ENTREVISTA: Anarquistas Iraniano falam sobre os protestos em resposta ao assassinato pela polícia de Mahsa Amini

INTRODUÇÃO

A 13 de setembro de 2022, Mahsa Amini, de 22 anos, foi presa por uma “patrulha de orientação” iraniana (também conhecida como “polícia da moralidade”). Mahsa foi presa em Teerão por não respeitar as leis relacionadas ao vestuário. Três dias depois, em 16 de setembro, a polícia informou a família de Mahsa de que ela “teve uma paragem cardíaca” e tinha entrado em coma dois dias antes de morrer.

Relatos de testemunhas oculares, incluindo o do seu próprio irmão, mostram de forma clara que ela foi brutalmente espancada durante a prisão. Exames médicos divulgados indicam que ela sofreu uma hemorragia cerebral e um acidente vascular cerebral  – lesões causadas por uma pancada que levaram à sua morte.

Manifestantes em Istambul, Turquia, seguram uma imagem de Mahsa Amini.

Desde que esta informação se tornou pública, protestos em massa eclodiram em todo o Irã para denunciar o assassinato de Mahsa pela polícia.

Para entender melhor essa situação em rápida mudança, realizamos uma breve entrevista com a Federação Anarquista ERA, uma organização com seções no Irã e no Afeganistão.

Esta entrevista foi realizada entre os dias 20/09/22 e 23/09/22.

ENTREVISTA

Black Rose / Rosa Negra (BRRN): Em primeiro lugar, poderiam apresentar-nos a Federação Anarquista ERA?

FAE: A Federação Anarquista ERA é uma federação anarquista regional ativa no chamado Irã, Afeganistão e mais além.

A nossa federação é baseada no Anarquismo de Síntese, aceitando todas as tendências anarquistas, exceto as tendências nacionalistas, religiosas, capitalistas e pacifistas. Os nossos muitos anos de experiência organizativa em ambientes extremamente opressivos como o Irã nos levaram a desenvolver e a utilizar táticas e filosofias organizativas insurrecionais.

Somos uma organização ateísta, vemos a religião como uma estrutura hierárquica que é mais antiga e duradoura do que quase todos os outros sistemas autoritários e muito semelhante ao capitalismo e outras estruturas sociais autoritárias que escravizam hoje a humanidade. A guerra de classes, do nosso ponto de vista, inclui a guerra contra o clero que nos rouba a liberdade e a autonomia, definindo o que é sagrado ou tabu, e impondo-os através da coerção e da violência.

BRRN: Quem foi Mahsa Amini? Quando, porque e como ela foi morta?

FAE: Mahsa Amini, a quem a sua família chama Zhina, era uma jovem curda comum de 22 anos, natural da cidade de Saghez (Saqez) no Curdistão.

Ela estava viajando com sua família para Teerã para visitar famíliares. Em 13 de setembro, enquanto estava com o seu irmão, Kiaresh Amini, a polícia da moralidade ou a chamada “Patrulha de Orientação” prendeu Mahsa por usar “hijab impróprio”. O irmão dela tentou resistir à prisão, mas a polícia usou gás lacrimogêneo e também espancou Kiaresh.

Muitas outras mulheres presas testemunharam o que aconteceu na van da polícia. No caminho para a delegacia, houve uma discussão entre as mulheres detidas e os policias. Mahsa Amini foi uma das que protestaram contra a prisão. Ela disse que não era de Teerã e que deveria ser libertada.

A polícia usou de violência física para calar todas as detidas. Mahsa também foi espancada. De acordo com testemunhas oculares, a policia atingiu a cabeça de Mahsa fazendo com que batesse com força na parte lateral da van em que seguiam.

Ela ainda estava consciente quando chegou à Agência de Segurança Moral, mas as outras mulheres detidas notaram que ela não estava bem. A polícia mostrou-se completamente indiferente e acuso dela ter protestado durante a viagem. As mulheres continuaram protestando para ajudar Mahsa a obter os cuidados médicos que ela precisava. Os protestos foram recebidos com violência por parte da polícia. Mahsa Amini foi novamente espancada pela polícia e perdeu a consciência.

A polícia tentou reanimá-la bombeando ar com massagens no peito e levantando e massageando suas pernas. Após essas tentativas frustradas, a polícia agrediu as outras mulheres confiscando todos os celulares e câmaras que pudessem ter gravado o incidente.

Depois de muita demora e de encontarem as chaves perdidas da ambulância, Mahsa foi levada para o Hospital Kasra.

A clínica que recebeu Mahsa Amini disse num post no Instagram que Mahsa estava com morte cerebral quando foi internada. Este post do Instagram foi posteriormente apagado.

Em 14 de setembro, uma conta no Twitter de um amigo que trabalhava no Hospital Kasra relatou que a polícia ameaçou os médicos, enfermeiros e funcionários para não tirarem fotos ou fazerem vídeos e para mentirem aos pais de Mahsa sobre a causa da morte. O hospital, intimidado, obedeceu à polícia. Disseram aos pais que ela tinha sofrido um “acidente” e a mantiveram em suporte de vida durante dois dias. Mahsa foi declarada morta em 16 de setembro. Exames médicos, divulgados por hacktivistas, revelam fraturas ósseas, hemorragia e edema cerebral.

BRRN: A identidade de Mahsa como curda desempenhou algum papel na sua prisão e na sua morte?

