GEZI PARK: 10 anos dos levantes de junho na Turquia

Quando as revoltas contra aumento das tarifas do transporte pelo Brasil tomaram escala nacional em  junho de 2013, em Istambul, um levante balançaria toda a Turquia, numa região ainda abalada pelos levantes da Primavera Árabe. As duas revoltas contra o custo e qualidade de vida em economias emergentes demonstravam solidariedade mútua: bandeiras e faixas em São Paulo em apoio ao levante turco, mensagens em Istambul solidarizavam com a revolta popular brasileira.

Uma década depois, Recep Tayyip Erdogan ainda está no poder na Turquia e acaba de vencer mais uma eleição cheia de polêmicas e suspeitas de fraude. Seu projeto de poder busca restaurar uma soberania turca na região, passando por cima da natureza, dos povos, especialmente os curdos. E para isso, se apoia em movimentos nacionalistas de bases fascistas e financia de forma oculta os jihadistas do Estado Islâmico, dispostos a eliminar o povo e a cultura curda e ameaçar a revolução social em Rojava.

No Brasil, o ciclo da década se fecha com o retorno do PT ao poder com a eleição de Lula em 2022, como única aposta eleitoral para barrar uma reeleição da extrema direita com Jair Bolsonaro.

No mês em que muito se fala e analisa sobre os levantes de junho de 2013 pelo Brasil, retomamos também esse movimento rebelde que tomou a Turquia na esteira de levantes internacionais como a Primavera Árabe e o Movimento Occupy.

Como vimos em 2020 e 2021 durante a pandemia da Covid-19, torcidas organizadas brasileiras romperam com o discurso pacificado do “fique em casa” adotado pela maior parte da esquerda enquanto a extrema-direita fazia carreatas e atos públicos para divulgar suas políticas de ódio e morte. Novamente, as torcidas ganharam atenção ao enfrentar nas estradas os bloqueios de bolsonaristas insatisfeitos com a derrota nas urnas. O potencial de mobilização e combatividade das torcidas organizadas de futebol é visível em muitos momentos de agitação social como nos últimos anos no Brasil, mas também no Chile em 2019 durante o “Estallido Social” contra preço das passagens e custo de vida. Nas revoltas da praça Taksin e Gezi Parque na Turquia de 2013 também temos exemplos emblemáticos dessa convergência.

Para relembrar essas lutas e nos inspirar para as próximas, revisitamos esse artigo lançado em 2014 na publicação Balaklava que analisa o levante turco e seus paralelos com a revolta no Brasil de 2013.

11 de junho de 2013, Praça Taksim.

“Por aqui para chegar à Comuna de Taksim”

Ao fim de maio de 2013, uma semana antes das Jornadas de Junho no Brasil, iniciou-se uma série de conflitos na Turquia que resultaram no maior levante popular da história do país. Só a época e a relevância histórica e política já são suficientes para induzir alguns paralelos entre os dois episódios, mesmo com tantas diferenças de contexto e proporções. Os confrontos na Turquia foram muito mais radicais e marcados por uma violência ainda maior em números. A população se ergueu contra um projeto de renovação urbana que contava com a demolição de um parque no centro de Istambul e o movimento se transformou rapidamente num levante contrário ao autoritarismo do presidente Erdogan. Tudo começou no Parque Gezi, vizinho à Praça Taksim, e logo se espalhou pela cidade e por todo o país.

Diferentemente dos poderosos protestos que vimos recentemente na Grécia em 2008, Espanha em 2011 ou nos Estados Unidos em 2012, o levante turco não foi gerado por uma crise de austeridade, com cortes de recursos sociais para salvar bancos e corporações como medida para estabilizar uma economia em constante crise. O levante turco foi, assim como no Brasil, um levante resultante do desenvolvimento e do crescimento econômico de um país emergente, porém muito particular. O primeiro-ministro Erdogan é conhecido por convergir um islamismo reacionário com um neoliberalismo desenvolvimentista bastante agressivo. Ao mesmo tempo que resgata tradições conservadoras, impõe um desenvolvimentismo econômico e infraestrutural. Privatizando e vendendo o que resta de recursos públicos enquanto o desemprego continua em alta, se empenhando em grandes empreendimentos, como uma ponte ligando dois continentes, a demolição e o replanejamento de várias partes das cidades para empreiteiras lucrarem com a construção civil e para que novos negócios se estabelecerem no local. Na capital Istambul um audacioso projeto de renovação e gentrificação previa desmatar parte do Parque Gezi e remodelar a Praça Taksin para abrigar shopping centers e ser uma “zona de pedestres”, dentre outros projetos para os ricos. No entanto, Erdogan parecia ignorar a relevância histórica e política do local para a população.

A Praça Taksin é um tradicional ponto de encontro de mobilizações sociais, protestos de Primeiro de Maio, e carrega um peso histórico de ter sido palco de diversas lutas sociais e massacres. Lá estudantes foram enforcados em 1977 como inimigos do Estado durante o regime militar por protestarem em um Primeiro de Maio. Em outras manifestações ao longo do mesmo ano, 34 pessoas foram baleadas e mortas por paramilitares. Exatos 30 anos depois, em 2007, a esquerda organizou um grande protesto em memória dos mortos de 1977, mas o governo tentou impedir o protesto e radicais resistiram com pedras e molotovs. Nos dois anos seguintes, mais protestos, confrontos e resistência do povo contra a polícia marcaram os dias dos trabalhadores e trabalhadoras.

Então, no dia 28 de maio de 2013, ativistas já se amarravam em árvores para impedir que fossem derrubadas e no dia 31 o levante explodiu, ecoando por todo o planeta. A primeira coisa a chamar atenção da imprensa por aqui foi que a polícia turca utilizava bombas e munições fabricadas no Brasil para reprimir a população numa série de operações que, ao fim do levante, resultaram em pelo menos 6 mil pessoas feridas – sendo 10 cegas – e mais de 10 mortes. Mesmo assim, muito foi noticiado sobre as experiências de vida comunal, resistência e autogestão que tomaram lugar na ocupação dessa área central de Istambul por 10 dias de intensa resistência.

Um dos projeteis de gás lacrimogêneo brasileiros utilizados pela polícia turca.

Entre o primeiro e o dia 10 de junho, todas as ruas e avenidas que levavam à Praça Taksim foram tomadas por barricadas para se defender da polícia. Em grandes avenidas era possível ver até 12 barricadas, muitas com mais de três metros de altura, usando materiais de construção, lixo, ônibus e veículos da mídia corporativa. Como em muitas outros levantes populares, as barricadas baniram a presença do Estado da área e abriram espaço para que novas e inimagináveis relações sociais pudessem surgir e tomar forma. Placas no caminho indicavam “Por aqui para chegar à Comuna de Taksim”.

A região era tradicionalmente muito frequentada por pessoas de todas as idades, mas conhecida por ser uma zona boêmia. Chamou atenção o fato da violência urbana ter caído significativamente com a tomada da praça pelas pessoas e a expulsão da polícia de toda a região. Sem o Estado, a população experimentava a solidariedade, cooperação e luta contra a repressão, deixando relações nocivas e competitivas de lado. Mulheres, que compunham ao menos metade (se não a maioria) das pessoas presentes, ressaltaram a queda de violência sexista, abusos e assédios. Muito disso devido a sua participação, juntamente pessoas LGBTQIA+ e tantas outras, inclusive intervindo sobre gritos de guerra e pichações sexistas e homofóbicas.

Um curioso caso envolveu as torcidas organizadas de futebol, grupos feministas e o movimento LGBTQIA+, que se destacaram pela presença política e combatividade nas ruas. As torcidas dos maiores times de Istambul, historicamente arqui rivais, se uniram na luta pela resistência pela Praça Taksim, sendo responsáveis por muito da energia nos confrontos contra a polícia. No entanto, foram também responsáveis por muitos gritos e grafites com mensagens sexistas e homofóbicas que conhecemos bem no Brasil. Feministas e queers combateram isso de uma forma transformadora para as pessoas ali, gritando de volta respostas antipatriarcais e pichando sobre os grafites com xingamentos machistas.

Como resultado das intervenções e debates antissexistas, algumas torcidas marcharam até a frente de um escritório de uma das maiores organizações LGBTQIA+ que, assim como muitos movimentos e organizações de esquerda, ficava em um prédio próximo ao Parque Gezi. Ao chegarem, disseram que reavaliaram suas posturas e as mensagens sexistas e homofóbicas que vinham passando, tendo absorvido isso da sociedade e reproduzindo-as sem questionar seu conteúdo. Disseram que iriam tomar posturas diferentes contra isso e, para selar seu pedido de desculpas, deram de presente à organização um escudo da tropa de choque da polícia.

Esse episódio resume muito bem o contexto de convergência entre tantas pessoas, grupos, organizações e comunidades de diferentes trajetórias que nunca se imaginaram lado a lado numa barricada e que se uniam ali, fazendo de suas causas uma luta comum. Para defender esse espaço, era preciso estarem em contato e em constante questionamento e revisão de suas próprias atitudes. Até mesmo conflitos étnicos foram deixados de lado quando as pessoas se uniram contra o partido e Erdogan e sua polícia. Nos prédios ao redor da praça tomada era possível ver bandeiras da Turquia juntas de bandeiras do PKK, o Partido dos Trabalhadores Curdos, envolvida na luta revolucionária em Rojava, fronteira entre a Síria e Turquia. Alguns disseram ser esse o verdadeiro processo de paz entre povos turcos e o povo Curdo, que por século resiste ao racismo, à  xenofobia e têm sua cultura criminalizada e perseguida em todos os países da região.

