DAS BARRICADAS #1: MUROS QUE GRITAM, PEDRAS QUE VOAM – entrevista com Taller la Parresia sobre o levante na Colômbia

Há semanas as ruas do território dominado pelo Estado colombiano estão em efervescência, com paralisação total dos serviços, manifestações de rua, piquetes e barricadas. Uma insurreição tomou a região após o governo de Ivan Duque tentar implementar reformas, sobretudo a tributária, que aumentariam ainda mais a miséria e afetariam sobretudo as classes populares.

Como forma de solidariedade às companheiras e companheiros que estão em luta nas ruas neste momento, enfrentando a polícia e o risco de contágio por COVID-19 para afirmar seu direito à vida, publicamos hoje a primeira parte de “DAS BARRICADAS”, uma série de entrevistas realizadas com individualidades, coletivos e organizações anárquicas de diferentes partes da região colombiana.

Consideramos necessário difundir as análises das próprias pessoas envolvidas na insurreição, não apenas sobre a luta destas últimas semanas, mas levando em conta as recentes lutas dos últimos anos, a configuração das forças envolvidas, o histórico de resistência e da repressão que tenta sufocar as múltiplas formas de vida e de luta.

A seguinte entrevista foi realizada com o Taller la Parresia, compas que partem do uso do grafismo produzido em várias regiões sulamericanas como forma de ação direta e intervenção nos muros da cidade de Medelín, segunda maior cidade ocupada pelo Estado colombiano e localizada no Vale de Aburrá.

Abajo, la versión original de la entrevisa en español.

Taller Parresía em intervenção nas ruas colombianas.

PORTUGUÊS

As notícias que nos chegam aqui indicam que a insurreição que tomou as ruas se iniciou com uma luta contra a reforma tributária que o governo de Ivan Duque tentou implementar. Todavia, consideramos interessante levar em conta o contexto das lutas recentes nos territórios em que as insurreições acontecem, principalmente porque há menos de 2 anos as cidades colombianas já haviam sido local de manifestações multitudinárias e intensas. Sendo assim, gostaríamos que vocês comentassem um pouco sobre o processo de lutas que está ocorrendo no momento no território dominado pelo Estado colombiano e qual a relação com as lutas que antecederam esse momento.

Sim, como vocês comentaram, é um acumulado e não só nosso, mas de todo o povo e de nossxs amigxs na América latina. Vivemos o 2013 no Rio de Janeiro, seguimos as jornadas de nossxs amigxs em Santiago e Valparaíso, estivemos atentxs ao que acontecia em La Paz e em Quito. Tudo isso nos deixou em choque em cada momento.

Além disso, a execução de Marielle Franco, a de Santiago Maldonado, Bertha Cáceres, os 43 de Ayotzinapa e tantxs ex-combatentes que apostaram no processo de paz colombiano, xs líderes sociais, xs milhares de detidxs e desaparecidxs políticos e a todas as pessoas que sofrem o drama do deslocamento/migração venezuelana e mesoamericana.

Porem, para nós tudo se torna mais intenso com a necropolítica do Estado. Seguimos o caso das execuções extrajudiciais, chamados falsos positivos, jovens passados como guerrilheiros mortos em um combate que causou milhares de desaparecidos e execuções seletivas por parte dos militares para dar conta ao financiamento dos EUA. Também o desastre da represa que sequestrou o rio Cauca e a inundação das terras do cânion com centenas de fossas comuns, chamada Hidroituango.

Tudo tem sido muito intenso já há alguns anos, pois o Estado colombiano é uma máfia e se organiza como tal para exterminar seu povo e toda forma de organização e de vida. Além de ter super organizado suas frentes paramilitares e todo o assunto da produção e circulação de cocaína que agora se sabe que está a mando dos cartéis mexicanos.

Em novembro de 2019 nos somamos às jornadas de luta no Chile, em La Paz e Quito, e estranhamos que vocês, em suas cidades, não tenham feito isso. Nos moveu muito essas barricadas que apareceram nas cidades andinas e mesmo em Medelín, onde quase os Andes terminam ou entre os Andes.
Fomos documentando todo o processo insurrecional – o mapeamos e o narramos – porque pensamos que as lutas e nossas ações vão mais além do que esta prisão chamada pátria. Essa foi uma resenha das jornadas de novembro e dezembro de 2019 em Medelín e esta é a forma de confronto que se apresenta com o esquadrão de choque. Outra coisa a comentar é que igual a vocês [no Brasil], nós vivemos uma ocupação militar do território e isso nos expõe muito e faz que a luta seja muito complicada pelo medo e pela capacidade do Estado de exterminar as pessoas que se envolvem nesse processo.

“Governo de Parasitas”

O território conhecido como América do Sul possui um histórico bastante intenso de revoltas. Na última década, foram várias… podemos lembrar, por exemplo, da insurreição que tomou as ruas das cidades brasileiras em junho de 2013 ou do “estallido social” que se evidenciou no território chileno em outubro de 2019. Apesar de suas diferenças entre as forças envolvidas e dos efeitos produzidos, em geral diziam respeito a uma luta contra o aumento no custo de vida, o que significa diretamente uma luta pela vida e contra a miséria produzida pelo capitalismo e pelo Estado. E nos parece que a revolta que esta ocorrendo no momento no território colombiano tem algumas características em comum. Como vocês analisam essa relação?

Sim, há muita fome, muita miséria descarada e as pessoas já não aguentam mais isso. Isso fez com que muita gente se somasse ao trabalho de denúncia, que outros colocassem o corpo para enfrentar o esquadrão anti-distúrbios e a polícia. E as comunidades indígenas, camponesas e negras enfrentassem os militares. Por isso nos dedicamos a analisar o processo de insurreição confrontando com o processo de devastação da América Latina para entender essas táticas, as formas de permanência no espaço urbano e as formas de fazer as denúncias, não apenas localizadas, mas falando axs companheirxs latinoamericanxs.

Muitas causas e questões comuns nos atravessam, a migração/deslocamento, os massacres, o processo de devastação e o extrativismo, as gentrificações, por alguma razão nos separaram, mas nessas mesmas fissuras conseguimos nos conectar, nos conhecer e nos afetar por tudo aquilo que sentimos ser parte de nossa aposta de permanência no território e sobretudo na rua.

Vivemos a intensidade das jornadas de junho no Rio de Janeiro em 2013, voltamos para as olimpíadas e descemos por Montevidéu e Buenos Aires, conhecendo tudo o que estava passando. Quando voltamos para a Colômbia vimos como se negava a possibilidade das pessoas envolvidas na guerrilha de entrarem em um processo de paz e como se tomava de assalto o Estado brasileiro e colombiano. Toda essa experiência nestes acontecimentos nos levou a compreender as coisas de uma forma diferente e que nos mantivéssemos atentos ao que ocorre.

Tudo isso nos levou a buscar no gráfico latino-americano um lugar para narrar e apresentar as denúncias nas ruas e assim temos feito desde 2019 e isso tem servido para nos organizarmos, termos uma disciplina e criar certas formas de consensos para permanecermos juntxs.

A pandemia do Covid-19 tem afetado sobretudo as classes populares tanto em relação a morte por contágio quanto pelo aumento da miséria e piora nas condições de vida. Ao mesmo tempo, em algumas regiões a pandemia e o risco de infecção tem esvaziado as ruas e, de certo modo, funcionado como uma barreira para as mobilizações de rua multitudinárias. Como vocês analisam essa relação, já que a reforma tributária de Duque, por exemplo, afetaria diretamente o sistema de saúde colombiano?

Isso é brutal, como a pandemia tirou tudo que estava escondido e por fim as pessoas sentiram na verdade o que estava acontecendo. Agora não penso tanto no vírus, ainda que siga aí e os contágios e as mortes aumentem, basta ver o que passa com vocês, essa aparição das covas em São Paulo e em Manaus.

E sim, a rua se esvaziou, mas aqui em Medellín foi por uns 3 meses, depois vieram manifestações contra a brutalidade policial que nunca tinham sido vistas antes, o centro era uma barricada e lembrava quando muitos jovens saiam dos quebradas como quando desciam da Rocinha ou das manifestações na Avenida Presidente Vargas, o Rio de Janeiro.

Barricadas em Bogotá

Quando a saúde é um negócio. As vacinas, os tratamentos, as formas de hospitalização, é tudo brutal. Por outro lado tem se explorado o cuidado coletivo e as formas de nos mantermos fortes quanto ao que acontece e afeta nosso corpo.

Agora o Estado colombiano está tirando a saúde pública das classes populares e vão deixá-las sem o serviço de saúde. Está sendo gerado um processo de eugenia e somente sobreviverão aqueles que sejam mais conscientes de seu corpo e tenham a possibilidade de se cuidar.