FAE: Sem dúvida, ser curdo em Teerã teve um papel importante na eventual morte de Mahsa. Mas, esta é uma realidade que todas as mulheres no Irã experimentam. Não precisamos ir muito longe para encontrar imagens de vídeos da polícia da moralidade espancando e forçando mulheres a entrarem em vans, atirando mulheres para fora de um carro em movimento e assediando mulheres de hijab devido ao seu “hijab impróprio”. Esses vídeos mostram apenas uma pequena parte do inferno que as mulheres passam no Irã.

O fato de Mahsa estar com o irmão no dia da sua prisão não foi um acaso. Na sociedade patriarcal do Irã, as mulheres devem ser acompanhadas por um familiar do sexo masculino, seja pai, marido, irmão ou primo, para afastar a policia da moralidade e desencorajar indivíduos desagradáveis em público. Casais jovens não devem ser vistos muito próximos um do outro em público ou correm o risco de serem espancados e presos pela polícia da moralidade. Os familiares devem ter documentos como prova caso sejam questionados pela polícia. Prender mulheres por causa de batons e unhas era uma realidade que muitos de nós, mais velhos, nos lembramos vividamente no Irã.

A ameaça de ataques com ácido por “mau hijab” é outro pesadelo que as mulheres enfrentam no Irã.

O patriarcado e a autocracia religiosa afetam todas as mulheres.

BRRN: Como é que o povo iraniano soube da morte de Mahsa? Qual foi a resposta popular inicial?

FAE: Como dissemos anteriormente, havia muitas testemunhas oculares. Nenhuma ameaça poderia ter impedido que a história da morte de Mahsa fosse conhecida.

Vale a pena mencionar que o médico que atendeu Mahsa e o fotojornalista que documentou o estado de Mahsa e da sua família em perigo foram presos, e seus paradeiros são desconhecidos.

A resposta inicial foi de indignação. As pessoas já compartilhavam a história de Mahsa desde o dia 14 de setembro. A indignação ainda não era suficientemente forte para provocar protestos e revoltas. As pessoas ainda pensavam que Mahsa estava em coma e havia esperança de sua recuperação. Então, ela foi declarada morta em 16 de setembro.

Primeiro, houve pequenos protestos no Hospital Kasra, que foram dispersados pela polícia. As faíscas da atual revolta foram acesas em Saghez, cidade natal de Mahsa.

Uma motocicleta da polícia é queimada em uma manifestação em Teerã.

BRRN: Qual a dimensão dos protestos atuais? Em que áreas do país se concentraram as manifestações?

FAE: A situação é muito dinâmica e está mudando excepcionalmente rápido. No momento em que escrevo estas linhas, as chamas da revolta incendiaram 29 das 31 províncias do Irã. Uma das características dessa revolta é que ela se espalhou rapidamente para as principais cidades do Irã, como Teerã, Tabriz, Isfahan, Ahvaz, Rasht e outras.

Qom e Mashhad, as fortalezas ideológicas do regime, juntaram-se à revolta. A ilha de Kish, o centro capitalista e comercial do regime, também se revoltou. Esta é a revolta mais diversificada que testemunhamos nos últimos anos.

Em 23 de setembro, os sindicalistas planejam uma greve geral em favor dos protestos.

O regime planejou uma manifestação do Exército para o mesmo dia. Muita coisa está acontecendo.

BRRN: Como o estado iraniano respondeu a estas manifestações?

FAE: A resposta inicial do regime foi menos brutal do que já experimentámos antes. Uma razão é que eles foram apanhados de surpresa. Não esperavam uma resposta tão forte. A razão mais importante é que Ibrahim Raisi está na ONU. A ausência de altos funcionários, a história divulgada de Mahsa e os protestos, e a pressão exercida sobre o governo sob o olhar atento da comunidade internacional pararam o massacre por enquanto.

Mas não nos enganemos. A polícia matou e feriu muitas pessoas desde o primeiro dia dos protestos. Alguns deles eram crianças de 10 anos e adolescentes de 15 anos. No entanto, antes tivemos  o mês de novembro de 2019, quando o regime massacrou milhares de pessoas em 3 dias.

Em todas as revoltas anteriores, a polícia não foi diretamente o alvo da raiva popular. Mas isso não aconteceu dessa vez. Desta vez, eles são os bandidos e as pessoas querem o seu sangue. Isso esgota-os física e mentalmente, o que consideramos uma boa notícia.

Neste momento, Saghez e Sanandaj estão passando por uma repressão implacável. O regime trouxe tanques e veículos militares pesados para reprimir a revolta. Há muitos relatos de munição real disparadas contra os manifestantes.

Os protestos continuam. Muitos carros da polícia foram vandalizados. As delegacias de polícia foram atacadas e incendiadas. Só precisamos nos armar saqueando o arsenal deles. Então, entraremos numa fase completamente diferente da revolta.

Uma barricada construída em uma manifestação em Teerã em 21/09/22.

BRRN: É correto considerar estes protestos como feministas?

FAE: Sim, absolutamente. Como em todas as outras revoltas, houve desenvolvimentos e movimentações subterrâneas..

Pode-se dizer que a recente campanha de repressão ao Hijab e o aumento da brutalidade da polícia da moralidade começaram em resposta à auto-organização espontânea, autónoma e feminista das mulheres iranianas. No início deste ano, as mulheres no Irã começaram a colocar na lista negra e a boicotar pessoas e empresas, como cafés, que aplicam estritamente o Hijab. O movimento era descentralizado e sem liderança e tinha como objetivo criar espaços seguros para mulheres e membros da comunidade LGBTQ.