O clima marcante dentro da comuna de Taksim era o bom humor, o otimismo e a positividade. Até mesmo as barricadas eram pichadas com frases engraçadas e piadas com figuras políticas ou até teóricos anarquistas. Manifestantes estavam sempre criando sátiras e memes a serem compartilhados na internet. O bom humor ajudava a manter a união e aliviar a tensão e afastar o medo da violência policial.

O espírito anticapitalista e antiautoritário era visível na cooperação envolvida em cada construção. Materiais corriam de mão em mão, por jovens, mulheres, homens, idosas. Muitas barricadas foram construídas assim. Ao seu lado, havia sempre uma tenda com água, pedras e até abrigo para vigilantes descansarem.

Um dos cordões em que pessoas passavam pedras para construção de barricadas.

Cooperações inusitadas apareciam, unindo pessoas de classes e papéis muito diferentes. Camelôs e ambulantes que trabalhavam na região passaram a adaptar seus negócios e muitos passaram a vender máscaras de gás. Em um momento, comerciantes e estabelecimentos não simpáticos à ocupação tinham de cooperar ou sofrer as consequências. O dono de uma loja de kebab, postou no Facebook sua indignação com os “cães que tomaram conta da região”. Minutos após seu post a loja foi reduzida a destroços. Até mesmo a Starbucks acabou dizendo à imprensa que apoiava a resistência e alegou que sempre iria dar suporte ao movimento. Logo depois foi atacada por não cumprir o que foi dito.

Curiosamente, muito apoio foi de fato dado por membros da burguesia, principalmente em infraestrutura. Empresários forneceram materiais para enfermarias improvisadas, uma empresa de telefonia levou veículos que funcionavam como antenas para receber e transmitir o sinal necessário para comunicação via e-mail, tweets e mensagens de celular. Em suas vans era possível ver escrito “estamos aqui para contribuir para sua comunicação” – talvez uma forma de evitar que fossem incendiadas. O motivo por trás desse apoio, no entanto, é compreensível se considerarmos que muitos liberais e progressistas nas elites viam no tradicionalismo islâmico de Erdogan uma ameaça a suas liberdades modernas. E viram no levante de Gezi uma oportunidade. Esse fato revelou uma certa falha das mobilizações em Gezi quanto a firmar uma força anticapitalista, mesmo com muitos grupos anticapitalistas envolvidos.

Sem líderes

O movimento na Turquia também foi um movimento sem lideranças personalizadas, sem movimentos sociais e organizações partidárias tradicionais à frente. Os poderosos se viam frustrados em não conseguir encontrar líderes ou representantes com quem negociar e sabotar o movimento. Essa ausência de lideranças desenvolveu uma estrutura de decisão coletiva que foi talvez sua principal força. Os objetivos extrapolaram a preservação do parque e denunciaram uma crise de representação. A organização da comuna era totalmente autônoma. Pequenos grupos de afinidade armaram as primeiras tendas para se fixar e logo depois a região foi tomada por tendas e barracas de quase todos os grupos de esquerda, sociais e ativistas da cidade. Tudo funcionava com base no apoio mútuo e pessoas que nunca imaginaram um mundo sem polícia se surpreendiam com o clima harmonioso nesse território livre das garras do Estado. Assim como em muitos acampamentos do movimento Occupy, lojas grátis, bibliotecas, espaços para oficinas, enfermarias, várias cozinhas, espaços multimídia para produzir e transmitir conteúdo e muito eventos culturas preenchiam e enriqueciam o espaço.

As assembleias gerais eram descentralizadas e funcionavam como uma continuação das reuniões e demandas dos grupos de afinidades menores. No palco central havia um microfone aberto onde as pessoas podiam subir para falar do que quisessem. O caráter de ocupar uma parte da cidade e torná-la aberta a quem quer que seja para se juntar e construir em conjunto novas relações com as pessoas e o espaço foi fundamental para dissociar a ação política e o “protagonismo” de uma identidade engessada, como “trabalhadores” ou “estudantes” – categorias e identidades simplesmente inacessíveis para crescente parcela da população no capitalismo – e abrir espaço para ação e a livre associação rebelde independentes do seu papel na máquina.

Como sempre, o partido do governo tentava fragmentar a união da comuna espalhando mensagens distorcidas para criar uma divisão entre os chamados “provocadores” (isto é, aqueles que revidam quando a polícia ataca) ou os grupos “marginais” (esquerdistas e radicais). O já conhecido esforço para criar uma minoria deslegitimada a ser reprimida, para então, suprimir todo o movimento. No entanto foi difícil para Erdogan manter seu esforço de polarizar a sociedade e voltar a opinião pública contra a resistência do Parque Gezi. Toda vizinhança dos bairros centrais viam pessoalmente a truculenta e desproporcional ação da polícia ao mesmo tempo que a internet era inundada de imagens e relatos da repressão que manchava a imagem do governo de Erdogan.

A falta de aceitação do movimento em apontar representantes e porta-vozes para a armadilha disfarçada de negociação com o governo foi seguida por uma ofensiva ainda mais violenta do Estado para retomar o Parque. Depois de quase tomar a praça num violento ataque no dia 11 de junho, o Estado atacou a praça novamente quando ninguém esperava. Durante um festival que contava com a presença de muitas crianças e idosos a polícia entrou destruindo tudo e atacando a todos. A cidade explodiu em raiva mais uma vez, vizinhos se juntaram à resistência e abrigavam pessoas em suas casa, xingando os policias das janelas dos prédios.

Um movimento tão novo e com pouca experiência em atuação nas ruas, repleto de jovens que se mobilizavam pela primeira vez teve dificuldades de lidar com suas multidões sob os ataques da polícia. Cada noite era uma grande tensão, pessoas usavam capacetes, máscaras, e escreviam o tipo sanguíneo na roupa. Sua determinação era incrível. Mas o mais importante é que toda uma geração pode se encontrar e começar a sonhar juntas o que podem alcançar juntas.

Veículos da mídia encontraram novos usos durante a ocupação da Praça Taksin.

Novas relações

Em cada horta ou tenda médica; cada debate sobre sexismo e homofobia; ou na construção de cada palco ou barricada as pessoas estavam vivendo relações totalmente diferente das do cotidiano comum em qualquer cidade moderna. E essas relações emergiam em cada ação como uma forma de resistência a um poder hegemônico econômico e político. Esse é o espírito fundamental da comuna como máquina de guerra. Fazer de cada gesto uma forma de cuidar de si e das outras pessoas frente a um poder que tenta eliminar qualquer sombra de desobediência. Não buscar na estrutura uma forma de se incluir, mas sim uma forma de destruir toda a estrutura. Isso é uma batalha que tem como palco cada indivíduo e seus semelhantes. Escalando até o conflito político ou físico entre as comunas e os agentes do Império pelos territórios que queremos proteger.

Tão inesperado quanto, o levante no Brasil também foi marcado por violência policial e o uso indiscriminado dessas armas ditas “não-letais” que matam e mutilam. Demonstrações de solidariedade e apoio entre os povos de ambos os países circulavam pela internet. É difícil pontuar exatamente como e em que medida um levante influenciou o outro, mas podemos traçar alguns paralelos mais óbvios, inclusive com movimentos anteriores.

A resistência no Parque Gezi e na Praça Taksim empregaram amplamente formas de organização e estruturas semelhantes ao do movimento Occupy nos EUA e de ocupações de praças na Europa, ou Ocupa Sampa de 2012. As formas de divulgação e organização política são frequentemente comparadas às da primavera árabe de 2011. A inegável influência imediata do levante turco sobre as lutas de junho no Brasil foram visíveis tanto com manifestantes compartilhando maneiras de neutralizar bombas de gás made in Brazil quanto nas frases e gritos de guerra adaptados que lá diziam não se tratar de “apenas por algumas árvores” mas sim uma revolta contra um governo autoritário e o próprio sistema democrático, aqui transformado na balela do “não são só 20 centavos”. O problema está na forma como isso foi importado para o Brasil, atendendo à pautas direitistas e da embriagada classe média branca. Isso levou às mobilizações o risco de perder totalmente o foco da luta contra o aumento da passagem para pautas genéricas anticorrupção, contra o PT e outras tradicionais causas inofensivas e úteis para a elite.

Na Turquia a ampliação do discurso que motivava os confrontos ampliava a luta contra um governo autoritário, contra a democracia representativa, contra as forças policiais em si, contra o projeto urbanístico e juntava as pessoas para ações em favor de ocupar a cidade e torná-la um espaço gerido pelo e para o povo; enquanto isso, no Brasil, radicais, anarquistas e autonomistas não conseguiram ampliar a crítica ou difundir de forma mais ampla uma radicalidade além do discurso do “acesso à cidade” e correram o risco de ver a luta se tornar um caldeirão de causas inviáveis a curto prazo para a classe média brincar de ativismo no Instagram e a direita espreitasse o momento para inserir suas pautas. A radicalidade ficou por conta da ação meio desorientada de Black Blocs, durante e depois de junho. Enquanto o MPL lutou para manter a pauta da luta contra o aumento diante das explosão de temas genéricos e sem avanços possíveis no curto prazo. O que estrategicamente foi interessante para barrar imediatamente o aumento, beneficiando os bolsos de todos nós e abrir espaços para as multidões mostrarem que podem atingir seus objetivos se aceitarem assumir alguns riscos.