Este processo de desmonte da saúde pública e da educação está deixando para todas as pessoas problemas muito grandes e muito urgentes de serem atendidos. Por um lado, me parece importante que tenhamos em conta esses processos e os atendamos por conta própria, mas pensando nas classes populares é interessante como têm se voltado para as formas comunitárias de como começaram os bairros; os cultivos, as autoconstruções, as formas de encontro na rua, isso parecia ter sido exterminado, mas começamos a ver que a memória retorna.

Nos chegam vários vídeos e imagens do terrorismo de Estado com assassinatos, torturas e outras formas de agressão por parte da polícia colombiana. Sabemos que isso não é um fato isolado, pois esta é uma ação regular de todos os Estados, sobretudo quando uma mobilização ataca a ordem e a paz dos ricos. Como se estrutura a policia colombiana e como tem sido o histórico de repressão policial às manifestações?

O Esquadrão Antidistúrbios (ESMAD) é uma coisa brutal. Estão muito mais equipado que o choque de ordem, que a Gendarmeria e os Carabineiros. É uma mistura de robocop e batman, e tem uma letalidade brutal. O enfrentamento com eles é quase impossível, mas quando se vê os jovens parados frente a eles, se pensa muito no que se tornou esta luta, uma coisa de desespero absoluto. Além disso, agora com os tanques que os acompanham e foram comprados durante a pandemia, se chamam de Venom e tem um disparador de mais de 24 tiros de todos os tipos de balas recalsadas, granadas de atordoamento (N.T.: conhecidas no Brasil como bombas de efeito moral) e cargas tanto dissuasivas (armamento menos letal) quanto letais.

A polícia está formada por vários organismos, a SIJIN (Seccional de Investigación Judicial) – que são verdadeiros assassinos muitas vezes a paisana, devem estar agora montando uma tremenda perseguição; a polícia de verde; e outra que apoia os antidistúrbios. Isso é algo muito brutal, apoiando as frentes paramilitares fortemente armados, como se pode ver na cidade de Cali há alguns dias.

Já levamos mais de 20 anos com a ESMAD e temos exigido seu desmonte. Somente após 16 anos, agora, condenam um deles por assassinar Nicolas Neira, um jovem anarquista de 15 anos morto em Bogotá.

No momento se conta mais de 40 mortos nesta jornada, alguns assassinados pela ESMAD, outros por paramilitares e policiais. E algo do que não se tem falado é das pessoas desaparecidas, já são mais de 1000 e isso frente ao acumulado da guerra na Colômbia, na qual chegam a milhares. Medelín e Antioquia são as mais afetadas por esse flagelo.

Existe algum debate sobre a autodefesa nas ruas? Existe algum debate dos movimentos e coletivos em relação a abolição da policia, por exemplo?

A palavra autodefesa não é utilizada porque para nosso contexto é parte do que propõem os grupos paramilitares de organização e enfrentamento às guerrilhas e ao povo organizado. Não saberia dizer qual é o tipo de debate, se fala muito dos cuidados e da organização em Minga, que propõem os indígenas de Cauca, que envolve trabalho coletivo e organização horizontal e proteção.

E sim, sobre o assunto policial/militar há muito debate há muitos anos. A campanha pelo desmonte da ESMAD e tantas outras contra o terror de Estado. De fato tudo isso junto com a JEP ( J_uridisccion Especial de Paz_) e a comissão da verdade que foram abertas com o processo de paz. Agora, como o que muda na situação atual? Que a guerra entrou nas cidades entrou nas cidades, querem nos levar a um cenário de guerra civil.

Há muitos anos trabalhamos em questões antimilitaristas, contra a ocupação militar, então tudo isso que vimos nos Estados Unidos com George Floyd, o que passa no México com os desaparecidos e os narcotraficantes, no Brasil com as milícias e as chacinas, nos atravessa por aqui e nos toca…

Cartazes colados por Taller Parresía

Por fim, nos interessa muito as diferentes expressões do anarquismo na região conhecida como América do Sul. Portanto, gostaríamos que vocês falassem um pouco sobre as forças envolvidas nas lutas anárquicas da região colombiana.

O anarquismo já nos acompanha há alguns anos e cada vez mais surgem pessoas afins à causa anárquica. É muito bonito ver isso na Colômbia, pois não temos uma tradição de anarquistas. Também temos mudado muito por conta da guerra, então cada vez mais nos inteiramos do que passa com nossxs irmãxs, estar como no meio do caminho entre São Paulo e São Francisco, na Califórnia, nos permite um intercâmbio muito interessante. Bogotá é uma cidade que tem uma expansão do anarquismo muito interessante de acompanhar. De qual forças se poderia falar? A feminista é muito forte, também a luta ecológica tem tomado muita força. E bem… vemos que proliferam muito agora as ações diretas de arte urbana, um movimento muito ativo de denúncia, além dos indígenas de Cauca e os processos de liberação da mãe terra, as organizações negras e camponesas. Em todo o que temos semeado com todxs xs companheirxs que passaram por aqui e se solidarizaram com as comunidades e coletivos neste território. A luta anárquica pode se encontrar de muitas maneiras muito bonitas de experimentar.

Agora sobre as armas? Para nós isso é muito complicado de abordar. Recentemente um amigx da Flor do Asfalto, uma ocupação na região portuária do Rio de Janeiro onde conhecemos nossxs companheirxs, me falava do cenário de guerra civil que está ocorrendo agora na Birmânia e isso já acontece com nós em apenas 15 dias do último levante.

Por outro lado, essas gerações se formaram com a resiliência – e como analisa o Núcleo de Sociabilidade Libertária (NUSOL) em São Paulo, isso pode ser uma deriva ao fascismo –, outros como nós nas lutas antimilitaristas e na resistência cultural, onde aprendemos e não tenderíamos como nos posicionar de outro modo. Penso que temos vindo fazendo já ha muitos anos. Vamos ver como se desencadeiam os acontecimentos. Por agora se está vendo muito apoio internacionalista, também muitos migrantes colombianos agitando e denunciando, então o importante é não ficarmos sozinhxs.
Há dois dias estava ocorrendo um bloqueio de uma via nacional, chegavam gente de todos os povos do oriente, de Antioquia, do departamento de Medelín… e houve shows, queima de pneus, cozinha comunitária e montamos uma oficina de serigrafia. Então algo passou para que a gente consiga fazer isso, amanhã voltam as manifestações e assim estamos…

“Estado Assassino” – Grafite nas ruas de Medelín denunciando o terrorismo de estado.

PARA SABER MAIS:

Colômbia Perdeu o Medo – A Revolta Segue em Todo o País Enfrentando a Violência de Estado

Video: Revolta e repressão na Colombia, por coletivos Antimídia e Submedia


EN ESPAÑOL

Las noticias que nos llegan indican que la insurrección que tomó las calles comenzó con una lucha contra la reforma tributaria que el gobierno de Iván Duque intentó aplicar . Sin embargo, nos parece interesante tener en cuenta el contexto de las recientes luchas en los territorios donde se producen las insurrecciones, sobre todo porque hace menos de dos años las ciudades colombianas ya habían sido escenario de masivas e intensas manifestaciones. Por lo tanto, nos gustaría que comentaras un poco sobre el proceso de luchas que se está dando actualmente en el territorio dominado por el Estado colombiano y cuál es la relación con las luchas que precedieron a este momento.

Si como comenta ustedes es un acumulado, y no solo nuestro sino con todo el pueblo y nuestrxs amigxs en america latina, vivimos el 2013 en Rio de Janeiro, seguimxs las jornadas de nuestrxs amigxs en chile y valparaiso, estubimos al tanto de lo que acontecia en el alto en la paz, y en quito. todo nos puso en schock en cada momento.

Ademas la ejecucion de Marielle, la de Santiago, Bertha, los 43 de ayotzinapa y tantos excombatientes que le apostaron al proceso de paz en colombia, los lideres sociales, a los miles de detenidos y desaparecidos politicos y a todos que han sufrido el drama del desplazamiento/migracion venezolana y la mesoamericana.

Pero para nosotros todo se vuelve mas intenso con la necropolitica de este estado, hemos seguido el caso de las ejecuciones extrajuciales, llamados falsos positivos, jovenes pasados como guerrilleros muertos en combate que causo miles de desaparecidos y ejecuciones selectivas por parte de los militares para rendirles cuentas al financiamiento de EEUU. Ademas el desastre de la represa que secuestro del rio cauca y en su llenado cubrio las tierras del cañon con cientos de fosas comunes, llamada hidroituango.

Todo ha sido muy intenso de hace unos dos años para la fecha, pues el estado colombiano es una mafia y se organiza como tal para exterminar al pueblo, y toda forma de organizacion y de vida. Ademas de tener super organizado sus frentes paramilitares y todo el asunto del la produccion y circulacion de la cocaina que ahora se sabe que esta al mando de los carteles mexicanos.

En 2019 en noviembre nos sumamos y extrañamos que ustedes en sus ciudades no, a las jornadas en chile, la paz y quito, nos movio mucho estas barricadas que aparecian en las ciudades andinas, y mismo desde medellin, casi donde terminan los andes o entre los andes.