Essa opressão brutal culminou neste momento em que as mulheres estão na vanguarda em todos os lugares, queimando os seus lenços e enfrentando a polícia, já sem Hijab. O principal slogan do levante também é “Mulher, Vida, Liberdade”, um slogan de Rojava, uma sociedade cujas reivindicações são baseadas na ideologia anarquista, feminista e laica.

BRRN: Que elementos políticos (organizações, partidos, grupos) estão presentes nas manifestações, se existirem?

FAE: Muitas organizações, partidos e grupos tentam se apropriar ou influenciar os protestos em seu benefício a cada levante.

A maioria deles deparou-se com um problema insolúvel durante esta revolta.

Primeiro, os monarquistas. Reza Pahlavi, o filho caloteiro do ex-xá do Irã, um indivíduo sustentado por dinheiro roubado e redes de mídia fora do Irã, pediu um dia nacional de luto em meio à indignação pública e aos protestos iniciais, em vez de usar seus recursos para ajudar o revolta. As pessoas finalmente viram o charlatão que ele é. A frase “Morte aos opressores, seja o Xá ou o Líder”, foi ouvida em todo o Irã.

Em seguida,  MEK ou Mujahedin Kalq. O MEK tem um problema ideológico com esta revolta. É uma seita cujos membros femininos são forçados a usar lenços vermelhos. A sua origem está numa combinação das ideologias marxistas e islâmicas, dominada pelos marxistas-leninistas antes de 1979, e hoje são uma seita ao serviço de estados capitalistas e imperialistas. No entanto, as mulheres no Irã estão queimando os seus lenços e o Alcorão. Eles não têm voz neste clima político.

Depois, há partidos comunistas que desprezam Rojava e sempre falam mal dela. A sua análise de classe, desmascarada e enferrujada, não os ajuda a ganhar corações aqui.

Apesar de todos os discursos e propaganda na defesa do secularismo e do feminismo, não tinham sequer um slogan voltado para a libertação das mulheres. A sua ideologia impedia-os de gritarem  “Mulheres, Vida, Liberdade”. Eles não tinham nada a dizer, por isso calaram-se. Graças a isso, a sua presença é muito mais fraca nos protestos atuais.

O movimento anarquista está crescendo no Irã. Esse revolta, sem liderança, feminista, antiautoritária e entoando slogans de Rojava, fez com que anarquistas, filiados e não afiliados na federação, tivessem uma forte presença nesse levante. Infelizmente, muitos foram presos e feridos também.

Estamos trabalhando para perceber o potencial anticapitalista desse movimento. Porque a República Islâmica é um culto e uma religião de morte, sendo o patriarcado, o racismo e o capitalismo os seus pilares ideológicos. Para vivermos, precisamos ser livres; e isso não pode ser feito sem que a libertação das mulheres esteja na vanguarda.

Manifestação de estudantes universitário em Teerã em 19/09/22.

BRRN: Em solidariedade. Obrigado pelo seu tempo.

FAE: Solidariedade.

Obs: Esta é uma tradução de uma entrevista publicada no site blackrosefed.org efetuada pelo Portal Anarquista e revisada pela Facção Fictícia

A Outra Campanha 2022 vem aí!

Hoje, dia 16 de agosto, estão oficialmente lançadas as candidaturas para eleger presidente, governadores, deputados e senadores. Essa promete ser a eleição mais acirrada e dura desde a redemocratização do Brasil, quando o governo com maior participação militar da história ameaça diariamente usar a força para resistir a uma derrota eleitoral, colocando em risco a existência em da democracia representativa como a conhecemos.

Quando protestos e contramanifestações que poderiam minar o apoio popular de Jair Bolsonaro nas ruas foram desencorajados e sabotados pela esquerda institucional e os movimentos sob seu guarda-chuva, as únicas formas de protesto restantes foram cartas gestadas pela elite intelectual e econômica para gentil e tardiamente pedir para que a democracia não seja destruída. A Carta aos Brasileiros e Brasileiras de 2022 emula a Carta aos Brasileiros de 1977, que pedia aos militares que devolvessem o Estado de Direito. Na época, foi lida na Faculdade de Direito de São Paulo por um orador no mínimo suspeito, escolhido pelos escritores da carta: o antigo apoiador do golpe de 1964 e membro da Ação Integralista Brasileira, Gofredo Teles Júnior.

Nesse ano, tanto a carta escrita pelos juristas de São Paulo quanto a escrita pela FIESP, dão o clima de uma suposta “união entre capital e trabalho“, comprovando a tese de que o fascismo atrasa qualquer agenda de esquerda revolucionária, juntando frentes cada vez mais amplas em uma luta para manter tudo como está. Daí segue o risco de um antifascismo que não toma as ruas, que não se propõe combativo e radicalizado, se tornar apenas uma força defendendo abstrações vagas como “liberdade e democracia”, ou uma aliança estagnada que apenas tenta evitar que o capitalismo deixe seus cães de guarda fascistas tomarem a frente do sistema que nunca os eliminou.

Enquanto ainda nos preparamos para possíveis eventos golpistas em setembro e a promessa de tensão e violência nos dias de eleição, lançamos uma edição atualizada do texto base da Outra Campanha e relembramos o vídeo “A Era da Democracia”, com texto e vídeo produzidos pelos coletivos s Antimídia e Facção Fictícia e reunidos no portal A OUTRA CAMPANHA.