Da Turquia ao Brasil, da Grécia ao Chile, de Chiapas a Rojava, o trabalho, a moradia, o espetáculo e a miséria de nossas vidas serão as mesmas sob o Capitalismo. Cabe a todas as pessoas que querem organizar a revolta que destrua essa forma de vida intercambiar as lições de luta e os riscos que envolvem tomar as ruas quando novos atores chegam todos ao mesmo tempo disputando pautas e a dianteira dos chamados. Do contrário, corremos riscos semelhantes aos de camaradas anarquistas na Ucrânia que viram as ruas sendo tomadas por grupos conservadores e fascistas, enfrentando o Estado e seu aparato com as mesmas ferramentas que grupos libertários e radicais empregam em suas lutas, visando objetivos que desde o início já eram muito duvidosos. Ou, como vimos após os atos da extrema-direita de 2015 no Brasil, ferramentas desenvolvidas para lutas radicais podem facilmente ser apropriadas por reacionários.

Chamados serão feitos. Cabe principalmente a quem responder fazê-lo com o poder e as intenções necessárias para ampliar a revolta para caber nela tudo o realmente importa.


Mais sobre o tema:

Lançamento: Revista Tormenta #3 – 2023: “Quem Tem Medo de Junho de 2013?”

[Baixar PDF Tormenta 2023]
Nossa revista Tormenta retorna para uma terceira edição especial em 2023, com destaque para os 10 anos dos levantes de 2013 pelo Brasil, incluindo os artigos “Por que 2013 agora?” e o “Junho (rastejante) em Belo Horizonte” e uma reedição do nosso artigo sobre os também 10 anos da revolta pelo Parque Gezi e Praça Taksin na Turquia. Além disso, análises sobre o fascismo e as eleições brasileiras de 2022, relatos e entrevistas dos levantes no Peru, na França e dos bloqueios de estradas em São Paulo na luta indígena contra o PL 490.

Baixe o PDF, difunda, imprima, debata na sua comunidade, seus coletivos, movimentos e cumplicidades.

Conteúdo:
  • Por que 2013 agora?
  • Esquerda eleitoral, ações diretas fascistas e resistência antifascista as eleições brasileiras de 2022
  • Isto não é uma insurreição popular
  • A revolta popular no Peru: anarquistas discutem o levante contra a violência policial e o estado de emergência
  • “O governo quer roubar anos de nossas vidas”: as lutas contra a reforma da previdência na França
  • Gezi Park: 10 anos dos levantes na Turquia
  • O junho (rastejante) em Belo Horizonte
  • Das barricadas: relato dos bloqueios contra a PL 490

APRESENTAÇÃO

Neste mês, completam-se 10 anos dos levantes de junho de 2013 no Brasil. Uma onda que começou em Porto Alegre no início do ano com protestos contra o aumento do preço das passagens de ônibus e metrô, se espalhou pelo país em uma revolta popular em escala nacional após os atos em São Paulo contra o aumento da passagem. Uma década depois, as lutas radicais contra os custos e miséria da vida no capitalismo é apresentada pelos partidos de esquerda, a mídia e supostos intelectuais como “a origem da nova extrema-direita” que chegou ao poder em 2018 com Jair Bolsonaro. É lamentável que etejamos aqui hoje tentando contar a história como ela foi, disputando o discurso com negacionismo puro, em vez de estarmos celebrando os protestos com mais atos radicalizados, como fazem no Chile as multidões indo para as ruas todo Primeiro de Maio, todo Día del Joven Combatiente ou todo aniversário do golpe de 1973, mantendo a memória de luta com mais luta.

O Partido dos Trabalhadores nos presenteia com mais uma inovação: pela primeira vez, a esquerda institucional não tenta cooptar e reivindicar uma revolta popular, mas sim associar o protesto de rua e a mobilização autônoma ao fascismo, numa tentativa desonesta de culpar o oprimido pela reação dos opressores. A finalidade dessa tese é simplesmente favorecer uma cultura política que condena a auto-organização e a rebelião, justificando a repressão e a criminalização dos que não se submetem aos ritos democráticos e jurídicos, especialmente movimentos autônomos e anticapitalistas de base.

Uma década depois de lançarmos os primeiros textos desse coletivo editorial, aqui estamos mais uma vez para refletir sobre junho de 2013. Naqueles dias ainda enfumaçados, começamos a escrever e difundir uma análise anárquica e insurrecional diretamente das barricadas, compartilhando e trocando experiências e reflexões com outros indivíduos e grupos organizados em movimentos de luta contra a tarifa, ocupações, coletivos editoriais, tentando entender o solo instável em que pisávamos e nos preparar para os anos turbulentos que viriam. Sabíamos muito bem que era preciso lutar com a mesma – ou maior – força contra o capitalismo quando ele é gerido por um partido de esquerda. Pois as políticas e leis repressivas que eles nos fazem aceitar enquanto estão no poder como algo normal do exercício de gestão, servem apenas para serem aplicadas com ainda maior peso e violência quando a direita volta ao poder.

Estivemos nas ruas lutando e registrando nossas experiências, seja nas lutas contra o aumento da tarifa em 2013, contra os megaeventos como a Copa e as Olimpíadas em 2014, saímos em apoio às ocupações de escolas em 2015, que começaram em reação às reformas neoliberais do então governador tucano Geraldo Alckimin e reprimidas pelo jurista linha-dura Alexandre de Moraes. O primeiro, recém-filiado ao Partido Socialista Brasileiro é transformado em vice-presidente na atual gestão petista e o outro, é nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal. proclamado “herói da democracia” e seu maior defensor. Estivemos também nas lutas contra a austeridade aprofundada pela gestão Temer, nas lutas por moradia e pela terra, por demarcações, contra a eleição de Bolsonaro e, novamente contra a esquerda acovardada, quebrando o pacto do “fique em casa” junto às torcidas e coletivos antifas enquanto fascistas organizavam carreatas e motociatas na pandemia mais letal do século.

Não imaginamos o quão turbulento seria aquele período logo depois percebermos que não saberíamos o que fazer com nossa primeira grande vitória em escala nacional naquele junho de 2013. Dez anos se passaram, e aquele mês vitorioso foi ofuscado por uma década de derrotas. Agora, os que venceram querem enterrar e caluniar nossas lutas, nossas histórias – e nossos mortos.

A ideia de que as jornadas de junho foram a “antessala do golpe” ou o que abriu as portas para a vitória de Bolsonaro não se sustenta nos dados da realidade. O ano de 2013 foi o ano com o maior número de greves desde os anos 1980. Mais de 2 mil greves mobilizaram cerca de 2 milhões de trabalhadoras e trabalhadores, segundo o DIEESE. Logo após junho, mais de 30 Câmaras Municipais foram ocupadas, como em Belo Horizonte [veja o aritgo Junho (rastejante) em Belo Horizonte], ainda no desdobramento das lutas contra o aumento da tarifa dos transportes públicos. A esquerda e os movimentos permanceram ativos e presentes nas ruas. O antipetismo, que não começou em 2013, não se traduziu nas urnas e não foi capaz de nem mesmo barrar uma nova vitória de Dilma nas urnas. Reeleita em 2014, a petista enfrentou os primeiros grandes atos contestando o resultado das urnas eletrônicas organizados pelo opositor Aécio Neves, do PSDB. Ainda assim, foi por vontade própria que Dilma escolheu abandonar a irreal promessa de dar uma “guinada à esquerda” e aplicar políticas de austeridade e cortes sociais mais alinhadas com a do candidato derrotado da direita.

Quem trouxe as serpentes para dentro de casa foram os próprios governos petistas. Além da vice-presidência ser sempre de um membro do PMDB (José de Alencar e Michel Temer), o PT nomeou quadros do PMDB, do PP e políticos fisiológicos centrão para sua base governista e para altos cargos em estatais como a Petrobras. Quando os protestos massivos abalam o sistema e a opinião pública, a direita vem sequestrar pautas e emplacar o chavão de que a “revolta é contra a corrupção”, Dilma topa comprar essa pauta como estratégia de marketing para se blindar perante a opinião pública. Porém, esquece que governantes que não blindam enquanto classe, corporativista e corrupta por definição, são traidores para aqueles que sabem jogar o jogo. Dilma acreditou que poderia se beneficiar dos resultados da operação Lava Jato como se fosse possível alegar que todos são corruptos, menos o seu governo. Quando o lavajatismo avança e empresários e políticos são presos, diretores são demitidos das Estatais, sem a proteção costumeira, essa mesma classe política decide inverter a chave, e se aliam pra dizer que “todos são limpos, menos o PT” e quebrar o pacto até então bem-sucedido.Mas como PT e autocrítica são palavras rivais, é muito mais fácil criticar quem luta para mudar a realidade de fora do sistema político, do que fazer a crítica de suas próprias práticas, ou as dos grupos reacionários – as verdadeiras serpentes – com os quais se aliaram e pelos quais foram mordidos. O movimentos sociais que se recusam a ser governados, esses sim devem ser esmagados, presos, expurgados e apagados dos livros.

Se direita se reorganizou após os levantes de 2013, cooptando e emulando formas autônomas de organização, estéticas e linguagens, não vemos aí nenhuma novidade, do ponto de vista histórico, uma vez que tanto a Primavera dos Povos de 1848, a Comuna de Paris em 1871, a tentativa de Revolução Alemã em 1919, ou mesmo as lutas campesinas nos anos 1960 no Brasil foram seguidas de reações e golpes da classe dominante e conservadora. O fascismo se alimenta da energia de revoluções fracassadas, mas nem por isso o antídoto seria não lutar – pelo contrário, seria lutar mais e melhor! Cabe a nós, radicais, nos reagruparmos para contra-atacar.