Fuimos documentando todo este proceso insurrecional :: y lo mapeamos y lo narramos :: porque pensamos que que las luchas nuestras acciones van mas alla de esta carcel q nos montaron como la patria.

Esta fue una reseña de las jornadas de noviembre y diciembre del 2019 en Medellin ::  y esta la forma de confrontacion que se presenta con el escuadron antidisturbios;

Algo a reseñar es que igual que ustedes vivimos una ocupacion militar del territorio y esto nos expone demasiado y hace que la lucha muy complicada de llevar, por el miedo y la capacidad del estado de exterminar a los que involucran en este proceso.

El territorio conocido como Sudamérica tiene una historia muy intensa de revueltas. En la última década ha habido varias… podemos recordar, por ejemplo, la insurrección que tomó las calles de las ciudades brasileñas en junio de 2013 o el llamado estallido social que se hizo evidente en territorio chileno en octubre de 2019. A pesar de sus diferencias entre las fuerzas implicadas y los efectos producidos, en general se trataba de una lucha contra el aumento del coste de la vida, lo que significa directamente una lucha por la vida y contra la miseria producida por el capitalismo y el Estado. Y nos parece que la revuelta que se está ocurriendo actualmente en territorio colombiano tiene algunas características en común. ¿Cómo analizan esta relación?

Si, hay mucha hambre, mucha miseria asi descarada y la gente no aguanta mas esto, esto ha hecho que mucha gente se sume al trabajo de denuncia, otros pongan el cuerpo para enfrentar al escuadron antidisturbios, y a la policia. y las comunidades indigenas, campesinas, y negras a los militares. por eso nos hemos dedicado a analizar el proceso de insurreccion confrontado con el proceso de devastación de america latina para entender las tacticas, las formas de permanencia en el espacio urbano y las formas de hacer las denuncias, no solo localizadas sino hablandole a los compañerxs latinoamericanxs.

Nos atraviesan muchas causas y cuestiones comunes, la migracion/Desplazamiento, las masacres, el proceso de devastacion y el extractivismo, las gentrificaciones, por alguna razon nos han separado pero en esas mismas fisuras hemos logrado conectarnos, conocernos y afectarnos por todo aquello que sentimos que es parte de nuestra apuesta de permanencia en el territorio y sobre todo la calle.

Vivimos la intencidad de las jornadas de junio en Rio en 2013, volvimos para las olimpiadas, y bajamos por montevideo y buenos aires, conociendo todo lo que estaba pasando, cuando volvimos a colombia vimos como se le negaba la posibilidad a los guerrilleros de entrar en un proceso de paz, y como se tomaba por asalto el estado brasilero y el colombiano, toda esta experiencia en estos acontecimientos ha llevado a que nos comprendamos de una forma diferente y que nos mantengamos atentos a lo que acontece.

Todo esto nos llevo a buscar en la grafica latinoamericana un lugar comun para narrar y presentar las denuncias en la calle, y asi lo hemos venido haciendo desde el 2019 :: https://caosdisfuncional.medium.com/del-miedo-en-el-meme-al-cartel-en-la-calle-un-virus-que-expande-en-el-valle-de-aburr%C3%A1-9b822626ec11 y esto nos ha servido para organizarnos, tener una disciplina y a crear cierta forma de consensos para permanecer juntxs. https://www.instagram.com/tallerlaparresia/

La pandemia de Covid-19 ha afectado, sobre todo, a las clases populares tanto por el número de muertes como por el aumento de la miseria y el empeoramiento de las condiciones de vida. Al mismo tiempo, el riesgo de infección ha vaciado las calles en algunas regiones y ha actuado como una barrera para las grandes movilizaciones callejeras. ¿Cómo analiza esta relación, ya que una de las reformas que Duque pretende implementar afectaría directamente al sistema de salud colombiano?

Eso es brutal, como la pandemia saco todo lo que estaba escondido y porfin la gente sintio en verdad que estaba aconteciendo. Ahora no pienso tanto en el virus, aunque sigue ahi y los contagios y las muertes aumentan, solo es ver lo que les pasa a ustedes, esa aparicion de las fosas en SP y en Manaus.
y si la calle se vació, mas aca en medellin fue por unos 3 meses, despues vinieron unas protestas contra la brutalidad policial para septiembre del 2020 que nunca antes se habia visto, el centro era una barricada, y recordaba mucho los jovenes saliendo de los barrios como cuando bajaban de la Rocinha o las manifestaciones en la avenida presidente Vargas en Rio.

En cuanto a la salud, es un negocio, las vacunas, los tratamientos, las formas de hospitalizacion. es brutal todo esto. por otro lado se ha explorado el cuidado colectivo, y las formas de mantenernos fuertes en lo q acontece y nos afecta al cuerpo; https://caosdisfuncional.hotglue.me/
Ahora el estado colombiano esta sacando la salud publica a las clases popularles, y los va dejar sin el servicio de salud, se esta generando todo un proceso de eugenesia, y solo sobreviveran aquellos que sean mas concientes de su cuerpo y tengan la posibilidad de cuidarlo.

Este proceso de desmantelamiento de la salud publica y la educacion esta dejando para todos unos problemas muy grandes y muy urgentes de atender, por un lado se me hace importante que tomemos estos procesos y los atendamos por cuenta propia, mas pensando en las clases populares es interesante como se han vuelto a las formas comunitarias de como empezaron los barrios; los cultivos, las autoconstrucciones, las formas de encuentro en la calle, esto parecia exterminado, mas empezamos a ver que esta memoria vuelve.

Hemos recibido varios videos e imágenes de terrorismo de Estado con asesinatos, torturas y otras formas de agresión por parte de la policía colombiana. Sabemos que no se trata de un hecho aislado, ya que es una acción habitual de todos los Estados, especialmente cuando una movilización ataca el orden y la paz de los ricos. ¿Cómo está estructurada la policía colombiana y cuál ha sido la historia de la represión policial contra las manifestaciones?

El escuadron antidisturbios ESMAD es una cosa brutal, estan mucho mas equipados que el choque de ordem, que la guendarmeria y los carabineros, es una mezcla de robocop y batman, y tienen una letalidad brutal, el enfrentamiento con ellos es casi imposible mas cuando uno ve a los jovenes parados frente a ellos piensa mucho en lo que se ha vuelto esta lucha, una cosa ya desesperacion absoluta. Ademas ahora con las tanquetas que los acompañan y que fueron adquiridas en pandemia, se llaman las Venom y tienen un disparador de mas de 24 tiros de todo tipo de balas recalsadas, aturdidoras, y cargas tanto disuasivas y letales.

La policia, esta formada por varios organismos, la sijin que son unos asesinos muchas veces de civil esos deben ahora estar montando tremenda persecusion, la policia de verde, y otra que apoya a los antidistubios, eso es algo muy brutal, apoyando a los frentes paramilitares fuertemente armados, como se puedo ver en la ciudad de cali hace dos dias.

Ya llevamos mas de 20 años con el ESMAD y hemos exgidio su desmonte, apenas ahora 16 años despues condenan a uno de ellos por asesinar a Nicolas Neira un joven anarquista de 15 años en bogota.

Ahora se cuenta mas de 40 muertos en estas jornadas, unos por el ESMAD, otros por paramilitares y policiales. y algo de lo que no hemos hablado es los desaparecidos, ya van llegando a los 1000, y esto frente al acumulado de la guerra en colombia que se cuentan por miles. Medellin y antioquia son los mas afectados por este flajelo (https://caosdisfuncional.medium.com/desaparici%C3%B3n-forzada-en-antioquia-colombia-6a457f765b23).

¿Hay algún debate sobre la autodefensa en las calles? ¿Hay algún debate por parte de los movimientos y colectivos sobre la abolición de la policía, por ejemplo?

La palabra autodefensa no se emplea por que para nuestro contexto es parte de lo que proponen los grupos paramilitares de organizacion y enfrentamiento a las guerrillas y al pueblo organizado. No sabria decir cual es el tipo de debate, se habla mucho de los cuidados y de la organiacion en Minga que proponen los indigenas del Cauca, que involucra trabajo colectivo y organizacion horizontal y proteccion.

y si, acerca del asunto policial/militar si hay mucho debate hace muchos años, la campaña por el desmonte del esmad, y tantas otras contra el terror de estado, de hecho todo esto junto con la JEP, juridisccion especial de paz, y la comision de la verdad que se abrieron del proceso de paz, aunque esto puede fracasar como la experiencia de ustedes con la comision de la verdad, se ha logrado exponer con claridad como es el terror de esta guerra, ahora que cambia la situacion actual? que la guerra entro a la ciudades, nos quieren llevar a un escenario de guerra civil.