Convidamos movimentos, coletivos e qualquer grupo ou indivíduo a reproduzir livremente esses materiais e promover o debate de seus pontos. Apesar das eleições e do voto, e de seus possíveis resultados, a organização de base e radical será necessária para derrotar tanto o fascismo quando o capitalismo como um todo, e não apenas encontrar gestores que pacifiquem as relações de exploração e opressão dentro deles.

Votando ou não, copie e difunda, mas, acima de tudo, se organize para construir um mundo realmente igualitário e livre — um mundo onde caibam muitos mundos!

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Vídeo:


Desde o início dos anos 2000, vários movimentos sociais e grupos anticapitalistas atendem ao chamado do Exército Zapatistas de Libertação Nacional e todo o Movimento Zapatista para uma campanha “abaixo e à esquerda” por mudanças radicais. Desde a primeira marcha que percorreu 32 estados mexicanos em 2006, Zapatistas propõem escutar as comunidades e promover valores como o anticapitalismo, o horizontalismo e a igualdade.

Para ler mais:

SOBRE AS ELEIÇÕES: ORGANIZAR-SE – Subcomandante Insurgente Moisés – EZLN.

DA DEMOCRACIA À LIBERDADE – Coletivo CrimethInc.

ANARQUISMO E A FALÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO – Camila Jourdan

ANARQUIA FUNCIONA – Peter Geoderloos.

ANARQUIA VIVA! POLÍTICA ANTIAUTORITÁRIA DA PRÁTICA
PARA A TEORIA – Uri Gordon.

BANDEIRA NEGRA: REDISCUTINDO O ANARQUISMO – Felipe Corrêa

ANARQUISMO NO SÉCULO 21 – David Graeber

MANUAL ANTIFA – Mark Bray

Equador: Paro Nacional, Parte Dois – Dois Anos e Meio Depois, Outro Levante Abala o País

Devido ao esforço de diferentes internacionalistas, trazemos mais uma entrevista com camaradas nas linhas de frente dos levantes populares no Equador. Em outubro de 2019 houve uma extraordinária revolta indígena e popular no Equador que, após 12 dias e com saldo de 11 mortos, conseguiu cancelar um pacote de medidas neoliberais impostas pelo FMI, entre as quais o cancelamento de subsídio aos preços dos combustíveis. Leia ela em português aqui ou em várias outras línguas no portal de nossos camaradas do Crimethinc.

Novamente, em junho de 2022, estoura a greve geral e os protestos de rua no Equador, que entra em sua terceira semana, com mais de 20 dias do chamado Paro Nacional, novamente liderado pelos movimentos indígenas, novamente contra as políticas do FMI e o aumento dos preços dos combustíveis. Voltamos a entrevistar  o mesmo camarada que está ativamente participando das mobilizações populares encabeçadas por movimentos indígenas que enfrentam a políticas do FMI e o aumento dos preços dos combustíveis, para nos contar sobre a dinâmica da revolta na capital equatoriana num dos maiores levantes em curso na América Latina.

O que significa que as pessoas no Equador tenham que lutar toda essa batalha novamente tão logo após uma vitória histórica? Essa força se espalhará pela América Latina novamente? Leia mais a seguir.


O que aconteceu nos últimos 2 anos e meio no Equador para que, após uma pandemia e eleições parlamentares e presidenciais, voltasse ao ponto de partida?

Após a insurreição popular de 2019, [o então presidente] Lenin Moreno começou a aumentar o preço do combustível gradativamente, ou seja, a vitória parcial de 2019 foi anulada e voltamos ao ponto de partida. Enquanto isso, o atual presidente, Guillermo Lasso, intensificou esse mecanismo, levando o preço dos combustíveis as alturas, provocando de fato um aumento nos preços dos produtos de primeira necessidade.

Moreno conseguiu terminar seu governo, assim como seus ministros. Estes, juntamente com o alto comando da Polícia e do Exército, permaneceram impunes pelos crimes cometidos durante as jornadas de outubro.

Em 2021 houve eleições. O candidato do movimento indígena foi Yaku Pérez, que conseguiu capitalizar o descontentamento de outubro, mas não foi suficiente para chegar ao segundo turno das eleições e ameaçar a vitória de Andrés Arauz, candidato do Correismo [Levado ao poder pela “maré rosa” que estabeleceu governos em toda a América Latina, Rafael Correa foi presidente do Equador de 2007 a 2017; hoje, acusado de corrupção, vive na Bélgica]. Guillermo Lasso, banqueiro responsável pelo Feriado Bancário de 1999 [episódio de congelamento da contas de banco de cidadão equatorianos], chegou ao segundo turno e venceu as eleições. [Em março de 1999, temendo a hiperinflação, o governo equatoriano declarou um feriado nacional, que acabou durando uma semana inteira; na época, Guillermo Lasso era CEO do Banco Guayaquil.]

Na CONAIE [Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador] também houve eleições e o vencedor foi Leónidas Iza, líder do MIC (Movimento Indígena de Cotopaxi) e um dos líderes da revolta de outubro.

“Fora Lasso”: manifestantes se defendendo da polícia ao redor da Casa da Cultura em Quito.

Em 2019, a revolta no Equador ajudou a desencadear revoltas subsequentes no Chile e em outros lugares. Os movimentos na Colômbia, Chile e em outros lugares da América Latina influenciaram os movimentos no Equador desde então?