Mesmo acumulando tração e conquistando vitórias na última década, a extrema direita brasileira se mostra tão incompetente quanto a estadunidense em governar, e sua “anti-gestão” ainda parece incapaz de entregar a estabilidade que o Capital tanto precisa. Lula retorna prometendo reverter o estrago feito pelo bolsonarismo e entregar a pacificação tão necessária para os negócios. Em menos de seis meses, a nova gestão teve que se aliar e ceder espaços aos mesmos parlamentares de aluguel do centrão e da base bolsonarista. As derrotas no Parlamento para aplicar o Marco Temporal, e que tiram poder do recém-criado Ministério dos Povos Indígenas já indicam que a classe política não vai ajudar Lula a cumprir suas promessas de inclusão feitas às minorias representadas pelos indivíduos que subiram com ele a rampa do palácio no ritual de posse. Ou seja, a nova frente ampla petista já demonstra mais uma vez a antiga tese de que qualquer aliança da esquerda com a direita tente sempre para o conservadorismo.

O primeiro dia de governo é celebrado com um pretensioso “Festival do Futuro”, ironicamente organizado para celebrar uma esquerda que só é capaz de prometer um passado, como um filme de ação em que o protagonista tenta reinterpretar, já na terceira idade, seu sucesso da juventude – sem dublês! O fracasso em amenizar os efeitos da vida no capitalismo agonizante é inveitavel para qualquer governo e apenas uma questão de tempo para Lula – e fascistas estarão mais preparados e armados que da última vez.

Portanto, não há como celebrar como vitória o retorno do partido que nos enfiou goela abaixo aumento vertiginoso do encarceramento, os megaeventos e seus desalojos, Belo Monte e a destruição do meio ambiente e dos povos originários, que enviou as tropas da Força de Segurança Nacional atirar e nos prender, que sancionou uma Lei Antiterrorismo contra os movimentos sociais, e agora nos faz engolir uma aliança com Alckmin, Lira e os demais. Uma vitória por menos de 2% nas urnas é muito mais uma sorte, uma frágil condição favorável, do que uma tranquilidade. O bolsonarismo colocou em movimento paixões fascistas capazes de mobilizar o ódio e a reação nas ruas, nas escolas, nas estradas, no campo, nas instituições e em todo espaço de convívio. E somente o enfrentamento feito por fora da via institucional poderá fazer frente e barrar esse avanço.

Será preciso lutar como em 2013 de novo e de novo, quantas vezes for necessário. Não ajustaremos o nosso tom. Agora, quando o pacto de classes petista se refaz de maneira ainda mais reacionário do que da primeira vez, como uma pausa para respirar enquanto a burguesia, os militares, as milícias e as tradicionais castas políticas não retomam o controle total da máquina, e o maior partido de esquerda do país quer usar o fantasma fascismo para chantagear movimentos sociais e o protesto de rua, reafirmamos nossa postura sem acordo e sem recuo na guerra contra gestores da vida e da morte, sejam da esquerda ou da direita.

Elejam quem quiser. Somos ingovernáveis!

Facção Fictícia,
Outono de 2023.


Leia também:

TORMENTA #2, – 2021

TORMENTA #1, – 2020

Mais sobre o tema:

O Junho (rastejante) em Belo Horizonte

 

(esse texto é dedicado a Douglas Henrique e Luiz Felipe, mortos pelo Estado em Junho de 2013)

Contra a criminalização, desinformação e apagamento sobre o acontecimento de 2013, mas também  buscando ir além das efemérides acríticas, esse texto tenta dar um pequeno panorama ciente da sua parcialidade sobre o evento de Junho e seus desdobramentos na cidade de Belo Horizonte.  É importante frisar que Junho tem características muito diversas, cada cidade e região do país vivendo a experiência insurrecional de maneira diferente. Talvez seja uma obviedade, mas a totalidade das análises demonstram quase sempre uma ênfase no Junho paulistano com algumas menções ao Rio de Janeiro. Enquanto em São Paulo a questão do aumento da passagem fez a luta estourar e reverberar por todo país, em BH a revolta foi canalizada para as questões relativas à Copa da FIFA. Esse mote apareceu também em cidades como Fortaleza e Rio de Janeiro. Mesmo dentro de Belo Horizonte há diferenças substanciais entre os chamados “grandes atos” e os protestos que ocorreram nas periferias e nas BR’s, onde autonomamente as pessoas fecharam as vias por um senso de indignação frente às precariedades cotidianas. Ainda há muito a ser descoberto sobre esses protestos invisíveis. Diferente da história senso comum que vem sendo contada, em BH as esquerdas mantiveram-se unidas e não saíram das ruas – com todos os problemas e ganhos – e a cidade não foi tomada pela direita. Esse relato sobre as manifestações na cidade pretende ser um registro feito por aqueles que estiveram imersos nesse processo, tentando fazer jus a  suas contradições.

Quando o Junho de 2013 explodiu em São Paulo com as manifestações do Movimento Passe Livre contra o aumento da passagem, o campo libertário de Belo Horizonte encontrava-se disperso. Nos anos anteriores, várias experiências libertárias subterrâneas foram colocadas em prática, com destaque para a Praia da Estação, um evento convocado anonimamente por autonomistas em 2010 que encontrou grande eco e força em BH, trazendo questões importantes sobre a ocupação da cidade, além de um forma organizativa horizontal e de caráter festivo que acabou atraindo vários setores da esquerda, organizados ou não. Ainda que a sensação verdadeira de que o campo autonomista e anarquista na cidade encontravam-se desarticulados,  grupos como o MAL (Movimento Anarquista Libertário) e o Espaço Ystilingue estavam atuantes. Ainda assim, quando estouram os protestos em SP, fomos todos pegos de surpresa!

A cidade passava também por uma onda de ocupações urbanas como a Ocupação Eliana Silva e Dandara, trazendo questões fundamentais sobre a cidade, a moradia e a vida comunitária. Além disso, em 2011 a formação do COPAC – Comitê dos Atingidos Pela Copa em Belo Horizonte (ligada a organização nacional, a ANCOP – Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa), tinha como objetivo debater, promover e defender os direitos daqueles atingidos diretamente pelos megaeventos da FIFA e também funcionou como um espaço articulador e convergente das diversas esquerdas de Belo Horizonte. 

No dia 15 de Junho de 2013, o COPAC convoca uma manifestação na Savassi, região nobre de Belo Horizonte, durante o primeiro jogo da Copa das Confederações organizada pela FIFA e realizada no Brasil. A manifestação começa com uma Copelada (como era chamada o futebol de rua do Comitê) e depois sai pelas ruas de Belo Horizonte, levando milhares de pessoas até a Fan Fest da Fifa na Praça da Estação – local que foi fechado para receber aqueles que queriam assistir aos jogos em um grande telão. Durante o trajeto, de maneira desorganizada, as pessoas começaram a se encontrar e a se reconhecerem. Houve pequenos embates em relação ao trajeto, formas de condução do protesto. A presença de partidos querendo “conduzir” a manifestação aguda nesse momento. No entanto, a sensação é de que até ali nunca havíamos tido um protesto com tantas pessoas e isso animou a convocação de uma nova manifestação para o próximo jogo que seria realizado no Mineirão.

A maneira dispersa como o movimento autônomo e libertário estava na manifestação, assim como sua  crescente criminalização acontecendo por todo o país, preocupou diversas pessoas ali presentes. A sensação era de que uma maior proximidade e organização favoreceria a radicalidade dentro do ato.  Na TV a opinião pública deslegitimava os protestos, principalmente aqueles que faziam uso da ação direta. Diversos partidos de esquerda também faziam a distinção entre “manifestantes” e “vândalos” ecoada tanto na mídia impressa quanto televisiva. Para pensar e conversar sobre essas questões, no dia 16 de junho houve uma reunião de anarquistas e autonomistas onde decidimos criar um bloco para ir às próximas manifestações. Neste encontro também surgiu a ideia de criarmos uma assembleia que pudesse convocar e reunir organizações e indivíduos para debater expectativas, rumos, convergências e ações possíveis. Ficou decidido que iríamos propor essa assembleia na reunião do COPAC que aconteceria no dia seguinte.

A reunião do COPAC foi realizada no dia 17 de junho em um espaço sindical. Foi constituída basicamente pelos partidos de esquerda (PSOL, PSTU, PCR, Brigadas Populares, etc), alguns sindicatos, professores universitários e outros movimentos. Ali afirmamos a necessidade de não se criminalizar as pessoas que fizessem uso de ação direta nas manifestações,  algo que sabíamos que estava acontecendo em São Paulo e também em Fortaleza, onde manifestantes eram entregues à polícia por pessoas de “esquerda”. A proposta foi entendida e acatada, todos concordaram. Além disso, falamos da ideia de uma assembleia que fosse aberta e horizontal. De início a ideia foi questionada,  para algumas pessoas dali não era desejável um espaço de organização tão aberto e chegaram mesmo a propor marcar a assembleia para ali mesmo no sindicato. Entretanto, acabaram concordando, de maneira um pouco condescendente, com a proposta da assembleia ser uma chamada geral, irrestrita e em um espaço aberto. Assim foi publicado o primeiro chamado da Assembleia Popular Horizontal(APH) a partir dos meios de comunicação do COPAC.