Ya hace muchos años trabajamos en las cuestion antimilitarista, en contra de la ocupacion militar, entonces todo esto que vimos en estados unidos con George Floyd, lo que pasa en mexico con los desaparecidos y los narcos, con brasil con las milicias, las chacinas pasa por nosotros aca y nos toca…

Por último, nos interesan mucho las diferentes expresiones del anarquismo en la región conocida como Sudamérica. Así que nos gustaría que hablaras un poco sobre las fuerzas involucradas en las luchas anárquicas en la región colombiana.

El anarquismo ya viene desde hace unos años con nosotrxs, y cada vez mas, muchas gente a fin a la causa anarquica, es muy bonito ver eso en colombia, por que no tenemos una tradicion de anarquistas, tambien hemxs migrado mucho por la guerra, entonces cada vez mas nos enteramxs que pasa con nuestros hermanxs, estar como en la mitad entre san pablo y san francisco en california nos permite un intercambio muy interesante, Bogotá es una ciudad que ha tenido una expancion del anarquismo muy intersante de seguir. De que fuerzas se podrian hablar? la feminista esta muy fuerte, tambien la ecopolitica pienso ha tomado mucha fuerza, y bueno vemos que proliferan mucho ahora las acciones directas del arte urbano, un movimiento de denuncia muy activo, ademas los indigenas del cauca y los procesos de liberacion de la madre tierra, y las mismas organizaciones negras, hasta las campesinas. En todo lo que hemxs sembrado con todxs los compañerxs que han pasado por él y se han solidarizado con las comunidades y colectivos en este territorio. La causa anarquica puede encontrarse de muchas maneras muy bonitas de experimentar.

Ahora acerca de las armas? eso es muy complicado de abordar para nosotrxs. Ahora un amigxs de la flor do asfalto aquella ocupacion en la zona portuaria de Rio donde conocimos a nuestros compañeros, me hablaba del escenario en Birmania de guerra civil como esta acontenciado ahora, y esto ya acontece con nostrxs en apenas casi 15 dias de el ultimo levantamiento.

Por otro lado estas generaciones se formaron con la resiliciencia y como analiza el NuSol en SP esto puede ser una deriva al fascismo, otros como nosotrxs en las causas antimilitaristas y en la resistencia cultural, de ahi aprendimos y no tendriamos otra que posicionar esto, y pienso que lo hemxs venido haciendo hace ya muchos años. Vamos a ver como desencadenan estos acontecimientos, por ahora se esta viendo mucho apoyo internacionalista, tambien muchos colombianos migrantes agitando y denunciando, entonces lo importante es no quedarnos solxs.

Hace dos dias estaba en un bloqueo de via nacional, llegaba gente de todos los pueblos del oriente de antioquia, el departamento de medellin, y hubo concierto, quema de llantas, olla comunitaria, y montamos el taller de serigrafia, Entonces algo ha pasado para podamos hacer todo esto, mañana vuelven las movilizaciones, y asi estamxs…

CONTRA A RESIGNAÇÃO — Entrevista Sobre a Situação de Mónica Caballero e Francisco Solar

Em julho de 2020 a polícia do Chile prendeu Mónica Caballero e Francisco Solar com acusações que os ligam a atentados a bomba. Mónica e Francisco já são perseguidos pelos estados chilenos e espanhóis com acusações semelhantes por mais de 10 anos. Suas detenções ocorrem em um momento no qual o Estado acentua a perseguição e os golpes contra iniciativas anárquicas, sobretudo após a insurreição que toma as ruas do Chile desde 2019 e atravessam o período de pandemia.

Mónica e Francisco durante julgamento.

A solidariedade a todas as pessoas que lutam por um mundo livre do estado e do capitalismo é, por definição uma luta internacionalista. Primeiramente, por princípios, mas também porque a colaboração e o intercâmbio entre as forças policiais e militares para reprimir movimentos e indivíduos rebeldes é também uma luta global. Como apontam camaradas da rede CrimethInc.:

“O caso contra Mónica e Francisco no Chile oferece um vislumbre de um possível futuro após as revoltas anti-polícia em andamento. Podemos ter certeza de que o governo dos Estados Unidos prestou muita atenção às estratégias que governos como da França, de Hong Kong, e do Chile usaram para reprimir rebeliões dentro de suas fronteiras — e podemos acreditar que o governo brasileiro está buscando aprender as mesmas lições. Quando um estado democrático como o Chile consegue empregar uma estratégia de repressão, isso representa um passo à frente para todos os outros governos democráticos que também buscam subjugar sua população.”

Portanto, para dar continuidade às publicações em solidariedade permanente com Mónica e Francisco, realizamos uma entrevista com Familiares y Amigxs de Presxs Subversivxs y Anarquistas da região chilena. Para além da atualização sobre o processo, tratamos da importância da solidariedade ativa com as pessoas presas e as recentes lutas no território dominado pelo Estado chileno.


Nos últimos anos, Mónica e Francisco foram alvo de acusações e prisões tanto no território dominado pelo Estado chileno em 2010 (no que ficou conhecido como “Caso bombas”) quanto no espanhol alguns anos depois. Gostaríamos que vocês comentassem um pouco sobre esse histórico de perseguição e qual foi o impacto nos espaços e na luta em geral.

Para contextualizar um pouco e contar brevemente sobre os casos repressivos nos quais ambxs compas estiveram envolvidxs, é necessário começar em 2010. O Estado buscou dar um ponto final aos diferentes ataques com explosivos por parte de grupos anarquistas e anticapitalistas, e assim lançou uma arremetida contra distintxs companheirxs anarquistas sob acusações de formar parte de uma “Associação Ilícita Terrorista”, golpeando distintas expressões antiautoritárias. Após passar muitos meses na prisão, uma longa greve de fome e mobilizações, xs companheirxs conseguiram ser soltxs para enfrentar um extenso julgamento do qual foram posteriormente absolvidxs.

Um pouco depois, Mónica e Francisco partiram para a Espanha e em 2013 foram detidxs pelo ataque explosivo à basílica de Pilar. A colaboração entre os Estados foi evidente desde o primeiro momento e cabe observar que durante a investigação pelo ataque e antes das detenções, diferentes informes policiais e agentes de inteligência viajavam de um lado a outro, dando recomendações de por onde direcionar a investigação e confirmando as suspeitas em torno axs companheirxs.

Após um rápido julgamento, foram condenadxs a 12 anos de prisão, para logo conseguirem baixar sua pena para 4 anos e meio, conseguindo ser expulsxs para o Chile em 2017, com o correspondente circo midiático e perseguição policial que durou vários meses.

Em 24 de julho de 2020, dia em que foram sequestradxs pelo Estado chileno, Mónica e Francisco tiveram suas prisões preventivas decretadas por 6 meses para investigação. Recentemente, esgotado esse tempo, um novo prazo foi estipulado e a prisão foi prorrogada sem que tenha havido uma sentença. Qual é a situação do processo? Existe alguma previsão de data para que seja realizado o julgamento?

A situação processual é a seguinte: Francisco é acusado pelo envio de dois pacotes explosivos para a 54ª Delegacia de polícia e ao ex-ministro do interior Rodrigo Hinzpeter (cúmplice de uma brutal repressão durante o seu mandato), o artefato enviado para a polícia conseguiu explodir enquanto que o destinado ao ex-Ministro por acaso não foi aberto e conseguiram descobrí-lo logo após a primeira explosão; Mónica e Francisco são acusadxs do duplo atentado explosivo em uma imobiliária no bairro dos ricos durante a revolta.

Ambxs estão formalizadxs sob a lei de controle de armas, além de várias acusações de homicídios frustrados. Quando foram detidxs, o tribunal lhes deu um prazo de 6 meses de investigação, data que foi renovada agora em fevereiro de 2021. É possível que se prolongue esse período investigativo por 2 anos antes de acontecer o julgamento.

Acreditamos que se a procuradoria quisesse já poderia realizar o julgamento, mas também ao que parece esta demora teria a ver com a participação da equipe de investigação em outros julgamentos ou talvez com a revisão minuciosa do processo judicial para que nenhum erro seja cometido, como ocorreu no “Caso bombas”.

Sob o argumento sanitário de combate ao Covid-19, tanto Mónica e Francisco como as demais pessoas presas foram impedidas de receber visitas, o que as deixou em uma espécie de isolamento ainda mais severo dentro da prisão. Como está a situação no momento? As visitas já voltaram a ocorrer? Como Mónica e Francisco se encontram neste momento?

A situação segue restrita basicamente a uma visita, somente uma pessoa durante 2 horas a cada três semanas. Cada prisão e regime tem suas particularidades. No caso da Mónica, ela tem de escolher esta semana se deseja ter uma visita ou se receber uma encomenda (alimento que entra na prisão, entregue por pessoas solidárias), enquanto que no caso de Francisco as limitações o obrigam a receber somente visitas de sua família “sanguínea”. Desde “Familiares y amigxs de Presxs Subversivxs y anarquistas” temos participado informando e lutando, com diferentes formas de agitação, pela volta das visitas.