Após outubro de 2019, em vários países da América Latina, a população se levantou contra seus governos. No entanto, os acontecimentos atuais no país, embora reflitam uma crise geral em todo o continente e tenham sido decisivos no imaginário coletivo, têm uma conotação clara que responde ao contexto conjuntural equatoriano. É como se algo tivesse ficado pendente da revolta de três anos atrás.

Como você definiria ou avaliaria esse primeiro ano de governo de Lasso? Como foi possível que um banqueiro neoliberal se tornasse presidente depois de uma revolta tão forte e bem sucedida como a de 2019, e como ele conseguiu perder esse apoio em tão pouco tempo, de modo que em apenas um ano ele teve de enfrentar outra revolta popular?

Péssimo. Lasso venceu graças ao voto anticorreista. O cenário teria sido diferente se Yaku Pérez tivesse chegado ao segundo turno. Muitas pessoas votaram em Lasso como uma rejeição ao possível retorno do projeto da ex-revolução cidadã. As divisões dentro do movimento indígena favoreceram, em parte, a ascensão de Lasso ao poder.

Assim que seu governo começou, Lasso perdeu seu principal aliado, o Partido Social Cristão. Imediatamente, começou um antagonismo com a Corte Constitucional. Isso, somado ao fato de ter uma minoria na Assembleia, fez com que o banqueiro tivesse que se virar para poder governar.

Sua principal estratégia inicial foi a vacinação em massa da população, fato que o manteve com excelente capital político durante os primeiros meses de governo. Após a fase de vacinação e a pandemia, a realidade do país ficou evidente para todas e todos.

O movimento indígena e diversos setores sociais tiveram duas mesas de diálogo no ano passado e o governo não os ouviu, o que estamos vivenciando agora é consequência da falta de respostas às demandas da sociedade equatoriana que vive na pele as consequências da pobreza , a falta de emprego, a destruição de seus territórios e o aumento da violência nas ruas e nas prisões devido a guerras entre grupos criminosos. Houveram quatro massacres em prisões equatorianas (nos últimos dois anos 360 detentos foram assassinados) e os casos de assassinos contratados, nas principais cidades do país, são o pão de cada dia.

Os bancos não perdoaram as dívidas dos camponeses, nem dos trabalhadores, apesar da pandemia. Não pode haver renascimento econômico para os mais pobres porque os banqueiros os sufocam.

Grafite ao fundo: “Os Mortos.”

A atual Greve Nacional, vista de fora, é muito parecida com a greve de outubro de 2019. Mas será mesmo? Quais são as principais semelhanças e diferenças?

A revolta de 2019 foi a revolta das filhas e filhos da primeira revolta indígena da década de 1990. É uma nova geração cheia de raiva e com sede de justiça.

Ao contrário da greve anterior, coube à CONAIE, juntamente com outras organizações camponesas, declarar uma greve nacional a partir de segunda-feira, 13 de junho. Há três anos, foram os estudantes e caminhoneiros que acenderam o pavio.

Desta vez, as comunidades indígenas resistiram por uma semana em seus territórios antes de chegar a Quito. A capital teve que sustentar a greve nacional sozinha por uma semana. Os estudantes e bairros. Os bairros de Quito, especialmente os do Sul, desde o primeiro dia resistiram em seus territórios. Isso não aconteceu três anos atrás ou pelo menos não com a intensidade de agora.

A repressão tem sido forte, mas além do ocorrido na sexta-feira, 24 de junho, a polícia e os militares têm sido mais estratégicos no uso da força. Isso, por exemplo, evitou que Quito tivesse um surto na primeira semana. Houve marchas, confrontos com a polícia, mas a situação não saiu do controle até a chegada da CONAIE .

Por divergências políticas com as lideranças da Conaie, a Frente Unitario de Trabajadores (FUT), principal sindicato dos trabalhadores, este ano ficou de fora das mobilizações. Os caminhoneiros também não aderiram.

No entanto, a solidariedade do povo não mudou, mas se fortaleceu em relação ao último levante, os companheiros e companheiras estão melhor organizados apesar das dificuldades causadas pelo governo.

No domingo, 19 de junho, primeira semana da greve e com o anúncio da chegada das diferentes comunidades de todo o território a Quito, os militares e a Polícia Nacional ordenaram a requisição da Casa da Cultura Equatoriana (CCE), evitando que este local, ao contrário de 2019, seja o ponto de concentração dos manifestantes, por isso o local das assembleias e o centro logístico da revolta tem sido a Universidade Central. Isso fez com que os confrontos não fossem apenas na área de Arbolito, da Assembleia, do Centro Histórico, mas também no entorno da Universidade.

22 de junho: A polícia do Equador reclama que uma unidade policial “foi totalmente destruída e queimada, assim como viaturas e motocicletas que foram designados para servir aos cidadãos”, juntamente com um pedido de “não mais violência”. Muito interessante, vindo daqueles cuja profissão é exercer violência contra a população.

Você pode fazer uma breve descrição dos principais eventos que ocorreram durante esta Greve Nacional? E quais são suas principais demandas? As demandas do início da mobilização são as mesmas de agora ou algo mudou? Que estratégias, táticas e métodos de luta foram implementados?

Cronologicamente, a greve nacional começou na segunda-feira, 13 de junho. As organizações indígenas e camponesas iniciaram bloqueios de estradas em seus territórios. Em Quito, os estudantes convocaram uma marcha da Universidade Central ao Centro Histórico. Os bloqueios não foram tão fortes e a mobilização foi reprimida no Centro Histórico.