Nessa mesma tarde, por volta das 13 horas, ocorreu o primeiro grande protesto, partindo da Praça Sete, centro da capital mineira, em direção ao Mineirão, na zona norte da cidade. A estimativa da polícia era de 30 mil pessoas presentes no ato, havia muitos anos que não se via um protesto daquele tamanho na cidade. Ali mesmo foi feita uma votação e por maioria esmagadora a decisão foi a de ir até o estádio do Mineirão, onde aconteceria o jogo Taiti x Nigéria pela Copa das Confederações. Estavam lá diversas organizações e coletivos. Uma imensa maioria de manifestantes  carregavam cartazes criticando a Copa e divulgando diversas lutas, desde as relacionadas ao transporte público, passando pela educação, moradia e saúde. No trajeto de cerca de 11 km da Praça 7 ao Mineirão, a PM tentou inicialmente barrar o ato  na metade do caminho, em um local ainda distante do perímetro “estabelecido” pela FIFA como espaço de segurança, prevista na Lei Geral da Copa nº 12.663, de 5 de Junho de  2012. Esta legislação proibia não só o comércio informal e popular ao redor dos Estádios, mas também o livre acesso da população para atender as demandas de uma organização capitalista internacional. Esse espaço de exceção foi continuamente questionado e atacado pelos manifestantes por todo Junho de 2013 em BH.

Quando a manifestação encontrou a primeira barreira realizada pela PM na Avenida Antônio Carlos, depois de algumas tentativas de negociação e tensionamento, a Polícia liberou a marcha até o acesso da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG), onde uma nova barreira com centenas de policiais já estava montada. Sem nenhum aviso, os policiais começaram a disparar bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e balas de borracha contra os manifestantes. Um helicóptero voando bem baixo também atirou bombas nas pessoas ali presentes. Ainda assim a disposição das pessoas para o enfrentamento permaneceu, enormes fogueiras e barricadas foram montadas e a polícia foi obrigada a recuar. O ímpeto das pessoas de avançar até o Mineirão era tamanho que os confrontos se estenderam até a noite. A PM feriu diversas pessoas e deteve várias outras. No caminho de volta dos manifestantes para o centro da cidade bancos e lojas foram destruídos.

Até então a cidade nunca havia visto um protesto desse tipo e nós libertários também não! Para além de todos os clichês envolvidos e todas as idealizações sobre a revolta, era evidente que algo estava acontecendo. Nunca havíamos presenciado uma disposição tão forte ao enfrentamento com a PM e a “fazer o certo”,como nos ensinou tão bem Alisson de apenas 15 anos em São Paulo.

 

No dia 18 de junho, debaixo do Viaduto Santa Tereza, um local importante para a cultura em BH, onde eram realizados o evento libertário Domingo Nove e Meia e o Duelo de MCs, aconteceu a primeira Assembleia Popular Horizontal. O espaço estava lotado, mais de mil pessoas, um método e uma forma  de conduzir esse encontro foram buscados de forma muito intuitiva. O microfone era aberto e as pessoas falavam livremente sobre a situação política de BH, sobre o protesto do dia passado, sobre os protestos que aconteciam em todo país, sobre os desmandos da FIFA, questões relacionadas à cidade, ao transporte, saúde e educação. Segundo a relatoria feita, mais de 100 falaram essa noite e a impressão era de que havia uma convergência entre as organizações, partidos, coletivos e indivíduos sob essa forma horizontalizada e autônoma. Como bem explica a wiki da APH (que funcionava como um modo gestão compartilhada, aberta e transparente), esse primeiro encontro marca “o início de um trabalho coletivo-colaborativo, horizontal e suprapartidário que busca sistematizar as pautas do movimento e divulgá-las de maneira clara, bem como propor e realizar atos organizados na cidade visando uma resposta efetiva para as demandas levantadas“. Havia nessa primeira sessão um desejo de participar, de falar livremente e ser ouvido, ao mesmo tempo que uma recusa das formas engessadas da política partidária, onde as lideranças falam e logo após a burocracia da votação impera. As falas eram tão abertas e surpreendentes que um dos participantes alegando ser um “embaixador intergaláctico” propôs em assembleia a “telepatia universal” (algo que foi prontamente acatado por todos). Toda essa estranha conjunção de perspectivas, organizações, ideologias fizeram com que saíssemos de lá animados e com encaminhamentos concretos, como uma agenda de ações, apontamentos temáticos sobre as questões políticas da cidade e também no cenário nacional, definições sobre os meios de comunicação da APH, a construção de um grupo de saúde e jurídico para apoio imediato aos próximos protestos. 

Pela TV e internet acompanhávamos e recebíamos relatos sobre os protestos de outras cidades, víamos as manifestações crescendo exponencialmente assim como a repressão violenta e a criminalização feita pelo Estado, inclusive referendado pela mídia. Em Belo Horizonte vários protestos eram chamados pelas redes sociais de maneira difusa, ninguém poderia saber muito bem quem convocava e nem de que maneira seria, mas mesmo assim muitos de nós íamos para ver e participar. 

Ainda no dia 18 de Junho havia sido chamado um novo ato em BH sem que se saiba quem o convocou. O fato do ato não ser chamado pelo COPAC e pela APH, fez com que diversos setores da esquerda estivessem desconfiados, mas a proximidade entre o Viaduto Santa Tereza e a Praça 7 fez com que diversas pessoas saindo da Assembleia se juntassem à manifestação. Faixas anti-corrupção eram vistas, as pessoas cantavam o hino nacional e uma parte da esquerda decidiu ir embora. Mais tarde um grupo apedrejou a Prefeitura. Outro grupo criou pequenas barricadas de lixo e fogo na Avenida Afonso Pena, algumas pessoas tentaram quebrar um ônibus e bater no motorista. Anarquistas próximos discutiram com esse pequeno grupo dizendo que os verdadeiros inimigos eram os bancos. As pessoas ficaram muito animadas com a proposição e foram em direção a um dos bancos e o quebraram. Caminharam mais um quarteirão e na Praça 7 quebraram e pilharam todos os bancos próximos. A polícia, de bem longe, apenas observou e nada fez, reforçando ainda mais a estranheza do dia. Alguns disseram precipitadamente que era uma ação orquestrada pela direita, outros acreditam que o Governador Antonio Anastasia deu ordens expressas para que a PM não agisse e permitisse tais ações com o intuito de conseguir vantagens políticas. Importante lembrar também que o Tribunal de Justiça movido pelo Estado de Minas Gerais havia proibido o Sindicato Único dos Trabalhadores da Educação de realizar protestos durante a Copa, o Sind-UTE recorre e o Supremo Tribunal Federal acaba derrubando a decisão. O fato é que a longa hora sem que a polícia fosse vista durante o quebra-quebra levava a crer que a intenção dessa ausência era criar fatos enquanto alimentava a opinião pública contra as manifestações… o que de nenhuma maneira reduziu a alegria genuína de diversos jovens quebrando o banco da Praça Sete.

Soubemos depois que o Relógio da Copa na Praça da Liberdade também havia sido quebrado – o Relógio se tornou um símbolo central nos protestos de 7 de setembro do mesmo ano e na manifestação da abertura da Copa da FIFA em 2014.

No dia 20 de junho ocorreu outro ato que ninguém sabia de verdade quem havia convocado, mas na primeira sessão da APH havíamos tirado esse dia como um ato importante nacionalmente. De fato, nesse dia aconteceram manifestações em mais de 300 cidades, sendo que no Rio de Janeiro uma multidão estimada em 1,2 milhão de pessoas saiu às ruas. O ato novamente foi estranho e errático. Ainda que uma minoria das pessoas continuavam cantando o hino nacional, com discursos anti-corrupção, cartazes contra PEC 37 e camisas da Seleção. Andávamos sem objetivos claro, fomos em direção a Praça da Liberdade, passamos pela Área Hospitalar em completo silêncio e caminhamos até a Câmara Municipal, sendo que ela estava fechada (o atual Presidente da Câmara Gabriel Azevedo, na época um ilustre desconhecido da juventude do PSDB foi vaiado de forma unânime nesse dia). Esse protesto foi visto pela mídia como exemplar, sem violência e cívico… um protesto zumbi como passamos a chamar! A leitura desse ato demonstrou que, de fato, as ruas estavam em disputa.

Houveram diversos atos de tamanhos variados durante as últimas duas semanas de junho, em Belo Horizonte e região metropolitana, quase todos feitos de maneira auto-convocada e espontânea, inclusive com barricadas fechando BR’s e quase sempre exigindo passarelas, transporte de qualidade e barato, moradia digna. Essa é inclusive uma história importante de ser melhor lembrada e estudada.

No dia 22 de junho ocorreu mais um protesto, o maior até então. As estimativas foram de cerca de 150 mil manifestantes. O ato partiu mais uma vez da Praça Sete e caminhou pela Avenida Antônio Carlos, em direção ao Mineirão. Lá ocorria o jogo da Copa das Confederações da FIFA entre Japão e México. Após a passagem pela UFMG, manifestantes entraram na avenida Antônio Abrahão Caram, onde a PM havia construído uma barreira impedindo o acesso direto ao Mineirão. Ao tentarem ultrapassar a PM iniciou o confronto. Novamente, manifestantes procuraram ingressar na “Zona de Segurança” da FIFA e a polícia reagiu com a já conhecida truculência, lançando bombas de gás, de efeito moral e balas de borracha. Em resposta os manifestantes criaram barricadas, atearam fogo e depredaram concessionárias de carros importados próximas. Haviam dois helicópteros atacando a manifestação. A Força Nacional de Segurança Pública, requisitada pelo governador Antonio Anastasia à Presidenta Dilma, estava a postos no interior do Campus da UFMG, de dentro da mata atiravam contra os manifestantes na avenida. Diferentemente do primeiro protesto onde havíamos sido pegos despreparados, dessa vez as pessoas revidaram não apenas com pedras mas com rojões,  bombas caseiras e coquetéis molotov. Um certo ritmo conjunto começou a ser aprendido pelos que ali estavam, atacar e recuar juntos. O “efeito manada” começou a diminuir e uma grande parte dos manifestantes passaram a aprender a lidar melhor com os estouros, explosões e tiros. Passamos a pensar e agir em conjunto em uma luta que ensinava a lutar e desejar mais. Tomávamos mais coragem pois não estávamos mais sozinhos.