Concretamente, ambxs se encontram bem, vivendo diferentes realidades da prisão. Francisco, por sua vez, se encontra sob estrito isolamento, grande parte do dia trancado, com escassa ou nenhuma luz solar, enquanto que Mónica está na _Sección de Connotación Pública_, isolada do resto da população penal, tendo de conviver com presas que estão isoladas das demais por serem acusadas de crimes considerados intoleráveis e que podem ser alvo de vingança das outras presas.

Apesar das distintas realidades, ambxs se encontram bem de ânimo, têm acesso a telefones da gendarmeria para poder se comunicar com amigxs e companheirxs, sempre perguntando sobre o exterior e por demais compas que estão na prisão.

O território dominado pelo Estado chileno é muito convulsivo e tem um histórico intenso de insurreições e lutas anárquicas. Das que mais temos notícias são a intensificação do levante mapuche dos últimos anos, sobretudo com as recuperações territoriais, e a revolta de 18 de outubro de 2019. Nos chegam informações de várixs mapuches presxs e assassinadxs (como foi o caso mais recente da compa Emília BAU, morta por sicários de um condomínio privado em Panguipulli), assim como outras mais de 2 mil pessoas detidas, muitas feridas e outras assassinadas por carabineiros. Nos parece muito evidente que a prisão das pessoas envolvidas nas lutas é um golpe dos Estados para tentar apagar a chama insurreta que arde nas ruas. Gostaríamos que vocês comentassem um pouco sobre a situação atual das lutas por aí e como analisam essa reação das forças repressivas.

O panorama repressivo é amplo, assim como a luta. Sem dúvida, desde 18 de outubro, quando começou a revolta no Chile, por um lado marcou um antes e depois, mas ao mesmo tempo uma continuidade e agudização. É inegável que muita gente está na prisão por relação com a luta, em dezembro de 2019 se chegou ao número de 2500 presxs da revolta, cifra que logo foi caindo paulatinamente. É uma realidade ampla e diversa, mais do que um grupo homogêneo e com posições claras.

Sobre xs presxs da revolta, igual que xs mortxs e multiladxs, produto da repressão naquele pocesso, é necessário assinalar que nem todxs são companheirxs revolucionárixs, mas sim pessoas que se levantaram contra a ordem imperante, pelos motivos mais variados.

É uma realidade ampla e diversa, com muitas posições políticas, desde as mais anárquicas e irreconciliáveis até posturas cidadãs e de gente desejosa de integrar o sistema, passando por muitas outras que simplesmente estavam cansadas e saíram a protestar espontaneamente com muita raiva. É importante assumir essa diversidade para não cair em romantizações, idealizar situações ou forçar dinâmicas que não são assim.

É justamente considerando essa realidade que surgiram diferentes iniciativas solidárias com xs presxs da revolta, como também em memória e vingança axs mortxs e multiladxs, assim como contra o Estado.

Mesmo com a perseguição constante por parte do Estado, Mónica e Francisco se mantiveram em combate com a cabeça erguida , sobretudo na prisão. Inclusive escreveram um comunicado que aborda a necessidade de sintonia entre as lutas dentro e fora das prisões. Ela e ele conseguem ter contato com as outras pessoas subersivas que também estão na prisão? E com as que estão fora? Está permitido o acesso a libros e cartas, por exemplo?*

Mónica e Francisco têm feito parte de um entorno de proximidade com xs companheirxs na prisão há anos, ambxs eram visitas frequentes de compas subversivxs presxs. Portanto, essa relação se mantém inquebrantável, mas simplesmente mudou de forma e modalidade. Francisco, apesar de estar na mesma unidade penal, tem pouco contato direto com quem se encontra na Segurança Máxima e quase nenhum contato direto (cara a cara) com quem está na Alta Segurança, mas mesmo assim redes e vínculos são fortalecidos, existindo comunicação fluída entre todxs xs companheirxs.

Como uma amostra se pode observar o escrito em conjunto entre distintxs companheirxs, escrito desde dentro, chamado “Ante la revuelta, el plebiscito y la situación judicial: Comunicado de prisionerxs de la guerra social por la destrucción de la sociedad carcelaria

Como vocês analisam a importância da solidariedade transpassar tanto os muros das prisões quanto a fronteira entre os Estados?

Esse é um dilema necessário e interessante, um desafio para a luta anárquica. No caso dxs companheirxs, já nos deparamos com a questão da solidariedade internacionalista em 2010 com o “Caso bombas” onde se forjaram informalmente belas redes e sintonia internacional com xs detidxs. Por outra parte, quando foram presxs na Espanha essa pergunta se dirigia a nós, sobre nossa capacidade de articulação e de transpassar as fronteiras. Hoje xs compas estão presxs aqui, existe um monte de cotidianidade de urgência para resolver, desde o doméstico, a encomenda, o dinheiro, o legal etc., que sempre se requer ajuda.

Mas esse é somente um aspecto da solidariedade, existindo por outra parte a difusão e agitação do caso e talvez mais importante e nutritivo são os debates públicos em torno das prisões dxs companeirxs. Trazer para as ruas, deixar que falem somente e exclusivamente desde sua condição de prisioneirxs e ir contribuindo na luta.

Em outra dimensão, existe um temor que a solidariedade com ambxs esteja cheia de resignação, de que não valha a pena lutar e que somente sobraria aceitar com resignação uma possível condenação para logo ter de se encarregar dos gastos da vida dxs companheirxs na prisão. Esse cenário é realmente o pior.

Por fim, como as pessoas solidárias podem apoiar a campanha pela liberdade de Mónica e Francisco? Exite algum canal no qual se pode acompanhar as informações e comunicados?

Os textos e informativos nós subimos nas páginas de contrainformação, tratamos de ser bem explicitxs e regularmente publicar atualizações e informações relevantes. Nos distanciamos das posturas que buscam passar desapercebidas ou baixar a cabeça diante disso. Xs companheirxs estão presxs por ações na luta, são parte da luta há anos e corresponde manter um diálogo e informação com todxs que estejam deste lado da barricada.

Sobre as formas com as quais se pode apoiar, essa resposta radica na capacidade criativa de cada pessoa, desde a difusão e agitação, até a coleta de dinheiro, como também a comunicação direta com elxs mediante cartas, xs contemplar em projetos ou simplesmente levantar uma iniciativa solidária própria.


PARA SABER MAIS:

O FOGO QUE ARDE DESDE A CORDILHEIRA

CHILE: CARTAS DE PRESOS ANARQUISTAS EM SOLIDARIEDADE A MÓNICA E FRANCISCO

Uma Nova Onda de Repressão no Chile – CrimethInc.

Poster em Solidariedade a Mónica e Francisco para imprimir – A.N.A.

Lançamento: Revista Tormenta – 2020

[Baixar PDF]
Neste ano, transformamos nossa modesta retrospectiva anual em uma publicação reunindo os principais conteúdos que publicamos em nosso blog em 2020.

A Revista Tormenta estará disponível para download em PDF livremente e vendida a preços módicos nos melhores infoshops e distribuidoras subversivas ao sul do equador.

Neste ano conturbado colaboramos, também, com algumas publicações para pensar e agir em nosso mundo. Dentre eles, o livro “Antifa: Modo de Usar”, que conta com artigos, entrevistas e traduções que fizemos e publicamos no site e estão inclusos nessa edição de lançamento.

Conteúdo:
  • 2020: um Ano que dispensa apresentação
  • A Revolta é a Vida, a Resignação é a Morte
  • Pandemia e Agronegócio: Entrevista com Rob Wallace
  • ANTIFA: Contra o Que e ao Lado de Quem Lutar – Entrevista com Mark Bray
  • 6 Críticas à Criminalização e ao Mito do “Manifestante Infiltrado”
  • O Fogo que Arde Desde a Cordilheira
  • Cartas de Presos Anarquistas em Solidariedade a Mónica Caballero e Francisco Solar
  • Lula só Fez Autocrítica Onde Estava Certo
  • ROJAVA: Entrevista com Tekoşîna Anarşîst
  • Brasil: Epicentro do Vírus do Populismo?
  • Leituras e Indicações

Abaixo, a apresentação da Revista Tormenta.

2020: um Ano que dispensa apresentação

Escrevemos estas linhas e organizamos esta compilação com alguns dos principais artigos que lançamos em 2020 enquanto janelas e gôndolas destruídas ainda são trocadas em várias unidades do Carrefour pelo Brasil. A revolta que emergiu por conta do assassinato racista de João Alberto em Porto Alegre na véspera do dia da Consciência Negra mostrou que existe uma insurreição latente de forças dispostas a contra-atacar os ricos e suas polícias racistas. Num episódio de retaliação e resposta imediata que nos obriga a lembrar da rebelião após morte de George Floyd nos EUA, corpos revoltados, sobretudo de pessoas pretas e periféricas, demonstraram que é possível se rebelar mesmo na época mais pacificadora das lutas: as eleições.