O panorama sugeria uma greve não tão contundente quanto a de 2019. Na madrugada de terça-feira, 14 de junho, o governo cometeu o erro de prender ilegalmente Leónidas Iza, líder da Conaie; causando uma reação imediata em todo o país pela manhã. Este foi o episódio que acendeu o pavio e fez a greve nacional ganhar força. Leónidas Iza foi sequestrado pela polícia por 24 horas e o protesto transbordou. Na cidade de Quito, a Unidade Flagrancia foi atacada e uma viatura da polícia incendiada. Em Latacunga, o movimento indígena ocupou a sede do Ministério Público. No dia seguinte Iza foi liberada, mas teve que comparecer diariamente para assinar na cidade de Latacunga.

Os bairros de Quito a partir do segundo dia se levantaram especialmente na zona sul da cidade e na periferia norte. Eles foram reprimidos por vários dias, mas continuaram a resistir. Os estudantes e movimentos sociais de Quito realizaram marchas de 5 dias em apoio à greve nacional. Quinta-feira, 16 de junho, foi o dia em que mais pessoas foram às ruas, cerca de 10 mil pessoas. Na mesma modalidade, marcha em direção ao Centro Histórico que depois foi violentamente reprimido pela polícia.

A cidade de Cuenca também se levantou, a polícia atacou a universidade onde os manifestantes se refugiaram. Autoridades acadêmicas denunciaram o incidente e pediram uma marcha muito maior no dia seguinte. Na capital, começaram a se organizar grupos que identificaram e afastaram das marchas os policiais infiltrados, dezenas de indivíduos que, ao final das marchas, detiveram colegas após tê-los seguido. Isso colocou em dificuldade o aparato repressivo da polícia. As manifestações tiveram o cuidado da polícia e as fotos desses infiltrados circularam pelas redes sociais. Da mesma forma, antes de expulsar o policial, mostrou-o às pessoas para que pudessem gravar o rosto do intruso.

É importante entender quais são as demandas dessa greve nacional antes de continuar com a cronologia.

Há 10 pontos exigidos do governo: baixar o preço do combustível, criar uma moratória bancária para que a população possa reactivar as suas economias sem sentir a pressão dos abutres dos bancos. Parar de explorar e destruir territórios onde há fontes de água e onde vivem comunidades. Da mesma forma, ativar um mecanismo como consulta prévia nos territórios onde deseja fazer mineração ou extrair petróleo. Outra das exigências é declarar a saúde pública e a educação em situação de emergência. Ambos os setores foram atacados pelas políticas neoliberais do governo e viram seus orçamentos reduzidos.

Preços justos para os produtos agrícolas para que os agricultores possam receber o que realmente vale o seu trabalho.

Um controle mais rígido por parte do governo das necessidades básicas, dada a especulação desenfreada.Suspensão da privatização de setores estratégicos como Previdência Social, Banco del Pacífico, CNT (Corporação Nacional de Telecomunicações), rodovias. Respeito aos 21 direitos coletivos das organizações indígenas e educação bilíngue.

E o último ponto é garantir a segurança dos cidadãos diante da onda de violência nas ruas e nas prisões do país. Todas essas demandas são compartilhadas pela população que está apoiando a greve nacional.

Depois de cinco dias enfrentando a indiferença do governo, o Movimento Indígena e Camponês decidiu vir para a cidade de Quito. Na sexta-feira, o governo declarou estado de emergência nas províncias mais conflituosas e decretou toque de recolher na cidade de Quito das 22h às 5h. No domingo, 19, ordenaram a reintegração da Casa da Cultura e a ocuparam violentamente para impedir que as pessoas se organizassem. Os bloqueios e confrontos entre moradores dos bairros do sul de Quito e a polícia continuaram durante todo o fim de semana.

Na segunda-feira, 20 de junho, as primeiras caravanas do Movimento Indígena começaram a chegar do norte e do sul da capital e foram violentamente reprimidas. Enquanto isso, os estudantes da Universidade Central e os movimentos sociais de Quito ocuparam a Universidade para que os companheiros e companheiras que chegavam pudessem ter um lugar seguro para dormir e se organizar. À noite os caminhões cheios de manifestantes começaram a chegar aos poucos, foram reprimidos por todos os lados e tentaram impedir que chegassem a Quito.

Apenas duas universidades abriram as portas para o movimento indígena. Dado que a Casa da Cultura estava nas mãos da polícia, o centro operacional da greve nacional deslocou-se pela primeira vez para a Universidade Central. Aqui começaram a organizar os primeiros potes solidários, creches para crianças, brigadas médicas, centros de armazenamento e as primeiras linhas de resistência.

Desde a manhã de terça-feira, 21 de junho, os confrontos com a polícia começaram em todo o centro norte de Quito. Enquanto isso, as primeiras mortes já foram contabilizadas, que com o passar dos dias chegaram a 5. Um manifestante foi jogado em um barranco pela polícia, outro na província de Puyo, morreu com gás lacrimogêneo atirado em seu crânio, outros em Quito produto de pellets.

Na quinta-feira 23, a Casa da Cultura e o parque El Arbolito foram retomados por uma gigantesca marcha, as principais assembléias deslocaram-se novamente para o lugar histórico da esquerda equatoriana.

O conflito imediatamente se espalhou pelo parque e chegou às receitas da Assembleia Nacional. As linhas de frente com muito mais experiência em relação ao último ataque desta vez foram mais organizadas e protegidas.