Anoitece e as pessoas ainda enfrentam a polícia usando o que tem nas mãos, se defendendo com placas de trânsito (uma delas era enorme e dizia “Obra da Prefeitura de Belo Horizonte”). A cavalaria avança sobre a manifestação e os vários manifestantes, mascarados ou não, conseguem fazer  as tropas recuarem. A manifestação então dispersa sob uma densa nuvem de gás que toma toda a Avenida. Quando a multidão voltava para casa, muitos indo em direção ao Centro da cidade, andando por uma Avenida Antônio Carlos deserta, manifestantes colocam fogo em uma réplica do símbolo da Copa da FIFA e de um outdoor gigantesco da Coca-Cola,  a patrocinadora oficial do evento que dizia ironicamente: “Vamos colorir o Brasil”. 

Nesse protesto 32 pessoas foram presas e pelos dados oficiais cerca de 20 foram para hospitais próximos, há vários relatos de médicos que tentaram ajudar as diversas vítimas da violência da PM e foram ameaçados sob a mira de armas.

 Ficamos estarrecidos ao saber que Luiz Felipe Aniceto de Almeida, de apenas 22 anos, caiu do Viaduto José Alencar ao correr das bombas, justamente no entroncamento das avenidas Antônio Abrahão Caram com a avenida Antônio Carlos. No desespero ele tenta pular de uma pista a outra e acaba caindo. Depois de muitas dificuldades para leva-lo ao Hospital, com a PM inclusive prejudicando os trabalhos de resgate, Luiz fica internado por três semanas mas não resiste e morre em decorrência da violência do Estado. Seis outras pessoas caem no mesmo local durante todos os protestos no mês de junho.

Em 23 de junho, ocorreu pela tarde, debaixo do Viaduto Santa Tereza, a segunda sessão da Assembleia Popular Horizontal de Belo Horizonte. Novamente o espaço estava lotado, cerca de 110 pessoas falaram ao microfone, muitas sugestões de pautas e de como as lutas deveriam acontecer. As principais pautas consensuadas foram as formas de comunicação “oficiais” da APH, as próximas manifestações em que estaríamos presentes, e quando seria a próxima sessão da Assembleia. Além disso, identificamos reivindicações consensuais relacionadas ao transporte e mobilidade urbana, como a revogação do aumento das passagens em Belo Horizonte ocorridas em dezembro de 2013 e a demanda de tarifa zero irrestrita; a FIFA e Megaeventos, como a revogação da Lei Geral e a prioridade orçamentária dada a Copa frente a questões básicas como educação, moradia e saúde; em relação à repressão e violência policial, a favor da retirada imediata da Força de Segurança Nacional da cidade e pedindo também a desmilitarização da polícia; e também um consenso sobre a saída de Marco Feliciano da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Como grande avanço dessa sessão, foram criados 12 grupos temáticos de trabalho (GTs) para encaminhar as discussões e propostas. Assim, esses GTs se reuniriam de maneira autônoma e retornariam à APH de maneira mais qualificada e organizada. Foram eles: Mobilidade Urbana, FIFA e Grandes Eventos, Saúde, Educação, Reforma Urbana & Moradia, Polícia, Reforma Política, Minorias Políticas, Democratização da Mídia, Meio Ambiente, Cultura e Permacultura. Também começaram a ser delineados vários princípios da APH como horizontalidade, não sectarismo, não estigmatização, autonomia dos grupos de trabalho, o caráter experimental, a busca de consenso, proatividade, transparência, a busca pela eficiência, o funcionamento em rede.   

No dia 25 de junho, diante da repercussão dos protestos, o governador Antonio Anastasia convida o COPAC para se reunir no Palácio do Governador. O convite surpreende, já que em todos os seus anos de governo ele nunca havia chamado nenhum movimento social para se reunir. A pauta era aberta e sua intenção pública era discutir demandas e segurança das próximas manifestações. Visto geralmente como um burocrata de perfil técnico, Antônio Anastasia era um político do PSDB e não era um idiota, nesse momento já sabia dos prejuízos que um governo performaticamente intransigente era capaz de gerar – o retrato de São Paulo com a queda de popularidade de Haddad e Alckmin era exemplar. Seu convite era motivado principalmente  por sua preocupação frente a manifestações já convocadas para o dia seguinte. A reunião não foi encarada pelo COPAC nem como boa e nem como ruim, apenas protocolar, mas dentre um dos compromissos firmados pelo Anastasia foi o de receber novamente o movimento para discutir as pautas reivindicadas, que ainda seriam definidas nas próximas sessões da Assembleia Popular Horizontal. O COPAC ainda entregou uma pauta com dez itens envolvendo principalmente questões ligadas aos atingidos pela Copa, como os barraqueiros do Mineirão e as ocupações, a questão do transporte público e também sobre a violência policial. Um dos acordos que o governador conseguiu extrair do COPAC foi o respeito ao limite de segurança perto do Mineirão, a “Zona de Exclusão FIFA”. Em “troca” seria demarcada uma barreira sem a presença ostensiva de policiais que ficariam distantes. A Polícia Militar de Minas Gerais então só reagiria, segundo o acordo, se os manifestantes agredissem a polícia! Um representante do COPAC e um policial militar se responsabilizariam por manter o diálogo e as negociações durante o protesto. Obviamente, isso não soou nada bem perante os diversos movimentos e mais do que isso, não havia como controlar uma revolta popular desse tipo.

Nesse mesmo dia houve a terceira sessão da Assembleia Popular Horizontal de Belo Horizonte cujo mote era o primeiro encontro dos Grupos Temáticos. Sendo assim, foi possível as pessoas se encontrarem e aderir a um GT que lhe fosse de maior interesse e também decidir em conjunto como se daria os trabalhos do grupo. Outra importante ação aconteceu também no dia 25. Os estudantes da UFMG ocuparam a reitoria da universidade, fazendo a Força Nacional desistir de ocupar o campus durante os outros jogos da Copa das Confederações. Essa ação conseguiu retirar uma garantia conjunta do Governo Federal e do Governo do Estado de que as tropas da Força Nacional não iriam utilizar  a UFMG novamente como base de operações e segurança, consequentemente como um espaço estratégico de repressão das manifestações como havia acontecido na última ida ao Mineirão.

No dia seguinte, 26 de junho, mais uma manifestação gigante, envolvendo cerca de 200 mil pessoas que partiram da Praça Sete em direção ao Mineirão. Ao longo do trajeto, pessoas de bairros periféricos que geralmente não estavam presentes no início dos atos começaram a “descer” e a acompanhar o protesto. Uma parte da marcha seguiu o acordo entre a COPAC e o governo estadual, passando direto pela Avenida Abrahão Caram. Alguns membros do COPAC chegaram mesmo a fazer uma barreira humana para indicar que as pessoas seguissem. Ainda assim, diversas pessoas se recusaram e passaram a subir a avenida tentando derrubar as grades que impediam o protesto de chegar ao Mineirão. A PM ainda que mais afastada atirou bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha, uma repetição que virou comum e esperada por todo esse mês de junho. Assim  como no protesto anterior, a disposição ao enfrentamento aumentou ainda mais, contando agora com as pessoas mais preparadas e animadas a resistir. Isso não era pouca coisa! 

No viaduto foi pendurada uma enorme faixa amarela escrita “Unfair Players: FIFA – POLICE – ANASTASIA”, enquanto os focos de resistência e ataque contra a polícia e a Zona da FIFA se espalharam pelas ruas do entorno. Todas as lojas de carros e bancos próximos que ainda não haviam sido depredadas foram totalmente destruídas. Um caminhão foi colocado para fora de uma concessionária e incendiado por manifestantes, formando mais uma barricada. Uma moto é roubada, outra é jogada em uma fogueira, alguns levam televisores, outros jogam nas barricadas. Não há respeito nenhum pelas mercadorias, elas têm seus valores de troca suspensas e agora só servem para serem destruídas ou para criarem barricadas melhores. Dava a impressão de que houvesse dinheiro ali, as pessoas queimariam sem nenhum problema! Por mais que houvesse blocos organizados, a imensa maioria dos ali presentes eram “pessoas comuns”, não estavam de preto, não tinham balaclavas, muitas vezes nem cobriam o rosto. É impressionante quando as pessoas destroem com tanto empenho e felicidade as mercadorias que provavelmente teriam muitas dificuldades para comprar. 

Essa negação em ato das mercadorias e potência destrutiva chegou ao ápice quando no posto de gasolina da Antônio Carlos alguns manifestantes começaram a jogar gasolina no chão. Uma discussão se forma e pessoas do bloco preto próximas intervêm, impedindo que se ateasse fogo no posto. Não demora muito para as pessoas começarem a roubar a cerveja da loja de conveniência, bebendo, distribuindo, compartilhando e também quebrando as garrafas como em um grande ritual de dispêndio e dádiva. De fato, até então Belo Horizonte nunca sequer havia visto um protesto com tamanha radicalidade!