Entre o primeiro e o segundo turno da eleição para prefeitos, as cidades com os protestos mais combativos foram justamente as que enfrentam “dilemas” maiores nas urnas: Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro. As disputas eleitorais entre partidos de direita e de esquerda institucional – ou entre direita e mais direita no caso do Rio – não dão conta de responder a desejos tão profundos como ver lojas de uma empresa multimilionária em chamas, saqueadas com seus produtos e riquezas distribuídas livremente. O mais próximo que chegam é da discussão de políticas menos racistas dentro do capitalismo (que por essência, é racista, colonizador e promotor de extermínios). Costumamos repetir um enunciado bastante explícito: “ninguém é radical em ano par”. Revoltas, como as de 2013, podem ser rapidamente canalizadas e transformadas em capital político para quem quer “levar as demandas das ruas” para dentro dos palácios em ano de eleição, como em 2014. Se em 2018 foi a direita que deu ao seu mais escandaloso representante o cargo de presidente, é porque souberam canalizar desejos e as ferramentas que os produzem e controlam nas ruas e no mundo virtual. Dilma Roussef, a presidente que não sabia o que era meme enquanto era transformada em um, foi derrubada e perdeu lugar, por fim, para um presidente que faz seus próprios memes e atualiza as formas de governo com base no ressentimento e no orgulho ferido da figura do macho branco, adulto e heterossexual, que se sente ameaçado com a proliferação de práticas e corpos que escapem ao modelo de sua própria identidade dominante. Nesse caso, Narciso não apenas acha feio o que não é espelho. Ele manda matar. Seja pela miséria, seja pela torturas dentro e fora das cadeias, seja pela arma de um policial ou espancado até a morte no estacionamento de um supermercado.

Dentro deste cenário apocalíptico por si só, vimos chegar uma pandemia global inédita na modernidade. Governos viram nisso uma oportunidade de avançar medidas de isolamento e pacificação. Democratas esclarecidos, “progressistas” de toda a ordem, lançam mão dos aparatos jurídicos, policiais e militares para fortalecer os controles sobre as condutas, produzindo pilhas de corpos e um sufocamento ainda maior contra aqueles que se mantém vivos. E engana-se quem pensa que isso é a exceção, que é um desvio. O nome disso é justamente Estado Democrático de Direitos. Em simultâneo, bufões autoritários como Bolsonaro e o derrotado Trump se contentam em ver os efeitos da pandemia assumindo um contorno eugenista e genocida. Enquanto isso, aplaudem e estimulam o agronegócio e a expansão desenvolvimentista e colonial que incendeia a Amazônia e o Pantanal, nos alertando que é dessa destruição dos biomas que virão as próximas pandemias.

Em momentos de crises sobrepostas é que vemos quem são os inimigos da ordem, que são seus defensores e quem são seus falsos críticos – os quais vão se apropriar da rebelião para implementar reparos aos sistema e perpetuá-lo. Em meio a todas essas forma de pacificação, eleitoral e biológica, nos vimos em diversos dilemas que nos faziam pensar sobre quando é “a hora certa” de ir para as ruas e partir para ação, seja de solidariedade com os nossos ou em ataque contra os chefes do sistema que produz pandemias e ecocídios. Mas tanto a solidariedade quanto a revolta tomaram corpo entre os grupos explorados e excluídos com enorme potência. Alguns exemplos foram inspiradores como o do povo do território conhecido atualmente como Chile, que não deixou o vírus interromper de vez um ano de rebelião contra o neoliberalismo; e os movimentos negros e anticapitalistas dos EUA incendiando delegacias e prédios no país inteiro, organizando comunas e zonas livre de polícia quando autoridades mandavam todos “ficarem em casa”. Por aqui, antifascistas, motoboys, mulheres, indígenas e o povo preto periférico mostrou que também há disposição em nosso território para nos encontrar e revidar.

Carregamos a memória das 180 mil mortes pela Covid19, subnotificadas e concentradas na população negra e pobre. Assim como as 3.148 pessoas mortas pela polícia no Brasil apenas no primeiro semestre. Sabemos que a letalidade desse projeto genocida contabilizará ainda mais vítimas até o fim de dezembro. Uma segunda onda do vírus está a caminho e não existe uma vacina para um projeto de Estado e sua normalidade. Apenas a rebelião e a autodeterminação dos de baixo. É preciso acabar com a normalidade!

Internacional Fictícia,
26 de Novembro de 2020.

Entrevista Exclusiva: Tekoşîna Anarşîst – Anarquismo e a Luta pela Vida no Norte da Síria

Em setembro de 2019, logo após o anúncio da invasão turca no norte da Síria em mais um ataque ao povo Curdo e a revolução em Rojava, enviamos entrevistas para grupos internacionalistas atuando por lá junto à revolução, com perguntas semelhantes sobre seu envolvimento no cotidiano do processo revolucionário. Em outubro publicamos uma inspiradora entrevista com a Comuna Internacionalistas de Rojava. Infelizmente, pelos óbvios obstáculos que uma guerra impõe, o coletivo Tekoşîna Anarşîst (Luta Anarquista/TA) não pode responder na época e precisamos esperar um melhor momento para retomar a proposta. Enquanto isso, traduzimos e lançamos uma excelente entrevista feita pela Federação Anarquista Uruguaia em julho de 2020.

Agora, em agosto de 2020, retomamos contato e, felizmente, nossos camaradas puderam ceder um pouco do seu tempo para responder sobre a atual situação dos povos e da revolução em Rojava sob invasão da Turquia de Erdoğan, especialmente no contexto da pandemia da Covid-19. Também abordamos a relação do coletivo com o anarquismo, a revolução em andamento e a luta dos povos no Norte da Síria mas em todo o mundo.

Esperamos seguir trocando e aprendendo com os desafios desse processo revolucionário, com suas grandes conquistas, desafios e contradições. Nos interessa, principalmente, compreender que papéis anarquistas podem desempenhar nesse processo, o que da prática e da teoria anarquista se materializam, contribuem ou mesmo se chocam com a realidade concreta de uma revolução no século XXI.

Facção Fictícia, setembro de 2020
English Version Here

Momentos após comemorar Newroz e derrota militar do Daesh, março de 2019, Baghouz Fawqani.

1. O que é e como vocês definem o trabalho da Tekoşîna Anarşîst? Onde vocês operam e como se dá a relação com as comunidades no território sírio?

Tekoşîna Anarşîst é um coletivo anarquista revolucionário composto de pessoas de diferentes partes do mundo que trabalham no Nordeste da Síria (Curdistão Ocidental) para apoiar a revolução em curso. O que nos conecta não é necessariamente um lugar ou uma região, nem uma prática particular. É mais nossa estratégia de longo prazo, formas de organização, métodos e compromisso para refletir sobre nós mesmos e nossa organização através do aprendizado constante – em outras palavras, nossa perspectiva. Viemos para o Nordeste da Síria inspirados pela revolução iniciada pelo movimento de libertação curdo, para colocar em prática nossas ideias e nosso compromisso de construir autonomia, de construir uma vida livre em uma sociedade sem Estado. Acreditamos que a luta do povo e, especialmente, das mulheres são a principal força para as mudanças revolucionárias, e o que está acontecendo aqui é algo com que anarquistas e outras revolucionárias de todo o mundo podem aprender muito. E que melhor maneira de aprender do que dividir o pão com o povo local e ficar ombro a ombro com eles quando se trata dos desafios que uma revolução traz? Seja pelas difíceis contradições que a sociedade enfrenta ao passar por grandes mudanças, seja pela luta armada contra os inimigos que tentam destruí-la, decidimos ficar aqui e defender a revolução. Tekoşîna Anarşîst não é um grande movimento – ao contrário, é uma gota no oceano da organização da população local.

No entanto, trabalhamos em diferentes áreas de atuação e nosso trabalho é dentro ou coordenado com as estruturas locais. Pode ser trabalho militar, médico de combate, saúde, diferentes formas de organização civil e, o mais importante, educação. Isso é algo fundamental que realmente falta, especialmente no Ocidente – ir mais fundo, aprender, progredir, compartilhar, ouvir, superar o ego, construir narrativas coletivas, redefinir termos e conceitos em um nível mais amplo de “sociedade”, não apenas individualmente em nosso cabeças. Para buscar pontos de conexão em vez de separação. A relação com as estruturas e pessoas locais é fundamental e em muitos níveis a nossa sobrevivência depende disso. Procuramos construir e manter boas ligações com diferentes grupos e organizações locais, com os quais aprendemos muito nesta sociedade repleta de diversidade. Queremos também ampliar essa diversidade, e nosso trabalho inclui criar um lugar na revolução para pessoas que talvez não se encaixem em outro lugar. Camaradas trans e não-conformes de gênero não são bem compreendidas por muitas estruturas aqui, e a sociedade tem relações de gênero muito particulares. Devemos, com cuidado e respeito, criar um lugar para que todos os tipos de camaradas se juntem à luta e também sejamos nós mesmas de uma forma revolucionária. Temos uma grande variedade de identidades de gênero em nossas fileiras e, mesmo que isso traga algumas situações desafiadoras, buscamos nos manter nessa linha, abrindo espaço para pessoas que têm experiências fora da classe privilegiada do patriarcado – ou seja, queremos convidar especialmente mulheres, camaradas trans e queer para trabalhar conosco.

