimento sociais. A política do governo federal para segurança pública se resumiu em criar mais vagas em presídios e realizar ocupações militares nas favelas. No ano de 2014, a população carcerária do Brasil finalmente se tornou a terceira maior do mundo, com 570 mil pessoas presas, cuja maioria é negra. Durante a gestão do PT, o aumento foi de 620%.
As Unidades de Polícia Pacificadora espalhadas por 38 comunidades na cidade do Rio de Janeiro não pretendem dar “segurança” à população e são totalmente ligadas aos megaeventos. Estão “coincidentemente” localizadas em áreas como vias que conectam os aeroportos aos bairros turísticos ou na região onde seriam realizados os jogos da Copa e das Olimpíadas.
Foi em 2004, durante o governo de Lula, que foi criada a Força de Segurança Nacional. Em 2010 foi criado o Estado Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA), responsável por elaborar o “Manual de Garantia da Lei e da Ordem” (GLO) em 2013, para responder aos levantes populares que aconteciam em todo o país. O objetivo era garantir os lucros das corporações nacionais e internacionais durante os megaeventos. Sob pressão da FIFA, o governo de Dilma editou a Lei Geral da Copa, responsável por criminalizar movimentos contrários aos impactos da Copa do Mundo, como greves e manifestações de rua.
Para a realização da Copa do Mundo em 2014 e das Olimpíadas em 2016, o governo construiu em 12 cidades as unidades do Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), onde diversas forças policiais e de inteligência (Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Federal e Abin) se integraram para vigiar e reprimir manifestantes. A inauguração dos CICC’s aconteceu durante os protestos de 2013 contra a tarifa e aos que se seguiram contra a Copa das Confederações. Suas ações incluíam o monitoramento das multidões por câmeras fixas na cidade e também a espionagem. Houve infiltração de policiais disfarçados no meio dos manifestantes e também aproximação de agentes que mantiveram amizades e relacionamentos com ativistas para obter informações.
A lista se estende, mas para finalizar, a última lei sancionada por Dilma antes do Impeachment foi a nº13.260 – famosa lei antiterrorismo. Em março de 2016, cedendo a pressões internacionais do G20, da ONU e do Comitê Olímpico Internacional, o parlamento e o governo federal criaram um conjunto de leis com termos vagos, que atacam o direito de manifestação e deixam amplas brechas para interpretações. A procuradora federal dos Direitos do Cidadão Deborah Duprat disse que, de acordo com as leis, “nunca sabemos se um objeto que portamos pode ser visto como um artefato para uma prática terrorista. Até uma caixa de fósforos pode ser enquadrada”.
A lei antiterrorismo é considerada por muitos movimentos sociais e até por políticos como “o AI-5 da democracia” por colocar na mira movimentos e indivíduos que questionam ou se organizam contra medidas do Estado. Entre 1964 e 1969, o regime militar decretou 17 atos institucionais para remover direitos dos cidadãos e o poder de outras instituições para concentrá-los ainda mais poder nas mãos do chefe de Estado. Tais atos foram considerados “golpes dentro do golpe”, pois passavam por cima de leis e direitos previstos na Constituição. Em dezembro de 1968, o regime militar decretou o Ato Institucional número 5 (AI-5), dissolvendo o Congresso Nacional e as Assembleias Legislativas. Cassou os direitos políticos de centenas de pessoas e formalizou o Estado de Exceção previsto para durar 180 dias e que perdurou por 10 anos. Nesse período, promoveu-se o terror contra a população, com censura da imprensa, prisões, torturas, assassinatos e desaparecimentos de milhares de pessoas.
Juristas argumentam que os crimes agora enquadrados como terrorismo pela nova lei – saques, depredação e causar incêndio – já estão previstos nas leis e não precisam de uma nova tipificação. Dentre outras ações que podem ser tratadas como terroristas, estão incluídas sabotar o funcionamento total ou parcial de de meios de comunicação e transporte. Isso claramente torna alvo as táticas de desobediência civil tradicionalmente praticadas por movimentos sociais: bloqueio de ruas e rodovias ou a ocupação de escolas, universidades e outros prédios públicos.
Transportar, guardar ou usar materiais explosivos ou inflamáveis também podem ser enquadrados como ação terrorista. A possível consequência em se criar termos tão vagos e amplos para tais práticas é o uso tendencioso das leis para criminalizar movimentos ou minorias. Rafael Braga, jovem negro que dormia nas ruas do Rio de Janeiro no auge das manifestações de 2013, é o maior exemplo do que acontece quando policiais e juízes usam sua liberdade de interpretação: Rafael foi preso acusado de portar material “possivelmente explosivo” quando carregava uma garrafa de desinfetante e segue até 2017 lutando por sua liberdade como único preso durante protestos desde 2013.
Se a crise econômica não parece melhorar e o colapso na segurança pública está atingindo níveis absurdos, com mais uma ocupação do Exército nas ruas do Rio de Janeiro, sob o governo de Michel Temer, isso é uma continuidade e não uma ruptura com o que foi feito no governo do PT. Os governos de Dilma e Lula não aprimoraram apenas Capitalismo brasileiro, reformaram todo um sistema de segurança dedicado à repressão. Temer herdou a crise, mas também todo um novo aparato de leis, estruturas de controle, de vigilância e de repressão que agora serão usados para conter as massas toda vez que nos organizarmos e tomarmos as ruas.
Por isso, consideramos que para chegarmos ao golpe de 2016, foi preciso uma série de outros pequenos golpes contra os direitos da classe trabalhadora, contra as periferias e contra os movimentos sociais. Assim como o golpe militar de 1964 não foi constituído de apenas um golpe, o golpe parlamentar que tirou o PT do governo é apenas mais um em um conjunto de medidas autoritárias e de exceção, ou seja, percalços comuns dentro da história política do país.
“Na verdade, não existe diferença fundamental entre uma ditadura e uma democracia. Essas formas de governo [democrático] têm toda a capacidade de usar violência, repressão, assassinato em massa, tortura e prisão do mesmo modo como suas caras-metades ditatoriais. Em momentos de emergência, eles podem e normalmente usam essa capacidade.”
Peter Gelderloos – O Fracasso da Não-violência.
Continua…
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