Os confrontos com a PM seguem até a noite. Durante a volta de grande parte dos manifestantes pela Avenida Antônio Carlos, eles são caçados pela PM enquanto um major do alto de um carro de som anuncia sistematicamente pela cidade: “Pedimos agora, voltem para suas casas. Pedimos a vocês, pessoas de bem, não se misturem aos bandalheiros. Voltem para suas casas. Retornem à sua casa. Estamos devolvendo a cidade para vocês”.

Cerca de 28 pessoas foram detidas naquele dia e, ainda durante a tarde, uma nova tragédia aconteceu: Douglas Henrique de Oliveira, de apenas 21 anos, um metalúrgico que acompanhava os protestos caiu do viaduto durante a tentativa de dispersão feita pela PM.  Ele foi socorrido por bombeiros e transportado de helicóptero para o hospital mas não resistiu. BH tem mais um morto cujo motivo é a violência policial a mando do Estado para defender a FIFA. 

No dia 27 de junho ocorre a quarta sessão da APH, onde frente às enormes dificuldades de conduzir um espaço que se pretenda horizontal, autônomo, autogerido e popular, as questões organizativas e metodológicas da assembleia apareceram de maneira contundente, na tentativa de evitar burocracias e principalmente o monopólio da estrutura pelas organizações de esquerda (anarquistas e autonomistas assumiram também essa autocrítica). A tendência nessas dinâmicas é não apenas que as mesmas pessoas falem, mas também que as mesmas figuras sejam “mesa”, ou seja, apresentem, conduzam, façam a mediação, controlem as inscrições, tempo, etc. O que pode parecer estranho para a maioria das pessoas, mas isso costuma ser visto como uma posição de destaque, permitindo uma maior visibilidade do sujeito e da sua organização, e também acaba por favorecer “coleguismos”, como o risco da não transparência para as inscrições, controle de tempo de fala, dentre outras coisas. Foi decidido então que para evitar os personalismos e os mesmos vícios, que quem quisesse participar destas tarefas deveriam levantar a mão e se tivessem mais de 5 pessoas, iria ser sorteada entre os interessados as seguintes tarefas: responsabilidade pela coordenação da assembleia, responsabilidade pela ata, responsabilidade pelo tempo e responsabilidade pelas inscrições. Decidiu-se também que essas funções deveriam ser sempre rotativas e quem estivesse nessas responsabilidades não teriam direito à fala na assembleia, para evitar qualquer tipo de manipulação. 

Na primeira tentativa de aplicação do método do sorteio, a pessoa sorteada para conduzir a assembleia foi um Guarda Municipal e membro do sindicato que vinha acompanhando e participando desde a primeira APH. Pane geral em nossos métodos experimentais! A assembleia começa e o guardinha conduz de maneira personalista, fazendo diversas falas arrogantes e machistas. Em pouco tempo uma mulher faz uma intervenção e propõe votar para “destituí-lo”, o que é aclamado por unanimidade da assembleia… nunca mais o guardinha apareceria. Esse é de fato um caso exemplar de que nosso caráter experimental nem sempre era a melhor das opções, mais que isso, por mais que efetivamente levasse a situações novas e imprevisíveis de se organizar, muitas das nossas ideias também eram capazes de gerar mais problemas que soluções. Por outro lado as metodologias aplicadas, e quase diariamente discutidas, eram testadas e modificadas conforme a luta avançava, permitiam que a assembleia tivesse uma dinâmica rica, veloz e múltipla de como se organizar e agir. 

As outras discussões dessa sessão da APH giraram em torno da análise do ato passado, como a urgência para libertar os companheiros presos, a morte do Douglas Henrique (inclusive com a proposta de mudar o nome do viaduto José de Alencar para Douglas Henrique). Também debatemos sobre a postura dos movimentos sociais que abandonaram a manifestação no meio, a necessidade de não dicotomizar o movimento entre vândalos e pacíficos, o combate a repressão policial do governador Anastasia, termos mais organização para cuidarmos melhor uns dos outros e por fim, continuar centrando as críticas ao governador do Estado Anastasia, ao prefeito Márcio Lacerda, ao presidente da Câmara Léo Burguês e ao Clésio Andrade (controlador da máfia dos transportes). Foi feito os repasses dos GTs e da reunião com o governador. Além disso, houve também a definição de uma nova ação centrada na questão do transporte e mobilidade urbana que foi marcado para a Câmara dos Vereadores de Belo Horizonte.

Ainda que na cidade de São Paulo (estopim para as insurgências em todo Brasil) a principal causa das manifestações fosse o aumento da passagem de ônibus, em Belo Horizonte a ênfase inicialmente recaiu sobre os desmandos da Copa. Mesmo assim, a pauta sobre as tarifas também esteve muito presente nos cartazes e reivindicações nas ruas da cidade. O transporte público em BH era na época proporcionalmente o mais caro de todas as capitais do Brasil, extremamente sucateado, com aumentos anuais, precário e com estudantes tendo enormes dificuldades de acessar até mesmo o direito ao meio-passe. A cidade e a estrutura de transporte vinha sendo brutalmente reformada para criação de linhas de BRT e havia uma grande influência dos empresários do transporte nas decisões políticas municipais (enfim, uma máfia). Uma dessas decisões estava para ser definida em votação na Câmara Municipal para o dia 29 de junho e por isso a APH havia decidido acompanhar a votação deste projeto: a redução da tarifa de ônibus na Câmara a partir da redução de impostos municipais aos empresários.

No dia, um sábado,  o número de pessoas que resolveram ir à Câmara acompanhar as votações pela manhã era alto. A Câmara deu a desculpa que as galerias do plenário não poderiam suportar o número de presentes. Dessa forma, arbitrariamente os guardas municipais limitaram a entrada de apenas 300 pessoas. Os vereadores aprovaram em segundo turno o projeto, proposto pelo prefeito Márcio Lacerda, mas cuja redução seria de apenas 5 centavos no valor das tarifas de ônibus (com isso, a passagem de ônibus passaria de R$ 2,80 para R$ 2,75). Essa votação causou revolta em todos, pois além de tudo, a redução não valeria imediatamente, como ocorreu em outras capitais como São Paulo. A explicação dada segundo a prefeitura é que não haveria tempo hábil para publicação de uma portaria e que logo após esse dia seria decretado férias. A votação foi espertamente marcada como a última antes do recesso!

As pessoas ali presentes, impedidas de entrar na sessão pela truculência dos seguranças, da Guarda Municipal e Batalhão de Choque respondem aos empurrões e truculência com tintas. É a partir daí que resolvemos ocupar a Câmara até que o Prefeito Márcio Lacerda nos recebesse e abaixasse a tarifa. Estávamos revoltados com a redução pífia através da desoneração fiscal das empresas de ônibus que garantia o lucro exorbitante das máfias de transporte.

A Assembleia Popular Horizontal decretou a ocupação e rapidamente os diversos grupos, coletivos, partidos, organizações e indivíduos foram para a Câmara, trazendo barracas, colchões e montando uma cozinha comunitária. Logo o espaço ficou pequeno e passamos também a ocupar o jardim. Nos grandes mastros externos, 3 bandeiras foram hasteadas: “Ônibus Sem Catracas”, “Fora Lacerda” e dos Panteras Negras “Todo poder ao povo!”. Um piano apareceu no gramado. Os Grupos de Trabalho da ocupação começaram a organizar a comunicação, limpeza, rondas de segurança, comida, atividades culturais, grupos de discussão sobre o transporte, desmilitarização, políticas públicas, Arte, aulas abertas, saraus, shows, festas, reuniões de todo o tipo. Uma vida em comum passa a ser criada, de maneira autogestionada e aberta. Não houve um dia sequer sem que houvesse uma programação extensa e variada.

Mesmo aqueles que trabalhavam e não podiam ficar na ocupação em tempo integral dedicavam algumas horas pela manhã ou à noite, pessoas de fora dos círculos militantes e artísticos iam conhecer a ocupação, senhorinhas vinham pela manhã deixar uma sacola de pão… havia muita fartura e apoio! Uma infinidade de discussões, tendências, discordância e encontros de variadas pessoas perpassaram os longos, difíceis e prazerosos dias que estivemos lá.  Os primeiros dias foram muito desafiantes, ainda que tranquilos. Entre os principais problemas estava a mídia corporativa burguesa tentando constantemente jogar a opinião pública contra o movimento, inclusive exercendo vigilância constante pelas lentes das diversas emissoras que passavam por lá todos os dias. Havia também a sabotagem da própria Câmara deixando ligado o ar-condicionado no máximo pela noite, dificultando nosso sono e cortando também a internet (que é pública). Claro que os Guardas Municipais e seguranças tratavam os “novos e nobres moradores da Casa do Povo” de maneira extremamente hostil, mas nosso principal infortúnio era o fato de que o prefeito Márcio Lacerda fingia que absolutamente NADA estivesse acontecendo.

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Márcio Lacerda, era um prefeito-empresário do PSB que nunca havia tido nenhum cargo público, mas  foi eleito com apoio de importantes nomes do PT e PSDB local: Aécio Neves e Fernando Pimentel lado a lado e literalmente de mãos dadas. Lacerda já havia sido duramente criticado por sua posição frente a Praia da Estação, o modo como lidou com o carnaval e principalmente por sua completa ignorância frente aos movimentos sociais. O prefeito que nunca havia em seu mandato-gestão feito reunião ou recebido nenhum movimento social, logo apressou-se a dizer na imprensa que “não negociaria com a faca no pescoço”. A empolgação vinda das manifestações de junho, a forma organizativa horizontal e aberta da APH, o clima cultural, apoio popular e, por que não, o início das férias mantiveram o ânimo dos ocupantes elevados.