Funeral do anarquista Lorenzo Orsetti membro da TA que caiu em Baghuz Fawqani durante o último ataque contra as forças restantes do Daesh no rio Tigre. Maio de 2019.

2. Vimos que vocês estavam muito envolvidos não apenas no combate em si, mas também no apoio e logística, como quando alguns de vocês estavam trabalhando com a ambulância resgatando pessoas no fronte. Quais são as principais formas de ação que vocês realizam e quais são elas?

No início, a Tekoşîna Anarşîst era principalmente uma estrutura militar para defender a revolução contra os ataques do Estado Islâmico, sempre com o objetivo de apoiar os movimentos locais e a população local. Percebemos a necessidade de apoiar as equipes médicas das forças militares e começamos a nos envolver nessa frente. Trabalhamos como médicos de combate em diferentes operações e linhas de frente, desde o fim do califado do Daesh em Deir Ezzor, até a resistência contra a invasão turca nas linhas de frente de Serekaniye e Til Tamer. No na área médica, há uma ampla gama de trabalhos que muitas vezes pode mudar da medicina de combate a pontos de triagem, transporte ou trabalho em hospitais. Diferentes pessoas ou grupos trabalham em várias áreas e muitas vezes a necessidade de mudar de uma tática para outra não é uma escolha, mas uma necessidade de acordo com a situação. Portanto, tentamos treinar de uma forma que nos permita ser flexíveis no modo como atuamos. Alguns de nós já tinham formação médica, mas aqueles que não, receberam educação aqui dos companheiros. A maior parte disso foi construída do zero, impulsionada pela necessidade e urgência da guerra, e todos podem ter que assumir um trabalho que não sabiam fazer antes – para se defender, defender seus companheiros e as pessoas. Quando camaradas falam em legítima defesa não se referem apenas a lutar com uma arma, porque lutamos pela vida, para defender e sustentar a vida.

Unidade médica de combate TA em Baghouz Fawqani, fevereiro de 2019.

Nossas equipes definitivamente não foram as primeiras nem as únicas atuando como médicos de combate no Nordeste da Síria, mas especialmente no início, isso era bastante raro. Quando olhamos para trás, vemos que havia três objetivos neste trabalho. Primeiro, para ser capaz de fazer este trabalho, de aprender e estar pronta sempre que necessário, para ganhar confiança através do nosso trabalho e fornecer ajuda aos camaradas feridos o mais rapidamente possível. Em segundo lugar, cooperar com as forças locais de uma maneira que mostre através da prática que este é um trabalho muito importante, pressionando para desenvolvermos este papel dentro das fileiras da SDF ( Forças Democráticas da Síria). E terceiro, para ver como podemos compartilhar conhecimentos e habilidades com alguns camaradas interessadas, ​​para multiplicar o número de pessoas engajadas nessa atividade, organizando treinamentos com outros grupos para fornecer mais ajuda nas linhas de frente. Vimos que não basta ser um grupo de médicos de combate, cada pessoa deve ser capaz de ajudar seus companheiros se eles estiverem feridos e também de tratar a si mesmo. Temos treinado a nós mesmas e a companheiros de outras estruturas revolucionárias internacionalistas e, recentemente, pela primeira vez, demos uma educação de primeiros socorros às forças do SDF, o que foi um passo muito importante e também uma experiência agradável. Aqui todos são alunos e professores ao mesmo tempo, o que aprendemos passamos uns aos outros.

Momentos de um treinamento IFAK feito pela TA. Os objetivos dessas educações são expandir as capacidades médicas de combatentes curdos e árabes das Forças Democráticas da Síria (SDF), ensinando ajuda médica básica, como torniquetes.

3. Vocês podem fazer uma breve atualização sobre a situação em Rojava após a invasão turca e seus aliados jihadistas e agora com a pandemia do coronavírus? Como esse novo fator afeta a luta e o cotidiano revolucionário? Existe um programa coordenado a esse respeito? Como o governo turco está se aproveitando dessa situação para entrar em ofensiva?

A ocupação turca, de Afrin em 2018 e sua continuação em outubro de 2019 com Serekaniye e Gire Spî, trouxe a guerra de volta a Rojava e com ela uma nova crise humanitária. Centenas de milhares foram forçados a fugir para salvar suas vidas, procurando abrigo em outras cidades ou campos de refugiados. Isso criou um alto risco de doenças infecciosas, devido às condições difíceis e superlotadas nos campos de refugiados. Além disso, com a atual escalada da crise do coronavírus aqui agora, isso está ficando especialmente perigoso. A guerra também trouxe outros problemas para o sistema de saúde: a maioria das ONGs médicas deixou o Nordeste da Síria quando a invasão começou, por isso perdemos o acesso a medicamentos e profissionais de saúde qualificados. O sistema de saúde de autogestão teve que fazer grandes esforços para cobrir as lacunas deixadas pela retirada das ONGs. Várias precauções foram adotadas em março para evitar um enorme surto de Covid-19 depois que alguns casos positivos foram detectados e por um tempo os esforços foram bem-sucedidos. Isso deu algum tempo para fazer mais preparativos, organizar espaços para atender os pacientes, garantir o fornecimento de suprimentos médicos que pudessem ser necessários e construir respiradores. No início de agosto, os hospitais começaram a detectar pacientes com o coronavírus em diferentes cidades, portanto, as restrições de viagens e outras medidas aumentaram. Ao mesmo tempo, do outro lado da fronteira, a Turquia está tendo grandes surtos de Covid-19 e eles têm enviado vários pacientes infectados a hospitais nos territórios ocupados no norte da Síria, especialmente em Serekaniye e Afrin. Com essas condições, o exército turco aproveitando o surto do vírus para lançar um ataque é uma ameaça muito real, e as forças de autodefesa estão tentando tomar todas as medidas possíveis para evitar um cenário catastrófico. Como antes, não é sobre se o exército turco vai atacar Rojava ou não, é sobre quando e onde eles o farão.

Foto em apoio à Semana Internacional de Solidariedade a Prexs Anarquistas, agosto de 2019.
Grafite no 8 de março de 2019

4. A solidariedade anarquista internacional é um aspecto importante da luta revolucionária na história. E a revolução em Rojava é conhecida por ter alguma influência de pensamentos e perspectivas anarquistas. Quanto dessa influência você vê lá no chão? Como poderia ser maior / mais forte?

Podemos encontrar claramente a influência de algumas perspectivas anarquistas nas ideias do confederalismo democrático. Muita gente já apontou as ligações com as ideias de Murray Bookchin, que fazia um apelo à organização de comunas e à construção de um poder dual, desenvolvendo autonomia e municipalismo com base na ecologia e na democracia direta. Também podemos encontrar influências de outros pensadores anarquistas, entendendo o Estado como o principal sistema de violência e opressão e a consequente determinação de construir uma sociedade sem Estado. Mas acima de tudo, as mudanças mais relevantes vêm do movimento das mulheres curdas, dizendo abertamente que temos que nos livrar do Estado para superar o capitalismo e que temos que derrubar o patriarcado para superar o Estado, trazendo a libertação das mulheres como a prioridade deste movimento.

Mas esses desenvolvimentos ideológicos nem sempre trouxeram uma mudança radical na forma como o movimento revolucionário curdo é organizado, e ainda vemos grande influência das velhas práticas marxista-leninistas que os movimentos anarquistas criticam, como centralização e organização hierárquica. Essas contradições são o principal desafio quando se trata de medidas práticas e muitas vezes há abordagens paternalistas em relação à sociedade – herança da mentalidade vanguardista dos partidos revolucionários. Enfrentar essas contradições e poder seguir avançando é um dos maiores desafios para anarquistas aqui. Permanecer em solidariedade crítica e cooperação com um movimento que, mesmo que não concordemos em alguns aspectos, é hoje um dos processos revolucionários mais relevantes em que podemos nos encontrar. Há muita coisa longe da sociedade utópica sonhamos: as comunas locais não são os conselhos revolucionários que gostaríamos de ver, os latifundiários ainda possuem grandes terras, os velhos ainda vendem suas filhas para casamento em troca de dinheiro ou mercadorias, as pessoas estão com fome e precisam unir forças militares para alimentar suas famílias, SDF está lidando com as forças imperialistas e fazendo acordos com empresas dos EUA para controlar os campos de petróleo, milhares de soldados do Daesh estão nas prisões à espera de uma oportunidade de escapar e reconstruir o sangrento califado, Afrin, Serekaniye e Tal Abyiad ainda estão sob Ocupação turca… É muito difícil desenvolver soluções estáveis ​​para esses problemas, com ou sem perspectivas anarquistas.