No bairro de San Antonio, ao norte de Quito, o exército foi atacado por moradores quando tentava se estabelecer na área para reprimir os manifestantes. Um colega foi morto por um tiro dos militares.

“Lasso, você fodeu com meu povo — está fodido.”

Na sexta-feira, 24 de junho, Guillermo Lasso em rede nacional autorizou a polícia a aumentar sua força repressiva. Uma hora depois, a polícia e o exército atacaram indiscriminadamente a Casa da Cultura e a Pequena Árvore, provocando uma fuga em massa do setor. Muitas crianças e idosos foram sufocados pela violência policial.

Fomos todos perseguidos por toda a área até nos afastarmos do setor. Havia dezenas de detidos e feridos. No entanto, a polícia à noite se retirou da área.

Este fim de semana muitos companheiros e companheiras voltaram para suas comunidades e outros estão chegando. Os mutirões de limpeza foram organizados e foi dada prioridade às assembleias para organizar a terceira semana da greve nacional. No sábado, 25 de junho, houve uma grande marcha de mulheres e dissidentes.

Hoje domingo 26 na Universidade Central há shows e atividades esportivas. Na Casa da Cultura um festival artístico e cultural.

As exigências continuam as mesmas. No entanto, foi estabelecido como condição mínima para um diálogo a redução imediata do preço do combustível.

Quais são os principais sujeitos sociais hoje mobilizados no Equador? Que peso e que distribuição territorial têm? Que alianças sociais e políticas foram criadas

O movimento indígena e camponês, os estudantes e os bairros de Quito. A primeira é a mais organizada historicamente, a segunda foi novamente ativada nesta conjuntura. Os bairros de Quito são a surpresa desta greve, eles mostraram um alto nível de organização e controle do território.

Muitos companheiros e companheiras em todo o território estão apoiando a greve nacional, as principais alianças foram tecidas lá. Muitos não se organizaram entre si por divergências ideológicas, estes foram deixados de lado em vista da importância do momento. Por ainda não ter força suficiente, o movimento social, especialmente em Quito, amadureceu enormemente.

Como você avalia o papel da CONAIE nesta Greve Nacional? Está conseguindo se afirmar como o principal sujeito da oposição social à ordem neoliberal? Você está conseguindo articular alianças sociais para além do mundo indígena?

A CONAIE continua sendo o principal tema político do país e um dos mais importantes da América Latina. Sua capacidade organizacional e força coletiva continuam a surpreender. No entanto, o resultado das fraturas internas é sentido, a força que eles conseguiram colocar em campo ainda é menor do que a de 2019. Os companheiros e companheiras continuam colocando seus corpos na linha de frente por todos e todas.

Não é fácil vir dormir em estádios, no chão, em papelão por dias. Sua determinação é incrível.

Além das alianças que podem ou não ter sido geradas, eles são reconhecidos por todos como os principais defensores dos direitos coletivos da sociedade equatoriana. O que falta é que os movimentos sociais urbanos consigam se articular mais com o movimento indígena e que este também aprenda com o movimento urbano. Ainda não existe uma assembleia onde os grupos sociais possam ter capacidade de decisão sobre o que está acontecendo. Eles estão na organização diária, participam de pequenas assembleias, mas não foi possível, por exemplo, ter uma assembleia que reúna todos os movimentos sociais de Quito e as linhas de frente que estão apoiando essa greve nacional.

Como você avalia o papel de seu líder Leónidas Iza, que surgiu em outubro de 2019 como uma figura de esquerda na organização até se tornar seu presidente? Como você avalia a detenção de Iza no segundo dia de Paro? Ele está desempenhando mais um papel de agitador ou moderador no contexto de protesto social? Ele tem objetivos político-eleitorais?

Leónidas Iza é o líder absoluto da greve nacional. A CONAIE agora tem como líder uma pessoa com ideias políticas claras e excelente preparação. Uma pessoa mais radical em suas ideias do que seu antecessores. Isso lhe causou problemas dentro do movimento, mas ao mesmo tempo causou muita simpatia.

Como mencionei no início, a prisão de Iza foi o estopim que deu força à greve nacional.

O problema de Iza é que sua liderança, voluntária ou não, está ofuscando as demais lideranças sociais e indígenas. A mídia também ajudou a centralizar tudo sobre ele. Seu papel tem sido o de moderar e também de agitar dependendo do momento.

O movimento indígena quer ter o primeiro presidente indígena da história, então de uma forma ou de outra tudo o que está acontecendo em algum momento será capitalizado em nível eleitoral. Não sei se Iza ou outro personagem fará isso, mas isso é inegável.

Qual é o papel do Correismo nesta Greve Nacional e nesta situação política?

Assim como há três anos, eles participam, mas não têm o menor controle sobre o que está acontecendo. Apoiam a greve nacional e querem derrubar Lasso, por isso foram eles que convocaram o plenário da Assembleia para discutir a possibilidade de impeachment por comoção nacional.

Parece que está tramitando na Assembleia Nacional um pedido de impeachment (morte do cruzada). Quantas chances existem para isso acontecer? Você acha que é realista pensar em uma queda iminente para Lasso, seja pelo parlamento ou pelo impulso do protesto social? O que podemos esperar a seguir, um novo governo eleito pelo parlamento ou novas eleições? É algo que os movimentos patrocinam ou temem uma rearticulação da ordem política? Que perspectivas se abrem e que oportunidades se fecham?