No dia 1° de junho, em uma tentativa frustrada de desocupar a Câmara, o prefeito anunciou na imprensa que haveria uma reunião entre ele e os ocupantes. O problema é que a tal reunião foi “descoberta” pouco antes da realização de uma assembleia na ocupação, de onde sairiam os nomes dos possíveis delegados que levariam às reivindicações ao prefeito. Mais uma vez, Lacerda desconsiderou toda a tentativa de construção de uma agenda comum e anunciou à imprensa a tal reunião marcada de uma hora para a outra sem combinar nada com quem de fato deveria dialogar. Realizamos então na assembleia da APH uma votação aberta e horizontal para a escolha dos delegados que iriam encontrar o prefeito repassando as propostas tiradas na APH. Essa reunião para a escolha dos delegados foi cheia, animada e controversa: diversos partidos e organizações que nunca haviam composto a APH e nem estavam no dia a dia da ocupação apareceram. Foram rechaçados e a assembleia elegeu 13 delegados e delegadas de maneira paritária.

Nossas  principais propostas eram: a revogação do decreto que aumentou o preço da tarifa em dezembro de 2012 (fazendo o preço da passagem retornar para R$ 2,65); passe livre para estudantes, desempregados e aposentados; revisão dos atuais contratos com as empresas que prestam serviço de transporte municipal e a publicação da planilha de custo das empresas de transporte.

No dia 2 de junho publicamos uma carta aberta ao prefeito onde exigíamos uma reunião com a prefeitura que não fosse decidida de maneira unilateral, além da redução imediata da passagem para desocuparmos a Câmara. Do outro lado, o Secretário Municipal da época, Josué Valadão, afirmava que desocupar a Câmara era a condição para que houvesse uma audiência com o prefeito. Claro que isso também foi rechaçado pelo movimento.

Na manhã do dia 3 de junho finalmente recebemos a notícia de que nos reuniríamos com o prefeito-empresário. A reunião realizada dentro da prefeitura e cercada pela imprensa, foi transmitida ao vivo para dentro da Câmara, em consonância com um princípio essencial da APH: a transparência. A habitual falta de educação e paciência do prefeito Márcio Lacerda ficou evidente e na reunião ele emitiu uma pérola sobre seu modo de fazer política: “Eu respeito sua opinião mas ela é irrelevante”. O que esperar afinal, de alguém que em 5 anos de mandato ele NUNCA havia recebido nenhum movimento social, limitando-se a governar a prefeitura como CEO de uma empresa?

Nem bem apresentadas nossas reivindicações, o prefeito fica nervoso e resolve terminar a reunião ao ser confrontado, levanta-se e sai. Os delegados da APH não hesitam e dizem: “Ótimo, já que estamos aqui dentro ocuparemos também a prefeitura!”. Os delegados também fazem troça do passado do prefeito (que de militante da ALN de Marighella, envolvido em um grande assalto e preso político na ditadura, agora era um milionário e gestor), assobiam a Internacional Comunista. O prefeito é aconselhado a voltar e evitando acirrar mais os ânimos, termina formalmente a reunião, assinando a ata para não desgastar sua imagem ainda mais. No final, cumprimentando os participantes da reunião, um dos delegados se recusa a cumprimenta-lo e o prefeito-empresário diz sarcasticamente: “É o seu direito, estamos em uma democracia!”. Grandes ironias!

No dia 5 de julho pressionado pela ocupação e seu grande apoio popular,  enquanto ocorria uma pequena manifestação que foi da Praça 7 até a porta da Prefeitura Municipal em apoio ao movimento, o Prefeito Márcio Lacerda anuncia a redução da tarifa de ônibus. Essa redução vinha através da desoneração de impostos da máfia do transporte, ou seja, sem o corte no lucro dos empresários. Contudo, uma grande festa e alegria tomou a todos e todas que estavam nessa luta, era possível por meio de uma ação direta mudar as coisas. 

No dia 6 de julho fica decidido em assembleia que iríamos sair e no dia 7 de julho, depois de 8 dias de resistência, intensas trocas e aprendizados, desocupamos a Câmara. Não sem antes festejarmos, nadamos ainda em uma piscininha e plástico instalada na portaria principal do prédio, comemos e dançamos. As bandeiras foram retiradas dos mastros oficiais ao som de aplausos e fomos em cortejo até “A Ocupação”. Um enorme evento cultural organizado pelo GT Cultura debaixo do Viaduto Santa Tereza, justamente onde a Assembleia Popular Horizontal começou e continuaria até meados de 2015 (ainda que sem a potência inicial).

No dia 10 de julho, entrou em vigor a redução nas tarifas, que passaram de R$ 2,80 para R$ 2,65 nos ônibus diametrais e de R$ 2 para R$ 1,85 nos ônibus circulares. Lacerda demonstrou que os poderosos e seus agentes só negociam com a faca no pescoço.

Essa pequena luta nós vencemos!

10 anos depois podemos ver os desdobramentos que o Junho rastejante de Belo Horizonte incentivou e potencializou, com diversas ações importantes na cidade, como o próprio prolongamento da Assembleia Popular Horizontal, a Ocupação da Prefeitura realizada pelas ocupações urbanas ainda em julho do mesmo ano, uma nova ocupação da Câmara em agosto de 2013, o apoio a resistência da Ocupação Izidora, o Encontro Libertário Terra Preta na Ocupação Guarani Kaiowá em setembro de 2013, o Viaduto Ocupado (ocupação no início de 2014 do Viaduto Santa Tereza que havia sido fechado para uma reforma sem ampla discussão com a cidade), a criação de um importante movimento como o Tarifa Zero (que inicialmente era o GT de Mobilidade da APH), os protestos contra a Copa da FIFA,  as ocupações Espaço Comum Luiz Estrela e Kasa Invisível, além de diversos outros desdobramentos e encontros que ainda precisamos descobrir.

 

QUEM TEM MEDO DE JUNHO 2013? – ciclo de eventos e debates

A maior revolta popular do país vista a partir de sua radicalidade e potência de transformação hoje Junho de 2013 no Brasil foi um acontecimento intempestivo.

Nos dias de revolta que varreram o Brasil naquele junho, governos e suas polícias, jornalistas e seus ventríloquos universitários, partidos de esquerda e de direita com seus respectivos representantes, assim como as organizações de direitos humanos e seus ativistas, se apressaram em isolar os vândalos dos manifestantes pacíficos. O objetivo político era associá-los à anarquia entendida como desordem para entregar militantes e manifestantes para a violência brutal das Tropas de Choque e enfiá-los em bancos de delegacias e/ou tribunais. Hoje, alguns destes agentes políticos lamentam que a extrema-direita tomou as ruas e repetem, como autômatos, que a democracia está em crise e ameaçada pelo fascismo. Muitos colocam a culpa dessa situação ou o início dela, nas revoltas de junho de 2013. Querem criminalizar as revoltas e silenciar a potência de transformação que ela traz. Como é comum na história política moderna, apontam para a anarquia como um monstro político a ser dominado ou eliminado.

Esse ciclo de eventos, com palestras, conversas e debates, visam falar de um outro junho de 2013. Trata-se de uma série não unificada, mas articulada, que ocorrerá durante o mês de junho de 2023 sobre a atualidade das insurreições de junho de 2013 nas cidades de Porto Alegre, Rio de Janeiro, Osasco, São Paulo e Belo Horizonte. Cada coletivo local fará as conversas e exibição de vídeos à sua maneira, mas que evitando o tom de efeméride para focar na singularidade e atualidade do acontecimento junho de 2013, destacando a revolta e suas conexões com outras mobilizações que estavam a acontecendo no planeta, os movimentos envolvidos e sua afirmação de autonomia e diferença com os movimentos sociais até aquele momento. Estamos interessados nos efeitos das insurreições de junho de 2013 ainda presentes hoje, tanto em termos de luta e características dos movimentos, quanto em termos de reação da ordem, com mudanças nas formas de repressão e controle e articulações da elite política para capturar insatisfações em processos institucionais, eleitorais e partidários.

Trata-se não de uma leitura final e totalizante do acontecimento, mas uma leitura libertária que busca mover a revolta no presente, soprando a brasa ainda acesa da labareda que varreu o Brasil há 10 anos.

DATAS: 
  • Porto Alegre: 19 de maio, no ESPAÇO.
  • Rio de Janeiro: dias 1, 6, 12 e 20 de junho, na Aldeia Maracanã, UERJ, ADEP & Cinelândia
  • Osasco: 14 a 16 de junho  na UNIFESP – Campus Osasco
  • São Paulo:  17 de junho na Praça do Ciclista (na concentração da Marcha da Maconha).
  • Belo Horizonte: 24 de junho na Kasa Invisível.

ORGANIZE TAMBÉM EM SUA CIDADE:

Muitos materiais foram produzidos por quem esteve nas ruas do lado dos debaixo e podem servir de introdução para debates e estudos. Abaixo, reunimos alguns desses materiais para exibição de vídeos e circulação de textos:
“Por que 2013 agora?”, vídeo por  Sonho, com colaboração dos coletivos Antimídia e Facção Fictícia.


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