Fotos da ambulância dos médicos de combate TA na linha de frente, março de 2019, Baghouz Fawqani.

Até agora, os movimentos organizados anarquistas não desempenharam um grande papel nesta revolução. Se olharmos para o número de anarquistas e outros internacionalistas revolucionários envolvidos na Revolução e Guerra Civil Espanhola em na década de 1930 e compará-los com o envolvimento no nordeste da Síria, não sentimos nada além de decepção. Fica pior se compararmos quantas pessoas de tantos lugares diferentes se juntaram ao Daesh na última década. Isso não quer dizer que todo revolucionário deva correr para o Nordeste da Síria agora mesmo, mas com certeza é algo que deve nos fazer refletir sobre qual é a atual situação da solidariedade internacional anarquista. No Ocidente, nossos movimentos que se autodenominam revolucionários são referentemente baseados em identidade e subcultura, influenciados pela modernidade capitalista em todos os aspectos de nossas vidas. O surgimento do YPJ/G tornou-se acessível para nós devido à atenção da mídia, às campanhas nas redes sociais e aos cartazes nas paredes. Essas coisas não são ruins em si mesmas, mas precisamos ir mais fundo do que isso. Precisamos nos perguntar por que essa revolução está avançando enquanto nossos movimentos estão paralisados, o que significa ser um revolucionário, que tipo de vida nos esforçamos para viver, que tipo de relações desejamos ter, o que significa liberdade para nós e como muito disso é influenciado pelo liberalismo e individualismo (“Eu faço o que quero”). Sabemos que também temos a responsabilidade de como a luta se apresenta no Ocidente, e não nos demos tão bem com nossa própria comunicação midiática no passado. Percebemos que apenas começamos a entender um pouquinho de todas essas perguntas e que encontrar respostas será uma luta de longo prazo, não algo que possamos resolver por meio de atalhos superficiais. Se queremos ter uma influência maior nos movimentos revolucionários internacionais, essas são questões e contradições que devemos refletir.

Solidariedade com todos que lutam contra o patriarcado todos os dias! Em Baghouz Fawqani, março de 2019.

5. O que mudou no contexto da vida diária e das organizações populares desde a queda do ISIS como costumava ser?

Existem várias mudanças que podemos mencionar relacionadas com o fim do califado. Os primeiros são os desafios e contradições sociais que a autogestão enfrenta para integrar todas as áreas libertadas do Daesh. Cidades como Raqqa, Manbij e Tabqa, que viveram alguns anos sob o fascismo teocrático do Estado Islâmico, agora fazem parte da autogestão e têm que enfrentar não só a reconstrução das cidades depois da guerra, mas também os conflitos e contradições das mudanças sociais. Esses desafios são ainda maiores em territórios como Deir Ezzor, que também são terras árabes tradicionais com um sistema tribal e conservador profundamente enraizado, longe dos valores revolucionários da autogestão em temas como organização social, liberdade religiosa e principalmente a libertação da mulheres. Junto com os desafios sociais, existem também desafios econômicos, ecológicos e militares. Células adormecidas dos islamitas continuam atacando e desestabilizando a região e as forças leais ao governo de Bashar Al-Assad estão fazendo operações para retomar o controle do território, tentando derrubar a Autoadministração.

Claro que a invasão turca torna tudo ainda mais complicado, não só pela ocupação militar das regiões de Afrin, Serêkaniye e Gire Spî, mas também pela guerra especial em outros territórios, como cortar o acesso à água e focar ataques de drones em alvos selecionados . O Estado turco sempre utilizou o Estado Islâmico, fornecendo-lhes armas, cuidados médicos e ajuda para atravessar a fronteira com a Síria. Vários prisioneiros do Daesh que foram entrevistados falaram sobre o apoio contínuo da Turquia e, quando os combatentes do Daesh capturados conseguem escapar da prisão, eles correm de volta para as áreas controladas pela Turquia. Após a derrota do califado na primavera de 2019, os soldados do Estado islâmico se uniram às fileiras das forças de ocupação turcas, levando consigo sua ideologia fundamentalista. Esses grupos, sob a égide do TFSA (Exército Livre da Síria, apoiado pela Turquia), estão alimentando os sonhos imperialistas neo-otomanos de Erdogan, cometendo terríveis crimes de guerra sob a bandeira de um estado da OTAN. O mundo inteiro sabe disso, e a OTAN está lá para proteger os interesses e benefícios da indústria militar, corporações que lucram com a morte e a miséria, não para responsabilizar os Estados membros. Isso dá ao Daesh a oportunidade de continuar suas operações e reorganizar o fascismo teocrático para manter sua “guerra santa” contra a humanidade, não apenas no Oriente Médio, mas em todos os lugares onde possam expandir sua influência.

Registros da cerimônia em memória de Lorenzo Orsetti (Tekoşer Piling), lutador italiano da TA que caiu em Baghuz Fawqani durante o último ataque contra as forças restantes do Daesh no rio Tigre. Maio de 2019.

6. Quais são as suas perspectivas de futuro para a revolução? Vocês esperam que o trabalho da Tekoşîna Anarşîst possa inspirar outros revolucionários ao redor do mundo?

Depois de anos de guerra, muita coisa aqui está destruída. Em todas as cidades existem ruínas de casas antigas, bombardeadas e destruídas, cheias de buracos de bala. Mesmo assim, as pessoas vivem nessas ruínas, porque não têm para onde ir. Alguns deles tentam consertar aquelas ruínas, recolocando tijolos quebrados, construindo paredes novamente, montando o quebra-cabeça novamente. Outros decidem demolir as ruínas completamente e construir uma nova casa ao lado delas. Pegam o que ainda pode ser usado e recomeçam.

Sentimos que nossas vidas na sociedade patriarcal e capitalista são muito assim. Vivemos em lugares social e emocionalmente destruídos, desconectados de nossos vizinhos, sem muitas opções de como viver, mas também sem alternativa, sem para onde fugir. Qual é a melhor abordagem para uma revolução? Reconstruir dentro do sistema, usando o pequeno abrigo e segurança que ele oferece enquanto tenta reorganizar as peças até que algo melhor cresça a partir dele? Ou derrubando tudo, nos expondo ao espaço frio e vazio, onde tudo é possível? Esperando poder construir algo bonito, mas sempre sob o risco de que alguém construa algo terrível mais rápido.

Alguns momentos do hospital Serekaniye durante a invasão turca, combates e bombardeios à cidade.

Como fomos inspirados por outros camaradas ao redor do mundo e sua luta, é claro que esperamos que nossas histórias e nossas ações inspirem outras pessoas também. Às vezes é difícil saber se estamos construindo uma base estável ou apenas jogando algumas pedras ao redor. Portanto, desviando o olhar de nossas próprias obras e nos concentrando em nossos camaradas em todo o mundo, podemos ter uma visão mais ampla. Podemos encorajar umas às outras e dar força e perspectiva, trazer conselhos e encontrar inspiração, ajustando nossos planos para que um dia os resultados do nosso trabalho se encontrem e se conectem.

Aqui em Rojava temos o privilégio de aprender com esta revolução e este privilégio vem com o dever de traduzir as perspectivas e experiências que aqui estamos reunindo. Para que nossos companheiros possam entender o significado, aprender e se desenvolver.

Queremos construir pontes entre nossas pequenas casas revolucionárias, ajudar umas às outras na criação de comunidades mais saudáveis e estáveis, para que possamos juntos desafiar a ordem patriarcal e capitalista de nossas sociedades de todos os lados e ângulos, cada um de nós de seu próprio lugar e perspectiva, para que nossas batalhas individuais se tornem uma luta forte.

Homenagem no túmulo de Mikhail Bakunin na Suíça em memória de um combatente da TA, TAevger Makhno, um camarada da Turquia que caiu enquanto defendia Afrin em março de 2018.

7. Agradecemos muito por compartilharem perspectivas neste momento delicado, esperamos que essa conversa possa ser útil para pessoas de todo o mundo trabalharem em solidariedade e apoio total às pessoas no norte da Síria. Alguma consideração final?

Obrigado pelo espaço e apoio. Talvez estejamos trazendo mais perguntas do que respostas, mas às vezes o caminho mais longo traz a experiência mais significativa, que não podemos medir com os passos que damos hoje. Acreditamos que a busca que iniciamos aqui nos levará a um lugar melhor e essa é a fé que nos torna capazes de lutar por um futuro melhor.

Há muito trabalho pela frente e muitos obstáculos no caminho. Faremos o nosso melhor para manter a promessa aos nossos camaradas caídos, para encontrar o caminho e a força que eles nos mostraram que nos ajuda a navegar nos momentos mais sombrios.

Gravura em memória de Lorenzo Orsetti na Grécia.

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