As 36 estratégias apresentadas aqui são fruto de tradições orais populares da China antiga. Não são o trabalho de uma única autoria, como A Arte da Guerra – embora, mesmo no caso deste último, muitas pessoas também alegam que Sun Tzu não foi seu único autor. Com um pouco de criatividade, quase todas as estratégias podem ser aplicadas a praticamente qualquer situação, de guerrilhas expropriadoras à protestos de rua, de projetos auto-geridos à insurreições populares. Sendo assim, anarquistas também podem tirar proveito desse material.
Sugerimos que o texto seja debatido entre coletivos, grupos de afinidades, comitês ou grupos de trabalho. Lendo em grupo cada estratagema por vez e discutindo como e onde eles podem ser aplicados, que adaptações e mudanças podem ser adicionadas, a leitura pode contribuir para as lutas ou movimentos que o próprio grupo está envolvido. Obviamente, alguns pontos podem parecer inadequados para lutas anarquistas, por soarem autoritários, sexistas, nacionalistas ou mesmo obsoletos. Mas é aí que entra nossa criatividade de adaptar cada ponto sem descartar a ideia fundamental que há por trás dos 36 Estratagemas.
Nossos inimigos no topo das instituições que nos oprimem (ou qualquer outra posição autoritária) já não têm nenhuma misericórdia de nós e podemos contar que eles vão fazer o que for possível para nos deter em nossa tentativa de salvar nossas vidas e nosso mundo. No entanto, devemos considerar que nossa criatividade de adaptação não deve se limitar apenas à linguagem. Quando falamos de estratégias criadas com objetivos militares é tentador imaginar apenas formas de aplicá-las no combate com as forças policiais ou outros conflitos físicos. Na verdade, devemos buscar ocupar principalmente outros campos de batalha, uma vez que o poder revolucionário é muito mais social do que militar. E se consideramos nosso poder de influência no mundo de acordo com nosso poder bélico, já começamos uma guerra perdida.
Outra forma de engano é simplesmente imitar as estratégias e espelhar as estruturas de nossos inimigos, mesmo que em menor escala. Por vezes, parece que os revolucionárixs estão condenadxs a constituir-se sobre modelos idênticos àquilo que combatem. Dessa forma, como resumia em 1871 um membro da Primeira Internacional dos Trabalhadores, “se os patrões estão organizados mundialmente como classe em torno dos seus interesses, o proletariado deveria organizar-se mundialmente, enquanto classe operária e em torno dos seus interesses”.
Como explicava um membro do jovem Partido Bolchevique, o regime czarista estava organizado num aparelho político-militar disciplinado e hierárquico, o Partido deveria então, também ele, organizar-se como aparelho político-militar disciplinado e hierárquico. São infinitos exemplos históricos, todos igualmente trágicos, dessa maldição da simetria. Como o da FLN argelina, que esperava vencer tornando-se semelhante nos métodos ao ocupante colonial que enfrentava. Ou das Brigadas Vermelhas, que imaginavam que seria suficiente abater os cinquenta homens que, no seu entender, constituíam o “coração do Estado” para que conseguissem apoderar-se integralmente do aparelho. Nos dias de hoje, a expressão mais errônea desta tragédia da simetria sai das bocas trêmulas da nova esquerda: seria preciso opor a um império capitalista difuso, estruturado em rede, mas mesmo assim dotado de centros de comando, multidões também elas difusas, estruturadas em rede, mas mesmo assim dotadas de uma burocracia pronta para ocupar os centros de comando, assim que chegar seu dia.
Marcada por uma tal simetria, a revolta só pode fracassar – não só porque oferece um alvo fácil, uma cara reconhecível, mas sobretudo porque acaba por tomar os traços do seu adversário.
Boa leitura e nos vemos nas ruas – ou em qualquer campo de batalha que achar relevante!