Crise política e Golpe de Estado em uma perspectiva anarquista – pt. 02 de 07

2. A necessidade do golpe: o combate à corrupção como ferramenta para destruir inimigos políticos

“Para mim, não há dúvidas de que a pior das democracias é sempre preferível à melhor das ditaduras, pelo menos do ponto de vista educativo.”
Errico Malatesta

Mesmo sendo o PT um partido cheio de políticos condenados ou investigados por corrupção, a presidente Dilma não estava evolvida em nenhum crime comprovado. O procedimento de Impeachment foi um golpe institucional disfarçado de combate à corrupção, onde interpretações e manipulações tendenciosas das leis permitiram a anulação de uma eleição inteira para colocar no poder um partido e um programa político que não vence eleições há mais de uma década. Como não conseguiram derrubar nem Lula nem Dilma nas disputas eleitorais, o golpe foi a única saída encontrada pela oposição para continuar com um projeto de país ainda pior do que o construído pela social-democracia do PT.

Dilma com seus ex-aliados: a saída não vem de cima.

A necessidade do golpe foi política e não ética. Isso fica óbvio quando a acusação não consegue provar qualquer relação de Dilma Rousseff com os crimes apurados pela operação Lava Jato. Essa operação, organizado pela Polícia Federal, investiga o maior escândalo de corrupção da história do Brasil, e já indiciou por corrupção 50 políticos de 6 partidos e diretores das 10 maiores empresas e empreiteiras no país e do mundo incluindo a empresa brasileira Petrobras. Quando a polícia passou a investigar políticos do PT, especialmente o ex-presidente Lula, a mídia fez questão de mostrar isso como uma prova que o polítcos do PT eram os principais ou os únicos corruptos na política, e passou a incitar as manifestações de rua que dariam legitimidade ao golpe. Seria muito útil para a elite colocar outro presidente no comando e em seguida frear a investigação para salvar o resto. Talvez o maior benefício da operação Lava Jato foi mostrar que a corrupção é inseparável do sistema e permeia praticamente todos os partidos e as maiores empresas do paíse que financiam tanto as campanhas eleitorais da direita ou da esquerda.

Doações do grupo Odebrecht, cujo presidente e principais executivos foram presos por corrupção, a partidos: PT ficou com as maiores doações – e propinas. Fonte: TSE e Estadão

No entanto, mais da metade dos parlamentares que estavam investigando a presidente também estão sendo investigados ou já foram condenados por crimes de corrupção, como o deputado Eduardo Cunha, responsável por dar início ao processo de Impeachment em 2015. Cunha foi preso em outubro de 2016 sob a acusação de estar envolvido com suborno e lavagem de dinheiro.

As “pedaladas fiscais”, isto é, o atraso no pagamento de empréstimos bancários utilizados para programas sociais (como o Bolsa Família) não são um crime nem mesmo para o procurador do Ministério Público Federal, mas uma técnica usada por muitos prefeitos, governadores e quase todos os ex-presidentes antes de Dilma. Mesmo assim, isso não foi considerado pelos parlamentares quando afastaram uma presidente escolhida em eleições democráticas. E apenas dois dias após votar pelo Impeachment, o Senado aprovou uma lei que torna as pedaladas uma manobra permitida pelo governo federal. Depois de usarem tais manobras como principal acusação contra Dilma Rousseff, o Congresso torna impossível que tais acusações sejam usadas contra o novo presidente.

A corrupção é um termo usado apenas para personificar um indivíduo ou grupo como inimigos da moral e dos bons costumes. Esse teatro criado pela mídia, que apela ao senso comum e foi legitimado pelas multidões na rua só ataca corruptos quando consegue usar isso para enfraquecer inimigos e blindar os aliados. Ou seja, um mero pretexto para suspender os procedimentos democráticos comuns, distorcer as leis e garantir que o poder continue nas mãos de poucas pessoas, sem questionar a essência do sistema e a corrupção que o sustenta. Governos democráticos são, por definição, o controle de poucos sobre o resto, usando o espetáculo eleitoral para dizer que tem legitimidade; são sistemas excludentes, autoritários e opressivos, onde nossa participação ou nossa autodeterminação são limitadas a todo instante pela representação política e pela repressão policial. Mas, quando seus agentes e instituições começam a violar e distorcer abertamente suas próprias leis para tirar ainda mais benefício delas, isso indica que teremos ainda muito mais problemas adiante e que não serão direitos constitucionais ou o voto da maioria que vão nos proteger.

Continua…