14 dias se passaram e o governo com várias artimanhas ainda está conseguindo se manter firme. O que aconteceu na sexta-feira no nível repressivo foi um duro golpe para todos.

O movimento indígena pediu a seu braço político Pachakutic que vote a favor do impeachment como alternativa e saída para a crise atual, caso o governo não responda aos 10 pontos. Eles não podem voltar para casa com os bolsos vazios, cinco camaradas já perderam a vida.

A queda de Lasso não mudaria as coisas porque seu vice-presidente assumiria o poder com o mesmo projeto político. O que geraria é um novo precedente quanto à capacidade de obter resultados do movimento social, ainda que parciais.

Ainda não há força suficiente para dobrar Guillermo Lasso, então impeachment foi considerada uma opção.

No entanto, enquanto escrevo este texto, ainda não há votos suficientes para derrubar o presidente com a morte cruzada. Ontem, Lasso retirou estrategicamente o estado de exceção para que não haja justificativa para a comoção nacional.

Conclusões

Nos levantamos novamente, desta vez temos mais experiência, mas não força suficiente para atingir os objetivos traçados. Estamos resistindo e nos defendendo da violência policial e estatal, um dia de cada vez.

Amanhã, segunda-feira, 27 de junho, começa uma nova semana de desemprego, que será decisiva. Veremos se mais sujeitos e forças sociais se unem, se a força nos bairros aumenta, se novas estratégias coletivas de luta são encontradas, se é possível colocar o governo em dificuldade novamente. Tudo ainda é desconhecido, o que é certo é que a resistência continua e que não desistimos.

Também sabemos que esse levante não vai mudar a raiz dos problemas do país, mas sabemos que o próximo levante vai ser melhor porque aqui já estamos construindo essa possibilidade. Os processos organizativos que nasceram e que sustentam a greve (cozinhas coletivas, brigadas médicas, linhas de frente, creches para crianças) estão sendo organizados e esse tecido é o que restará depois que tudo isso passar.

A raiva é grande e a vontade de vencer também. Seguimos na luta, não desistimos.


Para saber mais e acompanhar as lutas no Equador, recomendamos os canais de notícia Wambra radio, Indymedia Ecuador, Conaie comunicación, Acapana, e Revista Crisis.


Para Ler mais

PUBLICAÇÃO EM HOMENAGEM À COMPANHEIRA LUISA TOLEDO

Apresentamos uma versão em português do zine que foi publicado no território dominado pelo Estado chileno no dia 29 de março de 2022, no marco do primeiro dia dx jovem combatente após a morte da companheira Luisa Toledo Sepúlveda.

Baixe aqui em pdf


Este ano marca 38 anos do assassinato de Rafael e Eduardo Vergara Toledo, da execução de Paulina Aguirre fora de sua casa e também o dia do sequestro dos professores Manuel Guerrero e José Miguel Parada, que mais tarde foram degolados. É mais um ano de comemoração da luta ativa da juventude combatente, mas ao mesmo tempo não é mais um ano, pois é a primeira comemoração sem a presença física de Luisa. Ao tentar escrever essas letras, a sua memória não deixa de estar presente em nossas mentes, sua força e suas palavras penetram profundamente em nossos corações, porque foi ela, Luisa junto com Manuel, que não desistiu, que resistiu e lutou contra o esquecimento, a indiferença, trilhando seu próprio caminho para fazer justiça através da memória, aquela memória que foi transmitida em cada dia 29 de março, ano após ano, no memorial aos irmãos Vergara, na Villa Francia, na entrega do pão da solidariedade, da fraternidade e do empenho na luta permanente para acabar com essa sociedade podre. Foi Luisa que não nos deixou esquecer dxs jovens combatentes assassinadxs, mas também nos convidou a fazer parte da luta contra toda opressão, nos convidou a perder o medo e nos ensinou a usar a força do ódio para lutar contra nossos inimigos.

A transmissão de sua força por meio de suas sábias palavras em cada atividade, nas universidades, em cada local que a convidou. Cada vez que ele ia abraçar e conter outra mãe que teve umx filhx tiradx pelo Estado, pela polícia ou por qualquer guardião da propriedade, a mãe de Rodrigo Cisterna, de Marco Ariel Antonioletti, Claudia López, Matías Catrileo, Jonny Cariqueo, Sebastián Oversluij, Kevin Garrido, entre muitxs outrxs assassinadxs impunemente por lacaios do sistema Estado/capital.

É o exercício da memória, a nossa memória negra, do sangue dxs nossxs mortxs, das nossas façanhas de não ter nada e dar tudo, é que a nossa história é contada e alimentada e nisso Luisa Toledo foi/é aquela mulher sábia que plantou milhares de sementes rebeldes, que foram regadas com lágrimas de raiva e ódio, mas também com o abrigo de um imenso amor por todos xs jovens combatentes, pelxs encapuchadxs que hoje continuam a nascer em todo o território.

A melhor homenagem da juventude combatente é não esquecer, é o compromisso permanente do qual Luisa falava, “com a força do ódio, de alguma forma atacá-los, mesmo que seja com um cuspe, mas esteja lá e sempre contra eles”

POR TODXS XS JOVENS COMPANHEIRXS ASSASSINADXS,
POR TODXS XS JOVENS SEQUESTRADXS NAS PRISÕES,
POR TODXS XS JOVENS MUTILADXS DURANTE A REVOLTA,
GUERRA SOCIAL CONTRA O ESTADO E O CAPITAL.!